Não podemos pensar em desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades sociais e em qualidade de vida sem discutirmos meio ambiente. - Carlos Moraes Queiros
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 88 · Setembro-Novembro/2024
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06/09/2023 (Nº 84) ALERTA MANGUEZAL: UM ESTUDO DE CASO REALIZADO NA CIDADE DE CANAVIEIRAS NA BAHIA, VISANDO O ENSINO CONTEXTUALIZADO DE QUÍMICA
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ALERTA MANGUEZAL: UM ESTUDO DE CASO REALIZADO NA CIDADE DE CANAVIEIRAS NA BAHIA, VISANDO O ENSINO CONTEXTUALIZADO DE QUÍMICA

Antonio de Santana Santos1; Gilmar dos Santos Machado2; Claudia das Virgens Crispim3

1Doutor em Química Analítica - Unicamp

Prof. Titular da Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, BA.
e-mail:
assantos@uesc.br

2Graduando em Licenciatura em Química pela Universidade Estadual de Santa Cruz

3Doutoranda em Ciência da Educação pela Universidad Interamericana, Paraguay

Resumo: Estudos revelam que o ensino de química tem acontecido de forma fragmentada e descontextualizado, caracterizando-o como uma disciplina difícil de compreender. Muitas das estratégias de ensino utilizadas nas aulas não promovem o protagonismo e o envolvimento dos alunos, trazendo prejuízos ao processo de ensino-aprendizagem. Sendo assim, aborda um tema de cunho ambiental, em específico a questão da contaminação de uma área de manguezal no município de Canavieiras, região sul da Bahia. Para isso lança mão da aplicação da metodologia do Estudo de Casos (EC) em aulas de Química com alunos do primeiro ano do Ensino Médio, estudando em paralelo, conceitos sobre funções orgânicas e tabela periódica dos Elementos Químicos. O Estudo de Casos caracteriza-se por uma metodologia que tem ganhado espaço no ensino de Ciências, e tem a característica de enfatizar o aprendizado autodirigido, oferecendo ao aluno a oportunidade de protagonismo, investigando aspectos sociocientíficos, presentes em situações reais ou simuladas. O objetivo do trabalho está, portanto, em promover a conscientização nos alunos através de um estudo de caso sobre os perigos e impactos ambientais gerados pelo descarte de resíduos nos manguezais. O desenvolvimento da atividade aconteceu em quatro momentos, e o caso utilizado intitulado “alerta no manguezal” trouxe aos alunos o desafio de buscar as possíveis causas da contaminação e como neutralizar os efeitos causados pelas mesmas, além de avaliar as perdas ocorridas no ambiente afetado e pesquisar sobre as leis de proteção ambiental o qual esse ambiente está inserido. Os resultados apresentados são oriundos dos registros feitos em diário de bordo pelos alunos, e percepção do pesquisador no decorrer das ações. Ao final, evidenciou-se que a metodologia é rica em promover o protagonismo e criticidade dos alunos, trazendo a estes uma leitura de sua realidade. Possibilitou ainda o estudo dos conceitos químicos de maneira contextualizada, relacionando com o problema da contaminação dos manguezais.

Palavras-Chave: Estudo de casos. Ensino de química. Meio ambiente. Manguezal.

Abstract: Studies reveal that teaching chemistry has been done in a fragmented and decontextualized way, characterizing it as a discipline that is difficult to understand. Many of the teaching strategies used in the classes do not promote the protagonism and involvement of the students, harming the teaching-learning process. Therefore, it addresses an environmental issue, specifically the issue of contamination of a mangrove area in the municipality of Canavieiras, in the southern region of Bahia. For this, it uses the Case Study (CE) methodology in Chemistry classes with first-year high school students, studying in parallel concepts about organic functions and the periodic table of chemical elements. The Case Study is characterized by a methodology that has gained space in Science teaching, and has the characteristic of emphasizing self-directed learning, offering the student the opportunity to play a leading role, investigating socio-scientific aspects, present in real situations or simulated. The objective of the work is, therefore, to promote awareness among students through a case study on the dangers and environmental impacts generated by the disposal of waste in mangroves. The development of the activity took place in four moments, and the case used entitled “alert in the mangrove” brought the students the challenge of looking for the possible causes of contamination and how to neutralize the effects caused by them, in addition to evaluating the losses that occurred in the affected environment and research on the laws of environmental protection in which this environment is inserted. The results presented come from the records made in the logbook by the students, and the researcher's perception during the course of the actions. In the end, it was evidenced that the methodology is rich in promoting the protagonism and criticality of the students, bringing them a reading of their reality. It also enabled the study of chemical concepts in a contextualized way, relating to the problem of mangrove contamination

