É dentro do coração do homem que o espetáculo da natureza existe; para vê-lo, é preciso senti-lo. Jean-Jacques Rousseau
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 89 · Dezembro-Fevereiro 2024/2025
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O Eco das Vozes
NA FLORESTA COM A FADA ARCO-ÍRIS: SENDO, ENSINANDO E APRENDENDO EDUCAÇÃO AMBIENTAL1 Adriana Backes2
1 INTRODUÇÃO O lúdico faz parte do universo infantil, qualificando e dando significado aos processos de aprendizagem. Isso não é diferente na educação ambiental, que tem seus objetivos potencializados ao inserir personagens presentes no mundo imaginário e afetivo de crianças de diferentes idades para um acolhimento diante do mundo natural. É o que acontece no Parcão de NH, onde as crianças são recebidas por uma fada que as guia por entre as árvores, animais e demais elementos naturais daquela Área de Relevante Interesse Ecológico - ARIE. Além disso, é da Fada que as crianças recebem o convite para serem “Ajudantes da Fada” e “Guardiões da Natureza”, disseminando os cuidados necessários ao ambiente natural, do Parcão para outros espaços em que vivem. Dessa forma, cria-se um elo de ligação afetivo e lúdico, numa rápida conexão através de uma “persona” que povoa o mundo imaginário e afetivo infantil, como um meio para que as crianças tenham uma escuta atenta e afetiva, com acolhimento e desejo de ocupação de um espaço autoral e de protagonismo de um conto de fadas, na vida real, quando se tornam ajudantes da fada e guardiões da natureza. Portanto, este texto visa refletir sobre a importância da presença do lúdico, do mitológico e do encantamento em propostas de Educação Ambiental, a partir da experiência de arte-educação-ambiental vivida com a Fada Arco-Íris no Parcão de NH, considerando que: Uma história quer seja, um conto de fadas, lenda ou mito é sempre um “presente de amor” que se oferece às crianças e aos adultos, pois da relação de intersubjetividade entre o texto e o leitor existirá quase sempre uma grande possibilidade de encontrar caminhos que nos ensinem alguns segredos da alma e da vida (CAVALCANTE, 2002, p. 18). O presente artigo relata a minha experiência como educadora ambiental, ao dar vida a uma “fada de verdade”, em um movimento de sensibilizar, criando uma identidade afetiva ao promover um sentimento de pertencimento e instigar o protagonismo das crianças participantes. O trabalho é realizado em um período de tempo muito curto, que envolve a visita de um grupo de crianças para uma atividade de educação ambiental, geralmente em um turno letivo, em parceria com as escolas, ocorrido de uma forma que pretende ser lúdica e envolvente. Para tanto, utilizo o recurso de dar vida a uma fada, pois estes seres míticos fascinam, encantam e conectam com as crianças, e, para minha surpresa, com adolescentes e adultos de todas as idades. Trata-se, portanto, de um estudo qualitativo de cunho reflexivo sobre experiência realizada, seguindo a proposta de pesquisa (auto)biográfica, que [...] permite que possamos estudar, escrever, recompor e compreender as narrativas e trajetórias de vida como processos de investigação e formação que nos permitem (re)pensar quem somos, pensamos, agimos como professores educadores em constante (trans)formação de si (ALVES, 2015, p. 8). É a fada contando sua história entre os mundos, diante da necessidade de um novo olhar sobre o mundo natural, sem deixar o mundo social de lado. É, no encontro entre a ludicidade e a mitologia, que a educação ambiental se expressa através da arte, considerando que: Os conteúdos acessados foram interpretados à luz de teóricos que consideram o mito e a ciência como formas de construção de saberes com legitimidade equivalente, porque ambos estão orientados para dar um significado e sentido ao mundo, tornando-o inteligível. [...] A fenomenologia de Merleau-Ponty é adotada como um referencial teórico por enfatizar que o mundo é uma unidade aberta às multiplicidades de perspectivas de vivê-lo (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 835). É, na materialidade da vida cotidiana de uma Unidade de Conservação, que se passa esta narrativa, integrando os conhecimentos científicos, referentes à ecologia e à uma educação ambiental que preza a conservação, mas também inserindo o lúdico da mitologia das fadas, como uma forma de encantar as crianças que participam das propostas do Parcão. Unindo ciência e arte, seguimos encantando, sendo, ensinando e aprendendo educação ambiental. Neste texto, inicialmente, buscarei definir qual educação ambiental é possível a partir da ludicidade, considerando o contexto mitológico dos contos de fadas. Para tanto, defendo a presença do lúdico e do mito nos processos de educação ambiental realizados. Em seguida, apresentarei a personagem e a história da qual ela surge, contextualizando o trabalho realizado no campo da educação ambiental realizado no Parcão de NH. Neste movimento narrativo, espero ilustrar e despertar o lúdico na medida em que vão lendo minhas palavras.
