Não podemos pensar em desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades sociais e em qualidade de vida sem discutirmos meio ambiente. - Carlos Moraes Queiros
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 88 · Setembro-Novembro/2024
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Sementes
04/09/2014 (Nº 49) DO MATO AO PRATO
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Do mato ao prato

 

José André Verneck Monteiro

 

Pedagogo, especialista em Educação Ambiental, mestrando em Práticas em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

 

Email: educativo@live.com

 

 

Resumo

 

 

Ensaio elaborado a convite de Berenice Gehlen Adams para inaugurar a seção Sementes, na 49ª Edição da Revista Educação Ambiental em Ação. O estudo se propõe a ampliar a reflexão sobre a prática da agricultura urbana com ênfase nas plantas alimentícias não convencionais e propor a formulação de políticas voltadas a: (i) diversificar o repertório alimentar no Brasil; (ii) ampliar o acesso aos nutrientes fundamentais à dieta humana e (iii) impulsionar arranjos produtivos em novos mercados que contribuem para melhoria das condições socioambientais em cidades.

 

Introdução

 

O combate à desnutrição vem sendo priorizado em diferentes níveis por diversos governos, nações e empresas. Acabar com a fome é um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio estabelecidos em 2000 pela Organização das Nações Unidas, cujos resultados serão avaliados até 2015, ano em que serão lançadas, também pela ONU, das Metas de Desenvolvimento Sustentável [1].

Sem desconsiderar os resultados imediatos concedidos aos 50 milhões de brasileiros beneficiados pela redistribuição direta de renda, através do Programa Bolsa Família, desde sua implementação em 2003, convém salientar preliminarmente, que no Brasil o enfrentamento à fome ainda carece de complementação de ações estratégicas que assegurem capacitação para a inclusão na cadeia produtiva, das famílias em situação de vulnerabilidade social e insegurança alimentar e nutricional, em especial das famílias que tem na agricultura sua fonte principal de sustento.

Não obstante à ação emergencial de salvar vidas em risco pela fome através do acesso ao recurso financeiro para aquisição de alimentos, cabe destacar que políticas públicas contemporâneas de combate à desnutrição deveriam consubstaciar diversificação da matriz agrícola, estímulo à agrobiodiversidade, juntamente com a redistribuição dos pontos focais de produção de alimentos, privilegiando dessa forma as iniciativas produtivas aliadas à sustentabilidade ambiental.

Opostamente, o atual modelo nacional de desenvolvimento do agronegócio é pautado por latifúndios monoculturais, manejados com expressiva utilização de agrotóxicos e combustíveis fósseis, o que permite asseverar que a agricultura empresarial no país é em grande parcela, injusta e insutentável sob a ótica socioambiental, pois resulta em exclusão campesina, degradação ambiental e notável perda da biodiversidade, pelo desmatamento associado e pela pela erosão da agrobiodiversidade.

Note-se que vultosa fração desta produção agrícola é destinada à exportação e à produção de ração animal - cuja carne e leite produzidos também são parcialmente dirigidos aos mercados externos. Deduz-se então que os recursos naturais espoliados do país de certo modo subsidiam a prática corporativista transnacional, principalmente das indústrias de venenos, petroquímicas e de sementes geneticamente modificadas.

Para ampliar o acesso à alimentação saudável com menor custo ambiental, é imprescindível maior estímulo à adoção de práticas que aperfeiçoem o uso das áreas urbanas com potencial para produção sustentável de alimentos frescos e diversos.

 

O ato de plantar

 

Arte e fotografia do autor

 

A agricultura teve início há aproximadamente dez mil anos. É uma das práticas que colaborou para que os agrupamentos humanos deixassem de ser essencialmente nômades e assumissem hábitos de tratar de forma diferenciada os recursos ambientais, produzindo, e não somente extraindo do campo parte dos alimentos de que necessitavam para sua sobrevivência.