Keywords: Case studies. Chemistry teaching. Environment. Mangrove

1. INTRODUÇÃO

Estudos revelam que alunos do ensino médio e até de nível superior consideram a disciplina de química juntamente com as disciplinas de física e matemática como as mais difíceis de compreender e assimilar. Isto se agrava mais ainda quando os assuntos abordados estão distantes e alheios às necessidades e anseios da comunidade escolar (SILVA, 2003). Nos mostram também, que as aulas de química muitas vezes são ministradas com o uso de atividades nas quais há predomínio de um verbalismo teórico/conceitual em temas que não estão no campo das vivências dos estudantes. Isso vem colaborando para uma má compreensão de ideias/conceitos químicos, fazendo com que os alunos não consigam problematizar e estabelecer relações existentes entre ambiente, ser humano, conhecimento científico e tecnologia (SILVA; FARIAS FILHO; ALVES, 2020).

Neste contexto, faz-se necessário a utilização de propostas inovadoras no ensino de química, que lancem mão de estratégias didáticas que possam colaborar para a melhoria do processo de ensino e aprendizagem (SAMPAIO; BERNARDO; AMARAL, 2016). No bojo dessas estratégias citamos o Estudo de Caso (EC), uma metodologia que vem ganhando espaço no cenário nacional e internacional no ensino de ciências, com ênfase na abordagem CTSA, Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente (SÁ; QUEIROZ, 2010).

Segundo Queiroz e Sotério, a utilização de estudos de caso em espaços educativos tem ganhado destaque devido as potencialidades que apresenta para o desenvolvimento de uma ampla gama de habilidades, notadamente quando os estudantes estão envolvidos e motivados na solução de problemas autênticos contidos na narrativa do caso em análise. De fato, a busca por soluções de problemas autênticos, que são aqueles que trazem em seu bojo situações da vida cotidiana e requisitam a consideração de explicações alternativas, tendo como fundamento o uso de pensamento crítico, favorece o entendimento de conceitos científicos e o desenvolvimento de habilidades cada vez mais necessárias na atualidade, como a capacidade de argumentação e de tomada de decisão, especialmente diante de questões relacionadas a ciência e a tecnologia (QUEIROZ; SOTÉRIO, 2023)

O EC tem a característica de enfatizar o aprendizado autodirigido, em que o foco é o aluno, ou seja, o estudante é o principal responsável por seu desenvolvimento. Esse método oferece ao aluno a oportunidade de protagonismo, direcionamento à sua própria aprendizagem, investigando aspectos sócio científicos, presentes em situações reais ou simuladas. Essa metodologia consiste no levantamento de uma problemática onde as pessoas são direcionadas a tomar decisões importantes a respeitos de determinados assuntos (CARVALHO; PEREZ, 2023).

Nesta associação do estudo de caso e das abordagens CTSA, a nova proposta do sistema educacional brasileiro, denominada Novo Ensino Médio, traz como possibilidade a inclusão de estudos e práticas associados a temas ambientais. Tais temas perpassam várias áreas do conhecimento, como, por exemplo, português, matemática, química, física, geografia, biologia, e, trazem o indivíduo para a discussão a respeito do meio físico que ele ocupa (ARAUJO; STEFANUTO; CARVALHO, 2023). Buscando o entendimento dos desafios das práticas pedagógicas de caráter ambiental a serem implementadas faz-se necessário a revisão histórica do ensino médio no Brasil, como também o entendimento da proposta desse “novo modelo” e a democratização do saber (MARRA; ALMEIDA, 2023).

Assim, este trabalho se propôs a desenvolver a aplicação desta metodologia em aulas de química no Ensino Médio, com objetivo de promover a conscientização nos alunos sobre os perigos e impactos ambientais gerados pelo descarte de resíduos nos manguezais, em específico, o manguezal de Canavieiras, município situado na região sul da Bahia. A cidade de Canavieiras possui um dos maiores manguezais da Bahia e muitos dos seus moradores sobrevivem da captura de animais que vivem neste ambiente como a moreia, o caranguejo, o aratu, o guaiamum, entre outros (VIKOU et al., 2023).

