Não podemos pensar em desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades sociais e em qualidade de vida sem discutirmos meio ambiente. - Carlos Moraes Queiros
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 88 · Setembro-Novembro/2024
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ESTUDO SOBRE A CADEIA PRODUTIVA DA MANDIOCA
1Adriano Berwanger
1Técnico em Agronegócio e Pós-graduando no Curso de Especialização em Gestão Pública Municipal da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) Email: adrianoberwanger@gmail.com
Este artigo faz parte da disciplina de Cadeias Produtivas Agrícolas, aplicada para o curso Técnico em Agronegócio no Instituto Federal Farroupilha, Centro de Referência São Gabriel/RS. O objetivo do artigo é apresentar de maneira teórica a cadeia produtiva da mandioca, que é um dos produtos mais populares da alimentação da Brasileira, envolvendo os principais elos, suas especificidades e interligações. A disciplina tinha por objetivo fazer com que os alunos descobrissem e entendessem o processo produtivo desse importante produto da agricultura e que move parte do agronegócio Brasileiro. Palavras- chave: cadeia produtiva da mandioca, mandioca, elos da cadeia produtiva da mandioca
Abstract: This article is part of the Agricultural Productive Chains course, applied to the Agribusiness Technical Course at the Farroupilha Federal Institute, São Gabriel / RS Reference Center. The objective of this article is to present in a theoretical way the cassava production chain, which is one of the most popular products of Brazilian food, involving the main links, their specificities and interconnections. The objective of the course was to make the students discover and understand the productive process of this important agricultural product and that moves part of the Brazilian agribusiness. Keywords: production chain of cassava, manioc, links in the cassava production chain
INTRODUÇÃO Dentro do contexto da produção agropecuária e florestal desenvolveu-se o conceito de cadeia produtiva. Este conceito reflete uma visão sistêmica, onde a produção pode ser representada em um sistema, conectando diferentes fluxos (de material, capital e informação) que o compõe. Nesse sentido, observa-se a possibilidade de utilizar este conceito nas mais diversas áreas, com a finalidade de elaborar estratégias para o desenvolvimento dos processos de produção (CASTRO et al., 2002). Destaca-se neste trabalho o estudo da cadeia produtiva da cultura da mandioca, um dos importantes produtos da agricultura. De acordo com diversos autores, o cultivo da mandioca está estabelecido em todo o mundo, principalmente em países tropicais e em desenvolvimento (CHISTÉ; COHEN, 2006; FIALHO; VIEIRA, 2013). Para Fialho e Vieira (2013), a provável origem da cultura é o centro da América do Sul, especificamente na Amazônia Brasileira, sendo os indígenas responsáveis pela sua distribuição. A mandioca é um dos produtos importantes para a segurança alimentar da população das áreas produtoras, uma vez que apresenta capacidade elevada de produção, versatilidade de usos, flexibilidade de plantio e colheita e importância sociocultural (FIALHO; VIEIRA, 2013). No Brasil, é um dos produtos mais populares da alimentação desde a colonização, sendo preparada de diferentes formas e ocupando papel relevante na identidade cultural de determinadas regiões (NOGUEIRA PINTO, s/d). Para Nogueira Pinto (s/d), os vários aspectos que envolvem desde o cultivo até a transformação do produto, confere a mandioca e seus produtos derivados, importância econômica e social. O processamento industrial do produto no Brasil, concentra-se principalmente na produção de farinha, com cerca de 80%, enquanto a extração de fécula aparece com cerca de 3%, e o restante voltado para a alimentação animal (MATTOS et al., 2006).
A ideia de cadeia produtiva refere-se ao processo produtivo e a configuração de etapas nas quais os produtos são processados, armazenados e distribuídos, até alcançar o mercado consumidor. No entanto, tanto o processo produtivo quanto as demais etapas podem apresentar variações regionais, principalmente, muito dependentes das especificidades que são determinadas pelos atores sociais e institucionais (CARVALHO; COSTA, 2013). Neste trabalho, apresenta-se a idéia geral de uma cadeia produtiva, elaborada a partir de pesquisas oriundas de diferentes fontes e regiões, que está representada na (Figura 1).