A partir do desenvolvimento das cidades a cultura agrícola foi sendo cada vez menos praticada no meio urbano e mais concentrada no campo, de onde os alimentos têm de ser ransportados até o ponto de maior comercialização e consumo.

Desde a segunda metade do século XX houve nas capitais brasileiras intensa transformação do modo de habitar e as residências térreas vêm sendo substituídas por edifícios de múltiplos pavimentos, nos quais o quintal passa a ter outros usos comuns como estacionamento, áreas de circulação e lazer coletivo, com ajardinamento restrito pela falta de espaço físico e propositadamente para reduzir parte das tarefas braçais requeridas pela manutenção de áreas verdes. A impermeabilização das áreas externas das casas também acarretou em redução da prática horticultural caseira, comum até então.

Nesse ínterim as cidades maiores também passam a receber intenso fluxo de pessoas do interior e de outros estados, atraídos por ofertas de trabalho em construção civil.  Já se observa com mais notabilidade a formação de conglomerados habitacionais em zonas periféricas destituídas de planejamento urbanístico e acesso aos serviços públicos essenciais de seneamento, seja em zonas de inundação, de relevo acidentado, à margem de rodovias, em prédios abandonados e na maior parcela em residências improvisadas, referidas como favelas[2], às quais hoje por eufemismo, questões éticas e preciosismo linguístico chamam-se comunidades[3].

Cada vez mais populosas, as megalópoles em formação têm sua capacidade de entropismo reduzida e demandam uma crescente quantidade de insumos e hortifrutigranjeiros, cultivados principalmente nas lavouras situadas nas periferias das cidades ou mesmo em outras regiões.

O custo financeiro de aquisição de alimentos é impactado diretamente pelas distâncias percorridas desde a produção até o local de consumo de tais alimentos. Controversamente a prática da agricultura urbana apresenta declínio. Sujar as mãos de terra, talvez tenha adquirido sentido demeritoso a ponto de ser classificado como coisa de “caipira”, sendo mais cômodo e “chique”, concretar o piso e se produzir vestualmente para ir fazer compras no supermercado.

No supermercado, diferentemente do secos e molhados de outrora, a experiência de comprar é livre e quase não depende de atendente que pesava a granel, alcançava com escada as prateleiras do empório e recebia ou anotava a compra para o pagamento posterior – ato que hoje se frealiza com digitação de senhas eletrônicas e faturamentos bancários.

Outro aspecto relevante para redução da prática horticultural caseira reside no fato de que cada vez mais mulheres passam a trabalhar fora de casa, o que lhes subtrai o tempo outrora dedicado à horta.

Até as feiras livres tiveram seu perfil alterado: poucos feirantes continuam a produzir e vender - város passam a adquirir os produtos para sua banca nas Centrais de Abastecimento.

 

A modalidade urbana de agricultura

 

Em face da percepção do valor socioambiental representado pela produção caseira, de parte dos alimentos utilizados cotidianamente, diversas pessoas e organizações têm empreendido projetos de agricultura urbana, com expressivos resultados no âmbito educativo e na sedimentação de ciclos virtuosos de capacitação de pessoas, tomada de consciência, proatividade, mudanças comportamentais e formação de redes cooperativistas em prol do alimento produzido na urbe, de modo justo, solidário e sustentável.

A agricultura urbana pode transformar a relação das pessoas com o cultivo de alimentos, com o ambiente e a sociedade.

Nesse panorama a fome pode ser saciada com ação e criatividade. O ócio e a lamentação cedem lugar ao tempo/espaço produtivo. O desperdício dá vez ao reaproveitamento de materiais.

O valor do interesse coletivo é celebrado na troca de saberes, sementes e nas colheitas abundantes.

É notável a íntima relação entre a agricultura urbana com os princípios enraizados pela Permacultura: cuidar do ambiente; cuidar das pessoas e compartilhar os excedentes.

