Revista Educação ambiental em Ação 33



QUÍMICA VERDE – “FATOR E”: ATIVIDADE LÚDICA APLICADA EM UMA TURMA INCLUSIVA

Carlos Alberto da Silva Júnior1, Alessandra Marcone Tavares Alves de Figueirêdo2

1Licenciado em Química e Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Química, Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Campus João Pessoa (carloschemistry@icloud.com)

2Doutora em Química e docente no curso de Licenciatura em Química, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB) Campus João Pessoa (alessandratavaresfigueiredo@ifpb.edu.br)



Resumo: No contexto do Ensino de Química e da Educação Ambiental, a Química Verde (QV), como um tema transversal, deve ser trabalhada na escola de forma integrada, contínua e permanente. Desse modo, o objetivo dessa pesquisa foi sondar e avaliar o conhecimento prévio sobre a QV dos alunos do 1º ano do Curso Técnico em Controle Ambiental Integrado ao Ensino Médio do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB), Campus João Pessoa, assim como adaptar e desenvolver recursos didáticos que facilitem o acesso e o aprendizado de alunos ouvintes e com deficiência auditiva nesta temática, fazendo uso de uma metodologia qualitativa e de cunho participativo. Os resultados obtidos mostraram que houve um impacto positivo no aprendizado de TODOS (ouvintes e com deficiência auditiva - usuário de implante coclear) os alunos e um maior interesse pelas disciplinas de Química e de Introdução à Educação Ambiental.


Palavras-Chave: Química Verde. Ensino de Química. Inclusão. Lúdico.



Abstract: In the context of Teaching Chemistry and Environmental Education, Green Chemistry (GC), as an important theme, must be worked on in an integrated, continuous and permanent way in the school. Thus, the objective of this work was to, in a general way, the prior knowledge about Green Chemistry of students of the 1st year of the Technical Course on Environmental Control Integrated to High School of the Federal Institute of Education, Science and Technology of Paraíba (IFPB), Campus João Pessoa, as well as adapt and develop didactic resources that facilitate the access and learning of hearing and hearing-impaired students in this subject, making use of a qualitative and participatory methodology. Results showed that there was a positive impact on the learning of ALL (hearing and hearing impaired - cochlear implant users) students and a greater interest in the subjects of Chemistry and Introduction to Environmental Education.

Key words: Green Chemistry. Chemistry Teaching. Inclusion. Playful.



1. INTRODUÇÃO


Nos últimos anos, os problemas ambientais vêm se destacando na mídia nacional. Um exemplo disso foi a tragédia ocorrida com o rompimento da barragem em Mariana, no estado de Minas Gerais (Folha de São Paulo, 2015), no sudeste do país, que levou-nos a uma maior reflexão sobre alternativas mais seguras e sustentáveis para geração de energia. Essa reflexão também deve ser abordada em sala de aula, pois como preconizam os Parâmetros Curriculares Nacionais + (PCN+), ter acesso aos conceitos e conhecimentos químicos:


deve possibilitar ao aluno a compreensão tanto dos processos químicos em si quanto da construção de um conhecimento científico em estreita relação com as aplicações tecnológicas e suas implicações ambientais, sociais, políticas e econômicas (BRASIL, 2002, p. 87).


Nesse contexto, quando se trabalha com temáticas de ações científicas ecologicamente corretas, como a Química Verde (QV), voltadas para a formação de cidadãos, consegue-se um conhecimento químico contextualizado socialmente, politicamente e economicamente.

Em concernência aos alunos com deficiência auditiva, os professores precisam estar atentos às especificidades desses estudantes para que aqueles possam lhes proporcionar um atendimento específico, adequado e inclusivo, como prevê a Legislação Brasileira (BRASIL, 1999a, 2005). Sob essa perspectiva, é preciso corroborar com Strobel (2009, p. 159) ao afirmar que:


longe de serem considerados como um grupo de pessoas marcado pela deficiência e pela ânsia de cura e normalização, esses alunos com necessidades especiais são caracterizados por elementos próprios que marcam sua diferença.


Em alusão ao Ensino de Química, os docentes dessa disciplina não possuem uma formação/capacitação adequada que lhes possibilite trabalhar com alunos com deficiência auditiva. Sendo assim, eles “têm grandes dificuldades em lidar com a construção de conceitos científicos para esse grupo particular, o que, por sua vez, gera exclusão e distanciamento dos alunos deficientes auditivos nas aulas” (SOUSA; SILVEIRA, 2011, p. 38).

Ademais, o modelo de ensino tradicional (retórica, quadro e giz) adotado por vários professores colabora para o distanciamento dos alunos do ambiente escolar, pois se trata puramente de aulas expositivas, descontextualizadas. Além disso, o professor é visto como o detentor de todo conhecimento, pois ele é quem “transmite” o conteúdo, enquanto o alunado se comporta como receptor do mesmo em sala de aula.

Considerando estes aspectos e estabelecendo foco no processo de ensino e aprendizagem, tanto de alunos ouvintes como aqueles que apresentam deficiência auditiva, novas metodologias e ferramentas didáticas precisam ser adaptadas, desenvolvidas e aplicadas para possibilitar uma aprendizagem significativa e inclusiva. Diante disso, o uso de atividades lúdicas tem uma grande importância no Ensino da Química, primordialmente para as pessoas com deficiência auditiva, para as quais o aspecto visual auxilia efetivamente num aprendizado substancial, pois tal disciplina é ainda considerada por muitos estudantes, como sendo abstrata e subjetiva.

Nesse contexto, a aplicação da ludicidade na Química pode ser vista como um meio facilitador na aprendizagem dos discentes, pois essa traz estratégias dinâmicas e, por vezes, divertidas, para a construção do conhecimento (CUNHA, 2012). Em recente publicação, Messeder Neto e Moradillo (2016), divulgaram que o lúdico facilita o docente a atuar na zona de desenvolvimento próximo do discente, mas é imprescindivelmente importante notar que esse instrumento de aprendizagem deve despertar o interesse nos educandos pela Ciência, e não apenas pelo aspecto lúdico em si.

Em linhas gerais, torna-se importante e urgente uma abordagem metodológica efetiva no ensino de Química, para TODOS (ouvintes e com deficiência auditiva) os alunos, nos currículos da Educação Básica.