Figura 1: Fluxograma da cadeia produtiva da mandioca. Fonte: elaborado pelo autor
A primeira etapa do processo que compõe a cadeia produtiva da mandioca refere-se ao plantio ou produção da mandioca. Para isso, o maior vínculo está relacionado ao produtor rural, responsável pelo plantio e colheita. Além disso, este elo na cadeia produtiva necessita de fornecedores, que podem ser agências de crédito ou de pesquisa, responsáveis por financiar e auxiliar o produtor, bem como fornecedores de máquinas e insumos agrícolas em geral. A segunda etapa da cadeia produtiva está relacionada ao processo de transformação da mandioca. Esta etapa ocorre a partir da disponibilidade do produto, pelo produtor, por meio da colheita e oferta para a indústria. A indústria é responsável pelo processamento deste produto, do qual resultam subprodutos (principalmente a fécula). Após o processo de transformação, tem-se a etapa de comércio, responsável pela distribuição dos produtos gerados pela indústria (transformação), que inclui o transporte e venda dos produtos. Nesta etapa pode ser vinculado o mercado de exportação, diretamente da indústria para mercados internacionais. A última etapa do processo, neste caso, refere-se ao consumidor final, que pode estar vinculado a esferas completamente distintas. Uma das partes esta relacionada ao consumidor que adquire o produto in natura, diretamente do produtor rural. Quando esta etapa vincula-se aos produtos gerados pela indústria, o consumidor pode estar em mercados de atacado ou varejo, nacionais ou receptores dos produtos exportados. Em todos os casos, o consumidor final adquire os produtos em supermercados, feiras ou restaurantes.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2014), o cultivo da mandioca está localizado em todo território nacional (Figura 2). No entanto, a quantidade de área plantada nas unidades da federação é bastante variável. Esta distribuição pode considerar diferentes fatores, entre eles a tradição regional e as condições ambientais para o cultivo.
Figura 2: Área plantada (hectares) de mandioca no ano de 2014 de acordo com as Unidades da Federação. Fonte: Produção Agrícola Municipal - IBGE, 2014.
Considerando uma análise evolutiva da área destinada ao plantio da cultura de mandioca, constata-se que a área plantada nos estados da federação apresenta modificações no decorrer do tempo. Conforme a figura 3, que mostra a área destinada ao plantio da mandioca nos anos de 1994, 2004 e 2014, considerando apenas os dez estados com maior área no ano de 2014, é possível observar estas modificações. A maior parte destes estados não apresentou uma tendência linear de aumento ou diminuição da área plantada, exceto o Rio Grande do Sul e Ceará, que apresentavam maior área cultivada em 1994 diminuindo essa extensão até 2014.
Figura 3: Área plantada (hectares) de mandioca nos anos de 1994, 2004 e 2014 considerando as dez Unidades da Federação com maior área plantada em 20141. Fonte: Produção Agrícola Municipal - IBGE, 2014.
Comparando a área plantada com a quantidade efetivamente produzida, os dados da produção agrícola municipal do IBGE, em 2014, mostram que o estado do Pará é a unidade da federação com maior área territorial destinada ao plantio da mandioca, totalizando aproximadamente 350 mil hectares, tendo produção de aproximadamente cinco milhões de toneladas. Na figura 4 é possível verificar as dez unidades da federação com maior área (hectares) destinada ao plantio de mandioca, bem como a quantidade produzida (toneladas) nestes locais. Destaca-se o estado do Paraná, que apresentou em 2014 uma área de aproximadamente 150 mil hectares, para plantio de mandioca, e uma produção de aproximadamente quatro milhões de toneladas. Em contrapartida, estados como Bahia e Maranhão (com aproximadamente 200 e 180 mil hectares de área plantada, respectivamente) apresentaram maior área destinada ao plantio de mandioca comparado ao estado do Paraná, no entanto, a produção foi consideravelmente menor (2 milhões na Bahia e 1 milhão e 600 mil no Maranhão).