Nas plantações urbanas todo espaço horizontal, vertical ou inclinado pode ser adaptado e aproveitado, desde que haja simples condições mínimas: interesse pela transformação; pessoa(s) disposta(s) a dedicar instantes aprendendo e ensinando a plantar e cuidar; ferramentas simples; local com insolação média de 5h/dia; disponibilidade de água para irrigação (preferencialmente de origem pluvial, corretamente armazenada); local para compostagem orgânica e preparo de caldas.

Não há receita pronta que se adeque a todos os casos, sendo a criatividade, experimentação e diversificação os principais propulsores para o êxito. Também não há medidas mínimas ou máximas.

Há uma única regra: se não der certo de um jeito, tente de outro, mas não desista!

Pode-se plantar uma infinidade de espécies vegetais, com diferentes usos: alimentares, condimentares, terapêuticas, aromáticas, corantes, repelentes e ritualísticas.

O cultivo pode ser feito em canteiros ao nível do piso, canteiros elevados, recipientes pendurados em muros, vasos, latas, baldes, embalagens reaproveitadas, banheiras, tinas, garrafas e onde mais se providenciar drenagem, substrato, arejamento, irrigação e insolação adequados.

Nos casos em que seja requerido o uso de tutores para orientar o crescimento das plantas (ou auxiliar a sustentar o peso de seus frutos e densas ramagens) pode-se recorrer ao uso improvisado de cercas, arames, estacas de bambú, estruturas metálicas reaproveitadas, grades, telas, redes de pesca danificadas, citando-se somente alguns exemplos que podem estar acessíveis facilmente.

A obtenção de mudas e sementes tende a ser ampliada quando a prática se irradia a outras famílias da localidade e entre regiões distintas.

Em cada lugar há alguma (s) planta com potencial para ser cultivada como alimento ou fonte de matéria prima. Para conhecê-las será útil recorrer aos do campo, sacerdotes, sitiantes, feiras de trocas, hortos, jardins botânicos, lojas agrícolas e no campo natural.

Em síntese algébrica a proposta pode ser expressa criação de oportunidades para: plantar + cuidar + colher + compartilhar a fartura = opulência nutricional em vários níveis e escalas.

 

Plantas alimentícias não convencionais (PANC)

 

A expressão e sua sigla Plantas alimentícias não Convencionais (PANC) vêm sendo difundidas por diversos pesquisadores, notadamente o Dr. Valdely Ferreira Kinupp[4], que segundo relato pessoal lançará em breve, um livro sobre o assunto.

Seu estudo originou vários outros trabalhos de pesquisa entre acadêmicos, chefes de cozinha, nutricionistas e demais profissionais interessados nas tendências modernas da culinária.

Em 2010 o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento publicou o Manual de Hortaliças Não-Convencionais[5].

Para avançar na discussão sobre alimentos de origem vegetal é preciso antes de tudo, compreender que algum ancestral humano, em algum dia, se prestou a experimentar as plantas que hoje compõe a alimentação humana.

Por questões de paladar, produtividade, resistência à intempérie e até por razões estéticas, umas foram selecionadas e/ou geneticamente modificadas – em processos naturais ou humanos.

Algumas destas plantas continuam sendo apreciadas em maior escala e são tratadas até hoje de modo especial pelo mercado e pelos consumidores, que lhes atribuem valor financeiro e simbólico. São produzidas, comercializadas e distribuídas por todo o Brasil.

Observe que se alguém menciona a palavra alface, imediatamente a ideia-força nos induz à criação de uma imagem mental (ás vezes, até impregnada pela lembrança do sabor, do cheiro, da forma de preparar e servir), pois a alface já é nossa conhecida, há décadas.

Possivelmente o mesmo fenômeno seja notável com outros itens do repertório alimentar comum no Brasil: batata, tomate, banana, cenoura, arroz, repolho, laranja, mandioca, pepino, feijão, berinjela, pimentão, maçã, salsa, couve, abóbora, limão, jiló, couve, quiabo, gengibre, cravo, etc. Estas são, portanto, plantas alimentícias convencionais que juntamente talvez mais uns 30 vegetais que estão presentes no imaginário e no senso comum do paladar de pessoas de dieta diversificada.

As Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) - atualmente - não usufruem de tal prestígio popular, mas outrora foram amplamente utilizadas na alimentação básica de nossos ancestrais. Era comum entre os antigos comer algumas plantas que vicejavam espontaneamente no quintal e nas ruas. Quando não se sabia o nome, se lhes atribuiam os apelidos de “mato”, “inço”, “erva” ou “chicória” [6].

Possivelmente haja relativamente poucas pessoas que admitam a ideia de comer “mato”, negligenciando por preconceito ou ignorância, que tais plantas verdadeiramente representariam saborosos e valiosos alimentos se estivessem à mesa complementando suas refeições diárias.

Também há de se ressaltar a relação entre convenções alimentares consolidadas no século atual e a atual capacidade de influência que a mídia e os grupos econômicos exercem sobre as massas que consomem seus produtos: muito mais campanhas publicitárias incitam a comprar carros e tingir os cabelos do que motivam as pessoas a comer saladas.

Inversamente todo investimento da industria colabora para menter expoentes entre os maiores do mundo os índices brasileiros de ingestão de refrigerantes, biscoitos e outras guloseimas.

Outra razão que amplia este hiato de saberes entre as diferentes gerações é o fato de que muitas das PANC são tidas como “ervas daninhas” ou “infestantes” - por interferirem na produção hortícola, e vêm sendo historicamente combatidas por agricultores e jardineiros, seja pelo arrancamento ou pelo uso indiscriminado de herbicidas (capina química).

Felizmente a rusticidade é uma de suas virtudes e mesmo apesar de toda a campanha empreendida em seu desfavor, as PANC continuam sua trajetória de vida, nos permitindo conhecê-las e saboreá-las.

A propósito, conhecer as PANC é fator fundamental para sua ingestão segura. Como são batizadas popularmente por vários nomes diferentes em cada região, deve-se ter certeza de qual espécie se trata e da parte mais adequada ao consumo humano (folha, flor, raíz, caule, semente, fruto, etc.).

Para fins de exemplificação didática são apresentadas no quadro a seguir apenas dezenas das espécies com potencial agoalimentar alimentar, cujas informações já são disponíveis na internet.

Pode-se obter mais dados sobre cada planta inserindo seu nome científico no campo de busca da página http://tropicos.org

Utilizando a expressão “composição nutricional + nome científico” em páginas de busca pode-se também rastrear os estudos sobre as PANC no campo da dietética.

Ao se associar “receita + nome popular” obtém-se sugestões de preparo e ingestão.

 

Espécie

Nome popular

Parte comestível

Sugestão de consumo

Amaranthus viridis

Caruru

Folhas

Cruas ou cozidas

Basella alba

Bertalha

Folhas e ramos

Crus ou cozidos

Bidens pilosa

Picão

Folhas

Cruas ou cozidas

Chenopodium album

Mastruz

Folhas e flores

Cruas ou cozidas

Clitoria ternatea

Clitoria

Flores

Corante azul

Cucumis anguria

Maxixe

Frutos

Cozidos ou em conserva

Curcuma longa

Açafrão-da-terra

Rizomas (raízes)

