É dentro do coração do homem que o espetáculo da natureza existe; para vê-lo, é preciso senti-lo. Jean-Jacques Rousseau
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 89 · Dezembro-Fevereiro 2024/2025
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Percepção Ambiental sobre uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), pela Comunidade Rural do Entorno, Semiárido brasileiro.
Mycarla Míria Araujo de Lucena¹ e Eliza Maria Xavier Freire²
¹ Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e-mail: mycarlamiria@yahoo.com.br
RESUMO. Com o aumento dos problemas ambientais surgiram várias formas de proteção da natureza, como a criação de Unidades de Conservação (UC’s) para preservar a biodiversidade que, por si, não tem obtido os resultados esperados. Para isso, a Percepção Ambiental (PA) vem sendo utilizada em estudos que tratam da relação homem-ambiente. Uma dessas UC’s é a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Stoessel de Britto, no Estado do Rio Grande do Norte. Este trabalho teve como objetivos identificar o perfil socioeconômico e analisar a PA da comunidade do entorno dessa RPPN para conhecer os significados e atitudes que regem as relações estabelecidas pela comunidade com os elementos naturais e a UC. Foi empregado o instrumento da PA, na forma de questionários abertos e fechados aplicados a 90 entrevistados, e os dados foram analisados através do método Análise de Conteúdo. Os resultados mostram que a maioria dos moradores reconhece esta RPPN como uma área de proibições e legalizada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA, ou pela própria proprietária. A falta de investimentos e de apoio são considerados grandes empecilhos na proteção e para o desenvolvimento local.
Palavras-Chave: Unidade de Conservação; sustentabilidade; educação ambiental; conservação.
1. Introdução As Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) constituem Unidades de Conservação (UC) que, segundo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) Lei Federal n° 9.985, estão inseridas na categoria de Uso Sustentável (BRASIL, 2000), cujo objetivo básico é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais. É uma área privada, gravada com perpetuidade, com o objetivo de conservar a diversidade biológica, sendo permitida a pesquisa científica e a visitação com objetivos turísticos, recreativos e educacionais. Para Mendonça (2004), as Reservas Particulares do Patrimônio Natural representam um dos primeiros passos para envolver a sociedade civil na conservação da diversidade biológica e, por intermédio desse mecanismo, a propriedade privada dá sua contribuição à proteção do meio ambiente e aumenta significativamente a possibilidade de se obter um cenário em que haverá muito mais áreas protegidas, tanto em termos de qualidade quanto de quantidade. Segundo Santos e Schiavetti (2008), apesar dos tímidos incentivos para a criação das RPPN’s, o Brasil já conta com 656 dessas áreas decretadas, cobrindo um total de 500 mil hectares. Além disso, de acordo com Mittermeier et al. (2005) as RPPN’s são, freqüentemente, melhor protegidas que as unidades federais ou estaduais, e a criação destas representou um importante avanço, pois permitiu e estimulou a criação voluntária dessas áreas pela sociedade (MEDEIROS, 2006). No caso particular da conservação da região semiárida, incluindo o bioma Caatinga que, segundo Silva (2002) é o mais ameaçado, um dos principais obstáculos é a falta de um sistema regional eficiente de áreas protegidas, pois é o bioma brasileiro com o mais reduzido número de UC’s de proteção integral. Soma-se a isto a falta de inclusão do componente ambiental nos planos regionais de desenvolvimento (SILVA, op. cit.). Por outro lado, a simples carência de UC’s não justifica a ausência de conservação da biodiversidade, pois a implementação de novas áreas de conservação, por si só, não tem propiciado os resultados esperados (DIEGUES, 2000). Isto porque, além dessa alternativa, deve ser considerada a relação homem – natureza, bem como a análise dos conhecimentos, técnicas e mecanismos socioculturais característicos das sociedades tradicionais e das “culturas rústicas” que podem apontar caminhos mais adequados para um modo de ocupação do espaço com base no manejo sustentado do meio ambiente (DIEGUES, op. cit.). Ainda segundo Diegues (2000), a política ambiental vigente, ao ignorar o potencial conservacionista dos segmentos culturalmente diferenciados que historicamente preservaram a qualidade das áreas que ocupam, tem desprezado a inclusão da perspectiva das populações rurais no conceito de conservação e o investimento no reconhecimento de sua identidade, na valorização de seu saber, na melhoria de suas condições de vida, na garantia de sua participação na construção de uma política de conservação da qual sejam também beneficiados. Nesse sentido, os estudos em Percepção Ambiental (PA) têm sido recomendados nos projetos de pesquisa que tratam da relação homem-ambiente e do gerenciamento de ecossistemas, para a utilização mais racional dos recursos naturais (MAROTI et al., 2000; SANTOS et al., 2000; WHYTE, 1978), e, consequentemente subsidiar