É dentro do coração do homem que o espetáculo da natureza existe; para vê-lo, é preciso senti-lo. Jean-Jacques Rousseau
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 89 · Dezembro-Fevereiro 2024/2025
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13/09/2022 (Nº 80) AVIFAUNA DO PARQUE LINEAR ENGENHEIRO WERNER EUGÊNIO ZULAUF (PARQUE TIQUATIRA), SÃO PAULO, SP
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AVIFAUNA DO PARQUE LINEAR ENGENHEIRO WERNER EUGÊNIO ZULAUF

(PARQUE TIQUATIRA), SÃO PAULO, SP



Raphael Paixão Branco Teixeira1, Fernanda de Cássia Neves Esteca2



1 Departamento de Ciências Biológicas e Saúde, Universidade Cruzeiro do Sul

2 Pós-Graduação em Zoologia da Faculdade Metropolitana do Estado de São Paulo

professor.raphaelpaixao@gmail.com



Resumo

O Brasil possui cerca de 1900 espécies de aves, dessas, 891 ocorrem na cidade de São Paulo. As aves exercem importantes e diferentes papéis no ambiente, como por exemplo, polinização, dispersão de sementes e controle de populações de vetores. Durante o processo de colonização e urbanização da cidade, houve uma drástica alteração da paisagem original, de modo que praticamente toda vegetação original foi substituída por áreas construídas e por espécies exóticas, o que resultou no desaparecimento e na substituição de muitas espécies da avifauna nativa. Porém, muitas delas, adaptadas a ambientes modificados, resistem próximas aos seres humanos. Este trabalho teve como objetivo principal realizar um levantamento qualitativo da avifauna do Parque Linear Engenheiro Werner Eugênio Zulauf (Parque Tiquatira), localizado no bairro da Penha, Zona Leste de São Paulo. A técnica utilizada para o registro da avifauna foi a busca ativa e transecção e todas as espécies foram identificadas através de observação direta, não havendo necessidade de captura e marcação de nenhum espécime durante o estudo. A composição da avifauna do Parque Tiquatira está sob influência direta do Parque Ecológico do Tietê (PET), distantes, cerca de 3 Km, em linha reta. A análise qualitativa de espécies de aves diurnas do Parque Tiquatira permite concluir que a comunidade foi suficientemente amostrada, sendo representada por 65 espécies, distribuídas em 11 ordens e 26 famílias.



Abstract

Brazil has about 1900 species of birds, of these, 891 occur in the city of São Paulo. Birds play important and different roles in the environment, such as pollination, seed dispersal and control of vector populations. During the process of colonization and urbanization of the city, there was a drastic change in the original landscape, so that almost all the original vegetation was replaced by built-up areas and exotic species, which resulted in the disappearance and replacement of many species of native avifauna. However, many of them, adapted to modified environments, resist close to human beings. The main objective of this study was to conduct a qualitative survey of the avifauna of the Parque Linear Engenheiro Werner Eugênio Zulauf (Tiquatira Park), located in the neighborhood of Penha, East Zone of São Paulo. The technique used to record the avifauna was active search and transections and all species were identified through direct observation, with no need to capture and mark any specimen during the study. The avifauna composition of the Tiquatira Park is under the direct influence of the Tietê Ecological Park (PET), about 3 km apart as the crow flies. The qualitative analysis of diurnal bird species in Tiquatira Park allows us to conclude that the community was sufficiently sampled, being represented by 65 species, distributed in 11 orders and 26 families.

Introdução

O Brasil está entre os países mais ricos em diversidade de aves, com cerca de 1900 espécies registradas (CBRO, 2015). A cidade de São Paulo, inserida nos domínios da Mata Atlântica possui uma elevada diversidade biológica, sendo composta por 891 espécies de aves, e apresenta uma alta taxa de endemismo, com 213 espécies encontradas exclusivamente nos remanescentes florestais desse bioma (LIMA, 2013).

As aves exercem importantes e diferentes papéis no ambiente, como por exemplo, polinização, dispersão de sementes e controle de populações de vetores. As cidades altamente urbanizadas podem criar espaços e condições para atrair e abrigar essas espécies, que por diferentes razões se deslocam de áreas florestadas para espaços urbanos e encontram em pequenas manchas verdes os recursos que necessitam (BIAGOLINI, 2018).

Durante o processo de colonização e urbanização da Cidade de São Paulo houve uma drástica alteração da paisagem original de modo que praticamente toda vegetação original foi substituída por áreas construídas e até mesmo as áreas verdes, na sua maioria, não são constituídas de espécies nativas, e sim de exemplares exóticos.