Corante amarelo

Dioscorea bulbifera

Cará-moela

Raízes aéreas

Cozidas

Eryngium foetidum

Coentro-bravo

Folhas

Condimento

Galinsoga quadriradiata

Galinçoga

Folhas

Cruas ou cozidas

Hibiscus acetosella

Vinagreira

Folhas e flores

Cozidas

Hibiscus rosa-sinensis

Hibisco

Flores

Cruas

Lactuca canadensis

Almeirão

Folhas

Cruas ou cozidas

Melothria cucumis

Pepininho-do-mato

Frutos

Em conserva

Pachira aquatic

Monguba

Sementes

Cozidas ou assadas

Pereskia aculeate

Ora-pro-nobis

Folhas flores e frutos

Crus ou cozidos

Pereskia bleo

Ora-pro-nobis

Folhas flores e frutos

Crus ou cozidos

Pereskia grandiflora

Ora-pro-nobis

Folhas, flores e frutos

Crus ou cozidos

Physalis pubescens

Camapu

Frutos maduros

Crus ou em geléias

Porophyllum ruderale

Couvinha

Folhas

Cruas ou cozidas

Salvia officinalis

Salvia

Folhas

Condimento

Schinus terebinthifolia

Aroeira, pimenta-rosa

Sementes moídas

Condimento

Solanum lycopersicum

Tomate-selvagem

Frutos maduros

Crus ou cozidos

Sonchus oleraceus

Serralha

Folhas e flores

Cruas ou cozidas

Stachys bizensis

Peixinho-da-horta

Folhas

Fritas empanadas

Tagetes minuta

Cravinho-do-mato

Folhas

Condimento

Talinum fruticosum

Bredo, caruru

Folhas

Cruas ou cozidas

Talinum paniculatum

Maria-gorda

Folhas

Cruas ou cozidas

Taraxacum officinale

Dente-de- leão

Folhas e flores

Cruas ou cozidas

Thymus vulgaris

Tomilho

Folhas e ramos

Condimento

Tropaeolum majus

Capuchinha

Folhas e flores

Cruas ou cozidas

Typha domingensis

Taboa

Interior do caule

Cru ou cozido

Typha domingensis

Taboa

Pólen

Cru

Urera caracasana

Urtiga

Folhas

Cruas ou cozidas

Vernonia polyanthes

Assa peixe

Folhas

Fritas empanadas

Xanthosoma taioba

Taioba

Folhas sem as nervuras

Bem cozidas

 

Como dito, traa-se de uma lista bem tímida, sabendo-se que hoje há registros de pelo menos 500 espécies vegetais nativas e exóticas em estudo, por enquanto tratadas como Plantas Alimentícias Não Convencionais.

A PANC que se tem notícia de mais ampla utilização, especialmente em Minas Gerais, é o ora pro nobis. Em razão do elevado teor nutricional, as espécies citadas de Pereskia podem ser eficazes instrumentos de combate à desnutrição, pois são cactos que produzem frequentes colheitas mesmo em solos pouco férteis, podendo inclusive compor cercas-vivas intransponíveis de até 2 m3.

Certamente, em razão da megabiodiversidade brasileira e do contínuo avanço das pesquisas na área, essa lista estará em constante evolução e crescimento, inclusive em relação às formas de utilização das PANC, que aqui são exemplificadas de modo suscinto.

Espera-se que em breve tais recursos estejam disponíveis facilmente, favorecendo a diversificação do cardápio brasileiro.

            Observação empírica permite inferir, grosso modo, sobre o “repetitório” alimentício predominante no cardápio adotado pelos brasileiros que têm acesso diário ao almoço: arroz, feijão, macarrão, um tipo de carne, salada simples (às vezes alface e/ou tomate), uns condimentos usuais (alho, cebola e pimenta).

Regionalmente, por questões de identidade cultural e limitações financeiras, obviamente há variações, mesmo assim é notável a precária a ingestão de vegetais variados nas refeições diárias.

Como cada vegetal tem propriedades alimentícias diferentes em função de sua composição e concentração de vitaminas, sais minerais, gorduras, açúcares, fitoquímicos e nutracêuticos, é plausível asseverar que quanto mais diversificada for a dieta, mais eficiente será o balanço nutricional ingerido nas refeições diárias.

            De acordo com o Dr. Sergio Sartori[7], “devemos comer diariamente, no míninmo 500 gramas de frutas, legumes e vegetais crus, de cinco cores e cinco variedades diferentes”.

            Tal diversidade pode ser alcançada por meio da adoção de um cardápio equilibrado e substancial, que contemple ricas saladas, sucos, pães caseiros enriquecidos, geléias de frutas e condimentos variados. Via de regra, quanto mais sortida for a alimentação, mais nutrientes e saúde.