2 O LÚDICO E O MITO NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL De acordo com Menezes e Santos (2001), o conceito de lúdico nos estimula a partir da fantasia, do divertimento ou da brincadeira, de forma qualitativa. Para os autores, é um conceito presente na educação, sobretudo na educação infantil, e faz parte da obra de vários autores renomados da área, como Piaget e Montessori. Ainda segundo a autora, para Vygotsky, há uma relação entre o lúdico e o desenvolvimento da criança, envolvendo a ação, a curiosidade, a iniciativa e a autoconfiança. Já em relação aos mitos, seguimos Sato e Passos (2009), entendendo-os como “[...] narrativas lendárias da tradição cultural de um povo” (SATO; PASSOS, 2009, p. 54). Para os autores, é através dos mitos que os povos explicam a gênese do universo, o funcionamento da natureza ou o enaltecimento de crenças religiosas. Ainda a partir dos autores, entende-se que os mitos existem na contemporaneidade e não apenas nas chamadas culturas primitivas, pois são eles que alicerçam as narrativas presentes nos cotidianos sociais. Além disso, os mitos acompanham a expressão cultural de um povo. No que se refere à educação ambiental, os autores reforçam que há muitos “seres encantados” que protegem a natureza, dentro do imaginário mundial e nacional. Claro que não estou abordando qualquer educação ambiental. Nesta perspectiva, busco integrar o que Layrargues e Lima (2011) chamam de Macrotendências da educação ambiental, com ênfase na crítica. Como o trabalho é desenvolvido em uma Unidade de Conservação, o caráter conservacionista não pode ser deixado de lado. Assim como, por se tratar de um parque em uma área urbana, o caráter pragmático também está presente. Entretanto, é no campo entendido como educação ambiental crítica que este trabalho se baseia. O reconhecimento da vida social e os processos de humanização e desumanização (FREIRE, 1961) formam o eixo central da educação ambiental aqui defendida, pois desejamos: [...] pensar em um modelo de educação a partir dos seguintes aspectos: vivências coletivas de integração; construção de um ambiente educativo pautado no movimento do conhecimento; ação pedagógica que acompanha as inferências da realidade socioambiental; formação de lideranças dentro dos projetos; construção coletiva e compartilhada de conhecimento contextualizado; processo educativo para além da escola; potencialização da aprendizagem um com o outro e um com o ambiente; valorização da auto-estima individual e identidade do grupo; inter e transdisciplinaridade em diferentes áreas do saber; articulação entre afetividade e inteligência; promoção de pertencimento local e global (MENEZES, 2020, p. 47). Nesse sentido, entendo que o trabalho no Parcão de Novo Hamburgo não pode estar descolado do trabalho realizado pelas escolas. Ao contrário, é um trabalho que visa ressignificar os conhecimentos formais, em vivências e experiências lúdicas que aproximem as crianças participantes (e os adultos que as acompanham, porque não?) das belezas e problemáticas socioambientais, para que, em posse do conhecimento científico e dos procedimentos ecológicos, possam construir novas formas de ser e estar no mundo, tendo a educação ambiental como referência, assim como nos apresenta o quadro 1. Quadro 1: “Conteúdos” da Educação Ambiental
Fonte: Menezes (2020). É na integração entre a vida que pulsa nos ambientes - incluindo o ser humano - diante dos ritos sociais construídos pela cultura local que a educação ambiental crítica se estabelece. Nesse sentido, as relações de respeito e cuidado dos sujeitos diante dos elementos naturais e dos elementos sociais que os circundam, possibilitam vivências coletivas que podem resultar em novas vivências e as mudanças socioambientais que desejamos e precisamos. Imagem 1: Dimensões da Educação Ambiental
Fonte: Menezes, 2020. A imagem 1 apresenta um esquema com a visão de educação ambiental que abre espaço para o lúdico considerando que: O lúdico também se origina na capacidade simbólica, na qual as imagens são consideradas fundamentais para instrumentalizar a criança, visando a construção do conhecimento e sua socialização. Contos, lendas e um acervo de brincadeiras constituem, nesse contexto, um rico banco de dados de imagens culturais. Hoje, existe um consenso de que o lúdico é fator determinante na aprendizagem da criança. O ensino, utilizando meios lúdicos, criaria um ambiente gratificante e atraente, servindo como estímulo para o desenvolvimento integral da criança. Por isso, no universo lúdico, foram criadas as brinquedotecas, os jogos educativos, os brinquedos pedagógicos e outros materiais (MENEZES; SANTOS, 2001, s/p). A seguir, vou contar como tudo começou, a criação da história, da personagem e como foi/é “dar vida” a uma fada em um projeto de educação ambiental numa Unidade de Conservação - ARIE, que depois alcança outros espaços, outras atividades, buscando a sensibilização para o cuidado e respeito consigo mesmo, com o outro e com o mundo, através das vivências proporcionadas.