ações de conservação por meio de gestão integrada. O conceito de Percepção Ambiental utilizado neste estudo é o mesmo instituído pelo Programa MAB/UNESCO que define Percepção Ambiental como: “uma tomada de consciência e a compreensão pelo homem do ambiente no sentido mais amplo, envolvendo bem mais que uma percepção sensorial individual, como a visão ou audição” (WHYTE, 1978). Os sentidos comuns, como visão, olfato, paladar, audição e tato são largamente estudados nos compêndios da psicologia como importantes meios de compreensão e relacionamento com o meio ambiente (OKAMOTO, 2002). O papel da Percepção Ambiental é buscar no homem-ambiente relações que podem ser sintetizadas entre cinco metas e uma delas é: “ajudando para a preservação ou registrando a rica percepção ambiental e sistemas de conhecimento em áreas rurais” (WHYTE, 1978). Para Tuan (1980), a percepção é tanto a resposta dos sentidos aos estímulos externos, como a atividade proposital na qual certos fenômenos são claramente registrados, enquanto outros retrocedem para a sombra ou são bloqueados. Muito do que percebemos tem valor para nós, para a sobrevivência biológica e para propiciar algumas satisfações que estão enraizadas na cultura. Apesar da relevância da relação homem-ambiente e da Percepção Ambiental como estratégias para conservação dos recursos naturais, acima expostos, nenhuma publicação oficial/científica sobre PA de comunidades do entorno de RPPN foi encontrada; apenas dissertações e teses, sobre comunidades do entorno de Parques e Estações Ecológicas. A RPPN Stoessel de Brito, localizada na Caatinga do Seridó, no Estado do Rio Grande do Norte, não possui Plano de Manejo, que constitui um relevante instrumento de planejamento e gestão. Diante desse cenário, este trabalho teve como objetivos identificar o perfil socioeconômico e analisar a Percepção Ambiental da comunidade do entorno dessa RPPN para conhecer os significados e atitudes que regem as relações estabelecidas pela comunidade rural do entorno desta reserva com os elementos naturais e a Unidade de Conservação. Os resultados desse estudo serão fundamentais para a elaboração do Plano de Manejo desta reserva e para o envolvimento dessa comunidade na conservação e utilização sustentável dos recursos naturais da região Seridoense. Estudo semelhante a este, também no Semiárido do Rio Grande do Norte, foi efetuado com comunidades do entorno da Estação Ecológica do Seridó- ESEC (SILVA et al., 2009), UC de proteção integral. Por isso, também constitui objetivo deste trabalho, avaliar as possíveis diferenças de percepção entre comunidades do entorno de UC’s de proteção integral e de uso sustentável.
2. Material e Métodos 2.1. Área de Estudo A Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Stoessel de Britto, criada pela Portaria Federal 0052/94-N, em 20/05/1994, situa-se entre 6° 13’4” S e 37° 2’ 25” W e possui uma área de 756 ha, no município de Jucurutu/RN, Mesorregião Central do Rio Grande do Norte (IDEMA, 2009). No entorno desta RPPN, acerca de 3 km encontra-se a comunidade rural de Laginha (06°14’ S e 37°03’ W), no município de Caicó/RN (Figura 1). Esta comunidade possui 434 habitantes (sendo 214 homens e 220 mulheres), com a economia baseada em agricultura de subsistência e criação de gado bovino e de caprino (IBGE, 2008). A região do Seridó Norte-rio-grandense, onde se encontra a área de estudo, é apontada como uma área de extrema importância biológica, mas insuficientemente conhecida (MMA, 2002). Nessa região, a vegetação de Caatinga apresenta-se como formações lenhosas de baixo a médio porte e grande representatividade de espécies xerófitas e decíduas, ou seja, estas espécies perdem as folhas para diminuir a transpiração, evitando assim a perda da água armazenada, caracterizando a paisagem durante a estação seca pela cor acinzentada que seus galhos secos e retorcidos assumem durante este período (MAIA, 2004). O tipo predominante é a Savana-Estépica Gramíneo-Lenhosa, que possui um estrato herbáceo bastante definido durante a estação chuvosa (IBGE, 1992). Os solos da região são predominantemente luvissolos (bruno-não-cálcicos) e neossolos (litólicos eutróficos), além de neossolos e vertissolos associados à decomposição de seu material de origem. O relevo é acidentado com altitudes que variam entre 145 e 600m; as altitudes mais expressivas são encontradas nos resquícios do Planalto da Borborema, onde se apresentam as serras e picos mais elevados (ALVES, 2006). A hidrologia da área em estudo pertence à bacia do rio Piranhas-Açu, porém este rio não cruza um dos municípios (Caicó), apenas o município de Jucurutu, sendo os rios mais importantes do município de Caicó, o Seridó, o Barra Nova e o Sabugi (ALVES, op. cit.). O clima da região na qual se encontra a área de estudo é muito quente - semiárido Bswh de Koppen, com curta estação chuvosa (março/abril/maio), precipitação entre 500 a 800 mm anuais, altos níveis de insolação, com temperaturas variando entre 25°C a 35°C (VARELLA-FREIRE, 2002). Na área da RPPN, encontra-se a Serra do Estreito, com 637 metros de altitude, formando um ambiente peculiar que contempla rica biodiversidade local.
