REFLEXÕES
ACERCA DO CONHECIMENTO PERTINENTE À EDUCAÇÃO
AMBIENTAL
Marina
Patrício de Arruda
Andréia
Valéria de Souza Miranda
Sonia
Maria Martins de Melo
A
importância da preservação dos recursos naturais
passou a ser preocupação mundial e nenhum país
pode se eximir de responsabilidade
para com a Educação Ambiental.
O
Brasil é o único país da América Latina
que possui uma política nacional específica para a
Educação Ambiental. Para tanto, contribuir para a
mudança de valores sobre o cuidado com o meio ambiente passa
por abordar a educação ambiental a partir dos anos
iniciais na escola, para assim sensibilizar desde cedo os humanos,
sobre e importância da preservação.
De
acordo com a Política Nacional de Educação
Ambiental
Entendem-se
por educação ambiental os processos por meio dos quais
o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais,
conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas
para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum
do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua
sustentabilidade.
Deste
modo, pensar em saúde requer cuidar do ambiente, preservar
recursos, ressignificar conceitos, há muito vivemos as
atitudes de uso do meio ambiente sem o devido cuidado como se fosse
um recurso inesgotável e já é possível
ver e sentir o efeito danoso dessa irresponsabilidade no ecossistema
e, consequentemente, à toda vida do planeta.
Os
condicionantes e determinantes de saúde estão todos
presentes na relação do homem com o meio em que vive e,
para que haja uma mudança radical nos comportamentos da
sociedade,
Refletir
sobre a complexidade ambiental abre uma estimulante oportunidade para
compreender a gestação de novos atores sociais que se
mobilizam para a apropriação da natureza, para processo
educativo articulado e compromissado com a sustentabilidade e a
participação, apoiado numa lógica que privilegia
o diálogo e a interdependência de diferentes áreas
do saber (JACOBI, 2003, p.191).
De
acordo com as Diretrizes curriculares para a Educação
Ambiental, art. 2º, trata-se de uma dimensão da educação,
uma atividade intencional da prática social, que visa
potencializar a atividade humana com a finalidade de torná-la
“plena de prática social e de ética ambiental.”
A
dimensão da Educação se move a partir de uma
sensibilização ambiental interdisciplinar com a
finalidade de possibilitar a melhorias condições de
vida para todo o sistema ambiental. Esse sistema envolve uma
responsabilidade socioambiental
que vai além do cumprimento de leis e normas de preservação
do meio ambiente. A responsabilidade social está
diretamente relacionada a práticas de preservação
do meio ambiente e inclui um longo e contínuo aprendizado
tendo como base valores culturais, sociais e políticos.
Isto
implica em perceber-se como parte deste sistema ambiental e assim
contribuir não somente para com o outro mas para consigo mesmo
e assim, sair de uma forma reducionista de pensar e adotar um
pensamento complexo.
À
luz do pensamento complexo, trata-se de um processo educacional
fundamentado pela construção de uma visão
hologramática, ou seja, o reconhecimento de que “não
apenas a parte está no todo, mas o todo está na parte”
(MORIN, 2011, p. 74). Ideia que contraria o pensamento simplificador
e a visão reducionista, lembrando que apenas é possível
definir uma parte como tal, em relação a um todo.
Entretanto, o
modelo simplificador ainda vigente na educação, acaba
por restringir o conhecimento, por
contemplar currículos e matrizes
curriculares
com disciplinas isoladas, o que pode explicar a fragmentação
da
formação
da maioria dos processos educativos vigentes, dificultando a
construção de um paradigma pautado na educação
para a inteireza do ser (MIRANDA, 2019).
A
Educação disciplinar, fragmenta e dissocia as
características múltiplas do conhecimento que é
multidimensional. O multidimensional no pensamento de Edgar Morin
(2011) diz respeito a inseparabilidade, pois acredita na pertinência
do conhecimento quando as dimensões são perceptíveis
e revela, “o conhecimento pertinente deve enfrentar a
complexidade.” (p. 36).
E
assim, desafiados pela complexidade dessa problematização,
propomos uma reflexão sobre como desenvolver um “olhar”
coletivo e ampliado, a partir de diferentes conexões?
E nos perguntamos qual seria o Conhecimento Pertinente à
Educação Ambiental?
O
real é complexo e nossa mente deve se tornar
A
Teoria da Complexidade, segundo Morin (2000), é um outro
paradigma do pensar e agir humano, o eixo articulador do conhecimento
pertinente. A complexidade concebe-se como um desafio e uma motivação
para pensar a incompletude do conhecimento, em lugar de ser entendida
como uma resposta, uma receita pronta a ser replicada. A
consciência da completude e da incompletude num movimento
holográfico transcende o paradigma fragmentado e recupera a
complexidade do real.
Num
sentido, o pensamento complexo tenta dar conta daquilo que o tipo de
pensamento mutilante se desfaz, excluindo o que eu chamo de
simplificadores e por isso ele luta, não contra a
incompletude, mas contra a mutilação (MORIN, 1998, p.
