Não podemos pensar em desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades sociais e em qualidade de vida sem discutirmos meio ambiente. - Carlos Moraes Queiros
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 88 · Setembro-Novembro/2024
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Uma avaliação do conhecimento do conceito de Pegada ecológica em alunos dos cursos de Engenharia de Minas e Biologia da Universidade Federal de Ouro Preto (Minas Gerais, Brasil).
Valdir Lamim-Guedes1, Lorena Cristina Lana Pinto2, Mariângela Garcia Leite3 e Eneida Maria Eskinazi Sant'Anna4 1 – Universidade Nacional de Timor-Leste. Faculdade de Educação, Artes e Humanidades. 2 – Bióloga e Mestre em Ecologia de Biomas Tropicais pela Universidade Federal de Ouro Preto. 3 – Universidade Federal de Ouro Preto. Escola de Minas. Departamento de Geologia. 4 - Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de Ciências Exatas e Biológicas. Departamento de Biodiversidade, Evolução e Meio Ambiente.
Estamos diante de um momento critico na história da terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro...ou formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros, ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida (Trecho da Carta da Terra).
Resumo: O conceito de pegada ecológica diz respeito ao cálculo do consumo de recursos naturais de um indivíduo que é então convertido em área. Este cálculo é uma forma de tentar dimensionar o impacto que cada pessoa causa sobre o planeta. A importância desta medida é nos ajudar a perceber o quanto de recursos da natureza utilizamos para sustentar nosso estilo de vida e contribuir para a reflexão e promoção do cosumo consciente. Entrevistamos alunos dos cursos de Ciências Biológicas e Engenharia de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto objetivando descobrir se estes já conheciam o conceito de pegada ecológica, calcular a pegada ecológica de cada entrevistado e avaliar qual a percepção destes alunos sobre o valor (área) encontrado. Os entrevistados demonstraram profundo desconhecimento do significado do conceito de pegada ecológica e de sua relação com consumo de recursos naturais. Quase todas as pegadas ecológicas ficaram entre 4 e 6 gha, o que está acima da média global por habitante, e muito acima da biocapacidade do planeta. Apesar do desconhecimento dos entrevistados, podemos concluir que ela é uma ferramenta de educação ambiental, dada a surpresa com que foram recebidos os resultados da pegada individual. Palavras-chave: Pegada ecológica; educação ambiental; comportamento; Introdução A humanidade está em face de um desafio sem precedentes: já é amplo o entendimento de que os ecossistemas terrestres não podem sustentar os níveis atuais de atividade econômica e consumo de materiais, muito menos incrementos nestes níveis (WACKERNAGEL e REES, 1996). Portanto, à medida que nosso novo século se desdobra, um dos nossos maiores desafios é o de construir e manter comunidades sustentáveis (CAPRA, 2003). Sustentabilidade é um conceito amplamente utilizado, no entanto, pouco compreendido, sendo um conceito associado ao desenvolvimento sustentável, que envolve as ideias de pacto intergeracional e perspectiva de longo prazo, envolvendo a capacidade de um processo ou forma de apropriação dos recursos que visa permitir a existência destes por um longo período (IBGE, 2004). Segundo o relatório Nosso Futuro Comum (CMMD, 1991), a humanidade tem a capacidade de atingir o desenvolvimento sustentável, ou seja, de atender às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações de atender às próprias necessidades. Estas definições são exortações morais, que lembram a nossa responsabilidade de passar a nossos filhos e netos um mundo com tantas oportunidades quanto aquele que nos herdamos, sem, contudo, indicar formas de como construir, na prática, uma sociedade sustentável (CAPRA, 2003). A partir de mudanças nos nossos comportamentos podemos buscar sociedades sustentáveis, não sendo necessário inventá-las a partir do zero. Parte importante neste processo é a compreensão, individual