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ESTUDO DA PAISAGEM DA REGIÃO DO
PASSO DO LOURO (CANELA, RS) PARA DESENVOLVIMENTO DE
TRILHAS EM ATIVIDADES DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Paulo Fernando de Almeida Saul1, Anamaria Stranz1,
Henrique Zerfass2, Daniela Fuhro 1 Key-Words: landscape analysis;
environmental education; ecology; Rio Grande do Sul.
ABSTRACT STUDY OF THE LANDSCAPE OF THE “PASSO DO LOURO” AREA
(CANELA, RS) FOR DEVELOPMENT OF TRAILS IN ENVIRONMENTAL EDUCATION ACTIVITIES. In environmental education, a trail is a tool to bring
on a holistic perception of the environment. A study of the landscape is
imprenscindible to achieve this objective. We present a previous study of the
landscape from Passo do Louro region (Municipality of Canela - RS, Brazil) that
is directed to the construction of a trail. The landscape elements are landforms,
vegetation, fauna and antropic elements, whose are interrelated. Such elements
are controled by the independent factors surficial rocks and climate. Landforms
were modelled by the action of erosive processes acting upon the volcanic
basaltic rocks. The nutrients-rich soil producted by the intemperism of the
basalts under the actual temperate humid climate stimulated the development of
the original semi deciduous forest which was inhabited by a characteristic
fauna. The antropic elements are mainly represented by the mosaic structure of
small agropecuárias possesions and the Laranjeiras dam. The first one is a
product of the activity of the european colonization and the second one, of the
crescent aim for electric energy during the late century. The example of Passo
do Louro points out that the landscape is a complex system of interrelated
elements as well the actual product of different processes acting along the time
such as geological, ecological and human processes. This significance of the
landscape must be considered during the construction of a trail. RESUMO Em educação ambiental, uma trilha é um meio para
estimular uma percepção holística do ambiente. Um estudo da paisagem é
imprescindível para que se atinja este objetivo. Este trabalho apresenta um
estudo da paisagem do Passo do Louro (Município de Canela-RS, Brasil), o qual
está diretamente relacionado à caracterização de uma trilha. Os elementos da
paisagem são formas do relevo, vegetação, fauna e elementos antrópicos, os
quais estão interrelacionados. Estes elementos são controlados por fatores
independentes, as rochas
superficais e o clima. As formas do relevo foram modeladas pela ação de
processos erosivos atuando sobre as rochas vulcânicas basálticas. O solo rico
em nutrientes produzido pelo intemperismo dos basaltos sob o clima temperado úmido
atual favoreceu o desenvolvimento da floresta estacional semi-decidual original,
que é habitada por uma fauna característica. Os elementos antrópicos são
representados principalmente pela estrutura em mosaico das pequenas propriedades
agropecuárias e a barragem das Laranjeiras. O primeiro é o produto da
atividade da colonização de origem européia e o segundo, da crescente
necessidade de energia elétrica durante o último século. O exemplo do Passo
do Louro mostra que a paisagem é um sistema complexo de elementos
interrelacionados bem como o produto atual de diferentes processos atuando ao
longo do tempo, como os processos geológicos, ecológicos e humanos. Este
significado da paisagem deve ser considerado quando da construção e
caracterização de uma trilha. 1. INTRODUÇÃO Em educação ambiental, trilha é um meio utilizado para estimular
observações e interpretações junto à natureza. Esta pode ser definida como
um trajeto pré-determinado no espaço físico, a ser percorrido por grupos de
pessoas com interesse em questões ambientais. Uma trilha, no entanto, é mais
do que uma sucessão de cenários. A mesma deve ser vista como um meio para
fornecer uma percepção holística do ambiente. Da mesma forma, considera-se a
trilha como uma ligação entre o ser humano que a percorre e o ambiente no qual
ela se encontra. Para tanto, a área deve ser previamente analisada sob seus
aspectos biológicos, geológicos, climáticos e antrópicos, onde a concepção
da “paisagem”, fundamental em termos metodológicos, surge da integração
dos seus diversos componentes, numa perspectiva histórica. A paisagem é,
portanto uma síntese e, por assim ser, torna-se o fundamento conceitual para a
elaboração de uma trilha. Este trabalho tem como objetivo apresentar um estudo histórico-ecológico
da paisagem da região do Passo do Louro, Município de Canela (RS), no vale do
rio Paranhana, Brasil. Além de um substrato para a caracterização de uma
trilha, este estudo também procura ser um modo de olhar, de redescobrir o que já
se possui, mas que, de alguma forma, escapou ao reconhecimento e à apreciação.