Desse modo, nessa pesquisa objetivou-se trabalhar o conteúdo de “Química Verde”, em uma turma do Curso Técnico Integrado em Controle Ambiental, com alunos ouvintes e com deficiência auditiva (usuário de implante coclear), valendo-se de ferramentas didáticas como a ludicidade, fazendo uso de uma metodologia qualitativa e participante. É primordial ressalvar que, já existem alguns estudos de aplicações da Química Verde no Ensino Médio ou na formação de Profissionais no Campo da Química, segundo Fernandes; Santos (2010) e Zandonai et al,. (2014), no entanto, não é do nosso conhecimento um estudo ou aplicações voltados para inclusão escolar nessa área.

Sendo assim, o presente trabalho configurou-se a partir de duas questões básicas: Qual o nível de conhecimento que a supramencionada turma apresentava sobre a QV? E quais recursos didáticos poderiam ser adaptados e desenvolvidos para facilitar o acesso de alunos ouvintes e com deficiência auditiva nesta temática?

As respostas para esses questionamentos foram extremamente relevantes, visto que, a escola precisa promover ações que desenvolvam as competências e as habilidades necessárias à preservação do meio ambiente e a melhoria da qualidade de vida de forma inclusiva.


2. REFERENCIAL TEÓRICO


2.1 Breve Histórico e Definição da Química Verde (QV)


Historicamente, o livro “Primavera Silenciosa” (Silent Spring), lançado em 1962 e escrito pela bióloga americana Rachel Carson, é considerado a primeira publicação com foco em questões ambientais e a obra fundadora do movimento ambientalista moderno (BONZI, 2013). Nessa importante obra a autora afirma que “o problema central de nossa era se tornou a contaminação de todo o meio ambiente com substâncias de incrível potencial danoso” (CARSON, 2015, p. 120).

Na década de 70, a Conferência de Estocolmo ficou conhecida como a primeira conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) com foco em questões ambientais. Nesse evento, centenas de nações participaram e elaboraram dois documentos chamados a “Declaração Sobre Meio Ambiente Humano” e o “Plano de Ação Mundial”, surgindo assim a Educação Ambiental.

Em 1999, o Brasil criou a “Política Nacional de Educação Ambiental” e deu outras providências com a Lei no 9.795, que no seu art. 1 define a “Educação Ambiental” como sendo:


o processo por meio do qual o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade (BRASIL, 1999b).


Nessa época surgiram nacionalmente as primeiras disciplinas em Educação Ambiental nos cursos de graduação (MOZETO; JARDIM, 2002). Com isso, percebe-se que a história do surgimento do tema em questão é relativamente recente, embora, atualmente, sua repercussão e relevância tenham tomado uma proporção mundial com o grande crescimento global. Nesse contexto, a Química vem exercendo uma importante função, por exemplo, no que diz respeito à inserção de produtos com um desenvolvimento sustentável para o consumo humano.

A Química Verde ou Química para o Desenvolvimento Sustentável foi criada para o desenvolvimento, invenção e aplicação de produtos químicos para reduzir o uso de substâncias que prejudicam a saúde humana e o meio ambiente (LENARDÃO et al., 2003). Como a Química está no nosso cotidiano e no centro da ciência, conforme Atkins e Jones (2012), entendemos que ela desempenhou e continua a desempenhar um papel fundamental em nossa vida, por isso, estão sendo pesquisadas formas que promovam e melhorem a qualidade de vida e a acessibilidade para todos. A Figura 1 ilustra os objetivos gerais que a QV pretende atingir (SILVEIRA, 2015):

Figura 1 – Os objetivos gerais da Química Verde (QV). FONTE: Adaptado de SILVEIRA (2015).


Para promover e atingir esses objetivos, tais como a descoberta e o desenvolvimento de produtos e processos que eliminem a formação e a utilização de substâncias que prejudicam a saúde e o meio ambiente, foram criados os 12 (doze) princípios básicos da QV. Segundo Lenardão et al. (2003), Wardencki et al. (2005), Ramos (2009), Farias e Fávaro (2011), esses 12 princípios da QV foram propostos pelos cientistas americanos Dr. Paul Anastas e Dr. John C. Warner (1998) e devem ser considerados e seguidos quando se pretende implementar a QV em uma indústria ou instituição de ensino e/ou pesquisa na área de Química. Na Tabela 1 esses princípios e suas respectivas definições (ANASTAS; WARNER, 1998; LENARDÃO et al., 2003; ANASTAS; EGHBALI, 2010) estão elencados:


Tabela 1 – Os doze princípios da QV.

Princípios da QV

Definição

1. Prevenção.

É melhor prevenir a formação de resíduos do que tratá-los após a sua geração.

2. Economia de átomos.

Uma reação considerada ideal é aquela na qual seu rendimento é, aproximadamente, de 100% não havendo formação de resíduos.

3. Síntese de produtos menos perigosos.

É preferível reações químicas com substâncias de menor toxicidade.

4. Desenho de produtos seguros.

Determina o desenvolvimento de produtos seguros a partir de reagentes de baixa toxicidade.

5. Solventes e auxiliares mais seguros.

Reduzir o uso de substâncias auxiliares, preferindo as menos nocivas.

6. Busca pela eficiência de energia.

É preciso diminuir o uso de energia provida de fontes não renováveis e aumentar a eficiência energética, ou seja, diminuir a energia gasta durante uma reação química.

7. Uso de fontes renováveis de matéria-prima.

Utilizar matérias primas renováveis.

8. Evitar a formatação de derivados.

Evitar o uso de qualquer tipo de grupo protetor ou modificador em uma reação química com intuito de evitar a formação de derivados.

9. Catálise.

Utilizar catalisadores em uma reação química, aumentando a velocidade da mesma.

10. Desenho para a degradação.

Desenvolvimento de produtos biodegradáveis.

11. Análise em tempo real para a prevenção da poluição.

As análises de produção de determinado produto devem ser realizadas em tempo real, para que qualquer desvio da ordem natural possa ser corrigido a tempo e evitar qualquer dano ou resíduo ao final do processo.

12. Química intrinsecamente segura para a prevenção de acidentes.

É preciso prevenir acidentes em todo processo químico.

FONTE: Adaptado de LENARDÃO et al. (2003).