Figura 4: Unidades da Federação entre as dez com maior área plantada (hectares) e quantidade produzida (toneladas) de mandioca no ano de 2014. Fonte: Produção Agrícola Municipal - IBGE, 2014.
O estado do Ceará, que figura entre as dez unidades mais representativas em relação à área plantada, apresenta-se como décimo segundo em quantidade produzida. Já Mato Grosso do Sul, que não está na lista dos dez estados com maior área destinada ao plantio, aparece em oitavo colocado quando refere-se a quantidade produzida. O estado do Rio Grande do Sul é o sexto em área plantada (70 mil hectares) e produz cerca de 1 milhão de toneladas.
Conforme estudo desenvolvido pelo SEBRAE (2012), no cultivo de mandioca no Brasil podem ser identificados três perfis de produtores: doméstico, familiar ou empresarial. 1) a unidade doméstica - predominam pequenos produtores que desenvolvem suas atividades manualmente da plantação à colheita, com reduzido ou nenhum uso de fertilizantes e agrotóxicos. Este perfil é encontrado na maior parte do Brasil, sendo o cultivo realizado em uma área de plantio reduzida e responsável pelo abastecimento doméstico ou local (SEBRAE, 2012); 2) a unidade a familiar - estabelecida em áreas pequenas ou grandes, com maior ou menor grau de utilização da tecnologia. Produtores que operam com máquinas aumentam a eficácia da produção e apresentam condições de competitividade, inclusive para inserção do seu produto na indústria (SEBRAE, 2012); 3) a unidade empresarial - se distingue pela contratação de mão de obra e "o nível tecnológico nem sempre é fator distintivo, uma vez que os investimentos podem ser muito semelhantes aos dos produtores familiares". Garantem grande participação no mercado e estão localizados principalmente nas regiões Sul e Sudeste, atuando mais fortemente na transformação industrial da mandioca (SEBRAE, 2012). Outras formas de classificação podem ser encontradas em função da regionalização. Andrade (2012), em trabalho sobre a organização dos produtores para a cadeia produtiva no Estado do Pará, destaca que os mandiocultores podem ser classificados em mini/pequeno produtor, médio produtor ou produtor associado, remetendo este arranjo às associações de produtores. Considerando o Estado do Pará, Andrade (2012) comenta que a cultura da mandioca é uma das atividades agrícolas mais difundidas e se destaca pelo volume de produção. Isso se deve principalmente por questões culturais, onde a utilização da mandioca na culinária é muito abrangente. No entanto, o cultivo está voltado essencialmente para a subsistência, sendo pouco explorado como matéria prima em derivados industriais. Além disso, os produtores envolvidos no cultivo da mandioca detêm baixos níveis de escolaridade e qualidade de vida. (ANDRADE, 2012).