Figura 1- Localização dos municípios de Caicó e Jucurutu, no Rio Grande do Norte, Brasil, onde estão inseridas a comunidade de Laginhas e a RPPN Stoessel de Britto, respectivamente.
2.2. Procedimentos metodológicos Inicialmente foram realizados estudos exploratórios sobre a comunidade de Laginhas através de visitas a campo, para subsidiar a elaboração dos formulários a serem aplicados. Logo após, foi identificado o perfil socioeconômico dessa comunidade por meio da utilização de formulários com questões abertas e fechadas. Foram pré-definidos os informantes da comunidade dentre aqueles com idade superior a 18 anos, dando prioridade aos mais idosos e com tempo de moradia na comunidade acima de 10 anos (CUNHA et al., 2007); apenas uma pessoa por família foi entrevistada. De 12 de janeiro a 04 de fevereiro de 2009, foram aplicados os formulários a 90 pessoas, dentre os 434 moradores da comunidade, o que corresponde acerca de 87% dos domicílios ocupados (n= 104). Dentre as técnicas de pesquisa de campo para os estudos de Percepção Ambiental, foram utilizados nesta pesquisa a observação direta e a interrogação, conforme Whyte (1977), por meio da aplicação de formulários. - Observação Direta: é o fazer perguntas e ouvir; com isso o investigador participa da vida e das ações do povo que ele está estudando. O pesquisador desempenha, assim, dois papéis, observador e participante. O trabalho consiste em observar as conversas com os informantes e anotar o mais rapidamente possível. Ainda segundo este autor, a observação do comportamento humano no ambiente é um método básico de todas as abordagens da Percepção Ambiental. - Aplicação de formulários com questões abertas e fechadas: a maioria das perguntas trata de questões abertas, porque o entrevistado tem maior liberdade de expressão, maximizando o ponto de vista dele com pouca influência do pesquisador. A entrevista com questões abertas compreende variáveis referentes às experiências, características individuais, identidade, atitudes, informações, escolhas e comportamentos. Com o auxílio destas técnicas foram avaliadas três dimensões de variáveis de pesquisa, adaptadas de Whyte (1977), para conhecer a Percepção Ambiental dos moradores da comunidade de Laginhas/RN sobre a RPPN Stoessel de Britto. Dimensão 1- Variáveis de Estado: características dos sujeitos, tais como, gênero, idade e profissão, além de experiência; ou seja, tempo de interação dos sujeitos com a RPPN, em termos de visitação, periodicidade e objetivos das visitas. Para avaliar a experiência, foram feitas três perguntas: Você já visitou a RPPN? Quantas vezes você já foi na RPPN? Foi fazer o que na RPPN? Dimensão 2- Variáveis de Saída: escolha dos usos como formas de preservação e nível de conhecimento sobre a RPPN. Para conhecer esses usos, foram feitas cinco perguntas: você conhece os animais e plantas da RPPN? você acha importante a preservação dos animais e plantas dessa RPPN? O que você acha da retirada de lenha da RPPN? Você sabe que se retirar muita lenha pode ocorrer a morte de animais, o aumento da temperatura, desertificação, por exemplo? O que você acha que deve ser feito para que a RPPN seja preservada? Dimensão 3- Processos de Percepção: percepção do significado (sentido objetivo ou subjetivo atribuído à RPPN) e identidade (reconhecimento e descrição da RPPN pelos moradores, com base em suas características objetivas e subjetivas) e atitudes. Para conhecer a percepção do significado, identidade e atitudes foram feitas cinco perguntas: sabe o que é uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN)? Sabe se existe nessa região alguma RPPN? Você conhece a RPPN Stoessel de Britto? Como você conhece aquela mata que está próxima a Serra localizada ao lado dessa comunidade? O que significa a RPPN para você? Para a avaliação das dimensões acima descritas, que possibilitaram a análise da PA dos moradores do entorno da RPPN, foi utilizada a técnica Análise de Conteúdo, fundamentada por Bardin (2004), como instrumento de análise das falas dos entrevistados. A partir dos resultados alcançados, foram realizadas análises quantitativas e qualitativas dos dados. A análise quantitativa, segundo Bardin (2004), aplica-se aos dados que podem ser mensuráveis, fundamentado-se na frequência de aparição de certos elementos. Para esta análise quantitativa foi utilizada a análise simples (porcentagens), por meio do software Excel para a tabulação dos dados. Para a análise qualitativa, as informações foram classificadas em categorias, que são formadas de acordo com as variadas respostas obtidas durante a aplicação dos formulários. São as que não podem ser mensuradas. De acordo com Bardin (2004), a categorização é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com os critérios previamente definidos. Ainda segundo esta autora, a abordagem qualitativa recorre a indicadores não frequenciais susceptíveis de permitir inferências. As categorias são elaboradas de acordo com os discursos com a comunidade e definidas dentro destas falas. Algumas falas estão reunidas na análise dos resultados da pesquisa.
