CONCEPÇÕES
DE MEIO AMBIENTE DE LIDERANÇAS DO POVO XUCURU DO ORORUBÁ E IMPLICAÇÕES PARA
A PRÁXIS PEDAGÓGICA
Adriana Ribeiro de Barros (Mestranda em Educação/UFPE;
professora da rede estadual de ensino/PE; Rua Castro Alves, n. 105, apt. 701,
Encruzilhada, Recife-PE, CEP: 52030-060; (81) 3243-1453; barrosdidi@yahoo.com.br).
Monica Lopes Folena Araújo (Doutoranda em Educação/UFPE; professora da
Universidade Federal de Rondônia; Av. Governador Agamenon Magalhães, 2805,
apt. 103, Boa Vista, Recife-PE, CEP: 50050-290; (81) 3221-1339; folenabio@terra.com.br).
Vivianne Lins de Arruda (Mestranda em Educação/UFPE; Av. João de Barros,
1347, apt. 203, Espinheiro, Recife-PE; (81) 3241-6790; vivianne_arruda@hotmail.com).
Tereza Luiza de França (Doutora em Educação/UFRN;
professora da Universidade Federal de Pernambuco; Rua Sebastião Alencastro
Salazar, 132, CDU, CEP: 50741-370; (81) 3453-1404; sansilsi@uol.com.br).
Resumo
As
concepções de meio ambiente interferem nas atitudes das pessoas e, conseqüentemente,
na práxis pedagógica realizada na cidade, no campo ou em uma aldeia indígena.
Sob essa visão, nos dedicamos a analisar as concepções de meio ambiente de
lideranças do Povo Xucuru do Ororubá e fazer aproximações entre essas concepções
e a práxis pedagógica. Os resultados apontam para a concepção de homem como
parte do meio ambiente e, nessa lógica, produtor e produto de mudanças
positivas e negativas em relação à nossa casa planetária. Apontam também
para a práxis pedagógica por parte das lideranças do Povo Xucuru em prol da
sustentabilidade.
Palavras-chave: Meio ambiente. Povo Xucuru. Práxis
pedagógica.
Introdução
- As
questões que envolvem o meio ambiente ganharam força recentemente com a
divulgação de previsões feitas por equipes interdisciplinares especializadas.
Esses estudos foram divulgados no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
(IPCC) e trouxeram dados que exigem mudanças de atitudes imediatas para
evitarmos danos ao planeta Terra em um futuro longínquo, pois várias tragédias
locais, regionais e mundiais já estão acontecendo. Mudanças de atitude
passam, inevitavelmente, por uma mudança de concepções, de valores. E, nesse
sentido, compreendemos que essas mudanças estão atreladas à educação, seja
ela formal ou não. O Ministério da Educação, em um esforço de implantar a
temática ambiental na escola, lançou em 1998, os Parâmetros Curriculares
Nacionais, que trazem o meio ambiente como tema transversal. Cada escola tem uma
realidade diferente, um contexto social próprio, por atender a educandos de
locais diferenciados, logo, com culturas e conhecimentos cotidianos que devem
ser considerados no processo educativo para garantir uma aprendizagem
significativa, contextualizada. Sob este olhar, reconhecemos a importância de
pesquisas sobre a implantação do tema meio ambiente em escolas metropolitanas,
rurais e indígenas. No presente trabalho, nos dedicamos ao estudo das concepções
apresentadas por lideranças do Povo Xucuru do Ororubá e das possíveis relações
entre essas concepções e a práxis pedagógica porque, através do trabalho de
Souza (2008) e de contato com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), há
reivindicações desse Povo por uma educação baseada na reapropriação
cultural. Esse Povo habita a Serra do Ororubá, no município de Pesqueira-PE, e
sua reapropriação cultural é perpassada por sentidos e significados em relação
ao meio ambiente, pois até mesmo o nome do Povo explicita esse fato que foi
adotado para haver diferenciação do Povo Xucuru-Cariri, que ocupa o Município
de Palmeira dos Índios, em Alagoas. Segundo fala do cacique Chicão no livro
organizado por Almeida (2000, p. 05): “Ubá é um pau, Uru é um pássaro que
tem na mata, aí faz a junção e fica: Xucuru do Ororubá – o respeito do índio
com a natureza”. Chicão
foi o cacique assassinado em 1998 quando se dirigia a uma reunião com os
professores para discutir questões referentes ao livro que foi organizado por
Almeida (2000). O livro “Xucuru filhos da mãe natureza: uma história de
resistência e luta” explicita a história, as crenças e a cultura do Povo
Xucuru do Ororubá. Após a morte de Chicão seu filho Marcos foi escolhido para
substituí-lo.