Portanto, seguindo-se o pensamento de SCHAMA (1996) em termos do presente
estudo, não se procura apresentar apenas mais uma explicação do que se
perdeu, mas uma exploração do que ainda pode-se encontrar. 2. MATERIAL E MÉTODO Do ponto de vista espacial, foi
utilizada a carta topográfica Canela (escala 1:50.000), folha SH.22-X-C-I-3,
MI-2954/3, da Divisão do Serviço Geográfico do Exército, datada de 1980,
como a base para o estudo. Esta carta foi digitalizada para posterior modelagem
tridimensional. Foram realizadas quatro saídas a campo para reconhecimento da
área. As coordenadas geográficas, base para posterior geração dos mapas da
trilha, foram obtidas com um GPS. O mapa da trilha (FIGURA 1) foi confeccionado
com uso de aplicativo de desenho. ![]() Figura 1 Fotos aéreas do local, na escala
1:60.000 (datadas de 1965), foram úteis para verificação histórica do uso do
solo na época da construção da barragem e realização dos croquis. Também
foi realizado busca bibliográfica na Biblioteca Central da Universidade do Vale
do Rio dos Sinos e na Biblioteca da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE/RS). 3. ESTUDO DA
PAISAGEM A paisagem pode ser portadora de
vários significados, expressando valores, crenças, mitos e utopias. Como
comentou SAUER (1925), “por trás das formas presentes estão associações de
processos, formas anteriores ou ancestrais e expressões de tempo impossíveis
de se determinar". Para GRAMSCI (1955), mais do que transformar uma
natureza externa ao homem, este não pode nem mesmo ser separado dela. O termo "paisagem"
refere-se ao conjunto formado pela vegetação, pelas formas de relevo, por
certos componentes da fauna e pelas marcas da ocupação humana em uma área da
superfície terrestre. Estes entes são interdependentes, mas condicionados por
fatores extrínsecos, o clima, enquanto macroclima, e as rochas da superfície.
A ação antrópica, apesar de ser influenciada por estes fatores, apresenta uma
relativa independência, em função da tecnologia, a qual torna o homem hábil
para transpor barreiras e limitações do ambiente. PARRA (1999) comenta que a
atividade humana, a qual modifica a superfície de nosso planeta, vem existindo
há milênios. Estas modificações tiveram seus êxitos com o aperfeiçoamento
dos instrumentos de caça, o que possivelmente levou a um esgotamento da fauna
em determinados locais (MAYA, 1997). O clima atua condicionando o tipo
de vegetação que irá ocupar uma área e, de certa forma, também o tipo de
atividade humana que será desenvolvida. Este também influencia o relevo através
do tipo de intemperismo que proporciona às rochas, bem como através do estilo
dos processos de erosão, transporte e deposição de sedimentos. As rochas, com texturas,
estruturas e composições químicas variadas, condicionam o tipo de solo, bem
como os processos sedimentares atuantes na área, uma vez que determinados tipos
de rochas são mais atingidos pela erosão que outros. A seguir serão apresentados os
fatores extrínsecos que influenciam a paisagem bem como seus principais
elementos. A forma compartimentada da apresentação está em contradição com
a busca de um entrelaçamento dos diversos elementos da paisagem. Não obstante,
cada elemento será discutido separadamente para que seja possível fornecer uma
amostra da complexidade que ele envolve e representa. 4. FATORES EXTRÍNSECOS: GEOLOGIA E CLIMA 4.1. Geologia da área A região do Passo do Louro é
constituída por rochas basalticas, produto de derrames de lava que originaram
as camadas de rocha vulcânica, denominadas no Brasil de Formação Serra Geral
(sensu NORTHFLEET et al., 1969). Estas rochas possuem, segundo resultados de
datações radiométricas, uma idade de aproximadamente 130 milhões de anos. Os
basaltos apresentam teores de ferro, magnésio e cálcio relativamente altos,