3. Resultados e Discussão Com base nas categorias definidas acerca das dimensões da Percepção Ambiental, os seguintes resultados foram obtidos. 3.1. Dimensão 1- Variáveis de Estado 3.1.1. Perfil socioeconômico dos entrevistados A maioria dos entrevistados foi do sexo feminino (77%), cuja idade variou de 18 a 77 anos, com média de 44 anos. A idade do sexo masculino variou de 22 a 80 anos, com média de 55 anos. No que diz respeito ao tempo de moradia na comunidade, o maior tempo foi de 77 anos, sendo poucos (13%) os indivíduos pertencentes à faixa de 10 anos de moradia. Geralmente as pessoas que nascem na zona rural permanecem até os últimos dias de vida; já os filhos, ao ficarem adolescentes, saem de casa e procuram as cidades para estudar ou trabalhar. Essas pessoas que têm pouco tempo de moradia na comunidade são as que vieram das cidades vizinhas e acabam permanecendo na comunidade. Quanto ao estado civil, a maioria é casada, 74% (incluindo os que vivem em regime de concubinato), 17% solteiros e 9% viúvos, Essas famílias geralmente têm uma composição de 3 a 4 indivíduos por núcleo em 54% dos domicílios. Os dados sobre escolaridade mostraram que 33% dos entrevistados possuem o ensino fundamental I incompleto; 11% das pessoas possuem o ensino médio concluído e apenas 4% são analfabetas (Figura 2A). Esses dados escolares são semelhantes aos obtidos durante um estudo com moradores do entorno da Estação Ecológica de Juréia-Itatins/SP, pois a maioria deles possui apenas o ensino fundamental I incompleto (FERREIRA, 2005; SILVA et al., 2009). Cerca de 74% dos entrevistados possuem filhos e todos freqüentam a escola. Um total de 84% dos entrevistados têm habitação própria; o restante tem sua moradia cedida através de aluguel. As condições sanitárias são precárias, uma vez que 100% das casas não possuem rede de saneamento básico. Dessa forma, os dejetos são lançados a céu aberto e indo diretamente para uma barragem próxima à comunidade, contaminado-a, deixando assim a sua água imprópria para o consumo humano. Grande parte das casas possui luz elétrica (99%). Toda a comunidade possui água encanada em suas casas, sendo proveniente da barragem local e da cidade de Caicó, através de carro pipa. A água da barragem só é utilizada pela comunidade para aguar as plantas, lavar roupas e outros serviços domésticos semelhantes. Já a água vinda de carro pipa de Caicó é para consumo humano. Apenas 7% disseram beber água mineral que é comprada na cidade. Quanto a ocorrência de doenças de veiculação hídrica, 18% dos entrevistados afirmaram a ocorrência de hepatite e 10% diarréia. O destino dos resíduos sólidos é efetuado para os três containers de lixo que tem na comunidade, segundo as informações de 83% dos moradores, e o restante do lixo é queimado segundo 17% das afirmações; uma vez por semana o lixo das containers são recolhidos para o lixão da cidade vizinha. Na comunidade tem um posto de saúde que oferece assistência médica uma vez por semana; além disso, conta com agentes de saúde que efetuam visitas domiciliares regulares. A maior parte da comunidade (88%) costuma freqüentar as festas culturais locais como a festa do padroeiro São Francisco de Assis e o aniversário da comunidade. A maioria dos indivíduos amostrados possui rendimento salarial baixo, com prevalência de renda de 1 salário mínimo (44%); dois salários (29%); menos de um salário mínimo (20%). Os analfabetos ou alfabetizados que ganham até dois salários mínimos ou mais, correspondem aos aposentados e pensionistas, e/ou aqueles que possuem alguma atividade extra, como por exemplo, um local de vendas, mais conhecido por eles de bodega (Figura 2B). A profissão que se destacou foi a de agricultor com 39% dos entrevistados; em segundo lugar vem a de doméstica com 33% e, por último, os servidores públicos e bordadeiras (13%). Muitos dos agricultores também são aposentados, mas mesmo assim, trabalham na agricultura para a subsistência. Constatou-se que o grau de instrução dos habitantes dessa comunidade relaciona-se diretamente com a renda familiar, pois as pessoas que disseram ter apenas o ensino fundamental I completo ou incompleto, normalmente declaravam a renda da família ser menor que um salário e até um salário mínimo. Esses dados são semelhantes aos obtidos durante um estudo com os moradores do entorno da ESEC Seridó (SILVA et al., 2009).