Estes manguezais têm sido utilizados de maneira incorreta e, por causa dessas atitudes, muitas florestas de mangue foram desmatadas, aterradas e outras usadas como locais de coleta de lixo, descartes de esgoto e deposito de lixo ilegal (GUALBERTO; SOUZA; BEZERRA, 2023). Registra-se ainda que neste município alguns moradores lançam os seus lixos diretamente no mangue e neste lixo muitas vezes estão baterias, carcaças de celulares nos quais contém elementos químicos, muitos dos quais em contato com ambiente redutor dos manguezais podem ser contaminantes e com isso afetarem a flora e a fauna, além da população que dependem de forma direta ou indireta deste ambiente (BARRÊDO et al., 2008).

A escolha do tema dos manguezais de Canavieiras no âmbito das aulas de química se dá por várias razões, tais como: pela sua relevância ambiental, pela necessidade de compreender os impactos causados por resíduos químicos neste ambiente e ainda pela oportunidade de trazer contribuições para as discussões na escola voltada aos manguezais, mobilizando toda uma comunidade escolar a um processo sólido de conscientização e sensibilização direcionada a preservação desse ambiente. Além desses aspectos, o estudo dá significado às aulas de química, tornando-o interdisciplinar e contextualizado, contribuindo para o pensamento crítico acerca dos espaços de vivência e convivência dos aprendizes.

1.1. O manguezal e o debate socioambiental

Os manguezais são um dos ecossistemas mais produtivos do planeta, e sua importância para a manutenção de bens e serviços é enorme. Os manguezais são importantes sequestradores e estocadores de carbono na biomassa e no solo. O processo de sequestro de carbono por área de florestas de mangue é da mesma ordem de grandeza do observado em outras florestas tropicais úmidas. Quando se considera o reservatório de carbono contido na biomassa acima do solo, essa similaridade se mantém. Por outro lado, quando é considerado o estoque total de carbono no sistema, incluindo a biomassa subterrânea e estoque no solo, o estoque de carbono em manguezais tropicais por unidade de área é significativamente maior que o observado em quaisquer florestas terrestres, incluindo as florestas tropicais úmidas, como a Amazônia (ATLAS DOS MANGUEZAIS DO BRASIL, 2018)

O mangue aparece em regiões tropicais e subtropicais ocupando áreas entre as marés, sendo a vegetação dominante na geografia física do litoral brasileiro. Esse ecossistema tem como característica a vegetação lenhosa típica, que é adaptada às condições limitantes de salinidade, substrato inconsolidado e com pouco oxigênio e ainda frequente mudança das marés (NACIONAL GEOGRAPHIC, 2023).

O manguezal é de suma importância para a vida marinha, para a vida dos ribeirinhos entre outros seres que dependem desse ecossistema para sobreviver e é fundamental para a procriação e o crescimento dos filhotes de diversos animais, além de servir como rota migratória de aves e alimentação de peixes e ainda colabora para o enriquecimento das águas marinhas com sais nutrientes e matéria orgânica (ATLAS DOS MANGUEZAIS DO BRASIL, 2018).

De forma primária, essas espécies vão ter uma interação, de acordo com suas exigências fisiológicas e aceitações ambientais, para formarem florestas, que podem ser monoespecíficas ou mistas. Walsh (1974) citado por Soares (2003, p.102-103) afirmou que: “A melhor ocorrência e desenvolvimento de bosques de mangue se dão em locais onde a temperatura média do mês mais frio é maior que 20 °C e amplitude térmica no ano seja menor que 5 °C”. O que se enquadra perfeitamente no litoral do Brasil e mais especifico no sul da Bahia. Apesar das características citadas acima darem a entender que os manguezais têm sua ocorrência ao longo das regiões litorâneas, eles podem ser extremamente variáveis. Apesar de existirem fatores que comandam a ocorrência de mangues em determinadas regiões, os atributos estruturais e funcionais de cada manguezal são regidos pela interação de fatores em escala regional e local (SOARES, 2003).

As características das estruturas da vegetação dos manguezais constituem uma valiosa ferramenta no que diz respeito à resposta desse ecossistema às condições ambientais existentes, assim como os processos de mudança do meio ambiente, ajudando, assim, os estudos e ações que objetivam a preservação e conservação desse ecossistema. Soares (2003), afirma que a estrutura vegetal dos bosques de mangue é uma resposta direta às condições locais que neste caso é refletido no seu solo.