Dentre esses doze princípios, destaca-se na literatura o primeiro, isto é, o da prevenção, pois, é muito mais sustentável pensar e desenvolver processos que previnam a formação de resíduos, do que tratá-los após a sua geração (ANASTAS, EGHBALI, 2010). Para a melhor compreensão desse princípio, os parágrafos seguintes serão destinados para a discussão e exemplificação do mesmo. Contudo, é importante frisar que, conforme Anastas e Eghbali (2010), o aspecto mais relevante da QV é o conceito de design, a partir do qual se infere que os processos, as técnicas e os meios aplicados nascem da intenção humana em realizá-los e não vem pelo acaso ou por acidente, sendo assim, cabe ao homem, como um designer, pensar e trabalhar o design desses conceitos na sua vida cotidiana.


2.2 Prevenção


A prevenção é o primeiro dos doze princípios da QV. Segundo o dicionário Aurélio, o verbo “prevenir” significa “dispor de antemão, preparar ou precaver” (FERREIRA, 2009). Quando a discussão é sobre a produção de resíduos, sejam por processos industriais ou não, o ideal deve sempre buscar “prevenir” sua formação ao máximo, eliminando assim a possibilidade de poluição futura. Como afirmam Anastas e Eghbali:


é melhor evitar a formação de resíduos do que tratá-los após a sua geração. A geração de qualquer material que não tenha valor realizado ou a perda de energia não utilizada pode ser considerada um resíduo ou desperdício. Conforme mencionado acima, os resíduos podem assumir várias formas e podem impactar o meio ambiente de formas diferentes, dependendo da natureza, da toxicidade, da quantidade ou do modo de liberação. Quando grandes porções das matérias-primas iniciais usadas em um processo são perdidas devido ao design original do próprio processo, ele irá gerar resíduos inexoravelmente, o que, por definição, é indesejável (2010, p. 303, tradução nossa)


Em 1992, o cientista britânico Roger A. Sheldon introduziu o conceito do cálculo do “Fator E” ou E-factor (de Environment, ambiental em inglês) como sendo a razão entre as quantidades do resíduo/desperdício e do produto desejado obtidas para um determinado processo (SHELDON, 1992). A Equação 1 mostra o cálculo desse fator:


(1)


Em se tratando de geração de resíduos, o Fator E é um critério de avaliação para as reações químicas quando se deseja estimar o desempenho e a eficiência do processo. Analisando a Equação 1, pode-se inferir que quanto maior for o valor do Fator E, menos ambientalmente correto é o processo, pois acaba gerando uma maior quantidade de resíduos. O valor ideal do Fator E é zero, segundo Sheldon (2017), pois desse modo, a massa de resíduo/desperdício é igual a zero, obedecendo assim o primeiro princípio da QV.

Segundo Sheldon:


o conceito de Fator E desempenhou um papel fundamental na condução da ecologização das indústrias químicas e tem sido adotado pelas mesmas e por instituições em todo o mundo, sendo um meio muito simples para medir a eficiência e a sustentabilidade da indústria química (2017, p. 38, tradução nossa)


A Tabela 2 apresenta os fatores de eficiência comuns de determinadas indústrias e revela a enormidade do problema da geração de resíduos nesses diferentes segmentos (SHELDON, 2017):


Tabela 2 – Fator E em diferentes indústrias químicas.

Tipo de indústria

Produção (ton/ano)

Fator E

(kg de resíduo por kg de produto)

Refinaria petrolífera.

106–108

< 0,1

Química pesada.

104–106

< 1–5

Química fina

102–104

5–50

Química farmacêutica

10–103

25–100

FONTE: Adaptado de SHELDON (2017).


Pode-se observar que as indústrias com produção em grande escala, como a Refinaria petrolífera, possuem Fator E pequeno (< 0,1), resultado da otimização dos processos. Todavia, as indústrias que apresentam processos mais refinados, como a Química farmacêutica, com processos de purificação e separação de produtos em várias etapas, possuem Fator E grande (25 – 100).

Segundo Silveira:


apesar de calcular a eficácia na prevenção da geração de resíduos, o fator E não considera a natureza do resíduo e o seu impacto no meio ambiente, falhando com um dos principais objetivos da Química Verde, que é diminuir a poluição e os impactos da indústria química na natureza. A partir do momento em que se investe em tecnologias mais limpas para a produção, não há a necessidade de investimentos pesados no tratamento de resíduos (2015, p. 5).


Diante disso, a preservação não pode ser abordada como um fim em si mesma ou algo difícil demais para ser aplicado no ambiente escolar, todavia ela deve propiciar o desenvolvimento de atitudes sustentáveis que permitam a participação da sociedade no desenvolvimento ambiental, científico e tecnológico.

Entendendo a necessidade de formar-se uma sociedade mais sustentável, essa pesquisa buscou: (i) verificar e analisar o conhecimento prévio de TODOS os alunos, quanto à temática Química Verde, aplicando um Questionário de Sondagem (QS); assim como (ii) adaptar e aplicar uma atividade lúdica – “Fator E: Qual indústria sou eu?”, que facilite o acesso e a aprendizagem de alunos ouvintes e com deficiência auditiva (usuário de implante coclear) nesta temática, destacando-se o primeiro príncipio da QV: a prevenção.


2.3 Inclusão


Primeiramente, o que é uma comunidade surda? Embora, sua definição não seja consensual, entende-se por comunidade surda, sujeitos surdos ou ouvintes que participam e compartilham os mesmos interesses em comuns em uma determinada localização, como igrejas e federações de surdos e fazem uso da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). (STROBEL, 2008). Essa definição é importante, pois a aluna com deficiência auditiva participante dessa pesquisa não se considera integrante da comunidade surda, pois dentre outros fatores, ela não faz uso da LIBRAS. Tal discente realizou uma cirurgia de implante coclear (IC), dispositivo eletrônico que lhe permite um estímulo no nervo auditivo, recriando, a priori, as sensações sonoras e favorecendo o uso do oralismo. Ela demonstrou ter sido orientada e recomendada pelos familiares ou especialistas a não usar a LIBRAS para não atrapalhar o tratamento do IC.

