ENTREVISTA COM MIRIAM PROCHNOW PARA A 82ª EDIÇÃO DA REVISTA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM AÇÃO
Por Bere Adams
Miriam Prochnow
(Esta e demais imagens fazem parte do arquivo pessoal da entrevistada)
Apresentação: Temos a grande honra de ter como entrevistada desta edição, Miriam Prochnow, que é catarinense, nascida em Agrolândia, no Alto Vale do Itajaí. Ela, junto com seu marido e amigos, fundou em 1987, a Apremavi (Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida) - atualmente uma das principais organizações ambientalistas de Santa Catarina e do Brasil, referência na proteção e restauração da Mata Atlântica. Liderou a criação da Federação de Entidades Ecologistas Catarinenses, em 1988, sendo a primeira coordenadora geral. Foi, também, Conselheira do CONAMA. A frente da Apremavi, buscando parcerias e colaboração, a organização foi uma das fundadoras, em 1992, da Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA). Em 2003, Miriam foi eleita como coordenadora geral da RMA, até 2007. Em 2008, iniciou sua dedicação – por 10 anos - como secretária executiva do Diálogo Florestal. Desde 2010, Miriam integrou o Conselho de Coordenação do Diálogo Florestal Internacional e de 2014 a 2018, fez parte do Grupo Estratégico da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Além disso tudo, Miriam é líder Avina - instituição que apoia e estimula lideranças em diferentes áreas (educação, meio ambiente, cultura etc.) em todo o mundo. Ajudou a criar e faz parte do conselho do Centro de Apoio Sócio-Ambiental - que hoje é o Fundo CASA - organização que apoia o desenvolvimento de pequenas e médias ONGs. É também fotógrafa, produtora e locutora de vídeos, além de coordenadora e autora de livros e publicações voltados ao meio ambiente e à educação. Sempre procurou acompanhar e ter uma atuação na instância partidária. Sua trajetória mais detalhada pode ser conferida no seu site: https://miriamprochnow.com.br
Bere – Miriam, para começo de conversa, quero te agradecer por você ter aceitado ser a entrevistada desta edição, muito obrigada! Navegando pelo seu site, conheci de forma mais aprofundada a sua incrível trajetória. O que me deixou impressionada foi o apontamento de que você, quando criança, fez greve de fome em “protesto” ao fato de seu pai ser caçador. Ali você já evidenciava o seu olhar mais aguçado para os reais valores que tanto a EA busca desenvolver nas pessoas?
Miriam – Eu sempre tive uma conexão forte com os animais. Desde cedo eles me inspiram sentimentos de proteção e cuidado. Não sei explicar exatamente de onde veio esse sentimento, mas é possível que tenha sido pelo fato de morar numa cidade do interior, com muito acesso à natureza e também por ter tido contato, no período da alfabetização, com livros que retratavam histórias de animais. Ainda guardo um desses livros, com a clássica história do Bambi. Aliás, o nome do jardim de infância que eu frequentei era Esquilo. Acho que temos aí elementos considerados importantes na Educação Ambiental. Já na época da escola, me indignava com injustiças. Diziam que eu era a defensora dos fracos e oprimidos.
Bere – A sua trajetória aponta, portanto, que você aprendeu a amar a natureza ainda na infância. Qual era o seu sentimento quando você estava em contato com a natureza, nas saídas à pesca com seu pai e no cultivo de jardins de sua mãe. Fale-nos um pouco das suas sensações que você pode se lembrar deste período.
Miriam – Eu adorava brincar e nadar no rio e andar de canoa. Muitas vezes passava o final de semana fazendo isso. Era uma sensação de acolhimento e ao mesmo tempo de liberdade. Já com as flores, era um sentimento de admiração pelas cores e cheiros e especialmente de carinho, quando minha mãe jogava uma flor pela janela, no quarto onde eu estava estudando. Isso criou um vínculo forte e com certeza foi importante na definição de minha personalidade.
Bere – Como esta sua bagagem da infância interferiu quando você se tornou professora, e depois Pedagoga?