A disseminação da cultura da mandioca se deve a diferentes fatores, entre os mais importantes, a facilidade de cultivo, não exigindo solos muito férteis e técnicas sofisticadas durante todas as fases da produção. Ainda, a resistência a pragas, capacidade de reprodução, regeneração e adaptação a distintas condições ambientais, bem como a tolerância a períodos de estiagem podem ser considerados aliados para este cultivar (EMBRAPA, 2003). Além disso, atualmente os produtores tem acesso a diferentes variedades e híbridos, geneticamente melhorados, desenvolvidos por organizações governamentais ou privadas (SEBRAE, 2012). A primeira etapa no processo de produção da mandioca refere-se a escolha da área de plantio, considerando as condições climáticas locais e as características do solo (ANDRADE, 2012). Sendo as raízes o produto chefe da mandioca, pesquisadores consideram que este produto necessita de solos profundos e bem arados (soltos), como os solos arenosos, que possibilitam um "fácil crescimento das raízes, pela boa drenagem e pela facilidade de colheita". Solos muito argilosos devem ser evitados, pois nesse caso, ao contrário do solo arenoso, inibem o crescimento das raízes e podem dificultar a colheita, principalmente se coincidir com época seca (SOUZA; FIALHO, 2003; FIALHO; VIEIRA, 2013). Terrenos com topografia plana, sujeitos a acúmulo de água periódico ou muita umidade, são também inadequados para o cultivo da mandioca. Isso se deve pelo fato de este tipo de condição dificultar o crescimento das plantas e facilitar o apodrecimento das raízes. Somado a este fator, a presença de uma camada argilosa ou compactada imediatamente abaixo da camada arável pode prejudicar a drenagem e a aeração do solo (SOUZA; FIALHO, 2003; FIALHO; VIEIRA, 2013). Considerando as condições climáticas locais, a época de plantio pode minimizar a influência de fatores que interferem no desenvolvimento e produtividade da mandioca, e é determinada, além de características climáticas, pela variedade (ciclo e fases da cultura) e pelo destino da produção. Nesse sentido, a umidade no solo se torna uma das características mais importantes, sendo necessária para a brotação e enraizamento, pode ser um fator negativo quando em quantidade excedente. Ou ainda, a falta de água durante os primeiros meses após o plantio pode causar perdas à brotação e à produção (MATTOS et al., 2006). Posteriormente a escolha da área e época de plantio, o preparo do solo e o investimento nos insumos, desde a própria maniva-semente, bem como produtos para correção do solo e formicida (ANDRADE, 2012), são etapas que não demandam da cultura da mandioca, técnicas muito sofisticadas (EMBRAPA, 2003). No entanto, Andrade (2012) comenta que para a preparação do solo é necessário a eliminação da vegetação existente ou a utilização da mesma como cobertura, bem como a remoção de plantas daninhas. Em muitos casos, a abertura de sulcos realizada pela aragem e gradagem, durante o processo de preparação do solo, auxilia principalmente na fase de plantio e no controle de algumas pragas. Em muitos casos, o cultivo da mandioca é realizado em sistemas convencionais de preparo do solo, fator que pode agravar problemas de erosão, tornando a cultura insustentável em muitos locais (ALBUQUERQUE et al., 2012). Como forma de alcançar maior produtividade, Otsubo et al. (2008) comentam que a utilização do plantio direto ou o cultivo associado ao uso de plantas de cobertura do solo, são técnicas que podem ser implementadas e geram melhores resultados quando comparadas ao plantio convencional. Além do incremento na produtividade, estas formas de plantio aumentam a sustentabilidade dos sistemas de produção de mandioca, e garantem condições mais favoráveis ao desenvolvimento das plantas.
"A utilização de práticas conservacionistas de manejo do solo tem recebido grande ênfase da pesquisa atualmente, basicamente no que se refere à manutenção e à melhoria das propriedades físicas, químicas e biológicas dos solos cultivados e às suas implicações no rendimento das culturas" (OTSUBO et al., 2008).
Em pequenas propriedades, por exemplo, o cultivo da mandioca associada a outras culturas também pode auxiliar na conservação do solo. Além disso, garante o desempenho econômico da atividade, mantém a ocupação da mão de obra por um período maior e subsidia a alimentação familiar, gerando sustentabilidade para a propriedade (ANDRADE, 2012). Em estudo desenvolvido por Lima et al. (2015), os autores concluíram que a prática do cultivo consorciado ou com aplicação de cobertura morta, podem ser consideradas como boas opções de manejo, eficaz na redução do escoamento superficial, e consequentemente diminuindo perdas de solo, "podendo ser recomendada em cultivos agrícolas como alternativa sustentável do uso do solo", aliado as condições de uma renda adicional aos agricultores.