3 A PRESENÇA DA FADA ARCO-ÍRIS NO PARCÃO E SEU TRABALHO DE ENCANTAMENTO Na cidade de Novo Hamburgo - RS, acontece o Projeto de Educação Ambiental3 do Parcão4, desde o início dos anos 2000 com a parceria das Secretaria de Educação (SMED) e da Secretaria do Meio Ambiente (SEMAM). Temos educadores que fizeram história pelo seu pioneirismo e qualidade de trabalho na Educação Ambiental do Parcão, desde sua constituição enquanto espaço de educação ambiental. O território natural que protagoniza essa história junto com as pessoas foi adquirido pelo poder público para a cidade de Novo Hamburgo, localizada na região metropolitana de Porto Alegre, a aproximadamente 45 km da capital gaúcha. Entre as décadas de 80 e 90, ocorreu um bonita mobilização da comunidade para a compra de uma área verde de 54 hectares, que passou a oferecer a possibilidade do contato com a natureza, com espaços para trilhas, esporte, lazer, educação e proteção ambiental. Imagem 2: Início do PARCÃO NH
Fonte: acervo da autora. Em 2016 fui convidada a trabalhar como educadora ambiental no Parcão, que já contava com uma história de educação ambiental, como expressa a imagem 2. Trabalhando neste ambiente com as crianças, sobretudo das escolas municipais de NH, me senti inspirada a escrever uma história que apresentasse o Parcão, sua fauna e flora, e que tratasse do equilíbrio ecológico e da sua importância para as crianças. Desejava que fosse de forma lúdica e que envolvesse as crianças, para tanto, iniciei a escrita que se finalizou em 2017, inserindo-a em meu trabalho de educação ambiental, pois: A literatura é uma expressão que perfaz um rico mosaico da cultura de um povo. E a cultura talvez seja a chave de compreensão dos dilemas socioambientais, desde que dela emane as escolhas históricas da civilização humana. Sua dinâmica de reproduzir a tradição, ou de produzir novos hábitos, revela muito dos nossos olhares sobre o mundo e como interagimos com ele. Por meio da cultura compreenderemos os fundantes das múltiplas linguagens presentes na educação, nas ciências, nas magias e nas artes, entre tantas expressões, metáforas e símbolos. E espelhemo-nos nestes artefatos, em grande parte, procurando nos entender a nós próprios (SATO; PASSOS, 2009, p. 44). A história recebeu o nome de “Odara na Floresta”5, que conta a aventura da menina Odara, que junto com a sua família vai passar um dia no parque, fazendo referência à floresta do Parcão. Enquanto os avós da menina procuram um lugar à sombra das árvores para um piquenique, as crianças se aventuram por trilhas entre as árvores e percorrem os caminhos das águas, fazendo contatos, conexões e descobertas com a mata, animais e criaturas encantadas que habitam o lugar. As crianças aprendem sobre a preservação da natureza, a sabedoria índigena, o equilíbrio ecológico, a proteção e liberdade dos animais, arroios e outros assuntos. No desenvolvimento do trabalho realizado, comecei a levar a história para outros espaços e tempos, acompanhando as propostas de educação ambiental no município. Em um dos vários momentos em que compartilhei a história, decidi usar a fantasia da Sininho6, sendo acolhida com muitos abraços e sorrisos afetuosos. Percebi também que as crianças ficaram ainda mais atentas, ouvindo “a fada” contar uma história. Achei o resultado muito interessante e passei a qualificar a forma como me apresentava para as crianças, até incorporar uma personagem autoral à história original, que serve como fio condutor da visita guiada ao Parcão, e ao trabalho de educação ambiental, para além do espaço do Parcão. Imagem 3: A casa da fada Arco-Íris
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