1. Objetivo
geral: Analisar as concepções de meio ambiente de lideranças do Povo
Xucuru do Ororubá e fazer aproximações entre essas concepções e a práxis
pedagógica. Objetivos específicos: Identificar
as concepções de meio ambiente presentes no Povo estudado, verificar como se dá
à práxis pedagógica em relação à temática ambiental e estabelecer relações
entre as concepções de meio ambiente encontradas e as implicações para a práxis
pedagógica.
2. Concepções
de meio ambiente e práxis pedagógica - As
concepções de meio ambiente são fundantes na constituição de atitudes e
valores em relação às questões ambientais. Isso significa dizer que as ações
cotidianas, políticas, educacionais e econômicas dependem do que um indivíduo
acredita ser meio ambiente. A fim de desvelarmos a relação entre as concepções
de meio ambiente e as implicações dessas na práxis pedagógica, trazemos
alguns autores para dialogar com nosso objeto de estudo.
Canotilho (1995) entende meio ambiente como sendo o conjunto dos
elementos que, na complexidade das suas relações, constituem as condições de
vida do homem, na forma de ser e sentir. Esta é uma das poucas definições de
meio ambiente em que observamos a referência ao homem como componente do mesmo.
O ecólogo Ricklefs (1973) defende que meio ambiente é o que envolve um
organismo, incluindo as plantas e os animais, com os quais ele interage. O ecólogo
Duvigneaud (1984) diz que o meio ambiente se constitui de dois aspectos: meio
ambiente abiótico e químico e meio ambiente biótico. Em Reigota (2001)
encontramos que meio ambiente é o lugar determinado ou percebido, onde os
elementos naturais e sociais estão em relações dinâmicas e em interação. Percebemos
nas concepções aqui explicitadas um caráter restritivo frente à complexidade
da temática ambiental e acreditamos que a noção de ambiente deveria ser
encarada como o conjunto de recursos naturais e humanos que em determinado(s)
espaço(s) e tempo(s) se tornam úteis ao bem estar social e ao desenvolvimento
sustentado. As definições nos parecem restritivas porque não discutem a questão
ambiental no contexto do desenvolvimento sócio-econômico-político. Assim, estão
desvinculadas dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, uma série de
indicadores socioeconômicos a que as nações da Organização das Nações
Unidas (ONU) se comprometeram a atingir até 2015. Estes são: erradicar a extrema pobreza e a fome; atingir o
ensino básico universal; promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das
mulheres; reduzir a mortalidade infantil; melhorar a saúde materna; combater o
HIV/AIDS, a malária e outras doenças; garantir a sustentabilidade ambiental e;
estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento. Segundo
o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (1996, p. 63-65), as relações
entre crescimento, desenvolvimento e sustentabilidade local e global, não podem
ser esquecidas nas discussões sobre a problemática ambiental. Sugerimos que a
noção de meio ambiente, seja encarada numa abordagem mais complexa, se a temática
ambiental for encarada na óptica das disponibilidades, produção e/ou consumo
(des)igual, (in)sustentável, (ir)racional, globalizado, localizado dos recursos
de desenvolvimento, materiais e imateriais, naturais e humanos.
Nesse contexto, a
preocupação com o desenvolvimento sustentado ganhou espaço em instituições
educacionais, governos, comunidades e grandes empresas. Segundo
Gadotti (2000, p.35) “O conceito de sustentabilidade foi ampliado. Ele permeia
todas as instâncias da vida e da sociedade”. Hoje podemos falar em
sustentabilidade econômica, ambiental, social, política, educacional e outras.