Formas e Características do Escoamento A trajetória do produto desde o produtor até o destino final pode ser considerado como o canal de comercialização. Esta ideia sugere que uma empresa/agroindústria ou pessoas se organizam em torno das funções de comercialização (beneficiamento, transporte, armazenamento, entre outros) existentes entre a obtenção do produto até o consumo final (FIALHO; VIEIRA, 2011). Em alguns casos, as etapas de processamento e distribuição são realizadas por um setor, produtor/empresa, que processa e distribui os produtos (farinha, raízes frescas e de fécula). Geralmente, as raízes frescas são comercializadas em feiras, para atravessadores, para agroindústrias e supermercados. Já a farinha, pode ser vendida em feiras e repassada para supermercados. No caso da fécula, a comercialização é feita diretamente para as empresas que irão utilizá-la como insumo em outros processos industriais. O crescimento de associações e cooperativas ainda não substitui o intermediário como agente de comercialização, que se referem a caminhoneiros ou comerciantes estabelecidos nos centros urbanos (SOUZA; FIALHO, 2003). No entanto, a organização de produtores apresenta vantagens econômicas, principalmente relacionadas com a facilidade de acesso a crédito, na busca de visibilidade para o produto e competitividade. Quando se refere a produtores isolados, a produção dispersa aumenta custos e transfere o controle da comercialização para intermediários. Quando associados, a organização de todas as etapas facilita a elaboração de estratégias de inserção nos mercados para comercialização e aumenta a capacidade de competitividade (FIALHO; VIEIRA, 2011). Em uma comparação entre o estado do RS e o Brasil sobre o destino da produção de mandioca, Morlin et al. (s/d), observando dados do censo de 2006, mostraram que agentes intermediários foram o principal destino da venda do produto, tanto no país como no estado, seguido pela venda para indústria e por último aos consumidores. Exclusivamente no RS, a venda direta ao consumidor se mostrou muito importante, porém foi menor no Brasil, onde a participação da indústria é maior para a produção de farinhas e tapioca. Em grande parte da região norte e nordeste, onde a produção geralmente é realizada em pequenas áreas e o beneficiamento em pequenas agroindústrias, as formas de escoamento se caracterizam pelo aproveitamento das características locais. No estado do Acre, por exemplo, Papa et al. (s/d) comenta que a distribuição geográfica das casas de farinha apresenta relação com o zoneamento territorial do Estado, localizando-se próximas de rios navegáveis e estradas. Sendo a farinha de mandioca um produto importante para obtenção de renda em comunidades amazônicas, a existência da proximidade de uma via de escoamento para garantir a venda dos produtos é essencial (PAPA et al., s/d).
O beneficiamento da mandioca é uma atividade antiga, iniciada ainda com os índios. Atualmente, em locais onde a produção e beneficiamento estão relacionados à área familiar ou a pequenas agroindústrias, casas de farinha garantem emprego e renda para os produtores, movimentando a economia das localidades onde estão inseridas. Por caracterizarem-se como estabelecimentos de estrutura familiar tradicional, muitas vezes apresentam infraestrutura imprópria aos padrões de higiene e qualidade, além de equipamentos rudimentares e falta de gestão capacitada (SANTOS et al., 2009). No entanto, além da subsistência, o beneficiamento da mandioca apresenta-se como uma opção para o setor de agronegócio, podendo gerar produtos de alto valor agregado para a utilização humana ou para alimentação animal. Para isso, o mercado exige dos beneficiadores, adaptação e melhoria contínua, principalmente em relação aos processos de modernização do setor (SANTOS et al., 2009). O segmento de processamento da cultura da mandioca está relacionado com o uso das raízes para a indústria de farinha, de fécula, de alimentos pré-cozidos, de congelados de mandioca e de ração animal (SOUZA; FIALHO, 2003). A farinha de mandioca é um produto tipicamente brasileiro, sendo