Em um ambiente livre de contaminação estes solos tende a ser moles e ricos em matéria orgânica em decomposição. Esse fato sucede-se da falta do gás oxigênio, que é completamente retirado por bactérias que o utilizam para decompor a matéria orgânica. Como esse gás está sempre em falta nos solos do mangue, as bactérias também se utilizam do enxofre para processar a decomposição. Daí vem o cheiro de “ovo estragado” formado devido à formação do gás sulfídrico (H2S) (AMBIENTEBRASIL, 2018).

Desta maneira, a mineralogia primária domina a composição química dos sedimentos dos manguezais e a formação de minerais novos em meio redutor, combinado à decomposição da matéria orgânica. Os sedimentos de manguezal estão sujeitos a importantes modificações pós-deposicionais observadas nas mediações da superfície e são evidenciadas nas estiagens, caracterizadas por mudanças na coloração, na consistência do material e pelo aparecimento de manchas (BARRÊDO et al. 2008).

Essas alterações causam uma diminuição da água intersticial e a modificação físico-química dos sedimentos tornando-os mais ácidos, oxidados e salinizados na estiagem. O procedimento é acompanhado de grande remobilização e precipitação de ferro (como óxidos e hidróxidos), de sais de sulfato de cálcio (CaSO4) e cloreto de sódio (NaCl), em decorrência da migração e da supersaturação da água intersticial pela ação da evapotranspiração (BARRÊDO et al. 2008).

O manguezal, portanto, tem uma grande importância do ponto de vista ambiental pois constituem inúmeros bens e serviços para o ambiente, estes são reconhecidos como exportadores de nutrientes responsáveis pelo enriquecimento das águas estuarinas e costeiras, influenciam diretamente na produção pesqueira, locais de desova e berçário natural para diversas espécies (SILVA; SILVA; ARAÚJO, 2020). Por outro lado, as questões socioambientais associadas aos manguezais constituem importante matéria de interesse educacional sendo fonte de muitos debates em diversas áreas de estudo.

1.2. A educação com foco na Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente (CTSA)

O desenvolvimento do enfoque CTSA encontra na abordagem histórico-cultural subsídios relacionados à aprendizagem dos estudantes que vão desde o ambiente em que vivem até as relações estabelecidas entre si e com o mundo (MELO, 2020). A relação ocidental, instituída pelos seres humanos, com o ambiente e a sociedade, gerou problemas que exigem soluções, como por exemplo, o aquecimento global, a poluição das águas e o desmatamento. No ensino, a relação do ser humano com a sociedade, ambiente, ciência e tecnologia precisa ser entendida e discutida com os estudantes, de modo horizontal e articulado em que todos sejam reconhecidos pelo seu significado e influência mútua. O foco no ambiente “A”, em CTSA, enfatiza a concepção de que as problemáticas ambientais acontecem em decorrência do desenvolvimento científico e tecnológico, das interações sociais e dos trabalhos realizados pela Sociedade Humana (DATTEIN; PANSERA-DE-ARAÚJO, 2022)

Após a década de 90 a denominação CTSA substituiu o termo CTS e passou a ser utilizada por diversos autores da área, por seu destaque nas conexões e no ambiente, a CTSA fornece uma perspectiva mais encorpada para aprender sobre ciências e além de fornecer uma denominação mais ampla e estaria orientada ao aprofundamento da compreensão dos problemas socioambientais de ordem global e local e que são entrelaçados aos desafios adjacentes à crise ambiental (SILVA, 2019).

A preocupação com as questões ambientais e suas relações com a Ciência, a Tecnologia e a Sociedade, fez surgir o movimento CTSA. A perspectiva CTSA expõe a importância de ensinar a resolver problemas, conferir pontos de vista e ponderar criticamente argumentos, envolvendo atividades de investigação que privilegiem a integração de inter-relações CTSA, podendo assim contribuir para o desenvolvimento de capacidades, atitudes e competências que dificilmente seriam desenvolvidas em abordagens baseadas em modelos tradicionais de ensino. Assim, assume-se nesta investigação que aulas experimentais contextualizadas podem possibilitar a aprendizagem de conhecimentos científicos, além de contribuir para a formação de estudantes mais conscientes e críticos (MARCONDES, 2009).

Segundo Silva (2019), a educação CTSA representa um conjunto de esforços para aproximar pesquisadores que investigam a didática das ciências daqueles pesquisadores da área de educação ambiental, comunidades essas que estiveram separadas durante muito tempo, mas que possuem muitos pontos em comum no que se trata da formação para à cidadania e a busca pela melhoria da educação cientifica.