176).
É
assim que o pensamento complexo questiona o princípio da
ciência moderna, de divisão e de separação
na produção do conhecimento, que levou à
hegemonia da fragmentação e da especialização.
Para Morin (1998), o paradigma moderno simplificador não
possibilita a compreensão da complexidade do real. Confirma
essa perspectiva, Santos (2002) quando apresenta questões que
se remetem a problemáticas impossíveis de serem
resolvidas por meio dos paradigmas modernos. Para Santos (1998) “todo
o conhecimento é auto-conhecimento”, mas a ciência
moderna, para evitar a interferência dos valores e emoções
humanas no conhecimento dos objetos de estudo, julgou que fosse
possível ser um pesquisador neutro. A partir da mudança
de paradigma e da percepção de que o conhecimento se dá
por meio do olhar de quem pesquisa, a ciência passou a
considerar os sentidos atribuídos pelo observador. E a visão
simplificadora do conhecimento pode ser substituída por um
conhecimento multidimensional e planetário.
Nesse
sentido, surge a necessidade de reparar nosso pensamento para seguir
reformando a “cabeça” de quem educa e de quem
é educado e, inclui conduzir novas e contínuas
reflexões voltadas a essa questão. Para Morin (2004), a
educação deveria guiar para a reforma do pensamento
e desenvolvimento da cabeça bem-feita. Mas para
identificar e tratar os problemas, a partir da organização
e religação dos saberes ela precisa se reinventar no
sentido de auxiliar as pessoas a assumirem a sua condição
humana, a aprenderem a conviver com as incertezas e a viver com
responsabilidade pelo que fazemos.
Morin
(2011) acredita que o conhecimento pertinente é insuficiente
se uma informação não vier relacionada com seu
contexto. O grande problema do distanciamento da informação
do seu contexto, segundo o autor, está na produção
do sentido. “Para ter sentido, a palavra necessita do texto,
que é o próprio contexto, e o texto necessita do
contexto no qual se enuncia” (p. 34). No exemplo de Morin, a
palavra perde sentido quando não relacionada ao texto, que é
a sua morada e este é enunciado de algum lugar, de um cenário,
que vai dar contexto e compreensão à palavra.
O
conhecimento pertinente é produto de um pensar complexo que
sabe operar com os princípios da complexidade que possibilita
a religação dos saberes, evidenciando as relações
antagônicas e, ao mesmo tempo, complementares que se
estabelecem entre as partes e o todo e vice-versa, ou seja, a unidade
na diversidade. Na perspectiva de Morin (2004), a reforma do
pensamento exige a interligação entre os diversos
conhecimentos para se chegar à compreensão da condição
humana no cosmos tornando-se responsáveis coletivamente pelo
ambiente que habitamos.
A
vida humana depende do ambiente e é preciso olhar para a
realidade e dialogar com ela, de modo a religar os saberes, pois como
diria
Morin (2000, p. 40) “as mentes formadas pelas disciplinas
perdem suas aptidões naturais para contextualizar os saberes,
do mesmo modo que para integrá-los em seus conjuntos
naturais”.
Para
isso, cabe aos professores a religação de suas
disciplinas e o investimento em reformas curriculares que reúnam
as questões de saúde humana e seus determinantes e
condicionantes sociais, natureza e cultura, homem e cosmos. Assim, “o
desenvolvimento da aptidão para contextualizar e globalizar os
saberes torna-se um imperativo a educação”
(MORIN, 2004, p.24) e sinaliza a emergência de um pensamento
ecologizante, capaz de situar o acontecimento na inseparabilidade das
dimensões individual, comportamental, cultural, social e
espiritual. O eixo do conhecimento pertinente está em
“inserir os conhecimentos parciais e locais no complexo e no
global sem esquecer as ações do global sobre o parcial
e o local” (MORIN, 2013, p.198).
Nessa
perspectiva, “O excesso de separação é
perverso na ciência, pois torna impossível religar os
conhecimentos” (MORIN, 2007, p. 101), situação
que nos leva a uma compreensão reducionista do humano. Por
isso a importância do olhar multidimensinal aquele capaz de ir
além das fronteiras entre os saberes para dialogar com
diversos conhecimentos. O
Conhecimento Pertinente, um dos Sete Saberes definidos por Morin
(2004) necessários à educação do futuro
pode direcionar a educação para uma nova percepção
de mundo, por meio da transformação do próprio
indivíduo e das relações entre o local e o
global.
Morin
(2004, p. 18) entende que: “O pensamento é, mais do que
nunca, o capital mais precioso para o indivíduo e a
sociedade”. O autor dá destaque a dois grandes desafios
da complexidade: o primeiro é que a realidade é
complexa e o segundo diz respeito àa incerteza.