produzindo um solo rico em nutrientes inorgânicos. Num intervalo de tempo posterior
ao vulcanismo que deu origem às rochas da região, a área coberta pelas rochas
vulcânicas da Formação Serra Geral tornou-se elevada, formando a Serra Gaúcha
e o Planalto Gaúcho. Este processo de soerguimento da crosta, de natureza isostática,
teria definido o curso atual dos rios que, como o Paranhana, descem a Serra Gaúcha,
o que foi fundamental para o modelamento da paisagem da região. 4.2. Características climáticas
A latitude em que
se insere área (em torno de 30o) condiciona clima temperado, com verões
quentes e invernos frios, o que segundo a classificação de Köppen
constitui-se em um clima Cfa (MORENO, 1961). Em torno das latitudes de 30o
(norte e sul) há a influência de correntes de ar descendente, frio e seco, que
ocasionam clima árido (PERLMUTTER & MATTHEWS, 1989, 1992; MATTHEWS &
PERLMUTTER, 1994). No entanto, o sul do Brasil apresenta clima úmido. Isto se
deve à influência de uma corrente quente do Oceano Atlântico, que provém de
latitudes sub-equatoriais, consistindo no "efeito costa leste",
mencionado por PERLMUTTER & MATTHEWS (1989, 1992) e MATTHEWS &
PERLMUTTER (1994). Este clima úmido
do sul do Brasil deixa sua marca na paisagem vislumbrada na região do Passo do
Louro. Por sua causa, antes de tudo, a paisagem é verde. Verde, seja pela
exuberante mata original, pelos capoeirões ou pelas roças. Verde apenas
quebrado por alguns recortes vermelhos de terra recém-lavrada e ainda não
plantada. A propósito, o solo espesso e argiloso é também produto do clima úmido
atuando sobre a rocha vulcânica. E, no fundo do vale, o clima úmido também se
revela no caudal do rio Paranhana. Uma região propícia
para ser colonizada por agricultores, como os imigrantes descendentes de
italianos e alemães. Não é por acaso que estes agricultores se estabeleceram
em uma região com muita chuva ao longo do ano e com um solo rico e espesso. E não
é por acaso que eles transformaram intensamente a paisagem com a sua atividade
agrícola. 5. ELEMENTOS DA PAISAGEM 5.1. Relevo A região do Passo do Louro
encontra-se inserida na província denominada Derrame Basáltico, paisagem
Escarpa do Planalto, de acordo com o Diagrama Morfológico, Secretaria da
Agricultura. No capítulo sobre geomorfologia do
volume 33 do Levantamento de recursos naturais do IBGE (JUSTUS et al., 1986), a
área pertence, em ordem decrescente de hierarquia, ao domínio morfoestrutural
Bacias e Coberturas Sedimentares, à região geomorfológica Planalto das Araucárias
e à unidade geomorfológica Patamares da Serra Geral. JUSTUS et al. (1986) consideram esta unidade como testemunhos do
recuo da escarpa da Serra Geral, pela ação da erosão. Assim, nessa província
dominam os processos erosivos atuando sobre a área elevada da Serra Geral, onde
rochas vulcânicas sustentam o relevo. Na região são observadas quatro
principais classes de formas de relevo: 1) Topos - Consistem em áreas de superfície aproximadamente
horizontal, sobre os morros. A horizontalidade se deve ao fato de que as rochas
vulcânicas estão estruturadas em camadas horizontais. São áreas intensamente
utilizadas para agricultura. 2) Encostas - Possuem geometria de plano inclinado. São produtos
da erosão do próprio rio Paranhana, construindo seu vale. Os processos
erosivos ocorrem como fluxos de massa e fluxo aquoso (sistemas fluviais de alta
energia). Estas áreas são utilizadas para a agricultura, embora a intensidade
dos processos erosivos conduza ao empobrecimento do solo. 3) Patamares - São áreas de menor inclinação, que quebram a
maior declividade da encosta. Provavelmente têm origem em planos horizontais
situados entre dois derrames vulcânicos. Há a possibilidade de deposição de
sedimento trazido pelos fluxos gravitacionais, formando depósitos de tálus.