Para Pedretti (2003), Educação em CTSA é contextualizar a ciência nos conjuntos social, cultural e político. Envolve aspectos diversos, como: problemas ambientais e qualidade de vida; tecnologia e aspectos econômicos; compreender a natureza da ciência; discutir sobre opiniões e valores; agir em prol da democracia; explorar questões multiculturais e sócio científicas. Não se trata de uma abordagem única ou padronizada de educação sendo que, o ideal, é que sejam exploradas suas relações. Essas propostas envolvem a defesa de educação fundamentada em contextos como: ética, individualidade e responsabilidade (BRANCO at al., 2021).

Neste sentido, as discussões dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM) destacam, por exemplo, que os professores precisam ficar mais atentos quanto as metodologias utilizadas nas aulas de Química, para que possam evitar aquele ensino monótono, centrado em conceitos e memorizações de fórmulas. Vale ressaltar a importância dos temas sociais para a sociedade (Brasil, 2000).

Para Branco et al é oportuno assumir a ideia de que aprender CTSA é uma forma de entender seu contexto, seu mundo, de transformar e ser transformado. Isso indica sua relevância no currículo e que se alfabetize científica e tecnologicamente, de modo que essa prática educativa se efetive de forma contextualizada, interdisciplinar, cujos conhecimentos propiciem a compreensão do seu meio, a atuação cidadã, democrática e inclusiva (BRANCO at al., 2021).

2. METODOLOGIA

Este estudo foi desenvolvido em uma turma de 30 alunos do primeiro ano do ensino médio, de uma escola pública da cidade de Canavieiras no interior da Bahia onde o pesquisador deste trabalho desenvolveu um EC intitulado “Pânico no manguezal”, cuja problemática está centrada na suposta contaminação dos manguezais e mutação dos caranguejos ocorrida em uma cidade fictícia, afetando a economia local, a subsistência de alguns moradores e o turismo da região.

Após a elaborado do caso (“Pânico no manguezal”), este foi apresentado aos alunos, os quais deveriam encontrar uma solução para uma possível contaminação ambiental ocorrida nessa pequena cidade. Para isso eles tiveram que buscar as possíveis causas da contaminação e como neutralizar os efeitos causados pelas mesmas, além de avaliar as perdas ocorridas no ambiente afetado e pesquisar sobre as leis de proteção ambiental ao qual esse ambiente está inserido.

Ao final do caso, perguntou-se qual a solução para minimizar os impactos ambientais dos descartes inadequados do lixo. Esta indagação teve o objetivo de levar os alunos a estudarem acerca do tratamento do lixo e quais as reações que ocorrem no mangue quando certos produtos são descartados sem o devido tratamento e posteriormente levá-los a tomarem decisões mais fundamentadas, a partir de saberes científicos construídos através das pesquisas e explicações. O caso estudado foi desenvolvido pelos autores do presente trabalho e teve como fonte a mortandade dos caranguejos no manguezal da cidade de Canavieiras-Ba, local onde o estudo foi realizado e a contaminação do manguezal na cidade de Santos-SP (ROSSI, 2015)

2.1. Momentos da aplicação do Estudo de Casos

A atividade de Estudo do Caso “alerta no manguezal” foi aplicada e desenvolvida com a turma em quatro momentos, sendo utilizadas duas aulas de 50 minutos em cada um deles, completando quatro dias no total, oito horas/aulas.

2.1.1. Primeiro momento

A turma foi dividida em 4 grupos e distribuiu-se cópias do caso para os alunos e foi feita uma leitura do mesmo, em seguida explicou-se como as atividades seriam realizadas. Os alunos foram orientados a escrever as suas compreensões de cada momento, bem como suas pesquisas no diário de bordo que foi entregue a cada dia aos grupos e após a resolução do caso eles entregaram todos os relatos ao pesquisador. Ao final do primeiro dia de aula foi solicitado para que os discentes levassem uma pesquisa sobre o ambiente do manguezal e como ele é influenciado com as mudanças do meio, e que ainda respondessem duas questões que foram colocadas no quadro para a próxima aula, as questões foram: O que é o mangue e quais são as leis que protegem os manguezais? Essas questões serviram para nortear a pesquisa.