ou coletiva, de que o meio ambiente é impactado pelos nossos comportamentos. Dada a pequena efetividade das iniciativas para a reversão da deterioração do planeta, ações mais sustentáveis tornam-se cada vez mais importantes, incluindo ferramentas que estimulem um amplo envolvimento público, estratégias de avaliação e monitoramento do progresso (WACKERNAGEL e REES, 1996). E uma ferramenta que apresenta estas características é a pegada ecológica. Esta ferramenta é um calculo da quantidade de área de terra e água (por exemplo, floresta, solos agrícolas, rios, etc.) que uma população humana requer para produzir os recursos que usa e para assimilar os seus resíduos, utilizando a tecnologia disponível (AMEND et al., 2010). Está área é medida em hectares globais (gha), sendo que cada gha tem 10.000 metros quadrados, assim como o hectare no sistema internacional de medidas (S.I.). A pegada ecológica é uma forma de traduzir a percepção de sustentabilidade em ação pública (WACKERNAGEL e REES, 1996). Se todos os seres humanos vivessem como um europeu médio, seriam necessários cerca de 3 planetas; com padrões de consumo dos norte-americanos, 5 planetas. O planeta equivalente é a relação entre a pegada individual (pegada média por habitante) e a capacidade biológica per capita da Terra disponível. O total disponível de área produtiva no mundo, a chamada biocapacidade, é de 11,9 bilhões de hectares globais (GLOBAL FOOTPRINT NETWORK, 2010), isto representa uma biocapacidade por habitante de 1,7 gha, considerando que o planeta tem atualmente 7 bilhões de habitantes (ONUBRASIL, 2011). Em última instância, a pegada pode responder por todas as atividades humanas, respondendo à pergunta: Quanta natureza isto consome? Esta ferramenta pode ser utilizada para indivíduos, bem como para empresas, cidades, países e humanidade como um todo (AMEND et al., 2010). Neste estudo, buscamos avaliar a pegada ecológica de alunos dos cursos de Ciências Biológicas e Engenharia de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto, averiguar se estes já conheciam o conceito de pegada ecológica e avaliar qual a percepção destes alunos sobre o valor (área) encontrado. Metodologia O estudo foi realizado com alunos da Universidade Federal de Ouro Preto durante o mês de dezembro de 2010. As entrevistas foram realizadas nas dependências do Instituto de Ciências Exatas e Biológicas e do Departamento de Engenharia de Minas e Geologia, no campus Morro do Cruzeiro, Ouro Preto, Minas Gerais. Foram entrevistados apenas alunos dos cursos de Ciências Biológicas e de Engenharia de Minas. Buscou-se entrevistar alunos de diferentes períodos, tentando obter uma visão geral do curso. A restrição quanto ao curso dos alunos foi realizada para constatar se existem diferenças na pegada ecológica e percepção destes sobre as questões ambientais, já que os dois cursos tem currículos que focam o meio ambiente de forma bastante diferente um do outro, enquanto a Biologia trata mais de conhecer aspectos bióticos e conservação deste, na Engenharia de Minas, o foco é para a prospecção e extração dos recursos naturais. A participação foi voluntaria. Os entrevistados eram informados de que se tratava de um questionário sobre questões envolvendo o comportamento individual que integrava uma pesquisa cientifica referente disciplina Educação Ambiental oferecida pelo Programa de Pós-Graduação em Ecologia de Biomas Tropicais da Universidade Federal de Ouro Preto. Os alunos foram questionados se conheciam o conceito de pegada ecológica. Em caso positivo, era questionado se “ele apenas ouviu falar”, “tem dúvidas quanto à aplicação do conceito” ou se ele “sabe sua pegada ecológica”. A seguir, propúnhamos medir a pegada ecológica destes, em caso positivo, utilizávamos um questionário com questões fechadas em que para cada resposta era atrelada uma pontuação diferente (Anexo 1), o total desta pontuação era convertido em uma valor de pegada ecológica (Tabela 1). Tabela 1: Escala com a pontuação referente ao somatório geral do questionário para cálculo da pegada ecológica (gha, hectare global).
