POPULAÇÃO MUNDIAL DEVERIA FICAR ABAIXO DE 4 BILHÕES DE HABITANTES?
Especialistas se reúnem para discutir quantas pessoas a Terra pode suportar de forma sustentável, ressaltam os efeitos da crise climática, criticam as atividades antrópicas, mas não chegam a um consenso. E você, o que acha?
Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 11 • Publicada em 4 de dezembro de 2023
Vista geral de uma multidão de pessoas fazendo compras na Nanjing Road, em Xangai, no aniversário de fundação do Partido Comunista Chinês. Foto Ying Tang/NurPhoto via AFP
Há mais de 2 mil anos alguns intelectuais já se perguntavam qual é o tamanho ideal de uma população. O filósofo grego Platão (aproximadamente 427-347 a.C.), em seu livro “A República”, idealizou uma cidade-estado chamada “Kallipolis”, estimando que a população ideal de um município deveria ser de cerca de 5.040 cidadãos, indicando que cidades com volumes menores de população poderiam ser mais bem administradas. Naquela época a população mundial era menor do que a população brasileira de hoje.
O poeta e ensaísta americano Ezra Pound (1885-1972), no século XX, defendeu a ideia de que a população mundial ideal deveria ser de cerca de 300 milhões de pessoas, um número que ele acreditava ser sustentável e propício para o progresso da cultura e da civilização. O economista ecológico, William Rees (1943 -), professor emérito da University of British Columbia calcula que, por conta da sobrecarga da Terra, o planeta atual só comporta algo em torno de 2 bilhões de habitantes.
Em uma perspectiva oposta, o economista neoliberal e negacionista do clima Julian Simon (1932-1998) dizia que não havia limites ao crescimento populacional mundial, pois “quanto mais gente melhor”. Na mesma linha, Jeff Bezos (1964 – ), empresário americano criador da Amazon e uma das pessoas mais ricas do mundo, sugere que a humanidade se reproduza e gere 1 trilhão de humanos para povoar o planeta e colonizar o Universo. Também Elon Musk (1971 -), dono da Tesla, SpaceX e do antigo Twitter (agora X), tem dito que “A civilização vai desmoronar se as pessoas não tiverem mais filhos” e que “Marte tem uma grande necessidade de pessoas, visto que a população atualmente é zero. Vamos levar vida a Marte!”.
Sem dúvida, as opiniões variam bastante e o leque de opções é amplo. Não existe consenso quanto ao número ideal de habitantes que a Terra pode suportar de maneira sustentável. Isto porque a sustentabilidade ambiental não depende apenas do número global de habitantes, mas também da biocapacidade da Terra, do padrão de consumo, do modo de produção e do desenvolvimento tecnológico global.
Mas, de qualquer forma, as incertezas não podem servir de desculpa para interditar a troca de ideias, para atualizar o debate e para realizar estimativas sobre o volume da população terrestre que seria ambientalmente sustentável na contemporaneidade. Neste sentido, não há nenhuma entidade mais adequada para fomentar essa discussão do que a “International Union for the Scientific Study of Population” (IUSSP) que é a associação internacional de demografia, fundada em 1928 e que reúne os demógrafos de praticamente todos os países do mundo. Seus associados são responsáveis por uma ampla diversidade de estudos populacionais locais, nacionais e internacionais, nas mais diferentes áreas de conhecimento da demografia e da ciência social.
Neste contexto, um webinar foi realizado no dia 18 de outubro de 2023, organizado pelo demógrafo Stan Becker, da Johns Hopkins University. O tema central do debate foi: “The population of humans that can be supported sustainably on the planet at a reasonable standard of living is below 4 billion. Yes or No”
A apresentação do webinar foi realizada pela presidente da IUSSP, a demógrafa indiana Shireen Jejeebhoy e a moderação foi feita pelo demógrafo Stan Becker. O demógrafo Joel Cohen, da Rockefeller University, apresentou os antecedentes históricos do debate.
A demógrafa grega, Anastasia Pseiridis, da Panteion University e o demógrafo sueco Frank Götmark da University of Gothenburg, apresentaram os argumentos a favor de uma população global abaixo de 4 bilhões de habitantes. O demógrafo congolês Jacques Emina, da University of Kinshasa e o demógrafo americano Timothy Guinnane, da Yale University, responderam negativamente à questão do debate. Por fim, a demógrafa brasileira e ex-presidente da Associação Latino-americana de População (ALAP), Suzana Cavenaghi, apresentou um sumário do debate e forneceu os comentários finais do webinar.
Multidão se aglomera durante o festival Dhanteras, em Mumbai, na Índia. Junto com a China e os EUA, o país é um dos maiores emissores de carbono do mundo. Foto Indranil Aditya/NurPhoto via AFP
Joe Cohen e a capacidade de carga da Terra
Na contextualização inicial do debate, o demógrafo Joe Cohen apresentou 65 estimativas, feitas entre 1679 e 1994, sobre quantas pessoas a Terra pode suportar de forma sustentável. As estimativas variam de 1 bilhão a 1 trilhão de habitantes, com metade das previsões ficando entre 4 e 16 bilhões de habitantes.