fabricada e consumida em todos os estados. Estima-se que aproximadamente "22,1% da produção nacional de mandioca seja destinada à produção de farinha" (MATTOS et. al., 2006). As etapas para a obtenção da farinha estão relacionadas a colheita, transporte, descascamento e lavagem, ralação ou moagem, prensagem, esfarelamento, torrefação ou secagem, classificação e embalagem (Figura 5). Mesmo sendo produzida e consumida em todo país, a opção pelos diferentes tipos obedece as preferências e tradições locais. Enquanto na região amazônica, por exemplo, se destaca a farinha e a produção de tucupi (líquido extraído da massa da mandioca ralada), em Minas Gerais privilegia-se a produção de amido, para a preparação do polvilho (matéria prima do pão-de-queijo) (NOGUEIRA PINTO, s/d). Além da farinha, outros produtos são importantes, destacando-se o amido (ou fécula) - base da tapioca e do polvilho (NOGUEIRA PINTO, s/d). De acordo com Fialho e Vieira (2011) "a fécula é o produto amiláceo extraído da raiz da mandioca". A obtenção deste derivado, também considerado como polvilho doce, segue os mesmos procedimentos iniciais da obtenção da farinha. No entanto, após a ralação ocorre a lavagem da massa e a decantação da água para separar a fécula de fibras, material proteico e impurezas, seguindo para a secagem (Figura 5) (FIALHO; VIEIRA, 2011). Conforme a Associação Brasileira dos Produtores de Amido (ABAM, 2012) a fécula de mandioca pode ser utilizada por diferentes setores industriais, como de papel e celulose, tintas, colas, setor madeireiro, explosivos, detergentes, tecidos, farmacêuticos, entre outros. (ANDRADE, 2012; NOGUEIRA PINTO, s/d). Ainda assim, estima-se que a produção brasileira destinada para a produção de fécula é de aproximadamente 10% (MATTOS et al., 2006).
Figura 5: Processo de beneficiamento da farinha de mandioca (A) e da fécula (B). Fonte: Fialho e Vieira (2013).
Anterior a derivação de produtos, a mandioca é consumida in natura, pelos próprios produtores ou em venda direta ao consumidor local, além de ser comercializada em feiras, supermercados (FIALHO; VIEIRA, 2013), para atravessadores ou agroindústrias (SOUZA; FIALHO, 2003), quando a produção é maior e se destina a este fim. Para (MATTOS et al., 2006) cerca de 2,0% da produção de mandioca no Brasil é consumida in natura, como mandioca de mesa (também conhecida como macaxeira ou aipim, dependendo da região). Em estudo realizado por Morlin et al. (s/d), utilizando dados do Censo de 2006 do IBGE, somente 10% da produção de mandioca no Rio Grande do Sul foi vendida, sendo a maior parte da produção destinada ao consumo humano e animal. Da quantidade vendida, destacam-se como compradores os intermediários (56%) e o próprio consumidor final (34%). Os mesmos autores comentam que a venda direta ao consumidor foi muito menor no Brasil, uma vez que o produto tem maior participação na indústria, para a produção de farinhas e tapioca. Em relação ao mercado da farinha, este é bastante diversificado e dependente da região onde é produzida. De acordo com (SOUZA; FIALHO, 2003; ANDRADE, 2012), a farinha de mandioca, principalmente na região norte e nordeste do país, pode ser comercializada localmente, quando o produtor é responsável pela venda direta ao consumidor, aparecendo principalmente em feiras livres. Em outros casos, a produção pode ser destinada ao comércio varejista local ou regional, com o apoio de atravessadores, ou ainda comercializada por atacadistas para que seja exportada ou revendida. Em regiões com maior aporte industrial, a mandioca destinada para a indústria e transformada em farinha, alcança grande parte da população distribuída nas mais diversas regiões (FIALHO; VIEIRA, 2013). A fécula da mandioca pode ser utilizada na forma fermentada, modificada e in natura. Cada uma dessas formas é destinada a setores específicos da indústria (Figura 6) (FIALHO; VIEIRA, 2013). Nesse contexto, diferentemente da comercialização da mandioca in natura ou da farinha, a fécula é destinada para a venda direta a empresas que a utilizam para geração de novos produtos (SOUZA; FIALHO, 2003).