Geralmente, pode-se afirmar que todo surdo apresenta uma perda auditiva, mas nem todo deficiente auditivo pode ser considerado surdo, como a estudante anteriormente mencionada. Embora essas diferenças existam não se pode perder de vista que todos, independentemente de apresentarem ou não necessidades especiais, têm direito à educação, pois pela Constituição Federal, Capítulo II, Seção I, art. 205, “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade” (BRASIL, 1988). Sob essa perspectiva, é fácil observar que a lei garante o acesso da pessoa com deficiência auditiva nas escolas, entretanto, no ensino atual, infelizmente, observam-se várias barreiras para o efetivo processo de ensino e aprendizagem e a permanência desses discentes na sala de aula, como por exemplo, a falta de uma metodologia diversificada e rica visualmente e uma educação eficazmente inclusiva.

O simples acesso ao ambiente escolar não é sinônimo de inclusão, pois essa é um processo social que precisa construir caminhos para que todos os discentes, efetiva e substancialmente, se apropriem do conhecimento e se tornem capazes de desenvolver as estruturas humanas fundamentais do pensamento, através das interações sociais em seu ambiente escolar (VYGOTSKY, 2007).

Quando se trata da especificidade desses discentes no Ensino de Química, de modo geral, se faz necessário o uso de uma metodologia rica visualmente, como a experimentação e a aplicação de atividades lúdicas, que são recursos didáticos que podem auxiliar no processo de aprendizagem e inclusão escolar.


3. METODOLOGIA


3.1 Universo da Pesquisa


A pesquisa foi desenvolvida e aplicada com 35 (trinta e cinco) alunos, destes uma aluna possui deficiência auditiva, sendo usuária de implante coclear, do 1º ano do Curso Técnico em Controle Ambiental Integrado ao Ensino Médio do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB), campus João Pessoa. Além desses estudantes, o trabalho contou com o apoio de 1 (uma) professora da disciplina de Química e de 1 (um) professor da disciplina de Introdução à Educação Ambiental, que trabalham com esta turma no IFPB.

O desenvolvimento e aplicação da pesquisa ocorreram durante os meses de maio e junho de 2017, perfazendo um total de 03 (três) encontros de frequência semanal, com duração de 6 (seis) aulas no total.


3.2 Tipo de Pesquisa


O trabalho teve como base as metodologias participante e qualitativa, partindo da temática Química Verde, que direcionou a pesquisa. Em concernência à pesquisa participante, esta motiva os discentes a participarem como agentes ativos, e não mais passivos como no modelo bancário descrito por Freire (2014), produzindo conhecimento e permitindo que haja uma real interação entre o pesquisador e a comunidade (DEMO, 2004). Segundo Schmidt:


o termo participante sugere a controversa inserção de um pesquisador num campo de investigação formado pela vida social e cultural de um outro, próximo ou distante, que, por sua vez, é convocado a participar da investigação na qualidade de informante, colaborador ou interlocutor (2006, p. 14).


A metodologia qualitativa foi utilizada partindo da observação das ações do alunado, em que Weller e Pfaff (2011, p. 30) afirmam que “é uma modalidade investigativa que se consolidou para responder ao desafio da compreensão dos aspectos formadores/formantes do humano, de suas relações e construções”. De acordo com Marconi e Lakatos (2011, p. 269): “a metodologia qualitativa preocupa-se em analisar e interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a complexidade do comportamento humano. Fornece análise mais detalhada sobre hábitos, atitudes, tendências de comportamento etc”.

Portanto, a utilização de dados quantitativos (MARCONI, LAKATOS; 2011), de uma metodologia qualitativa e de cunho participativo, soma-se dando enfoques diferentes e necessários na completude dessa pesquisa.


3.3 Planejamento e Estratégias de Ação


3.3.1 QUESTIONÁRIO DE SONDAGEM


No primeiro encontro com a turma, foi entregue um Questionário de Sondagem, com 07 (sete) questões abertas e fechadas. Ludwig (2009) atesta que o questionário, com questões abertas e fechadas, utilizado como técnica de pesquisa corresponde a uma ótima ferramenta de investigação e de obtenção de dados quantitativos. Por meio deste, pôde-se verificar inicialmente quais competências e habilidades, segundo as normas e diretrizes nacionais da Educação, deveriam ser trabalhadas.


3.3.2 AULAS DIALOGADAS E PARTICIPATIVAS


No segundo encontro, houve a ministração de aulas dialogadas e participativas, realizadas em sala de aula. Os conteúdos trabalhados, destacam-se a definição, o relance histórico e os 12 princípios da QV, o conceito de matéria, do Princípio de Lavoisier, de transformações físicas e químicas, bem como suas aplicações e contextualizações.


3.3.3 ATIVIDADE LÚDICA “FATOR E: QUAL INDÚSTRIA SOU EU?”

No terceiro encontro, as aulas se voltaram para o estudo do Fator E e a revisão do conteúdo reação química. A atividade lúdica “Fator E: Qual indústria sou eu?” foi adaptada da literatura, do Departamento de Conservação Ambiental do Estado de Nova York, nos Estados Unidos (na sigla em inglês DCE, 2017) e visa de maneira simples, criativa e dinâmica abordar o cálculo do Fator E, proposto por Roger Sheldon (1992). Para essa atividade os alunos foram agrupados em 5 (cinco) equipes, e cada equipe recebeu um pacote com balas coloridas. Cada pacote continha quantidades diferentes de balas, que variavam nas cores também. Ao todo, cinco pacotes com essas guloseimas foram distribuídos para a turma. O desafio era contar, corretamente, quantas balas de cor verde escuro tinham em cada pacote e quantas balas de outras cores, como, por exemplo, amarelo e vermelho, estavam presentes. As guloseimas verdes escuras representavam o produto desejado na indústria em questão, e as demais guloseimas coloridas, os resíduos ou desperdícios. Dessa forma, com o auxílio da equação proposta por Sheldon (1992), cada equipe deveria chegar ao valor correto do Fator E e, ainda, relacioná-lo com o tipo de indústria que seu pacote de balas representava.



4. RESULTADOS E DISCUSSÕES


4.1 Diagnóstico Preliminar


No primeiro encontro, foi entregue o QS, que abordava, em geral, os seguintes tópicos: o conceito da QV, a compreensão/visão da Química e sua relação no cotidiano. Os resultados obtidos para a questão inicial “O que é a Química Verde?” estão arrolados no Gráfico 1:

Gráfico 1 – Resultados para a pergunta inicial: O que é a Química Verde? FONTE: Autoria própria.