Figura 2A e 2B- A) Percentual dos entrevistados quanto à escolaridade; B) Percentual dos entrevistados acerca da renda familiar.
3.1.2. Experiência No que se refere à avaliação da experiência, ao questionar a quantidade de vezes que os moradores visitaram a RPPN, a opção mais de três vezes correspondeu a 43%; o menor valor (14%) foi encontrado para os que foram na RPPN duas ou três vezes. Quanto se trata do objetivo das visitas na RPPN, a maior parte dos moradores respondeu que a visita foi só para passear (43%), e o menor número (5%) trabalha lá; ou seja, apenas uma pessoa que cuida da reserva, mais conhecida pelos moradores como “caseiro”. Identifica-se nas respostas, a falta de atrativo na reserva para a realização das visitas pelos moradores do entorno. Essa idéia está de acordo com as falas dos moradores quando eles afirmam que falta funcionalidade para as visitas e investimentos na reserva. Talvez esteja faltando algo semelhante à implantação de um programa de ecoturismo nessa área. Segundo Costa-Alves e Guimarães (2009), o ecoturismo abrange um sentido mais amplo por agrupar atividades turísticas em ambientes naturais conservados, adotando princípios de baixo impacto ambiental, como a sensibilização de visitantes para as causas ambientais e buscar o envolvimento e benefício das comunidades locais. O ecoturismo pode ainda servir como ferramenta para programas de educação ambiental, desde que seguidas diretrizes de preservação ambiental e cultural, sendo a melhor modalidade turística capaz de harmonizar o uso da RPPN com a conservação da biodiversidade em seu interior (COSTA-ALVES; GUIMARÃES, op. cit.). Os moradores também reclamam por não poder plantar na reserva e propõem a destinação de parte da terra para o plantio; o que seria possível, já que a RPPN é de uso sustentável, e contribuiria para a subsistência dos moradores do entorno.
3.2. Dimensão 2- Variáveis de Saída 3.2.1. Importância da preservação da RPPN pela comunidade No que concerne a importância dada à preservação dos recursos naturais existentes na reserva pelos moradores da comunidade rural do entorno, especialmente quanto à importância da preservação dos animais e plantas da RPPN, 92% disseram achar importante, e apenas 8% não acham importante a preservação. Esse valor é semelhante ao atribuído pelos moradores do entorno da Mata do Catolé, Maceió-AL, que afirmaram com 100% das respostas acharem importante a preservação dos animais e plantas (SILVA, 2006). As falas foram agrupadas em categorias (Bardin 2004), neste caso, em número de seis: valor de existência, valor ecológico, risco de extinção, valor conflitivo, valor estético e religiosidade (Figura 3).
Figura 3- Percentual das respostas em categorias acerca da importância da preservação dos animais e plantas na RPPN pelos moradores. A categoria de valor de existência foi a que teve mais destaque pelos entrevistados com 33% das respostas. Isto significa que a comunidade tem ideia da importância dos animais e plantas da reserva, conforme alguns depoimentos de moradores acerca dessa categoria: “Porque acho assim, que a pessoa não deve devastar a natureza, uma planta é uma vida”. “Porque tá protegendo a fauna e flora e é proteger a vida”. “Porque amo a natureza”.
O valor ecológico foi contemplado com 31% das respostas, isso reflete a preocupação da comunidade em preservar os animais e plantas da reserva, afirmando com respostas do tipo: “O IBAMA tem muita coisa certa, se não fosse ele não existia as reservas para proteger os animais”. “Porque é um meio de preservar os animais”. “Porque as plantas e os animais é para viver soltos sem serem prendidos”.