De acordo com Develey (2004) essa mudança na paisagem da cidade culminou no desaparecimento e na substituição de muitas espécies da avifauna nativa, contudo, embora muitos representantes tenham desaparecido ou se tornado raros, outras como o bem-te-vi (Pitangus sulphuratus), a cambacica (Coereba flaveola), o sabiá-laranjeira (Turdus rufiventris) e o periquito-rico (Brotogeris tirica) estão entre as espécies mais comuns da cidade.

Argel-de-Oliveira (1996) ressalta que existem muitas espécies adaptadas a ambientes modificados, vivendo próximas dos seres humanos, em áreas verdes de bairros arborizados. Além disso, as aves formam um grupo cuja observação e identificação são relativamente fáceis, contribuindo para isso o fato de serem em sua maioria diurnas, o que facilita a confecção de listagens de espécies em diversos tipos de ambientes.

Na Mata Atlântica, por exemplo, listagens de espécies muitas vezes são as únicas informações disponíveis sobre esse grupo faunístico, e essas listagens são valiosas para compreensão dos padrões de distribuição das espécies, auxiliando na elaboração de planos de conservação e manejo de áreas (DEVELEY, 2006).

A observação de aves é uma atividade sustentável, de caráter lúdico, prático, não conteudista, sensorial e experimental que pode ser praticada por qualquer pessoa, de crianças a idosos, em grupos ou individualmente e tem como objetivo observar as aves em seu hábitat natural, sem interferir no seu comportamento ou no seu ambiente, uma prática de lazer contemplativa que incentiva o contato do ser humano com a natureza (TEIXEIRA, 2018).

Para formulação dessas listas não é necessário a coleta de espécimes. Além disso, em qualquer área, mesmo as mais antropizadas, ocorrem sempre muitos registros, podendo se conseguir, em curtos períodos, listagens relativamente extensas e que oferecem elementos para discussões de fundo ecológico. Diante do exposto, este trabalho teve como objetivo principal apresentar um levantamento da avifauna com hábitos diurnos do Parque Linear Tiquatira.

A composição de espécies do Parque Linear Tiquatira está sob influência direta do Parque Ecológico do Tietê (PET), ambiente fundamental para a preservação da fauna e flora da várzea do Rio Tietê. Esses dois Parques estão distantes, cerca de 3 Km, em linha reta (Figura 2). O estudo de Dores (2020) ressalta que no PET possui uma grande heterogeneidade de habitats, que incluem áreas abertas, lagos e lagoas artificiais provenientes de escavações para extração de areia, áreas florestadas, capinzais, praias de lama, áreas de várzea, brejos e campos alagados que detém um total de 274 espécies de aves.



Metodologia

O Parque Tiquatira, oficialmente chamado de Parque Linear Tiquatira Engenheiro Werner Eugênio Zulauf (Figuras 1 e 2), é um parque linear localizado no bairro da PenhaZona Leste de São Paulo, fundado em 2007. Com uma extensão de mais de três quilômetros, é considerado o primeiro parque linear da cidade de São Paulo. Ele está localizado ao longo do Córrego Tiquatira, e a sua vegetação é composta por áreas ajardinadas, arborizadas e bosques heterogêneos.

Figura 1. Parque Linear Tiquatira – Fonte: Prefeitura.sp.gov.br, 2021.

Figura 2. Imagens satélite Google Earth do Parque Linear Tiquatira – Fonte: Novamata.org, 2021.



Para realização deste trabalho, conforme metodologia proposta por Cullen Jr et al (2003) as técnicas utilizadas para o registro qualitativo da avifauna no Parque Tiquatira foram a busca ativa e a transecção, para estes métodos amostrais não se faz necessária a parada em nenhum local preestabelecido, e as observações foram realizadas através de um percurso ao longo das trilhas do próprio parque. Para maior eficiência da metodologia, as trilhas foram percorridas em dias e horas alternados.

Todas as espécies foram identificadas através de observação direta de sua morfologia, comportamento ou de sua vocalização, que consiste em todas as expressões vocais do indivíduo, que podem ser cantos, pios, chamados, gritos de alarme etc. Para tanto, não houve a necessidade de captura e marcação de nenhum espécime durante o estudo.