Depois de calculada a pegada ecológica, era apresentada para o entrevistado a tabela 2, que contém uma listagem com vários países e as respectivas pegadas ecológicas por habitante. Além da pegada ecológica, também é apresentado o planeta equivalente, ou seja, o número de planetas iguais à terra (com a mesma capacidade biológica da Terra) necessários para manter toda a humanidade caso todos tivessem a pegada ecológica em questão. A tabela 2 utiliza como biocapacidade da Terra o valor de 1.8 hectare e a população mundial em 6 bilhões de pessoas, valores referentes ao ano de 2004 (WWFBRASIL, 2007). Tabela 2: tabela com os valores de referência para vários países, com a indicação da área em hectares da pegada ecológica por habitante e o respectivo planeta equivalente.
Resultados Foram entrevistados 23 alunos de cada curso. A distribuição por períodos está apresentada na figura 1.
Figura 1: Distribuição dos alunos entrevistados por período e curso. Dos 46 alunos que participaram da pesquisa, apenas 9 responderam que já tinham algum contato com o conceito de pegada ecológica (19,5% do total de entrevistados). Destes alunos, 8 afirmaram já terem ouvido falar deste tema e apenas 1 afirmou conhecer o conceito, mas tem dúvidas quanto a sua aplicação prática. E nenhum entrevistado afirmou saber qual seria a sua pegada ecológica. A distribuição das respostas por curso está apresentada na tabela a seguir. Tabela 3: Respostas dos entrevistados quanto ao conhecimento destes sobre o conceito de pegada ecológica.
O domínio sobre o conceito de pegada ecológica foi maior entre os alunos do curso de Ciências Biológicas. As pegadas ecológicas dos dois cursos permaneceram entre 4 e 6 gha (entre 150 e 400 pontos, veja tabela 1), sendo que os alunos de Ciências Biológicas apresentaram uma pegada ecológica menor do que os alunos de Engenharia de Minas, sendo 298,0±75,77 e 347.4±85.85 pontos, respectivamente (A pontuação de cada resposta está disponível no anexo 1). Tabela 4: respostas dos entrevistados sobre a reação deste ao saber da pegada ecológica destes.
Discussão Ao calcular a pegada ecológica, a ideia central é apontar qual é o impacto sobre o meio ambiente do tipo de vida que a pessoa leva e demonstrar os pontos que podem ser revistos. E, independentemente do país ou cidade em que se vive, a pegada ecológica é um conceito universal, e lida com questões que nos afetam a todos nas nossas vidas diárias (LAMIM-GUEDES, 2011). Esperávamos que os alunos tivessem um domínio maior sobre o conceito de pegada ecológica, sobretudo entre os alunos de Ciências Biológicas. Apesar destes terem um maior domínio sobre o conceito, ainda assim, o resultado obtido é bem menor do esperado, ainda mais quando consideramos que boa parte dos alunos estão na Universidade a mais de dois anos. Esta situação permite concluirmos que as ações de educação ambiental que estes alunos já foram submetidos não abordaram este conceito, ou pelo menos, que não foi abordado de forma satisfatória. Sobretudo porque a pegada ecológica é uma grande ferramenta de comunicação. Ela pode ajudar a atual crise ambiental para qualquer público, persuadindo as pessoas porque não diz que deve fazer isto ou aquilo, e sim que aqui está o desafio que todos nós partilhamos no planeta (TERRY A‘HEARN in AMEND et al., 2010). Ao apontar os pontos de maior impacto da uma pessoa, empresa, cidade ou País na natureza, permite que sejam discutidas soluções que estejam dentro das possibilidades de cada um. Com isto, estamos estimulando mudanças de comportamento reais (LAMIM-GUEDES, 2011). Por exemplo, para uma pessoa fazer a coleta seletiva talvez seja uma atitude que efetivamente diminua a