Estes depósitos consistem em antigos deslizamentos da encosta ainda
inconsolidados, com matacões, seixos e grânulos de rochas vulcânicas imersos
em matriz de argila, silte e areia. 4) Canais - Consistem nos canais do rio Paranhana e dos arroios
distributários. Ao longo dos canais fluviais pode ocorrer erosão ou deposição
através do fluxo aquoso. Para a paisagem do Passo do Louro, um fato importante
é o de que os sistemas fluviais são predominantemente erosivos, resultando em
um vale recortado. O Paranhana é um rio de canal reto, com alta descarga e
energia de fluxo, fazendo com que na área praticamente não haja deposição de
sedimentos. Somente na área em frente à Barragem das Laranjeiras verifica-se
uma acumulação de seixos onde a energia do fluxo diminui. Isto ocorre na parte
interna de uma curva do rio, artificialmente provocada quando da construção da
barragem. A área do Passo do Louro pode ser considerada como a parte superior
do sistema do rio Paranhana. De acordo com RICHARDS (1996), nesta parte do
sistema fluvial, os fatores controladores do estilo fluvial são as movimentações
tectônicas, o clima e o tipo de rocha do embasamento. 5.2. Vegetação: a paisagem verde Como bem escreveu LEÃO (2000),
amor e ódio foram os sentimentos, mesmo ambíguos, que melhor puderam definir a
relação do homem com a floresta ao longo da história. As matas, durante um
longo período de tempo foram consideradas, para a espécie humana, uma inimiga
poderosa, e vencê-la significava dominar a natureza como um todo. Para PERLIN (1992), o homem
descobriu uma matéria-prima que não poderia dispensar no seu processo
evolutivo: a madeira. “Foi ela o herói não reconhecido de uma revolução
tecnológica que impulsinou a humanidade da Idade da Pedra até o progresso dos
dias de hoje”. Este progresso afetou florestas em todas as partes do mundo. E
no vale do Paranhana, local que comporta a Floresta Estacional Semidecidual
Submontana também não foi diferente. Originalmente,
esta floresta cobria as vertentes leste do Planalto Sul-rio-grandense e da
Depressão Central (IBGE, 1986). LEITE &
KLEIN (1990) afirmam que esta vegetação já chegou a cobrir cerca de 81.000 km2
da superfície do Rio Grande do Sul. O conceito ecológico
deste tipo de vegetação está condicionado pela dupla estacionalidade climática,
sendo uma “quente”, com época de
intensas chuvas de verão, seguida por estiagem acentuada, e outra
“temperada” sem um período seco definido, mas com seca fisiológica
provocada pelo frio do inverno. Neste período as temperaturas médias são
inferiores a 15ºC (IBGE, 1992). Este frio é apontado como a causa do fenômeno
da estacionalidade foliar. A floresta estacional semidecidual possui uma exuberância
observada pela altura das árvores que a compõem. LEITE & KLEIN (1990)
comentam que esta exuberância é verificada, além da altura de suas árvores,
pela sua ocorrência em solos derivados da degradação de rochas basálticas,
tornando-a como uma das mais ricas do País, em volume de madeira por unidade de
área. Adaptando a
metodologia desenvolvida pelo IBGE (1992), a região do Passo do Louro possui os
seguintes mosaicos em sua paisagem verde: 1) Áreas antrópicas (AA) - Áreas onde houve intervenção humana para uso da terra, seja
com finalidade agrícola ou pecuária, descaracterizando a vegetação primária. 2) Dispersão de espécies exóticas (De) - Na área de estudo existe grande dispersão de espécies exóticas,
sendo as mais características a uva-do-Japão (Uvea dulciles Thunb.) e a goiabeira (Psidium guajava Linnaeus). A espécie uva-do-Japão, originária da