Então se há um limite para o crescimento das
atividades do homem na Terra, essa linha divisória é justamente o modo como o
ser humano concebe meio ambiente e interage com a natureza. Ruschmann (1999)
afirma que o meio ambiente constitui-se matéria-prima da produção, logo, a
inter-relação entre produção e meio ambiente é incontestável. E esta produção
deve ser constantemente (re) avaliada para que se possam evitar seus efeitos ao
valioso patrimônio ambiental. Os problemas ecológicos surgem, e igualmente são
sérios, no processo de criação de riqueza através da industrialização como
nas condições de pobreza. De fato o que mais interessa e preocupa não são os
problemas ecológicos, mas, sim, os ambientais, no sentido mais lato, que por
serem locais, regionais e globais não podem ficar fora da práxis pedagógica.
Freire (1987) nos diz que práxis é reflexão e ação dos homens sobre o mundo
para transformá-lo. A práxis é também definida por Evangelista (1992) como
sendo a síntese entre a atividade prática dos indivíduos e o conhecimento
necessário e suposto em toda atividade desenvolvida pelos humanos. Souza (2007)
traz contribuições significativas para a discussão sobre práxis ao concordar
com Freire dizendo que práxis pedagógica é a prática educativa refletida e
teorizada (p. 207). Assim, a práxis é defendida pelo autor como concretização
do currículo por meio das relações que se estabelecem entre educadores (prática
docente), gestores (prática gestora) e educandos (prática discente), mediados
pelos conhecimentos (prática gnosiológica e/ou epistemológica).
Somente através de uma práxis pedagógica podemos propiciar a formação
humana voltada ao desenvolvimento da ética, da cidadania, da solidariedade, do
diálogo, do sentido de homem como elemento constituinte do meio ambiente. Nesse
sentido, acreditamos que uma mudança nas concepções e, consequentemente, nas
atitudes das pessoas em relação ao meio ambiente, perpassa a educação e a
cultura, representadas em nosso trabalho, pelas professoras, pelo cacique e pelo
pajé do Povo Xucuru. Nessa direção, Reigota (1991) dedicou-se a identificar
concepções de meio ambiente de professores e a relacioná-las à prática
docente: Naturalista – o meio ambiente é visto como sinônimo de natureza
(intocada) e de harmonia. Segundo o autor, esses professores resumem-se a
transmitir conhecimentos sobre a natureza; Globalizante – evidencia as relações
recíprocas entre natureza e sociedade. Suas aulas objetivam a sensibilização
dos alunos sobre a necessidade de se preservar as interações existentes tanto
no meio natural como no meio social e Antropocêntrica – reconhece a
interdependência entre elementos bióticos e abióticos e a ação
transformadora do homem sobre os sistemas naturais, alterando o “equilíbrio
ecológico”. Sua prática pedagógica objetiva a conscientização dos alunos
quanto à preservação dos recursos que utilizam e dos quais dependem para sua
sobrevivência. Não
podemos esquecer que professores são pessoas que “... Como membros de uma
instituição social, participam do jogo de relações que aí acontece,
sofrendo e exercendo influência” (FALSARELLA, 2004, p.68). Isso significa que
as concepções ambientais podem ser revistas e reconstruídas a partir da
avaliação de si próprio e do coletivo.
3.