Para que se tornasse possível a identificação de todas as espécies registradas no Parque, durante o período amostral que foi de janeiro de 2021 à janeiro de 2022, contemplando 12 visitas no total, foi utilizado binóculo (Nikon Zoom 8x42 6.0º), e para confirmação dos registros os guias de identificação (Aves da Grande São Paulo - Develey e Endrigo (2004); Birds of South America - Erize et al (2006) e Field Guide to the Songbirds of South America - Ridgely e Tudor (2009), a apresentação da tabela de espécies segue a proposta pelo (CBRO, 2015).



Resultados e Discussão

Durante o período de esforço amostral foi possível registrar 65 espécies de aves, distribuídas em 26 famílias e 11 ordens, como mostra a tabela 1, abaixo. De acordo com Biagolini (2018), essas espécies de aves, por diferentes razões se deslocam de áreas florestais para espaços urbanos, onde encontram nas pequenas manchas arborizadas as condições que necessitam. Esses parques lineares, por terem como característica principal o fato de serem mais cumpridos do que largos, exercem o papel de corredores entre os diversos espaços arborizados das cidades, interligando pequenos espaços arborizados e favorecendo o deslocamento das aves de um ponto ao outro.

As aves são importantes indicadores biológicos, pois apresentam respostas rápidas às alterações no ambiente. Mesmo que algumas espécies se adaptem às mudanças, a maior parte tende a diminuir (AZEVEDO-RAMOS et al., 2005). Desse modo, as listas de espécies atendem a diferentes propósitos, mas servem fundamentalmente como um alerta para a perda de biodiversidade (SILVEIRA E STRAUBE, 2008).

Algumas espécies endêmicas se favorecem com as alterações antrópicas, aumentando sua população de forma desequilibrada, enquanto outras, principalmente as invasoras ou exóticas, podem passar a ocupar a área e ter suas populações aumentadas de forma descontrolada (AZEVEDO-RAMOS et al., 2005; SCARIOT et al., 2003).

A diminuição ou substituição de áreas florestais pode afetar o número e a composição de espécies de aves. Dessa forma, o fato de muitas áreas existirem como ilhas, e os espaços entre estes remanescentes serem considerados barreiras para muitas espécies, impossibilita o fluxo destas aves entre os fragmentos, diminuindo a diversidade de espécies (GIMENES e ANJUS, 2003).