2.1.2. Segundo momento

Foi conduzida uma discussão, tomando como suporte os materiais solicitados na aula anterior. Nesta aula foram apresentados e explicados os parâmetros para a proteção ambiental e as leis vigentes para os descartes de resíduos pelas empresas. Os alunos verificaram se as empresas descritas no caso estavam dentro das leis vigentes e compararam com outras empresas da escolha deles.

2.1.3. Terceiro momento

Neste terceiro momento os alunos foram levados para uma aula de campo para que eles observassem uma área de manguezal que fica no caminho para a Praia da Costa, no município de Canavieiras, vale ressaltar que é uma área próxima à escola, buscou-se mostrar os efeitos da poluição naquela área e os alunos anotaram o que eles viram naquele local e no ambiente envolto e anotaram nos seus diários de bordo outros registraram por meio de fotografias.

2.1.4. Quarto momento

Neste momento, cada grupo apresentou sua solução para o caso, sendo discutido cada uma delas juntamente com todos os estudantes. Os diários de bordo foram recolhidos para se verificar a compreensão dos alunos com relação à atividade desenvolvida, as reflexões e anotações de tarefas extraclasses. Ressalta-se que não houve interferência da estratégia usada pelos mesmos na apresentação da solução para o caso.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Nesta parte do texto são discutidos os pontos mais relevantes referentes aos resultados obtidos do EC por meio das observações e dos diários de bordo, ressaltando que os 30 alunos foram divididos em 4 grupos nomeados por G1, G2, G3 e G4 durante os momentos de 1 a 4, para melhor compreensão os momentos foram denominados como M1, M2, M3 e M4 e as questões utilizadas para nortear a pesquisa foram denominadas como Qs. Ressalta-se que quando citadas as falas dos alunos usou-se o texto na integra sem corte ou alterações.

3.1. Ameaças aos manguezais e suas consequências

Com base na análise dos diários de bordo e das reações em sala de aula percebemos que os estudantes ficaram curiosos com a nova atividade, pois não tinham conhecimento da metodologia de EC, porém a temática trabalhada no caso era algo que eles vivenciavam. Percebemos que houve um bom envolvimento dos mesmos quando relataram conhecimentos e ideias pessoais e/ou adquiridas durante a aula, em que os alunos expressaram seus conhecimentos prévios sobre as principais ameaças aos manguezais e suas consequências, como podemos observar nas falas dos grupos G4M1, G3M1, G2M1 e G1M1:

G4M1: “Sabemos que o mangue é vulnerável a vários tipos de ameaças, tais como a perda de fragmentos e da cobertura vegetal”.

G3M1: “é devido à poluição e descuidos dos próprios humanos e a falta de planos voltados para a limpeza e a manutenção deste ambiente e isso resulta em um desmatamento em alta escala, (...)”.

G2M1: “Neste caso as mutações dos caranguejos serão por causa da má utilização de elementos químicos que não deveriam estar inseridos naquele local (...)”.

G1M1: “Dentre os problemas mais observados nos manguezais destacam-se os desmatamentos que são utilizados para fazer estradas, portos, aquiculturas, invasões urbanas e indústrias e ainda temos os derramamentos de petróleos, lançamentos de esgotos, lixos poluentes, agrotóxicos”.

Podemos perceber nestes primeiros relatos que os alunos já estavam engajados com os temas sobre as contaminações ambientais e como podemos ver no relato do G4M1 a compreensão da vulnerabilidade dos mangues a diversas ameaças e este grupo em particular citou as perdas de fragmentos e da cobertura vegetal. Sobre essa relação, Prates (2012) afirma que a ocupação desorganizada ao longo da costa brasileira vem causando perda e fragmentação deste habitat, pelo convertimento destas áreas em carcinicultura, aquicultura, ocupações humanas e áreas destinadas ao turismo. Nos últimos dez anos, essas ocupações desenfreadas vem sendo alvo de seguidas denúncias encaminhadas ao poder público, incluindo o Ministério do Meio Ambiente.

Em regiões de manguezais, essas culturas não só causam à degradação ambiental, mas também grandes prejuízos sociais e econômicos. Estudos apontam que aproximadamente 25% dos manguezais brasileiros já tenham sido destruídos, tendo a aquicultura e a especulação imobiliária como suas principais causas (PRATES, 2012). Outro ponto que é importante salientar nos relatos dos alunos é a apropriação das informações, inclusive relacionaram a temática do EC trabalhado em sala de aula a atividades de outras disciplinas. Segundo Souza et al. (2018) é possível trabalhar interdisciplinaridade com EC tendo uma temática específica. Esse relato colabora com a ideia de que podemos trabalhar de forma interdisciplinar temas como as contaminações ambientais com as disciplinas de biologia, geografia e assim trazer discussões mais amplas acerca do tema proposto.