ABORDAGEM METODOLÓGICA - A problemática em questão versa de procedimentos metodológicos
denominados metodologia, e essa “inclui as concepções teóricas da
abordagem, o conjunto de técnicas que possibilita a apreensão da realidade e
também o potencial criativo do pesquisador” (MINAYO, 1998, p. 22). É com
base nesses pressupostos, que a pesquisa qualitativa, considera aspectos
arraigados diante da realidade. As entrevistas com os atores sociais foram
realizadas então, na aldeia, onde estão cravadas suas raízes. Para tal, tomamos a Etnometodologia como
abordagem metodológica que entende como meio primordial as abordagens
microssociais dos fenômenos, dando maior importância à compreensão do que à
explicação, desta forma, valoriza exatamente as interpretações, que passam a
ser o objeto essencial da pesquisa. “Dá-se aí a mudança de paradigma sociológico:
com a etnometodologia, passa de um paradigma normativo para um paradigma
interpretativo” (COULON, 1998, p.10). O autor define essa abordagem como a ciência
dos etnométodos, isto é, procedimentos que constituem o raciocínio sociológico
prático. Em outras palavras, é constituída em analisar as maneiras habituais
de proceder que são mobilizadas pelos atores sociais comuns nas ações assíduas
em sua vida cotidiana. Ao analisar as concepções do Povo Xucuru e as implicações dessas na
práxis pedagógica, a Etnometodologia aponta possibilidades teóricas para
adentrar nesse universo e identificar possíveis transformações e implicações
sociais. Suas contribuições para uma pesquisa em educação são referendadas
por Macedo (2006, p. 78), compreendendo que a Etnometodologia e educação fundam um encontro tão
seminal quanto urgente, em face da parcialidade compreensiva fundada pelas análises
‘duras’. Para o autor, pelo veio interpretacionista etnometodólogos
interessados no fenômeno da educação buscam o tracking dos etnométodos
pedagógicos, isto é, uma pista pela qual tentam compreender uma situação
dada, bem como praticam a filature, ou seja, o esforço de penetrar
compreensivamente no ponto de vista do autor pedagógico; se apóia em recursos
culturais partilhados que permitem não somente o construir, mas também o
reconhecer. Refletindo sobre qual seria o caminho adequado para coletar os dados
necessários, a entrevista narrativa e a observação participante tenderam como
etnométodos. A entrevista narrativa é uma forma de entrevistar que encoraja e
estimula o entrevistado a narrar à história de algum acontecimento importante
de sua vida num determinado contexto social. Saliente-se que essa narrativa não
é apenas uma listagem de acontecimentos, mas uma tentativa de ligação destes
aos elementos tempo e espaço (JOVCHELOVITCH; BAUER, 2002).
Nesta preparamos um roteiro que iniciava solicitando aos entrevistados que
falassem sobre o que é meio ambiente e como é a relação do Povo Xukuru com o
meio ambiente, pois entendemos que a noção básica da entrevista narrativa é
reconstruir acontecimentos sociais a partir do panorama dos informantes
(JOVCHELOVITCH e BAUER, 2007). Utilizamos caderno de campo, gravação em áudio
e vídeo como fontes de registro. A
observação participante é um procedimento que solicita cuidado peculiar,
pois, ao colhermos os dados, estamos em uma conexão face a face com os
observados, fazendo parte do contexto. De acordo com Minayo (1998), esse tipo de
observação iniciou-se na antropologia, tendo Malinowski como fundador de suas
bases metodológicas fundamentais para a sua legitimidade.
Buscamos então um envolvimento deliberado na situação da pesquisa visando à
compreensão das concepções de meio ambiente e suas implicações na práxis
pedagógica no Povo Xucuru. Coletamos os dados na aldeia de São José, próxima
ao açude de Santana, que abastece a cidade de Pesqueira, logo, é uma terra
produtiva. Nessa aldeia, foi possível o contato com as professoras da Escola
Indígena Rei do Ororubá e da Escola Indígena Natureza Sagrada, bem como, com
o cacique e o pajé. A opção pelas professoras Xukuru está relacionada à
responsabilidade que essas possuem, pois no Povo Xukuru, elas têm de manter e
garantir a reapropriação da identidade desse grupo social. Encontramos no
texto dos professores Xukuru presente no livro de Almeida (2000): “[...] Em
sua maioria, os professores são indígenas e estão comprometidos com a causa,
com a luta dos Xukuru, o que favorece o fortalecimento de nossa identidade,
cultura e tradição” (p. 37). Daí, ressaltamos a importância de salientar
que os estudos das crianças Xucuru em suas escolas indígenas se desenvolvem até
a quarta série, em seguida sua continuidade se estabelece na cidade de
Pesqueira. No caso do pajé a escolha se deu em virtude do que este representa e
pelo o que ele é considerado no Povo Xukuru, sendo então como aquele que tem o
dom da sabedoria e do conhecimento sobre os antepassados, ele representa um pai,
um médico, um padre, e tem o poder de curar por meio da religião e da natureza
e também participa de decisões significativas, como a escolha do cacique. No
momento em que o cacique Chicão foi assassinado, a escolha de seu sucessor, foi
realizada pelo pajé, sendo então seu filho Marcos o sucessor. Representante de
todas as vinte e três aldeias que pertencem ao território Xukuru, o cacique é
a pessoa quem procura os recursos para as comunidades indígenas. As aldeias são:
Cimbres, Couro Dantas, Bem-te-vi, Lagoa, Caetano, Santana, Pé-de-Serra,
Pendurado, Caldeirão, Oiti, Gitó, Afetos, Guarda, Cabo do Campo, Cajueiro,
Capim de Planta, Boa Vista, Brejinho, Canabrava, São José, Pedra d’ Água,
Caípe e Curral Velho. Em depoimento de professores Xukuru, encontramos:
“Todos os índios do nosso povo respeitam o cacique como se fosse um pai”
(ALMEIDA, 2000, p. 63).