Segundo Gómez-Pompa e kaus (2000) a conservação talvez não esteja presente no vocabulário dessas pessoas, mas é parte de seu modo de vida e de suas percepções do relacionamento humano com o mundo da natureza. Na categoria risco de extinção 21% das respostas retratam a preocupação dos moradores com a extinção das espécies de animais da reserva, quando afirmam que: “É uma forma de preservar contra a extinção dos animais”. “É bom porque não mata os animais”. “Importante porque tem muitos animais e se forem se acabando, no futuro a gente não tem para mostrar aos filhos da gente”. “Porque estão matando muito bichos, e eles estão desaparecendo, fazem desmatamento de plantas, é importante que eles sobrevivam”.
As respostas que estão inseridas na categoria valor conflitivo, mostram que 11% das pessoas não concordam com a existência da reserva e, dentre estas, algumas não concordam com a preservação dos animais e plantas nessa reserva, como pode ser constatado em suas falas:
“Porque não produz nada de alimento, a terra é para produzir”. “Porque não pode pegar nada lá”. “Porque é dela tem mesmo é de cuidar”. “Não acho importante, porque se cortar nasce ainda mais, e a pobreza vive na zona rural tem que ganhar o dinheiro para cortar lenha e os animais para sobreviver”.
Percebe-se nessas falas que há uma relação negativa dos moradores com a RPPN; diferentemente do estudo realizado com as comunidades do entorno da Estação Ecológica do Seridó- ESEC Seridó, pois todos apresentaram uma relação positiva com a UC (SILVA et al., 2009). Este fato é surpreendente, uma vez que as RPPN’s são de uso sustentável e é resultante de proposição do proprietário da terra e não de determinação do Estado, como no caso da ESEC. Na categoria de valor estético, 4% dos entrevistados afirmaram ter uma relação de amizade com os animais e plantas; esse mesmo valor foi relacionado à categoria religiosidade, conforme depoimentos a seguir:
“Porque acho muito bonito a natureza”. “Porque os animais e as plantas foram coisas deixadas por Deus, não é para matar”. “É muito bom conservar a natureza, já que Deus deixou no mundo, é para cuidar e não acabar”.
Quanto à retirada de lenha da reserva, dos 90 entrevistados 78% não concordam com a retirada da lenha e 22% concordam. Em resposta a essa pergunta, os que não concordam dizem: “Também sou contra, se não chove mais, se tira muito. Só para o consumo para cozinhar, mas para o desmatamento sou contra”. “Eu sou contra, quando tira a lenha você está desmatando”. Os que concordam, afirmaram: “Acho que se é um meio de sobrevivência, prejudicou muito a gente, pois o IBAMA proibiu meu marido de tirar lenha, ele vivia disso para fazer carvão para vender”. “É um jeito de sobreviver para ganhar dinheiro”. Pelos percentuais nas respostas verifica-se que a maioria dos entrevistados se preocupa com os problemas do desmatamento e suas conseqüências. Quanto às consequências da retirada de lenha, 98% responderam que conhecem; seis porcento não sabem. É possível perceber o conhecimento no que concerne a importância dos recursos naturais e seu gradativo esgotamento. No que se refere às ações para preservar a RPPN, 78% dos moradores responderam e 22% não souberam responder (Tabela I). As propostas dos entrevistados estão distribuídas na tabela por temas de acordo com o número de citações e o seu percentual.
Tabela I- Propostas dos moradores para preservação da RPPN.
Nas propostas apresentadas, 38% sugeriram que a reserva tivesse mais fiscalização; é provável que esta iniciativa, associada a outras ações poderiam ser viáveis, no sentido de aumentar a proteção e preservação da reserva. Sugestões como as apresentadas na Tabela I também foram propostas em estudos com comunidades do entorno de UC’s (CUNHA et al., 2007; SILVA, 2006; SILVA et al., 2009). Devido à falta de fiscalização por parte do órgão ambiental federal, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, é visível na área da reserva algumas degradações ambientais provocadas por parte da comunidade do entorno, quais sejam, invasão dos animais das fazendas vizinhas, retirada de lenha para consumo, caça, dentre outros. Há ocorrência de entrada de caçadores na área, segundo a proprietária da RPPN, e os próprios moradores afirmam que ocorre caça na reserva, mas nenhum deles aponta ser o caçador. Essa afirmação corrobora com outro estudo com comunidades do entorno de UC, pois 96% dos entrevistados declararam não caçar, e praticam a caça escondida (CUNHA et al., 2007). Sugere-se uma política emergencial de educação ambiental nas escolas e para a comunidade, de forma a favorecer a sensibilização da comunidade do entorno e gerar benefícios ambientais e qualidade de vida aos moradores.