sua pegada, que já é baixa (aproximadamente 1 gha). Mas esta mesma solução pode não ser adequada para uma outra pessoa que tem uma grande pegada (acima de 4 gha), e esta deve repensar como se locomove pela cidade e sobre o seu nível de consumo. A pegada de toda a humanidade em 2007 foi de 18 bilhões de hectares globais, ou seja, 2,7 gha por habitante, considerando a população humana ainda com 6,7 bilhões de habitantes (GLOBAL FOOTPRINT NETWORK, 2010). Isto significa que para manter este nível de consumo de recursos naturais são necessários 1,5 planetas. A média das pegadas ecológicas, que ficou no intervalo de 4 a 6 gha, supera em muito a pegada global, demonstrando um alto impacto dos entrevistados sobre o meio ambiente. A surpresa dos entrevistados, sobretudo dos alunos de ciências biológicas, demonstra o poder educativo da pegada ecológica, já que muitos dos entrevistados não tinham noção do impacto destes sobre o meio ambiente. Isto se deve a falsa noção de que, tendo alguma atitudes consideradas mais sustentáveis - como fazer a coleta seletiva do lixo e se preocupar com o desempenho dos aparelhos eletrônicos - não é o suficiente para reduzir a pegada ecológica a níveis inferiores ao da biocapacidade do planeta. Os entrevistados poderão repensar seus comportamentos, analisar os mais impactantes, e propor medidas individuais ou coletivas (para a família ou bairro) que gere uma redução na pegada ecológica destas pessoas. Isto toma uma perspectiva positiva quando levamos em conta a frase de Carlos Minc, no livro “Ecologia e Cidadania” (1997, p. 16): “A educação ambiental bem-ensinada e bem-aprendida tem de ter relação com a vida das pessoas, o seu dia-a-dia, o que elas vêem e sentem, o seu bairro, a sua saúde, as alternativas ecológicas. Caso contrário, é artificial, distante e pouco criativa”. BibliografiaAMEND, T.; BARBEAU, B.; BEYERS, B.; BURNS, S.; EIßING, S.; FLEISCHHAUER, A.; KUS-FRIEDRICH, B. E POBLETE, P. Uma Grande Pegada num Pequeno Planeta? Contabilidade através da Pegada Ecológica. Ter sucesso num mundo com crescente limitação de recursos. In: Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ). A sustentabilidade tem muitas faces, 2010. CAPRA, F. Educação. In: TRIGUEIRO, A. Meio Ambiente no Século 21: 21 especialistas falam da questão ambiental nas suas áreas de conhecimento. Rio de Janeiro: Sextante, 2003. CMMD (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE O MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO). Nosso futuro comum (Relatório Brundtland). 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 1991. 430 p. GLOBAL FOOTPRINT NETWORK. Ecological Footprint Atlas 2010. [S.l.]: [s.n.], 2010. IBGE (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA). Vocabulário Básico de Recursos Naturais e Meio Ambiente. 2. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 2004. 332 p. LAMIM-GUEDES, V. Uso da pegada ecológica em atividades educativas. Educação Ambiental em Ação, 38, 2011. ONUBRASIL (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL). ONU
promove campanha ’7 Bilhões de Ações’ para superar desafios do crescimento
populacional, 2011. Disponivel em:
WACKERNAGEL, M.; REES, W. Our ecological footprint: reducing human impact on the earth. Gabriola Island, Colúmbia Britânica-Canadá: New Society Publishers, 1996. 167 p. WWFBRASIL. Pegada ecológica: que marcas queremos deixar no planeta? Brasilia: [s.n.], 2007. Link para Download: http://assets.wwf.org.br/downloads/19mai08_wwf_pegada.pdf.
Anexo 1: Questionário utilizado para o cálculo da pegada ecológica. A coluna da direita indica a pontuação para cada resposta.
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