Ele explica que a capacidade de carga da Terra, também conhecida como capacidade de suporte do planeta, refere-se à capacidade dos ecossistemas em fornecer recursos naturais, como água, alimentos, energia e habitat, além de absorver resíduos e poluentes gerados pela atividade humana de maneira sustentável, ou seja, sem esgotar os recursos ou causar danos ambientais irreversíveis.
A determinação da capacidade de carga da Terra é complexa e depende de muitos fatores, incluindo o estilo de vida das pessoas, o nível de consumo, a tecnologia disponível e a eficiência dos sistemas de produção e distribuição. Além disso, a capacidade de carga varia em diferentes regiões do mundo devido a diferenças na disponibilidade de recursos naturais e na capacidade de regeneração do ambiente.
Para alcançar um equilíbrio sustentável, é crucial considerar não apenas o número absoluto de pessoas, mas também como essas pessoas vivem, consomem recursos e impactam o meio ambiente. Medidas de conservação, desenvolvimento sustentável, redução do desperdício e adoção de práticas agrícolas e industriais mais eficientes são essenciais para garantir que a Terra possa continuar a sustentar a vida humana e a biodiversidade a longo prazo.
Timothy Guinnane e Jacques Emina respondem não para uma população abaixo de 4 bilhões de pessoas
O demógrafo Timothy Guinnane começou questionando se a questão colocada no debate é a mais correta e inquiriu como chegaríamos ao montante abaixo de 4 bilhões de habitantes. Ele reconhece que o mundo está entrando em um período de declínio populacional de longo prazo e, ao mesmo tempo, está enfrentando uma acelerada crise climática. O aquecimento global ameaça a nossa existência, mas a governança global tem uma meta clara que é conter a temperatura abaixo de 1,5º Celsius em relação ao período pré-industrial. As mudanças climáticas já apresentam efeitos graves e negativos, mas o mundo procura limitar os danos e enfrentar as consequências atuais.
Já a dinâmica demográfica tem uma inércia que implica em crescimento populacional, mesmo com a maioria dos países do mundo tendo taxas de fecundidade abaixo do nível de reposição. Ele questiona quais políticas poderiam trazer a população global para um patamar abaixo de 4 bilhões. Para Guinnane a questão principal não é discutir o volume populacional, mas sim descobrir como lidar com a atual população que vai continuar crescendo nas próximas décadas.
O demógrafo Jacques Emina começou a apresentação dizendo que o embate entre pensadores malthusianos e neomalthusianos sobre o tamanho da população não foca nos verdadeiros problemas que são a incompetência e a má governança, a instabilidade econômica, a infraestrutura sobrecarregada, a pobreza, a fome, as ameaças à segurança e a desigualdade socioeconômica.
Emina fez uso da teoria da “Curva ambiental de Kuznets” – que diz que a degradação ambiental aumenta na primeira fase do crescimento da renda per capita, mas diminui para os altos níveis de renda – (uma abordagem muito contestada pelos ambientalistas) e conclui que o foco das preocupações deve estar na eficiência produtiva, na redução das desigualdades sociais e na solidariedade global. Na visão dele, o tamanho da população global não importa e o mundo pode ir bem além dos 4 bilhões de habitantes.
Anastasia Pseiridis e Frank Götmark respondem sim para uma população abaixo de 4 bilhões de pessoas
A demógrafa Anastasia Pseiridis começou a apresentação contestando a ideia de manter um crescimento econômico infinito em um planeta finito, pois, dado um tamanho de população, existe um limite global para a produção de um volume de bens e serviços capazes de garantir o bem-estar de cada pessoa.
Ela apresentou uma estimativa para o tamanho da população mundial que poderia viver de forma sustentável no planeta, considerando que sustentabilidade significa uma pegada ecológica igual à biocapacidade da Terra. Ela utilizou dados de 2011 para o PIB mundial, em poder de paridade de compra, de US$ 35 trilhões e levando em conta uma renda per capita de US$ 11 mil (a média global de 2011). Neste cenário, para proporcionar uma vida confortável (digna, mas sem desperdício), o tamanho populacional sustentável correspondente a aproximadamente 3,1 bilhões de habitantes.
As palavras-chave que resumem cada uma das apresentações, respectivamente, são incerteza, volume populacional, escassez e argumentos éticos. Todos os apresentadores concordam que o mundo está passando por uma crise climática e ambiental que representa uma ameaça existencial à humanidade
Suzana Cavenaghi
Demógrafa
Pseiridis considera que a crescimento da produção global não tem sido “verde”, pois a tecnologia não tem sido capaz de garantir o desacoplamento entre crescimento econômico e o uso de recursos naturais. Portanto, um mundo com uma população menor e com maior equidade social poderia garantir uma vida decente para os seres humanos e, também, para as demais espécies vivas da Terra.
O demógrafo Frank Götmark apresentou dados para mostrar que o ser humano e os seus animais domesticados ocupam a maior parte das áreas habitáveis do planeta. A biomassa total de mamíferos é esmagadoramente dominada pela pecuária e pelos humanos, inviabilizando a livre sobrevivência da vida selvagem.
Ele considera que o ser humano é a única espécie capaz de planejar um mundo melhor no futuro. Mas isto significa ter um senso ético e respeito aos direitos de outras espécies. Desta