Observando o Gráfico 1 verifica-se que 44% da turma mostrou ter uma boa assimilação deste assunto, pois, de fato, a Química Verde se relaciona inerentemente com a sustentabilidade, sendo chamada, por vezes, de Química Autossustentável ou Química Limpa (LENARDÃO et al., 2003). Por outro lado, é possível notar que o mesmo percentual não teve uma boa assimilação, associando a QV exclusivamente à Natureza (44%), aos seus fenômenos (6%) ou não souberam responder (6%).

Embora, na literatura, a QV seja definida, amplamente, como “invenção, desenvolvimento e aplicação de produtos e processos químicos para reduzir ou eliminar o uso e a geração de substâncias perigosas”, conforme Tundo et. al (2000, p. 1208), esse conceito não nasceu de forma instantânea, mas é o resultado de um longo processo desenvolvido por cientistas, a fim de tornar, por exemplo, a indústria menos nociva para o ambiente. Esse aspecto deve ser frisado, pois Anastas e Warner (1998) foram quem primeiramente a conceituaram, resumindo as linhas orientadoras da QV em doze princípios: prevenção, economia de átomos, síntese de produtos menos perigosos, desenho de produtos seguros, solventes e auxiliares mais seguros, busca pela eficiência de energia, uso de fontes renováveis de matéria-prima, evitar a formatação de derivados, catálise, desenho para a degradação, análise em tempo real para a prevenção da poluição e a química intrinsecamente segura para a prevenção de acidentes.

Do ponto de vista prático, a QV é “a suposição de que processos químicos que geram problemas ambientais possam ser substituídos por alternativas menos poluentes ou não-poluentes” (LENARDÃO et al., 2003, p. 124). Em todo caso, mais da metade dos estudantes (56%) não tiveram uma boa assimilação desse conceito no QS.

Com o objetivo de identificar, a priori, a contextualização da disciplina Química, foi questionado aos alunos como essa disciplina estaria envolvida no cotidiano deles. Dentre as respostas, mais da metade da turma (58%) associou-a à alimentação, ao ato de cozinhar, de lavar roupa e cabelos, escovar os dentes ou na utilização de remédios, um discente escreveu: “No café que minha mãe faz de manhã. O feijão que é feito para o almoço. O shampoo e o condicionador que eu uso para lavar o cabelo e etc.”, enquanto 30% disseram que ela está envolvida em tudo e 12% não souberam responder. A Figura 2 mostra a nuvem de palavras dos termos mais usados nas respostas dos discentes para a questão aberta: “Como a Química está envolvida no seu dia-a-dia?”.

Figura 2 – Nuvem de palavras dos termos mais usados nas respostas dos discentes para a pergunta: Como a Química está envolvida no seu dia-a-dia? FONTE: Autoria própria.

Na terceira pergunta do QS, pedia-se para associar, corretamente, os termos prevenção, eficiência e sustentabilidade com suas definições. Essa questão, do tipo associação, apresentava duas colunas, uma com os termos e outra com as definições, com alguma relação entre elas, e, por isso, podiam ser associadas. Tal tipo de questão não apenas avalia a boa assimilação do conteúdo, requerendo conhecimento das alternativas por parte do alunado, mas vai além, permitindo, segundo Vargas (2013), menor possibilidade de erros, facilidade de aplicação, processo e análise, rapidez no ato de responder e redução à parcialidade do entrevistador na compilação das respostas, pois há um padrão claro de respostas possíveis. Dentre os resultados, 92% fizeram a correta associação das respostas, enquanto 8% erraram duas ou mais alternativas.

Em seguida, quanto à questão aberta: “Em sua opinião, a Indústria Química, em geral, traz benefícios e/ou malefícios para a sociedade? Exemplifique sua resposta”, observou-se que 47% da turma a considera como benéfica e maléfica, enquanto 38% apenas como benéfica e 15% apenas como maléfica (Gráfico 2).

Gráfico 2 – Resultados para a pergunta: Em sua opinião, a Indústria Química, em geral, traz benefícios e/ou malefícios para a sociedade? FONTE: Autoria própria.

Dentre esses 15%, um discente escreveu: “Malefícios, porque prejudica o meio ambiente, eu acho muito errado. Essa visão pejorativa da Química é frequentemente associada aos grandes prejuízos ambientais trazidos pela indústria, no entanto, tal ciência não é apenas isso, sendo essa preocupação um dos motivos que levem a abordagem Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente (CTSA) com a temática da QV para auxiliar na compreensão dessa disciplina também como benefícios, podendo ela mesma alcançar os mais laudáveis objetivos da sustentabilidade.

No artigo “Green Chemistry – Os 12 Princípios da Química Verde e sua Inserção nas Atividades de Ensino e Pesquisa”, Lenardão et al. afirmam que:

76% da população brasileira considera a indústria química e petroquímica responsáveis pelos maiores problemas de poluição no país, esquecendo-se todas as contribuições para melhoria da qualidade de vida humana conseguidas pela química (2003, p. 128).

Observa-se que a aprendizagem dos alunos quanto aos benefícios e malefícios da Química deve ser trabalhada de forma contextualizada. Com o objetivo de verificar o grau de dificuldade da disciplina Química, na quinta pergunta, foi questionado aos alunos, se aquela seria fácil, difícil ou intermediária. E ainda, os discentes poderiam marcar a opção “outra resposta” e assim indicar seu ponto de vista. Dentre as respostas, constatou-se que 65% da turma considera a Química como uma disciplina intermediária, enquanto 20% a considera fácil e 15% como difícil (Gráfico 3). Nenhum discente marcou a opção “outra resposta”.

Gráfico 3 – Resultados para a pergunta: “Em sua opinião a disciplina de Química é considerada: fácil, difícil, intermediária ou outra resposta”. FONTE: Autoria própria.

De acordo com Oliveira e Xavier (2014), o grau de dificuldade no aprendizado das disciplinas é um fator que contribui para o afastamento dos discentes não apenas das aulas, mas consequentemente, da escola. Logo, mais uma vez, evidencia-se a importância de diversificados instrumentos metodológicos, para sondar, trabalhar e solucionar essa dificuldade. Quanto maior a dificuldade, maiores as chances de o aluno abandonar a escola. Pesquisas recentes revelam que quando o aluno anseia por uma escola dinâmica e inovadora, ele tem 21% mais chance de sair quando suas expectativas são frustradas, pois tanto a desistência quanto o abandono escolar se tornam uma opção mais atrativa (OLIVEIRA; XAVIER, 2014).