Figura 6: Usos da fécula de mandioca. Fonte: Adaptado de Fialho e Vieira (2013)
No processo de produção em um mercado considerado globalizado, a produção, desde o pequeno produtor até a indústria com grande emprego da tecnologia, deveria sempre considerar as preferências do consumidor. Nesses casos, é necessária a informação estratégica, como o conhecimento da rentabilidade do produto ou negócio (FIALHO; VIEIRA, 2011). Para os pequenos produtores, mesmo considerando estas condições, ainda há a característica tradicional e a dificuldade em competir com mercados mais desenvolvidos. Nesse contexto, o sustento da comercialização do produto, em muitos casos está no surgimento de associações ou cooperativas. No entanto, o escoamento da produção ocorre por meio de intermediários (SOUZA; FIALHO, 2003), promovendo ainda mais a divisão da rentabilidade.
A diversidade encontrada em função das características de produção, beneficiamento e consumo, está em grande parte vinculada ao aspecto tradicional relacionado a cada região do país. Como destacado por Felipe et al. (2010), nas regiões Norte e Nordeste, por exemplo, a mandioca é amplamente utilizada na alimentação, sendo consumida in natura ou industrializada, como a farinha, com maior representatividade. Já na região Centro-Sul, o produto é em grande parte destinado para a indústria, para produção da fécula e da farinha.
"O mercado consumidor de produtos derivados da mandioca pode ser entendido como um conjunto de pessoas ou empresas situadas numa determinada região, capaz de consumir determinada quantidade desses produtos em determinado espaço de tempo" (EMBRAPA, 2003).
De acordo com estudo realizado pela (FIALHO; VIEIRA, 2013), utilizando dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE (2012), considerando os anos de 2002 e 2008, o consumo da raiz de mandioca se destaca na região Sul do Brasil, com aproximadamente 4 kg per capita anual (Figura 7). Este dado corrobora o estudo desenvolvido por Morlin et al. (s/d), destacando o estado do RS, onde o produto é destinado principalmente ao consumo humano e animal. No caso da farinha de mandioca, a região Norte se destaca com aproximadamente 30 kg (2002) e 20 kg (2008) per capita anual (Figura 8), valor muito superior ao consumo na região Sul (aproximadamente 1 kg) (FIALHO; VIEIRA, 2013). Este dado reflete possivelmente as características regionais da alimentação, como já destacado por Felipe et al. (2010). Em relação a fécula de mandioca, o consumo também se destaca na região Norte, com aproximadamente 1,5-1,8 kg per capita anual (Figura 9), mesmo a região Centro-Sul a maior destinatária da produção para este segmento (FELIPE et al., 2010).
Figura 7: Consumo per capita anual (kg) de raiz de mandioca (2002 e 2008).
Figura 8: Consumo per capita anual (kg) de farinha de mandioca (2002 e 2008).
Figura 9: Consumo per capita anual (kg) de fécula de mandioca (2002 e 2008).
De acordo com Souza e Fialho (2003), os consumidores de fécula podem ser considerados intermediários, que adquirem o produto para utilização como insumo em processos industriais, podendo ser consumida em pequenas quantidades e encontrada no comércio varejista ou atacadista. Além disso, existem consumidores de grandes volumes (incluídos neste caso os importadores), negociados diretamente com fecularias. Com isso, observa-se que os consumidores dos produtos derivados da mandioca estão em todas as classes econômicas e em todas as regiões (EMBRAPA, 2003). Os diferenciais, no entanto, estão vinculados ao tipo de produto, nível de renda, tradições regionais e hábitos de compra (SOUZA; FIALHO, 2003). Uma das tendências observadas por Souza e Fialho (2003) na região do Cerrado, porém estendida para todo o Brasil, é o mínimo processamento dos produtos. No caso da mandioca, o produto descascado, congelado ou pré-cozido, em pequenas quantidades tem sido aceito no mercado, tanto em feiras como em supermercados ou comercializada em restaurantes/bares, mesmo com o preço de 25 a 50% superior ao produto com casca.
AMBIENTES ORGANIZACIONAL E INSTITUCIONAL De acordo com Silva (2005), o sistema produtivo é influenciado pelos ambientes organizacional e institucional.