4.
Resultados e discussão - Concepções de meio ambiente e as implicações na práxis
pedagógica. Percebemos que o Povo Xukuru tem a concepção de que o meio
ambiente é a natureza em si e isso nos foi revelado na fala de Chicão
encontrada no livro de Almeida (2000) e também nas seguintes falas:
“É a natureza. Vou dizer uma coisa: o que eu entendo do meio ambiente é
nós não devastarmos, e só estragarmos um setor para nós trabalharmos, [...]
tiramos o pau que houver necessidade para fazer coisa, [...]” (Pajé).
Compreendemos que no aspecto social estão inclusos valores culturais que
determinam a relação homem-meio ambiente. Relação essa que, no Povo Xukuru,
não é ditada por uma racionalidade somente econômica, mas principalmente, por
uma racionalidade ambiental e social. Vejamos outra fala:
“Meio ambiente é tudo porque é dele que a
gente sobrevive, o ar que respiramos vem dele, é o que comemos [...] é a vida,
sem ele não há ser humano que sobreviva”. (Professora 2). Identificamos
nesta fala que a concepção de que meio ambiente é tudo, é vida. Nas falas do
pajé, da professora e do cacique evidenciamos essa relação que ultrapassa os
limites de somente tentar cuidar do que o Povo Xukuru tem, mas de lutar pela
terra. Dessa forma, o ser humano é encarado como parte do mesmo, e não
simplesmente como um ser que nele interfere.
[...] ambiente pra mim é a base do ser humano, porque sem o meio
ambiente não existiria o ser nele [...] então a gente tem que cuidar do nosso
meio ambiente porque é dele que a gente sobrevive, é dele que a gente tira
nossa alimentação. (Professora 1).
Eu
penso que meio ambiente está relacionado à terra. Se a gente não tiver a
terra a gente não tem nada, inclusive a água; porque a água se sustenta em
cima da terra, então, essa relação primeiro é a terra. Por isso preservá-la
porque essa terra vai servir para as gerações futuras... A gente não tem a
terra como objeto de especulação e sim como algo de sustentabilidade para as
gerações futuras. (Cacique).
Essa
concepção permite a formação de olhares mais humanos em relação ao meio
ambiente, pois parte do princípio que, se interfiro nele e ele sou eu, tudo que
do meio ambiente extraio, o faço de mim mesmo. Essas concepções nos permitem fazer algumas aproximações com a
práxis pedagógica desenvolvida no Povo Xucuru, pois apontam para ações
concretas que interferem nas atitudes e valores construídos. Nesse contexto, o
cacique nos traz esclarecimentos quanto à preocupação do Povo Xucuru em relação
à Educação, entendida por ele como promotora do desenvolvimento da cultura e
mantenedora de condições subjetivas e objetivas da humanização. Segundo o
mesmo: “A gente tem
inclusive trabalhado nas escolas, com as crianças, nos projetos didáticos, da
preservação do meio ambiente, que destino dar ao lixo, [...] às vezes é difícil
trabalhar com o adulto, mas com as crianças é muito mais tranqüilo porque estão
em formação, [...] (Cacique). Percebemos na fala do cacique que há melhores resultados quando a
intervenção ocorre na infância e/ou juventude, o que não significa que não
haja investimento das lideranças em relação à população adulta, que é
sensibilizada constantemente para cuidados com o lixo e outras temáticas
igualmente relevantes para a melhoria das condições de vida na aldeia. Essa
sensibilização é uma importante etapa para a incorporação de novos valores
em relação ao meio ambiente que se refletem em atitudes que se manifestam como
uma espécie de currículo oculto que podem ser perpetuados de geração em geração.