Miriam – Essa bagagem da infância se juntou com outras experiências que vivi na adolescência, como participar da Comissão Municipal da Saúde, na qual realizamos visitas de campo, para acompanhar a situação das pessoas, como, estar em dia com as vacinas, ocorrência de doenças, acesso ao sistema de saúde, etc. Nessas visitas nós tínhamos contato com outras realidades, especialmente as vinculadas com o meio ambiente. Naquela época já se via a importância de ter boas condições ambientais, para se ter uma boa condição de saúde. Toda essa bagagem eu levei para minha atuação enquanto professora e mesmo não tendo, na época, noção das estratégias utilizadas na Educação Ambiental, acabei trabalhando com essas estratégias, como por exemplo a importância das vivências concretas.
Bere – Percebendo a degradação ambiental que se apresentava no período, quando recém-casados, você e seu marido Wigold Schäffer sentiram a necessidade de fazer algo para mudar aquela realidade, e foi então que fundaram a Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (APREMAVI). Conte-nos como foi este processo e como foram os primeiros trabalhos com a Educação Ambiental desenvolvidos pela associação.
Miriam – Quando nos casamos, em 1984, fomos morar em Ibirama (SC), onde Wigold era fiscal de crédito agrícola do Banco do Brasil. Nesta época, eu dividia meu tempo entre o trabalho já como professora e a faculdade de pedagogia, que eu cursava à noite na cidade vizinha. Nas minhas folgas, eu acompanhava o Wigold nas visitas aos clientes do banco. Nessas viagens, via a degradação ao longo do caminho, no qual esbarrava com caminhões e caminhões de madeira nativa sendo carregada, a erosão do solo e o comprometimento dos rios e riachos da região causados pelo desmatamento acelerado em uma das mais bonitas e ricas regiões da Mata Atlântica.
Também víamos diariamente os caminhões carregados com toras de espécies nativas passando na frente de nossa casa. Isso nos causou uma grande indignação. A vontade de mudar essa situação, nos levou a fundar, junto com alguns amigos, em 1987, a Apremavi. Eu passei a me dedicar exclusivamente ao trabalho na Apremavi. Nos primeiros anos de forma voluntária, até conseguirmos recursos para nosso primeiro projeto. Surgimos com o lema “boca no trombone e mão na massa”, ou seja, uma organização ativista, que denunciava as agressões ambientais, mas também propunha soluções e trabalhava para implantá-las. Uma das soluções apresentadas foi a produção de mudas nativas da Mata Atlântica, para atividades de restauração. O viveiro Jardim das Florestas começou no fundo do quintal da nossa casa, com 18 mudinhas. Hoje ele tem capacidade para produzir 1 milhão de mudas por ano, de 200 espécies nativas diferentes.
Nas nossas atividades de EA sempre utilizamos mudas de árvores nativas para cativar as pessoas. Outra coisa que percebemos logo foi a necessidade de capacitar os professores, porque só assim seria possível ampliar a escala do trabalho. Realizamos inúmeras capacitações nesse sentido.
Bere – E sobre o acompanhamento das Políticas Públicas voltadas para as questões ambientais, o que você destaca desta trajetória (dificuldades, avanços, conquistas)?
Miriam – Com certeza o maior destaque foi a aprovação da Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428 de dezembro de 2006), após 14 anos de tramitação no Congresso Nacional, etapas que acompanhei de perto. Foram centenas de ações em prol da aprovação da lei, envolvendo campanhas, manifestações, reuniões com deputados, senadores e ministros, debates públicos, elaboração de notas técnicas, mobilização das ONGs, etc. Foi emocionante poder fazer a fala em nome das Rede de ONGs da Mata Atlântica, no dia da sanção da Lei, no Palácio do Planalto. O processo de aprovação da lei foi duríssimo e cada etapa vencida era celebrada. Foi um exemplo de como a união e o diálogo pode superar desafios.
Outra conquista, que também é coletiva, foi a instalação de um núcleo para cuidar dos assuntos da Mata Atlântica, no âmbito do Ministério do Meio Ambiente. Esse núcleo funcionou de 1999 até 2010 e foi responsável pela implementação de muitas ações em prol do Bioma, com destaque para o combate ao desmatamento e a criação e implantação de Unidades de Conservação.