            A partir da incorporação das PANC ao hábito alimentar pode-se ampliar sobremaneira a aquisição nutricional a um custo relativamente baixo.

            Inclusive a merenda escolar pode vir a ser gloriosamente enriquecida a partir da pesquisa, extensão acadêmica e difusão das Plantas Alimentícias não Convencionais.

 

Resiliência urbana

 

Desde que tais plantas sejam cultivadas respeitando-se aos princípios da agroecologia[8], potencializa-se a oferta de alimentos saudáveis, com fartura. Em geral as PANC são menos sucetíveis a pragas e doenças e requerem menos tratos culturais que as hortaliças convencionais. E quanto mais espécies no habitat maior a tendência de se atingir o equilíbrio natural.

            Portanto, retomar a prática da agricultura nas cidades é uma questão que envolve não somente os aspectos relacionados à nutrição humana, pois abrange também resgate cultural, cidadania, economia, educação e sustentabilidade ambiental. Pressupondo-se que o cultivo doméstico de alimentos pode estimular às práticas e a adoção de tecnologias de impacto ambiental positivo, tais como a compostagem[9], o uso de defensivos naturais e biofertilizantes[10], o reaproveitamento de materiais, captação e uso de água pluvial além de ampliar as áreas verde no espaço urbano.

            Nesse contexto os benefícios socioambientais tornam-se evidentes: combate à desnutrição e à miséria com alimentos saudáveis livres de agrotóxicos, inserção de pessoas na cadeia produtiva de alimentos, utilização racional dos recursos naturais, redução de áreas impermeabilizadas, ampliação da biodiversidade em cada unidade domiciliar, movimentação cultural em torno das trocas de sementes e intercâmbio de experiências e conhecimentos.

Também merecem destaque o impulso à atividade econômica (já que os excedentes podem ser comercializados nas feiras) e a oportunidade de negócios que podem ser gerados a partir da assimilação das PANC pelo setor gastronômico, o que demandará produção e oferta regular nas várias regiões de consumo, capazes de atender em diversidade e frescor aos estabelecimentos e aos paladares mais exigentes.

            Destarte, assume relevância o valor do legado que herdamos de nossos antepassados e dos cientistas atuais quanto ao conhecimento das plantas, do modo de cuidar e utilizá-las, para que tenhamos a oportunidade de compartilhar este saber com outras pessoas, principalmente as que são acometidas de insegurança alimentar e vulnerabilidade social.

 

 



[1] UN Sustainable development goals .

[2] Alusão ao nome popular da planta comum nos morros à época, cuja denominação científica atual é Cnidoscolus phyllacanthus (Euphorbiaceae).

 

[3] Vide trabalho de Licia Valladares “A gênese da favela carioca. A produção anterior às ciências sociais”. Disponível em < http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v15n44/4145>.

 

[4] Vide Tese de Doutorado: “Plantas Alimentícias Não Convencionais da Região Metropolitana de Porto Alegre”, disponível em <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/12870>.

 

[5] Disponível em <http://bit.ly/1eeC1U9>.

 

[6] Nota do autor: possivelmente uma corruptela linguística de escória, resíduo sem valia.

[7] Médico, coautor do Livro Frutas Brasileiras e Exóticas Cultivadas (de consumo in natura), publicado em 2006 pelo Instituto Plantarum de Estudos da Flora.

 

[8] Vide: Produção Agroecológica Integrada e Sustentável. Disponível em <http://www.revivendoeldorado.com/images/stories/programa%20mandala/cartilha_sistema_pais.pdf>.

 

[9] Vide: Guia Prático de Compostagem Doméstica. Disponível em <http://www.geota.pt/xFiles/scContentDeployer_pt/docs/articleFile140.pdf>

 

[10] Vide: Preparo e Uso de Biofertilizantes Líquidos. Disponível em <http://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/bitstream/doc/153383/1/COT130.pdf>

Ilustrações: Silvana Santos