Quanto a esse assunto, a professora P1 nos diz: “[...]
a preocupação da educação é essa de sempre tá repassando, pras crianças,
e assim o que a gente tem como base são os nossos mais velhos... e se a gente não
fizer isso agora quando eles se forem, fica difícil, não tem como a gente ter
mais, [...].
A preocupação
demonstrada pela professora quanto à perda das pessoas mais velhas da aldeia
deve-se ao longo período em que os mesmos estiveram desarticulados enquanto
Povo Xucuru, período esse que corresponde à fase de invasão de suas terras
por fazendeiros e perseguição ao Povo, que se sentiu oprimido em relação a
seus rituais, à sua cultura. Dessa forma, houve perda de valores culturais e de
saberes de uma geração. Para que esse fato não venha a se repetir, as lideranças
do Povo Xucuru vêm tentando implementar alguns projetos, entre eles destacamos:
registro em áudio e vídeo de saberes de gerações mais velhas, catalogação
de plantas medicinais em forma de livro para a equipe multidisciplinar de saúde
e para as escolas e, ainda o desenvolvimento de uma
horta para cada escola fruto da construção
de projetos didáticos nas escolas que orientam o trabalho docente,
estruturantes do Projeto Político Pedagógico (PPP) das escolas Xucuru que
apresenta cinco eixos principais: terra, história, organização,
interculturalidade e identidade. Existe uma escola, que já tem sua própria
horta, e ela é totalmente orgânica e foi a partir
dessa horta que se tornou possível a realização de um encontro sobre culturas
indígenas, resultado da culminância dos projetos realizados por 42 escolas
mediante diferentes temáticas relacionadas às questões ambientais.
5.
Considerações Finais - Ao identificarmos as concepções de meio ambiente de lideranças
do Povo Xukuru do Ororubá, nos deparamos com uma cultura rica em busca de
fortalecimento de identidade mediante a sensibilização das afetividades,
conscientização do patrimônio ambiental, e a responsabilidade educativa de
seus membros sociais. Arraigada de valores religiosos muito fortes, como a
presença dos encantados nos rituais realizados nas matas, que faz com que a
natureza seja considerada sua mãe e a sua manutenção e defesa seja condição
primordial à realização não apenas de seus rituais sagrados, mas de sua
sobrevivência. Sendo assim, cultura, meio ambiente e educação integram-se na
essência do viver. Percebemos que os processos educativos desenvolvem atitudes
e ações permanentes para o desenvolvimento da capacidade de perceber, refletir
sobre os espaços em que vivem e sobre as relações que seus membros
estabelecem com eles. Constatamos que o Povo Xukuru considera-se parte do meio
ambiente com base em seu respeito pela natureza e seus saberes culturais. Esse
fato se manifesta até mesmo em sua concepção de morte expressa pelo cacique:
“Nós não somos enterrados, mas sim plantados, porque de nós vão surgir
novas sementes, novos guerreiros”. Guerreiros que defendem o meio ambiente e
que, nessa perspectiva, sabem que estão defendendo a si mesmos. Desde a mais
tenra idade, os guerreiros mirins, como chamam as professoras, vão-se
formalizando pelos saberes culturais que vivem cotidianamente, ou que são
aprendidos com os mais velhos, e ainda, pelas experiências culturais vividas no
interior das escolas. Desta forma, o processo de ensino-aprendizagem é
retroalimentado dentro e fora da escola, para todos os guerreiros do povo
Xukuru, numa ação coletiva de formação humana.
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