Em reflexo dessa realidade, Freire (2014) afirma que a maioria dos professores ainda faz o uso de metodologias arcaicas que se baseiam em uma concepção bancária da educação. Tais metodologias consistem em aulas tradicionais, meramente expositivas, com o quadro e o giz, o que corrobora para uma visão abstrata, confusa e descontextualizada do assunto ministrado em sala de aula. Quando os alunos não têm acesso à educação problematizadora e libertadora, em geral, eles passam a se sentir excluídos do processo de ensino, pois a escola parece apenas transferir ou depositar conhecimentos aos educandos, que seriam, nesse caso, tão-somente receptores.

Nesse sentido, há uma urgente necessidade de diversificar a atual metodologia obsoleta de ensino, primordialmente, na disciplina Química, pertencente à área das Ciências Exatas. Sob essa perspectiva, as disciplinas alusivas a esta área fazem uso de representações para explicar seus conceitos e fenômenos, porém tais representações necessitam de recursos que contenham um caráter visual. Em geral, tanto para os alunos ouvintes como, principalmente, para os deficientes auditivos, tais recursos podem facilitar a inclusão, a aprendizagem, pois permitem o visualizar de situações, pessoas, cenários, cores e relações espaciais, em um mundo contemporâneo onde se predomina a linguagem visual (LEITE, 2015).

Quanto ao uso de recursos visuais:


o ideal é que as escolas organizem o currículo partindo de uma perspectiva visual/espacial, [...] mímica/dramatização, figuras, recursos tecnológicos (vídeo/TV, slides, computador, retroprojetor) e leitura, desenvolvendo nos alunos a memória visual e o hábito de leitura; [...]. (COSTA; LIMA, 2015, p. 2)

Quanto à inclusão escolar:


se todos nós ficarmos na retaguarda e não nos colocarmos abertos a aprender e a construir uma trajetória para a realidade da escola inclusiva, essa realidade nunca será percebida no dia a dia. O resultado pode ser ainda pior no futuro, pois teremos perdido a chance de, hoje, começar uma trajetória de inclusão social, a partir das mais diferentes instituições, que, no futuro, far-se-á ainda mais forte. (ALMEIDA, 2011, p. 27).


Quando indagados sobre a compreensibilidade da disciplina de Química (Gráfico 4), 27 (vinte e sete) alunos questionados correspondendo a 77% do total, isto é, mais da metade do universo de estudantes dessa pesquisa, disseram que ela é compreensível, enquanto, 5 (cinco), correspondente a 14% disseram que não. Além desses, 3 (três) alunos os quais correspondem a 9%, descritos nessa pesquisa como A1, A2 e A3, marcaram a opção “outra resposta”, e suas falas estão listadas:

Embora os alunos A1 e A2 tenham apontado um nível de compreensibilidade intermediário, a fala do discente A3 é paradoxal, não podendo ser conclusiva. Possivelmente, os principais motivos desse quadro, segundo os próprios alunos, são: dificuldades no processo de ensino e aprendizagem e falta de apoio/material pedagógico.

Gráfico 4 – Resultados para a pergunta: “Você considera compreensível a disciplina de Química?” FONTE: Autoria própria.

Quanto às dificuldades de aprendizagem, que é uma verdadeira inquietação cotidiana dos professores, segundo Kauark e Silva (2008), já há estudos que tentam responder ao porquê de alguns discentes aprenderem mais facilmente sobre determinado assunto do que outros, e as conclusões preliminares indicam que:


os fatores relacionados ao sucesso e ao fracasso acadêmico se dividem em três variáveis interligadas, denominadas de ambiental, psicológica e metodológica. O contexto ambiental engloba fatores relativos ao nível socioeconômico e suas relações com ocupação dos pais, número de filhos, escolaridade dos pais. Esse contexto é o mais amplo em que vive o indivíduo. O contexto psicológico refere-se aos fatores envolvidos na organização familiar, ordem de nascimento dos filhos, nível de expectativa e as relações desses fatores são respostas como ansiedade, agressão, auto-estima, atitudes de desatenção, isolamento, não concentração. O contexto metodológico engloba o que é ensinado nas escolas e sua relação com valores como pertinência e significado, com o fator professor e com o processo de avaliação em suas várias acepções e modalidades (STEVANATO et al., 2003 apud KAUARK; SILVA, 2008, p. 266).


Quanto às disciplinas da área das Ciências Exatas, é notória a dificuldade enfrentada pelos discentes, o que gera, por vezes, uma desmotivação desses em estudá-las. Quanto aos alunos com deficiência auditiva, frequentemente, afirma-se que essas dificuldades são ainda maiores, pois “a Química, que faz uso de símbolos (modelos, fórmulas e equações) para explicar fenômenos a partir de conceitos tão abstratos (no nível atômico-molecular), teria uma grande necessidade de propostas diferenciadas, voltadas para a inclusão” (ALMEIDA, 2011, p. 4).

Desse modo, torna-se imprescindível o desenvolvimento de propostas metodológicas com o uso de recursos visuais, pois a utilização de materiais didáticos adaptados aos deficientes auditivos busca auxiliar, tanto esses, quanto os professores, facilitando, assim, o processo de ensino e aprendizagem (MACEDO; ABREU, 2008; RIBEIRO; BENITE, 2010; OLIVEIRA et al., 2011; PEREIRA et al., 2011; BASTOS; LINDEMANN; REYES, 2016; FERNANDES; REIS, 2017). É importante salientar que, o aprendizado da disciplina de Química não se resume à memorização de definições, de fórmulas ou à resolução de exercícios, mas perpassa o senso crítico, a tomada de decisão e a conscientização de que o conhecimento de tal disciplina além de, por exemplo, explicar eventos naturais do cotidiano, pode favorecer a busca de alternativas para melhora da condição de vida do planeta.