Ásia, encontra-se atualmente compondo “matas
puras” dentro da própria floresta estacional semidecidual, o que
MATTEUCCI & COLMA (1998) denominam como neoecossitema. Estes neoecossitemas
nada mais são do que fragmentos de vegetação atípica para a região, onde a
espécie dominante é uma exótica, porém com elementos da vegetação nativa. 3) Vegetação de Sucessão (VsU) - A sucessão das comunidades vegetais ocorrem
em áreas naturalmente abertas e também através do desmatamento ocasionado por
meios naturais (clareiras, por exemplo) ou artificiais. Durante a sucessão, as
espécies de plantas na área mudam constantemente, sendo algumas características,
por exemplo, somente dos primeiros estágios sucessionais. As espécies
pioneiras desenvolvem-se rapidamente sob condições de muita luminosidade e
possuem características diferentes daquelas das árvores que dominam a floresta
adulta (RAVEN et al., 1996). 4) Floresta
Estacional Semidecidual Submontana (Fs) - Esta comunidade florestal se
apresenta desbravada para uso agrícola. Atualmente restam apenas reduzidos
agrupamentos florestais em área de difícil acesso.
5) Florestamento/Reflorestamento com Frutíferas
(Rf): é comum, no processo de estabelecimento em uma dada área que o homem
cultive árvores frutíferas para o seu consumo. Estas espécies, que nem sempre
são as árvores da região, são trazidas de outros países e cultivadas por
serem conhecidas. Algumas então tornam-se invasoras, podendo formar comunidades
próprias, o que ocasiona uma modificação paisagística no ambiente. 6) Vegetação de influência Fluvial (Vf) - Desenvolve-se próximo aos canais fluviais, onde os terrenos têm
características edáficas especiais. O excesso de água constitui um elemento
inibidor e seletivo da vegetação, impedindo o desenvolvimento de uma cobertura
vegetal mais exuberante e heterogênea (LEITE & KLEIN, 1990). A vegetação do Passo do Louro
atualmente encontra-se com as modificações fitogeográficas desenvolvidas
pelos anos de atividade agrícola e, após, pelo abandono maciço das terras
durante o êxodo rural. 5.3. Fauna A fauna é personagem integrante
do cenário natural, afinal a natureza é completa na construção da perfeita
engrenagem da teia da vida. Portanto, é imprescindível que abordemos,
resumidamente, alguns registros mais comuns da funa ocorrente da região do
Passo do Louro. Citam-se alguns animais que ainda sobrevivem na região, porém
sem a intenção de construir um vasto levantamento da funa. Conforme o encarte número 2 do
caderno Direto ao Ponto (2000), dentre os mamíferos registrados nas áreas de
mata da Bacia do Rio dos Sinos, onde se insere o Passo do Louro, estão o mão-pelada,
o tamanduá-mirim, o coati, o ouriço-cacheiro, o graxaim e gatos do mato. O
bugio marca presença nas matas de encosta. Outros animais presentes, freqüentemente
observados são os marsupiais, como gambás, morcegos e roedores diversos. Registrar a presença dos animais
in situ não é tarefa fácil, porém
as aves são a primeira impressão da fauna, afinal, sempre marcam presença em
qualquer território. Sábiás, gralha-azul, coruja,
bem-te-vi, andorinha, saíra, sanhaços, corruíra, gaviões, quero-quero e o joão-de-barro
são as espécies avistadas sem esforço. Entre os peixes podemos citar os
cascudos, os peixes-lápis, a joaninha, o jundiá, o muçum, o cará e algumas
espécies de lambaris. AS informações referentes a ictiofauna foram fornecidas
pelos biólogos Márcia Bozzetti Moreira e Rodrigo Silva da Costa. O Passo do Louro é marcado pela
ação humana, que mudou o cenário natural com a construção da barragem. É