Pensar
de forma complexa é compreender o real complexo também
revela a dinâmica da evolução do universo e da
vida. O pensamento complexo possibilita estabelecer um canal de
diálogo entre diferentes paradigmas: o ser humano e suas
racionalizações. Para
Miranda (2019), o pensamento complexo pode propiciar condições
para que o ser humano
exerça
sua cidadania, ao realizar ricas trocas, buscando autonomia e fazendo
suas escolhas.
Nesse
sentido é que o conhecimento pertinente torna-se indispensável
para enfrentar o grande desafio de nosso tempo: o cuidado com o
nosso mundo, nosso meio ambiente. Assim sendo, o conhecimento
pertinente é próprio de uma cabeça bem-feita
que, no entender de Morin (2004), não é aquela que
acumula e amontoa informações sem sentido, mas
informações que permitam ligar os saberes e lhes dar
sentido.
Repensando
a educação escolar, a produção do
conhecimento pertinente entendemos a necessidade de rever seus rumos.
Escola e professores precisam atualizar suas metodologias
e estratégias didáticas de modo a levar o aluno a
aprender a pensar e a produzir conhecimentos de forma pertinente.
Para o autor a meta da Educação escolar seria o
desenvolvimento de ‘uma cabeça bem-feita’, uma
aptidão para o enfrentamento dos problemas a partir do
contexto e de princípios organizadores do conhecimento
complexo que religam os saberes e lhes dão sentido.
Concluindo:
como ensinar a pertinência dos conhecimentos para uma Educação
Ambiental?
A
maneira como aprendemos na escola, local onde ainda se reforça
a fragmentação do conhecimento pela divisão dos
conteúdos em disciplinas, passando pela didática
tradicional de muitos professores, são ainda obstáculos
entre o pensamento linear e o pensamento complexo capaz de integrar e
dar sentido à educação ambiental.
Deste
modo, compreendemos que ultrapassar essa fragmentação
do conhecimento é um desafio que exige transformação
do próprio pensamento, do modo como articulamos os saberes, de
como olhamos o mundo e agimos sobre ele, pois, não
se pode estar no mundo com “luvas nas mãos”
observando apenas (MIRANDA, 2019). É preciso agir, mudar,
ressignificar, cuidar.
As
referências sobre a construção pertinente do
conhecimento, aberta por Morin são de grande valia para
repensarmos a Educação Ambiental na escola
e para refletir que segundo o pensamento complexo não há
como separar o ser humano da realidade onde vivemos, pensar
de forma complexa é uma forma de perceber que não
reduz, nem simplifica, mas une ser humano e natureza. Os problemas
ambientais advêm de práticas sociais equivocadas que
estão a exigir posturas para uma mudança cultural e
comportamental necessárias.
O
“conhecimento pertinente” diz respeito àquele
saber resultante de uma reforma paradigmática, que nos permite
operar os princípios organizadores do conhecimento complexo
incluindo o
trabalho conjunto de professores para que nos situemos no amplo e
vasto campo da educação ambiental. Neste espaço,
está posta a necessidade de superar a visão
fragmentadora de produção do conhecimento e a
capacidade de articular e produzir de forma interdisciplinar. Só
assim será possível juntar informações e
conhecimentos dissociados e até mesmo antagônicos para
reencontrar a identidade do saber ambiental.
“Temos, portanto, de ensinar a pertinência, ou seja, um
conhecimento simultaneamente analítico e sintético das
partes religadas ao todo e do todo religado às partes”
(MORIN, 2004, p. 87).
Buscar
construir uma cabeça bem-feita para contextualizar e
globalizar o conhecimento para melhor compreender e solucionar os
problemas da vida humana, eis o nosso desafio como professoras.
Referências
JACOBI,
Pedro. Educação
Ambiental, Cidadania e Sustentabilidade.
Cadernos de Pesquisa, n.118, março/2003.
MIRANDA,
Andréia Valéria de Souza, PROCESSO DE FORMAÇÃO
EM ENFERMAGEM NA PERSPECTIVA DO PARADIGMA DO CUIDADO COMPLEXO EM
SAÚDE/ Andréia Valeria Miranda de Souza. - - 2019.
Orientadora: Sonia Maria Martins de Melo, Coorientadora: Marina
Patrício de Arruda, Tese (doutorado) - - Universidade do
Estado de Santa Catarina, Centro de Ciências Humanas e da
Educação, Programa de Pós-Graduação
em Educação, Florianópolis, 2019.
MORIN,
E. Ciência
com consciência. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
________.
A religação dos saberes: o desafio do século
XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
________.
O
método 3:
O conhecimento do conhecimento. 2ª ed. Porto Alegre:
Sulina;
2002
________,
A cabeça bem-feita:repensar a reforma, reformar o
pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
_________.
O método 5: A humanidade da humanidade: a identidade humana. 4
edição. Porto Alegre: Sulina, 2007.
________.
Os sete saberes necessários à educação do
futuro. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: Unesco, 2011.