Na sétima e última pergunta do QS, os alunos foram questionados se eles já tinham escutado falar de QV entre os assuntos trabalhados e abordados na escola ou mesmo no cotidiano. TODOS os alunos afirmaram nunca terem escutado ou estudado sobre esse assunto.

De acordo com esse resultado, é evidente rever a metodologia para abordagem dessa temática, buscando recursos para desenvolver atividades que direcionem os discentes à observação, reflexão e exploração da QV no seu cotidiano. Como observado e já dito, é de fundamental importância e urgência modificar a metodologia antiquada atual praticada por diversos docentes. Para tanto, é preciso gerar um Ensino de Química mais relacionado com a vivência de cada aluno.


4.2 Aulas dialogadas e participativas


Diante dos resultados obtidos na pesquisa, por meio do QS, referentes ao nível de conhecimento dos alunos concernentes à QV, nos quais os dados mais alarmantes referem-se ao seu conceito e sua aplicabilidade, foram propostas algumas estratégias que viessem a minimizar a realidade encontrada, estas sequenciadas como: (i) as aulas dialogadas e participativas, (ii) e a aplicação de uma atividade lúdica (“Fator E: Qual indústria sou eu?”).

No segundo encontro com a turma, a partir de aulas dialogadas, o objetivo foi trabalhar e discutir a importância da história e do conceito da QV no cotidiano, bem como sua relação com o Princípio de Lavoisier (Lei da Conservação das Massas) e os conceitos de matéria, transformação física e química. É importante frisar que, teoricamente, a maioria dos conteúdos, exceto QV, já havia sido trabalhado com os alunos pelo professor regente da disciplina Química, sendo a QV inclusive citada, embora não houvesse sido trabalha como a turma antes dessa aplicação, pelo autor Antunes (2013, p. 15), no primeiro capítulo do livro didático escolhido pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e distribuído pelo Ministério da Educação para todas as escolas da rede pública, mas muitos desses alunos não sabiam disso.

A intenção foi fazer com que, além das competências e habilidades supramencionadas, os discentes aprendessem os principais fatos e personagens históricos da QV e, em seguida, argumentassem e opinassem sobre a relação da QV com seu cotidiano. Por meio de discussão, fora exposta a definição de matéria, que segundo Atkins e Jones (2012, p. 5) é: “qualquer coisa que tem massa e ocupa lugar no espaço”. Durante este diálogo, um dos alunos chegou a afirmar: “Se matéria é tudo aquilo que tem massa e ocupa lugar no espaço, então minha cadeira é matéria”. A partir desta fala, pode-se perceber que, até então, sua compreensão de matéria era abstrata, não sendo relacionada com seu próprio ambiente escolar. Em seguida, fora perguntado se, por exemplo, o gás liberado pelos automovéis também seria matéria e a maioria dos alunos após refletirem afirmou que sim. O foco nesta etapa foi evidenciar que, ao nosso redor, existem vários exemplos de matéria, pois todo o universo é composto dela e de energia.

Logo depois, pôde-se trabalhar a Lei da Conservação das Massas que foi introduzida pelo cientista francês Antoine Laurent de Lavoisier que afirma que na natureza nada se cria, nada se destroi, tudo se transforma. Essa conclusão foi o resultado dos ensaios de Lavoisier em sistemas fechados, o que lhe permitiu observar que a massa do sistema inicial era igual à do sistema final, mesmo quando outros materiais eram utilizados. Partindo desse princípio, perguntou-se aos alunos se ao despejar os resíduos industriais de uma empresa, por exemplo, em rios e florestas, esses dejetos estariam sendo destruídos. Os discentes concluíram que não. Um deles afirmou: “Não, porque o lixo é matéria, lixo não pode ser destruído, deve ser transformado, né!?”. Sendo assim, os discentes participaram de forma ativa, questionando e buscando exemplos do cotidiano. É válido ressaltar que neste processo de formação o importante não é a repetição mecânica de uma definição, mas a compreensão do valor dos sentimentos, das emoções, da insegurança a ser superada pela segurança, do medo que, ao ser ‘educado’, vai gerando a coragem (FREIRE, 2014).

No estudo dos principais personagens da QV, dentre outros, foram abordados o cientista Antoine Lavoisier, que introduziu a Lei da Conservação das Massas, a biológa americana Rachel Carson, pioneira no ambientalismo moderno, e o químico britânico Roger Sheldon, que introduziu o conceito do Fator E, além dos cientistas americanos Paul Anastas e John Warner, que introduziram os doze princípios da QV. Estes cientistas foram comentados nesse trabalho, para também evidenciar que a Ciência, tal como a conhecemos, é, sim, feita por homens e mulheres e não por ‘super-heróis’. Os alunos se mostraram empolgados em saber que poderiam também fazer uma grande diferença no mundo por meio de seus estudos e atos autossustentáveis. Eles também mostraram ter uma boa apreciação dessa abordagem, pois além de participarem de forma ativa questionando e compartilhando suas vivências, boa parte deles estava com seus cadernos abertos e faziam bastantes anotações.


4.3 Atividade Lúdica – “Fator E: Qual indústria sou eu?”


No terceiro encontro, as aulas dialogadas e participativas se voltaram para o estudo do Fator E ou E-factor (de Environment, ambiental em inglês), bem como da revisão do conteúdo reação química. Como já descrito no item do referencial teórico, o cientista Roger A. Sheldon introduziu o conceito do cálculo do Fator E, conforme ilustra a Equação 1 (SHELDON, 1992):


(1)

Desse modo, o Fator E é um critério de avaliação para as reações químicas e está diretamente ligado à filosofia da QV, pois a exemplo do primeiro princípio dela, o da preservação e do segundo princípio, isto é, da economia/eficiência atômica, o objetivo desta ferramenta é estimar o desempenho dos processos de manufatura, em se tratando de geração de resíduos.

Com base na Equação 1, pode-se deduzir que o “Fator E” é diretamente proporcional à massa do resíduo, logo, quanto maior for o valor do Fator E, maior é a quantidade de resíduo gerada. Em geral, nessa equação, usa-se como unidade o quilograma (Kg). Sheldon contribuiu e continua contribuindo muito para a disseminação da QV, em recente artigo publicado no Journal of Green Chemistry, principal periódico internacional de assuntos relacionados à QV, tal cientista celebra e discute sobre o aniversário de 25 anos da introdução do Fator E (SHELDON, 2017). A Figura 3 mostra a turma durante a aula expositiva dialogada na qual foi abordado o “Fator E”:

Figura 3 – Turma durante a aula que se trabalhou o Fator E. FONTE: Autoria própria.