O ambiente organizacional se refere ao apoio direto e indireto à produção rural. São entidades governamentais e não governamentais que acompanham os produtores com "ações que envolvem pesquisa e desenvolvimento, assistência técnica, capacitação, educação ambiental, crédito e logística" (FIALHO; VIEIRA, 2011). Neste ambiente se inserem agências de crédito, centros de pesquisa e órgãos públicos, como secretarias de agricultura (SILVA, 2005). Uma das referências organizacionais no Brasil é a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). A empresa tem papel de desenvolver um modelo de agricultura e pecuária, superando as limitações na produção de alimentos, fibras e energia no País. Nesse sentido, atua no setor de pesquisa e desenvolvimento, com enfoque na geração de conhecimento e tecnologia, além da prestação de serviços para agropecuária brasileira. Na cadeia produtiva da mandioca, se destacam a pesquisa de novas variedades, incluindo clones, técnicas para aumento da produtividade em todas as regiões do país, bem como as alternativas de consórcio com outras culturas (EMBRAPA, 2016).
O ambiente institucional se refere ao "conjunto de leis, normas, regras e costumes, que influencia o ambiente produtivo e resulta em acordos formais e informais", a fim de padronizar práticas, ações de desenvolvimento, preservação, produção e comércio para as populações locais, os agentes econômicos, as organizações não governamentais e as esferas de governo (FIALHO; VIEIRA, 2011). Em relação à legislação, a mandioca, por ser e originar produtos destinados à alimentação, está submetida no que se refere a fiscalização sanitária, as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (SEBRAE, 2012). Além disso, como um produto da agricultura, algumas normas em relação a produção e seus derivados são tomadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, como a Instrução Normativa 52/2011, que tem por objetivo definir o padrão oficial de classificação da farinha de mandioca (MAPA, 2011). Considerando o incentivo ao produtor, se destaca o crédito rural, como um instrumento de política agrícola. Entre essas políticas, uma das mais importantes se refere ao Pronaf (Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar), que mediante apoio financeiro para custeio e investimento de atividades agrícolas, capacitação e apoio à infraestrutura social e econômica das áreas rurais, se propõe a fortalecer a agricultura familiar (NUNES, 2007).
Um dos setores que está tendo o mercado aquecido é a oferta de produtos orgânicos. Uma produção deste tipo possibilita diminuir o impacto ambiental dos processos e ainda agrega valor ao produto. No entanto, conforme Buainain e Batalha (2007), a aposta na competitividade desses produtos, faz com que vendedores exijam condições para a produção cada vez melhores, influenciando a cadeia produtiva desde a produção agrícola (sobre especificações do produto, colheita, embalagem e transporte). Aliado a normatização já existente sobre o controle de qualidade de produtos orgânicos, a preocupação está na segurança dos alimentos, na continuidade na oferta e o atendimento de critérios específicos de qualidade e preço. Outro fator que necessita de planejamento em qualquer cadeia produtiva é a necessidade de melhorar a estrutura ou as relações entre os atores, para garantir boas condições de contratos, compradores e preços para todos os envolvidos, desde produtor, intermediário, até o consumidor (CARDOSO et al., 2007). Em muitos casos, produtores ficam a mercê de contratos abusivos que não sustentam uma produção adequada ou não garantem recursos para o agricultor e sua próxima safra. Nesse contexto, observa-se a importância da organização e participação em associações de produtores. "Os pequenos agricultores passaram a compreender a necessidade de uma base forte e organizada, que os mantivesse atuantes e os legitimasse junto a outros atores sociais e econômicos" (FIALHO; VIEIRA, 2011). As associações ou cooperativas tem capacidade de incrementar a produção e a oferta de produtos, de aumentar a eficiência econômica, bem como agregar valor ao produto no instante que os torna atuante em relação a outros setores.
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1 A ausência de valores em um dos períodos, constatado em alguns estados, refere-se a ausência desta unidade de federação entre os dez estados com maior área destinada ao plantio da mandioca no referido ano. |