possível que a construção da barragem tenha influenciado na estruturação
natural da fauna. Realizar um resgate histórico da sua variação em decorrência
das atitudes humanas seria de grande valia, pois melhoraria em muito os
conhecimentos dos animais ocorrentes nesta área específica do Vale do Rio dos
Sinos. 5.4. Ação antrópica: os impactos da atividade
humana na paisagem do Passo do Louro Na história do Vale do Paranhana,
dois momentos deixaram sua marca na paisagem. O primeiro foi à colonização,
iniciada pelas famílias Colombo e Colori. Este processo teve como principal
impacto à fragmentação da floresta, acarretando um efeito mosaico. Esta
fragmentação deve-se à forma com que eram delimitados os lotes. Conhecida
como época do uso da terra (em torno de 1930-1960), este período atingiu o seu
pico na década de 40, onde morros foram devastados para a agricultura de
subsistência. O segundo momento histórico
marcante foi à construção da Barragem das Laranjeiras. Na década de 1950,
com a deficiência de geração de energia elétrica no Estado do Rio Grande do
Sul, a Diretoria da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) confiou a uma
empresa italiana - ELC - a responsabilidade de elaborar um projeto para a
finalização do grande complexo de usinas hidrelétricas Salto-Bugres-Canastra,
que consistia na construção da usina de Laranjeiras. O sistema do Salto, do qual a
usina de Laranjeiras representava a última etapa, foi estudado pela CEEE para
sua realização na década de 1950 (Bugres já estava em operação em 1952 e a
usina de Canastra em 1956) e tinha como principal função o aumento de geração
de energia para o Estado utilizando as águas do então chamado rio Santa Maria
(atualmente rio Paranhana). Porém, com a demora na construção, a usina das
Laranjeiras nunca entrou em funcionamento, pois sua potencialidade estava
ultrapassada A construção resultou em
diversas modificações na paisagem e na cultura da população da região.
Primeiro foram às lavouras e pequenas propriedades, que pouco a pouco foram
sendo abandonadas, temendo principalmente, um possível vazamento da barragem,
em conjunto com o fracionamento e esgotamento do solo derivados da má utilização
da terra. O resultado foi à diminuição dos preços e da produção agrícola.
Todos estes impactos ambientais, como o próprio curso do rio, que foi desviado,
formando uma baia logo abaixo da usina auxiliou o abandono, pouco a pouco, das
terras antes prosperas. 6. Discussão: o significado da paisagem Neste estudo, inicialmente
procurou-se definir os elementos da paisagem, formas do relevo, vegetação,
fauna e elementos antrópicos, interdependentes, porém condicionados por
fatores independentes, as rochas da superfície e o clima. Estes últimos são,
por sua vez, o resultado de uma evolução no tempo geológico. A atual disposição
das rochas vulcânicas, formando o Planalto Sul-Riograndense, é produto de
sucessivos soerguimentos e erosões desde sua formação, durante uma fase de
vulcanismo, até os dias atuais. Também o clima passou por modificações, e os
diferentes regimes climáticos foram importantes para o modelamento da paisagem. O solo rico em clima úmido
condicionou o desenvolvimento da floresta estacional semi-decidual ao longo do
tempo. E a fauna, igualmente produto de processos evolutivos, está diretamente
ligada à vegetação e ao regime histórico. O ser humano modifica a paisagem
de uma forma menos dependente de fatores externos, devido à sua capacidade de
transformar a natureza com seu trabalho. Mais do que transformar uma natureza
externa ao homem, este não pode nem mesmo ser separado dela (cf.