Logo após essa aula com a turma, com o intuito de se trabalhar com a ludicidade o assunto proposto, a seguinte atividade lúdica adaptada foi realizada: “Fator E: Qual indústria sou eu?” (DCE, 2017). Inicialmente, a Tabela 2, descrita na fundamentação, foi copiada no quadro. Nela foram observados, de forma geral, quais são os valores ou intervalos de valores calculados do “Fator E” para a refinaria petrolífera e as indústrias de Química pesada, fina e farmacêutica (SHELDON, 2017). Em seguida, os alunos foram divididos em 5 (cinco) equipes, e cada equipe recebeu um pacote com quantidade diferenciada de balas coloridas (Figura 4) onde, inicialmente, o objetivo era contar essas balas (entre as diversas cores das balas, a cor verde escura representava o produto desejado nas indústrias, e as demais cores representavam os resíduos).


Figura 4 – Balas coloridas utilizadas na preparação dos cinco pacotes. FONTE: Autoria própria.

Na sequência, com o auxílio da Equação 1, a equipe que fosse calculando o “Fator E” e, apontando, corretamente, para qual tipo de indústria, disponibilizado na Tabela 2, seu pacote representava, ganhava o direito de comer essas guloseimas.

A turma inteira reagiu bem a essa dinâmica e mostrou-se feliz pela ideia de associar prazer, diversão e Química Verde nessa atividade. Foi recomendado que em cada equipe houvesse apenas um ou dois alunos responsáveis pela contagem, e que esses usassem luvas, por questões de higiene, ao passo que os demais discentes podiam auxiliar nos cálculos e na sua interpretação. A Figura 5 mostra uma das equipes durante essa atividade lúdica:

Figura 5 – Equipe durante a atividade lúdica proposta. FONTE: Autoria própria.

A Tabela 3 mostra a quantidade de balas verdes escuras que tinha em cada pacote, o cálculo desenvolvido do Fator E e as indústrias que essas representavam. Na intenção de facilitar os cálculos, considerou-se que cada bala, independente da cor, pesava 1g.

Tabela 3– Resultados da Atividade Lúdica: “Fator E: Qual indústria sou eu?”

Pacote

Cálculo do Fator E

(g de resíduo por g de produto)1

Tipo de indústria

(Fator E esperado)



Refinaria petrolífera

(< 1)




Química pesada

(1 a 5)




Química fina

(5 a 50)


Química farmacêutica

(25 a 100)

1As unidades, na verdade, são em quilograma (Kg), todavia, para essa atividade, calculou-se usando apenas o número de balas, pois o Fator E é adimensional. FONTE: Autoria própria.

O roteiro original proposto pelo Departamento de Conservação Ambiental (DCE, 2017) propunha que fossem pesadas, por cada equipe, as balas verdes e as demais balas separadamente em uma balança analítica. No entanto, a inviabilidade de trazer tal instrumento para a sala de aula e o número reduzido do mesmo no laboratório de Química do IFPB, campus João Pessoa, se somaram para que o roteiro fosse adaptado. O importante é notar que tal mudança não modificou o objetivo central, mas na verdade, tornou a atividade mais simples e de fácil aplicação, pois são poucas escolas, principalmente do setor público, que dispõem de balanças analíticas.

Quanto aos resultados obtidos, sob uma égide quantitativa, observou-se que 100% da turma acertou o questionamento dessa atividade, sabendo calcular e indicar, corretamente, o “Fator E” de cada indústria química. Sob uma égide qualitativa, a maior parte dos alunos, achou que esse tipo de abordagem, bem como todas as aulas, facilitou o aprendizado do conteúdo abordado. Um aluno afirmou: “Todos os assuntos foram fáceis de assimilar, pois além dos slides o professor soube explicar e fazer com que entendesse”. Esses resultados obtidos mostraram que houve um impacto positivo no aprendizado de TODOS (ouvintes e com deficiência auditiva) os alunos e um maior interesse pelas disciplinas de Química e de Introdução à Educação Ambiental.



CONSIDERAÇÕES FINAIS


Em linhas gerais, pouco tem se discutido sobre a Química Verde no Ensino de Química, menos ainda numa abordagem de inclusão escolar. Espera-se, porém, que esse trabalho contribua para instigar, principalmente, professores e graduandos a buscar o desenvolvimento de práticas sobre essa temática em suas atividades de ensino e pesquisa.

Tendo em vista os resultados, essa pesquisa alcançou os objetivos no seu planejamento, articulando os conhecimentos prévios dos alunos com o conhecimento científico aplicado posteriormente, desenvolvendo habilidades de observação, investigação, análise e resolução de problemas por meio do caráter discursivo dos questionamentos e ilustrativo das atividades realizadas durante as aulas. Tais ferramentas didáticas estimularam o interesse de TODOS os discentes pela Química, em que foi utilizada uma metodologia voltada para um estudo problematizado na abordagem CTSA e contextualizado com a QV, o que contribuiu para a formação de cidadãos mais críticos do meio no qual estão inseridos.

Com relatos dos próprios estudantes, incluindo a aluna com deficiência auditiva, a proposta aplicada favoreceu um maior entendimento dos conteúdos químicos contextualizados com uma situação presente na rotina deles, dentro de uma problematização na qual eles buscaram resolver. Foi possível observar também que inúmeras habilidades foram desenvolvidas em toda área do conhecimento, até no lado cidadão dos alunos, habilidades estas que não só alcançaram e, sim, superaram todos os objetivos propostos.

Por fim, no viés da inclusão, o direito à aprendizagem, o acesso a níveis mais elevados da educação e a permanência com qualidade educacional, fazem parte do que está posto como igualdade de direitos e de oportunidades educacionais para TODOS. Entretanto, ainda existe muito a fazer em prol da educação das pessoas com deficiência auditiva. É preciso desenvolver uma melhor conscientização em todos os âmbitos da sociedade e, principalmente, na formação e capacitação do professor. Evidencia-se que as pessoas com qualquer deficiência necessitam de estratégias de ensino e processos de avaliação escolares condizentes com suas peculiaridades.


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