O que vemos no relato do G2 é que eles relacionaram uma parte do caso que falava sobre as mutações dos caranguejos com a utilização dos elementos químicos. O que mostra uma apropriação dos termos utilizados em sala e as consequências de uma má utilização destes elementos. De acordo com Souza et. al (2018), a crescente busca por alimento e o aumento do valor de mercado dos camarões têm levado a práticas insustentáveis de cultivo, gerando grandes impactos sociais, ambientais e econômicos.

A carcinicultura (criação de camarões) é uma das principais causas de redução das áreas de manguezal por todo o mundo, sendo necessária sua substituição por práticas sustentáveis. Infelizmente, uma das consequências das fazendas de camarão é a eutrofização das águas, contaminação por produtos químicos tóxicos, transferência de doenças e parasitas à biota local, bem como a introdução de espécies exóticas, todas gerando perda de habitat, redução do espaço de nicho e até mudanças na cadeia alimentar dos manguezais (ATLAS DOS MANGUEZAIS DO BRASIL, 2018).

Uma pesquisa realizada na cidade de Santos (ROSSI, 2015) mostrou que a poluição tem afetado a vida dos caranguejos-uçá que vivem nos manguezais de cidades litorâneas e que alguns animais já nasceram com má formação devido à grande quantidade de metais pesados encontrados em cidades de regiões próximas, conforme Figura 1. Além disso, o caranguejo-uçá 'mutante' chega à mesa dos brasileiros e coloca em risco a saúde de muita gente.

Figura 1. Exemplar com má formação encontrado em São Vicente na Baixada Santista – Estado de São Paulo.

Foto: Divulgação - Grupo de Pesquisa em Biologia de Crustáceos (CRUSTA)

Quando o grupo G1M4 escreveu “eles”, estão se referindo às empresas apresentada no EC e também estão fazendo uma correlação com as fazendas de carcinicultura que é uma realidade na cidade de Canavieiras, Figura 2. Continuando a falar sobre as consequências da contaminação dos mangues é possível extrair alguns relatos interessantes dos grupos G4M3, G1M3 e G3M3, que descreveram:

G1M4: “(...) Eles poluem e contaminam a área de mangue e podem até causar mutações nesses animais e no ecossistema”

G1M3: “A destruição dos manguezais gera danos e prejuízos inclusive para a economia direta ou indiretamente, uma vez que são perdidas importantes frações ecológicas dominadas por esse ecossistema, (...)”.

G3M3: “(...) alteração e degradação desta região resultando em um desequilíbrio ambiental muito desagradável devido ao número elevado de mortes de espécies da fauna e da flora deste ecossistema, consequentemente as mortes citadas acima vão causar um desequilíbrio maior, pois, atingirá não somente ao manguezal em si, mas também a toda região ao redor, pois com certeza existirá dependência entre elas, como o comercio, o turismo, a agricultura, etc”.

G4M3: “Chegando lá, comparamos os locais de mangues, “conservado” e outro não conservado, ou seja, uma grande parte poluída e desmatada onde não há seres vivos”.

Quando o grupo G1M4 escreveu “eles”, os alunos estão se referindo às empresas apresentada no EC e também estão fazendo uma correlação com as fazendas de carcinicultura que é uma realidade na cidade de Canavieiras, Figura 2.

Figura 2. Fazenda de criação de camarão em Canavieiras

Fonte: Jornal Bahia Online.

Já o relato do grupo G4M3 trata da aula do terceiro momento onde os alunos foram levados a uma área de manguezal. Neste fragmento de texto podemos ver quais as suas impressões sobre aquele lugar quando eles falam que uma parte do mangue não demostrava sinais de contaminação enquanto outra parte bem próxima daquele local era possível perceber sinais de contaminação como entulhos, latas, sacolas, entre outras coisas ali depositadas. Esses relatos foram confirmados a partir de fotos tiradas pelos próprios alunos, Figura 3, na qual é possível notar a presença de tais detritos.

Figura 3. Foto tirada do mangue da Praia da Costa em Canavieiras (inverno de 2022).