GRAMSCI, 1955). O impacto das atividades humanas sobre os sistemas vivos
iniciou-se no momento em que a evolução colocou instrumentos nas mãos dos
homens (MAYA, 1997). Os homens se adaptaram
culturalmente aos ambientes. Neste processo, mais de 600 gerações humanas
sucederam-se no Rio Grande do Sul (SCHMITZ, 1991). Segundo o autor, essas populações
não desenvolveram tecnologia que para dominar a natureza, vivendo do que esta
concedia, com pouca interferência. Quando da chegada do europeu, este não
percebeu, ou não quis perceber que tinha diante de si um modo de viver capaz de
lhe oferecer uma lição de vida (KERN, 1994). Não houve uma troca de experiências ou uma mistura de
sociedades, apenas uma sobressaiu-se e avassalou a outra (RIBEIRO, 1996). As
formas de trabalho do europeu modificaram profundamente a paisagem do Passo do
Louro. A atividade agropastoril, com seu pico na década de 1940,
substituiu a floresta por roças e pastagens, e o sistema de propriedade deu à
paisagem um aspecto de mosaico. A demanda de energia elétrica fez construir a
barragem das Laranjeiras em 1950-1960 que, além de desviar localmente o curso
do Rio Paranhana, é um dos elementos mais visíveis da paisagem, e que
inacreditavelmente, nunca chegou a entrar em funcionamento. Ressalta-se que o
clima e o solo favoreceram a atividade agropastoril. E o vale profundo do rio
foi fundamental para a construção da barragem. Uma trilha para educação
ambiental está intimamente relacionada com a paisagem em que se insere, devendo
ser concebida com base em estudos preliminares da paisagem. O caso estudado
mostra que a paisagem é um sistema integrado e complexo, um produto de
processos dinâmicos ao longo do tempo. Conforme ANTROP (1997), o que é
percebido na paisagem é mais do que o somatório das partes, demonstrando seu
aspecto holístico. Finalmente, a paisagem pode ser considerada como o produto
de uma natureza que é, por sua vez, co-produzida pelo sujeito cognoscente. Isto
eleva ainda mais o nível de complexidade e subjetividade que envolve a
paisagem, a qual possui múltiplos significados para um sujeito com vivências,
desejos, crenças. Na elaboração de trilhas deve-se buscar este sentido da
paisagem, a fim de se estimular a percepção do múltiplo e do complexo. 7. Conclusões1) Os elementos
da paisagem são formas de relevo, vegetação, fauna e elementos antrópicos,
em geral interdependentes. Estes elementos são condicionados por fatores
independentes, as rochas da superfície e o clima. 2) Na região do
Passo do Louro, as formas de relevo típicas de Escarpa do Planalto foram
esculpidas por processos erosivos sobre rochas vulcânicas basálticas. 3) A floresta
estacional semi-decidual original foi condicionada pelo solo e pelo clima
temperado úmido. A fauna possui íntima relação com a vegetação. 4) Os elementos
antrópicos mais significativos para a paisagem são as roças e pastagens em
mosaico e a barragem das Laranjeiras. As primeiras associam-se à atividade
agropastoril do colonizador de origem européia, com seu auge na década de
1940. A barragem é fruto da necessidade crescente de energia elétrica a partir
da década de 1950. 5) O caso
estudado mostra que a paisagem é um complexo dos diferentes elementos
interrelacionados e o produto atual de processos geológicos, biológicos e
humanos, encerrando múltiplos significados para o sujeito cognoscente. Este
sentido deve ser buscado quando da elaboração de trilhas para educação
ambiental. 8. REFERÊNCIAS ANTROP,
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São Paulo: Companhia das Letras. 644p. Suplemento
Direto ao Ponto. 2000. Encarte especial do Jornal ABC Domingo, nº 2, São
Leopoldo, RS, abril. 1 Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS)
– Centro de Ciências da Saúde – Curso de Biologia, Av. Unisinos, 950
– Cristo Rei, São Leopoldo, RS – 93022-000. E-mail: saul@bios.unisinos.br,
ana@euler.unisinos.br, dfuhro@hotmail.com.br 2 Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - Programa de Pós-Graduação em Geociências, Instituto de Geociências. Av. Bento Gonçalves, 9500 Bloco I - Prédio 43113 - Sala 207, Campus do Vale - Porto Alegre -91509-900, RS. E-mail: henrique.zerfass@vortex.ufrgs.br |