Accipitriformes

Accipitridae

Elanus leucurus (Vieillot, 1818) gavião-peneira

Buteo brachyurus Vieillot, 1816 gavião-de-cauda-curta

Rupornis magnirostris (Gmelin, 1788) gavião-carijó

Apodiformes

Apodidae

Chaetura meridionalis Hellmayr, 1907 andorinhão-do-temporal

Streptoprocne zonaris (Shaw, 1796) taperuçu-de-coleira-branca

Trochilidae

Chlorostilbon lucidus (Shaw, 1812) besourinho-de-bico-vermelho

Eupetomena macroura (Gmelin, 1788) beija-flor-tesoura

Florisuga fusca (Vieillot, 1817) beija-flor-preto

Cathartiformes

Cathartidae

Coragyps atratus (Bechstein, 1793) urubu-de-cabeça-preta

Charadriiformes

Charadriidae

Vanellus chilensis (Molina, 1782) quero-quero

Columbiformes

Columbidae

Columba livia Gmelin, 1789 pombo-doméstico

Columbina talpacoti (Temminck, 1811) rolinha-roxa

Patagioenas picazuro (Temminck, 1813) pombão

Zenaida auriculata (Des Murs, 1847) pomba-de-bando

Cuculiformes

Cuculidae

Crotophaga ani Linnaeus, 1758 anu-preto

Guira guira (Gmelin, 1788) anu-branco

Piaya cayana (Linnaeus, 1766) alma-de-gato

Falconiformes

Falconidae

Caracara plancus (Miller, 1777) caracará

Falco femoralis Temminck, 1822 falcão-de-coleira

Falco peregrinus Tunstall, 1771 falcão-peregrino

Falco sparverius Linnaeus, 1758 quiriquiri

Milvago chimachima (Vieillot, 1816) carrapateiro

Passeriformes

Estrildidae

Estrilda astrild (Linnaeus, 1758) bico-de-lacre

Fringillidae

Euphonia chlorotica (Linnaeus, 1766) fim-fim

Furnariidae

Furnarius rufus (Gmelin, 1788) joão-de-barro

Hirundinidae

Progne chalybea (Gmelin, 1789) andorinha-doméstica-grande

Pygochelidon cyanoleuca (Vieillot, 1817) andorinha-pequena-de-casa

Icteridae

Molothrus bonariensis (Gmelin, 1789) vira-bosta

Mimidae

Mimus saturninus (Lichtenstein, 1823) sabiá-do-campo

Passerellidae

Zonotrichia capensis (Statius Muller, 1776) tico-tico

Passeridae

Passer domesticus (Linnaeus, 1758) pardal

Rhynchocyclidae

Todirostrum cinereum (Linnaeus, 1766) ferreirinho-relógio

Thraupidae

Coereba flaveola (Linnaeus, 1758) cambacica

Dacnis cayana (Linnaeus, 1766) saí-azul

Tachyphonus coronatus (Vieillot, 1822) tiê-preto

Tangara cayana (Linnaeus, 1766) saíra-amarela

Tangara palmarum (Wied, 1823) sanhaçu-do-coqueiro

Tangara sayaca (Linnaeus, 1766) sanhaçu-cinzento

Troglodytidae

Troglodytes musculus Naumann, 1823 corruíra

Turdidae

Turdus albicollis Vieillot, 1818 sabiá-coleira

Turdus leucomelas Vieillot, 1818 sabiá-barranco

Turdus rufiventris Vieillot, 1818 sabiá-laranjeira

Turdus amaurochalinus Cabanis, 1850 sabiá-poca

Tyrannidae

Hirundinea ferrugínea (Gmelin, 1788) gibão-de-couro

Empidonomus varius (Vieillot, 1818) peitica

Machetornis rixosa (Vieillot, 1819) suiriri-cavaleiro

Megarynchus pitangua (Linnaeus, 1766) neinei

Myiarchus ferox (Gmelin, 1789) maria-cavaleira

Myiarchus swainsoni Cabanis & Heine, 1859 irré

Myiodynastes maculatus (Statius Muller, 1776) bem-te-vi-rajado

Pitangus sulphuratus (Linnaeus, 1766) bem-te-vi

Tyrannus melancholicus Vieillot, 1819 suiriri

Tyrannus savana Vieillot, 1808 tesourinha

Vireonidae

Cyclarhis gujanensis (Gmelin, 1789) pitiguari

Pelecaniformes

Ardeidae

Ardea alba Linnaeus, 1758 garça-branca-grande

Butorides striata (Linnaeus, 1758) socozinho

Egretta thula (Molina, 1782) garça-branca-pequena

Piciformes

Picidae

Celeus flavescens (Gmelin, 1788) pica-pau-de-cabeça-amarela

Ramphastidae

Ramphastos toco Statius Muller, 1776 tucanuçu

Psittaciformes

Psittacidae

Amazona aestiva (Linnaeus, 1758) papagaio-verdadeiro

Brotogeris tirica (Gmelin, 1788) periquito-rico

Diopsittaca nobilis (Linnaeus, 1758) maracanã-pequena

Pyrrhura frontalis (Vieillot, 1817) Tiriba-de-testa-vermelha

Forpus xanthopterygius (Spix, 1824) tuim

Psittacara leucophthalmus (Statius Muller, 1776) periquitão-maracanã

Tabela 1. Espécies de aves registradas no Parque Linear Tiquatira



A análise qualitativa das espécies de aves do Parque Linear Tiquatita permite concluir que a comunidade foi suficientemente amostrada, entretanto, devido à ausência de amostragens noturnas, faz-se necessária a realização de um novo estudo com metodologia adaptada para conhecimento e registro da ocorrência de espécies, como, por exemplo da ordem dos Strigiformes, que contam com representantes frequentemente observados em áreas urbanas na cidade de São Paulo. Além disso, o trabalho traz evidências que a proximidade da área de estudo com o Parque Ecológico do Tietê tem influência sob a diversidade de espécies local, visto que foram registrados representantes da avifauna que utilizam preferencialmente fragmentos florestais, como o gavião-de-cauda-curta Buteo brachyurus e a Tiriba-de-testa-vermelha Pyrrhura frontalis. Ainda assim, as espécies encontradas, possuem, em sua maioria hábitos generalistas com baixa sensibilidade a alterações antrópicas e alta plasticidade ecológica. Esse estudo também corrobora com a ideia de que locais com alterações severas na paisagem podem abrigar uma significativa diversidade de espécies de aves, principalmente quando estão presentes representantes vegetais que contribuem para forrageamento, abrigo e nidificação dessas espécies.



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Ilustrações: Silvana Santos