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      Leonardo BOFF | Depois da publicação dos dados atemorizantes do Painel
      Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC) que prevêem
      grandes transtornos no sistema-Terra e no sistema-vida, o Brasil está
      ganhando mais e mais interesse internacional. Não é para menos: é a
      potencia mundial das águas, dotado com a maior biodiversidade do mundo,
      contendo em seu território as maiores florestas úmidas da Terra, com a
      maior área agricultável de todo o planeta, com climas para todo tipo de
      produção de alimentos e fibras. E ainda detém abundantíssima biomassa
      com tecnologia avançada, capaz de apresentar uma alternativa à matriz
      enegética dominante de base fóssil. 
       
      Diante desta constatação, o pais precisa de um olhar de águia, que vê
      longe para não cair num auto-engano que o fará desperdiçar uma chance
      histórica única de ocupar um papel importante na configuração de um
      novo mundo que há de vir. 
       
      O risco reside na tentação de o Brasil se contentar apenas com um olhar
      de galinha que vê perto, ao oferecer uma alternativa intrasistêmica de
      matriz energética para que a atual civilização consumista, perdulária
      e anti-ecológica possa continuar. Isso suporia a convicção de que ela
      tenha ainda futuro, possa ganhar mentes e corações para seus ideais e
      ser benéfica para a humanidade e para a Terra. Ora, exatamente isso ela não
      é. Sua vigência e prolongamento pode representar, de forma crescente,
      uma ameaça ao futuro comum dos humanos e do sistema-Gaia.
       
      Não que o Brasil deixe de se valer de suas vantagens comparativas
      naturais e tecnológicas. Ele deve ajudar a enfrentar a crise energética
      mundial como passo para um patamar mais alto, visando a alcançar um novo
      paradigma de relação com a natureza, de produção e de consumo. 
       
      Por isso o Brasil deve olhar mais longe, para além das urgências momentâneas
      e mirar o novo que ele, mais que outros paises, é chamado a moldar. Ele
      precisa de uma inteligência estratégica pós-relatório do IPCC. Pode
      vigorosamente animar a elaboração de um novo paradigma civilizatório
      que tenha como eixo articulador a sustentação de toda a vida e não a
      acumulação de bens materiais e de serviços. 
       
      O que está em jogo agora é Gaia e a Humanidade. Seu futuro não é mais
      garantido pela conjunção de energias e fatores que até agora lhes davam
      sustentabilidade. A humanidade só viverá se fizer um ato político
      coletivo de querer viver junto com toda a comunidade de vida. 
       
      Bem dizia a Carta da Terra:"a escolha a fazer é esta: ou formamos
      uma aliança para cuidar da Terra e uns dos outros ou então arriscar a
      nossa destruição e a devastação da diversidade da vida". Temos
      fundado temor de que nos estratos estratégicos do Governo falta esta
      consciência. Vejamos o que consta no atual orçamento: o Ministério do
      Meio Ambiente tem seus recursos cortados na ordem de 32,7%, passando de
      651,2 para 438,5 milhões de reais, menos que o Esporte 643,9 milhões e
      13 vezes menos que o Ministerio da Defesa que é de 5,82 bilhões de
      reais. 
       
      Por que esta diferença? Não temos um inimigo externo potencial. O que
      temos é o real inimigo global que nos ataca por todos os lados: o
      aquecimento global e as mudanças climáticas. Devemos contra-atacar em
      todas as frentes para garantirmos um efeito global. Caso contrário, a
      arca de Noé afundará, carregando consigo todos os orçamentos para
      coisas que não são realmente decisivas. 
       
      Leonardo BOFF 
      01/06/07 
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