3.2.2. Nível de conhecimento sobre a RPPN Ao serem questionados acerca do conhecimento dos animais e plantas existentes nessa RPPN, 30% responderam que conhecem os animais da reserva e 70% não conhecem; 29% conhecem as plantas e 71% não conhecem. O número de moradores que conhecem os animais ou as plantas da RPPN é menos da metade, indicando que em geral as pessoas não conhecem a reserva, sendo, portanto, baixo o nível de conhecimento por parte da população do entorno desta RPPN. No decorrer das entrevistas percebeu-se que os moradores que tem mais conhecimento sobre a reserva são os que moravam na área antes da sua criação, pois estes tinham contato com o solo ao plantar as culturas, com os animais, enfim, com os recursos naturais. Já os que não moravam lá conhecem através de visitas rápidas, ou mesmo quando só passam na estrada para ir ao sítio vizinho, ou através dos amigos que já visitaram a reserva. O conhecimento acerca das espécies faunísticas e florísticos é construído através do tempo das relações estabelecidas entre o homem e o ambiente físico, e, pode ser um indicativo do grau de interatividade das pessoas com o ambiente natural, na medida em que os modos de vida cotidiano em ambientes rurais e preservados oferecem momentos de contato com diferentes espécies, principalmente se há uma atenção especial dos moradores, resgatada do instinto biofílico (MARIN, 2003). Assim sendo, pode-se considerar que não há uma relação de biofilia entre a maioria dos moradores do entorno com a reserva Stoessel de Britto. Mas não significa que eles não possuam esse sentimento, pois se trata de uma comunidade rural e praticamente todos têm contato com o ambiente natural. Apesar dos entrevistados terem dito que não conhecem os animais da reserva, isso não significa que eles não conheçam os animais da região. Isto porque, segundo Tuan (1980), o termo topofilia é o elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou ambiente físico.
3.3. Dimensão 3- Processos de Percepção 3.3.1. O que a RPPN significa para a comunidade Para conhecer a percepção das pessoas entrevistadas em relação à RPPN, foi apresentada apenas uma pergunta em relação ao significado da reserva para os moradores. Para 48% dos entrevistados, a reserva tem algum significado; para 46% a reserva não significa nada, e apenas 6% dos moradores afirmaram ser melhor sem a reserva. Vinte e nove porcento dessas respostas atribuídas ao significado estão referidas à preservação, como se pode observar nas afirmações abaixo:
“significa, porque através dessa reserva os bichos tem mais proteção, principalmente as caças”. “É bom, tem muita destruição com a natureza, e lá nós não temos essa destruição”. “Assim, acho muito significativo porque ninguém nunca se preocupa de proteger a natureza”. “Só em não haver mais desmatamento, que é muito grande”.
Analisando o conteúdo destas respostas fica claro que os moradores se preocupam com a proteção dos animais e plantas, e sabem que lá na reserva eles vão ficar protegidos. Há uma preocupação com o desmatamento e a destruição da natureza pelo homem. Já dezenove porcento das respostas ligadas à significação estão relacionadas à legalização do IBAMA na reserva, e a sua proibição em caçar e tirar lenha. Essas respostas corroboram com as dos moradores do entorno da Estação Ecológica de Juréia-Itatins/SP (FERREIRA, 2005), que não relacionam a UC à conservação, ao contrário da ideia dos moradores de Laginhas com a RPPN. Algumas respostas dos moradores em relação à legalização na reserva:
“O IBAMA é quem manda, a véia não manda em nada mais, é o IBAMA”. “Tem e não, porque antes as pessoas caçavam lá, hoje não pode mais”.
As falas abaixo estão relacionadas aos 6% das respostas que afirmaram não servir de nada a reserva.
“Não, ela era melhor antigamente, o pessoal plantava e a dona não queria nada, a terra era boa para plantar”. “Para nós não serve de nada, não podemos tirar lenha, para caçar não podemos pegar”. Percebe-se nessas respostas que falta a tomada de consciência da importância da preservação da área, por desconhecerem o significado e a importância de proteger essa reserva para o bem da região. Em outro estudo realizado com uma comunidade do entorno de uma UC, quando questionados sobre como viam o Parque eles praticamente desconheciam que ali era uma Unidade de Conservação, inclusive desconhecendo o conceito destas áreas e suas funções (BUENO; RIBEIRO, 2007).
3.3.2. Descrição da RPPN pelos entrevistados da comunidade Quanto à descrição dos moradores sobre a RPPN, a maioria deles (68%) não sabem o que é uma RPPN. Quando são questionados se existe alguma RPPN dessas na região, apenas 37% sabem que existe; 63% desconhecem. Quanto ao conhecimento da Reserva Stoessel de Britto, 68% conhecem, e 32% não conhece. Já para os que desconheciam esta Reserva, foi feita mais uma pergunta em relação à mata que se localiza próxima à comunidade, ou seja, por qual nome eles a conheciam. Cinquenta e seis porcento conhecem como Sítio de dona Lídia, e 16% conhecem por outros nomes; apenas 2% não conhecem a Reserva. A denominação Reserva Particular do Patrimônio Natural/RPPN ainda não é tão reconhecido pela comunidade; no entanto, em se tratando da Reserva Stoessel de Britto a maioria dos moradores conhecem ou pelo menos ouviram falar. Os moradores que não conhecem pelo nome real da RPPN sabem que se trata de um sítio, cuja proprietária é bastante conhecida, Lídia Brasileira, e que, juntamente com o IBAMA cuida, e proíbe a caça e o corte de lenha. Os moradores do entorno da Estação Ecológica de Juréia-Itatins/São Paulo, também quando a identificam como tal, é como uma área de proibições (FERREIRA, 2005). Diferentemente dos moradores da Estação Ecológica do Seridó – ESEC, pois todos os moradores a reconhecem como uma instituição de preservação do meio ambiente, que é protegida pelo órgão publico, o IBAMA (SILVA et al., 2009).
3.3.3. Formas de relacionamento da comunidade com a RPPN Com base nas falas dos moradores conclui-se que 92% deles têm uma relação positiva com a reserva e com a proprietária; apenas 8% demonstram relação negativa. Esta pequena parte não apoia a forma de área protegida, porque eles precisam da lenha para fazer carvão e da caça para sobreviver, e lá eles não podem praticar essas atividades. Alguns sabem que é proibido caçar e tirar lenha e mesmo assim o fazem; há outros que respeitam e não entram. Há pessoas que nem sabem que é reserva, mas mesmo assim entram achando que é um sítio como qualquer outro, pois eles têm o hábito de caçar nos sítios dos vizinhos sem permissão do proprietário. Por se tratar de uma comunidade rural tradicional, muitos dos moradores do entorno dessa RPPN utilizam como medicamentos os recursos da natureza, como as cascas e raízes das árvores que por terem utilização medicinal e serem rara na região, só são encontradas na reserva. Segundo Roque (2009), na comunidade rural de Laginhas foram descritos os usos medicinais de 62 espécies pelos moradores. Essa comunidade rural está intimamente ligada ao uso de plantas medicinais, por estas serem, na maioria das vezes, o único recurso disponível para o tratamento de doenças na região (ROQUE, op. cit.). Os modos de sobrevivência dessa comunidade são praticamente as atividades voltadas para a agricultura de subsistência. Isso explica o fato dos moradores praticarem a caça, seja para se alimentar ou para vender; a retirada da lenha para cozinhar e fazer o “bacurau” forma tradicional que eles fazem o carvão para vender na cidade, e a utilização das plantas como medicamentos. 4. Conclusão A maioria dos moradores reconhece esta RPPN como uma área de proibições e legalizada pelo IBAMA, ou pela própria proprietária. No decorrer das entrevistas observa-se que geralmente os moradores que entram ilegalmente na reserva são aqueles que realmente precisam para a sua sobrevivência, devido à falta de oportunidades de trabalho na comunidade. Então, a única forma seja talvez, a caça de animais para se alimentar ou vender; extrair lenha para o próprio consumo ou para fazer carvão para o comércio. Normalmente, os problemas ambientais e culturais enfrentados pelas UC’s são semelhantes; comparando uma UC de Uso Integral (ESEC Seridó) com a RPPN Stoessel de Britto (Uso Sustentável), ambas localizadas na mesma região, constata-se que os moradores do seu entorno praticam a caça; as pessoas colocam a culpa da responsabilidade de proteção dessas UC’s no Governo e não trazem para si essa responsabilidade; sabem identificar os problemas nas UC’s e apontam soluções. A diferença encontrada entre ambas é que os moradores da ESEC possuem uma convivência acentuada e um conhecimento amplo da real situação da ESEC, não demonstrados pelos moradores da RPPN, contrariando a hipótese aventada para este estudo. A falta de investimentos e de apoio são considerados grandes empecilhos na proteção dessa RPPN e para o desenvolvimento local. A ausência de um Plano de Manejo para a Reserva pode ser um dos fatores responsáveis pelos impactos socioambientais. Além disso, há deficiência na funcionalidade para a visitação turística e educativa, segundo os entrevistados.
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