É dentro do coração do homem que o espetáculo da natureza existe; para vê-lo, é preciso senti-lo. Jean-Jacques Rousseau
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 89 · Dezembro-Fevereiro 2024/2025
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O Eco das Vozes
NA FLORESTA COM A FADA ARCO-ÍRIS: SENDO, ENSINANDO E APRENDENDO EDUCAÇÃO AMBIENTAL1 Adriana Backes2
1 INTRODUÇÃO O lúdico faz parte do universo infantil, qualificando e dando significado aos processos de aprendizagem. Isso não é diferente na educação ambiental, que tem seus objetivos potencializados ao inserir personagens presentes no mundo imaginário e afetivo de crianças de diferentes idades para um acolhimento diante do mundo natural. É o que acontece no Parcão de NH, onde as crianças são recebidas por uma fada que as guia por entre as árvores, animais e demais elementos naturais daquela Área de Relevante Interesse Ecológico - ARIE. Além disso, é da Fada que as crianças recebem o convite para serem “Ajudantes da Fada” e “Guardiões da Natureza”, disseminando os cuidados necessários ao ambiente natural, do Parcão para outros espaços em que vivem. Dessa forma, cria-se um elo de ligação afetivo e lúdico, numa rápida conexão através de uma “persona” que povoa o mundo imaginário e afetivo infantil, como um meio para que as crianças tenham uma escuta atenta e afetiva, com acolhimento e desejo de ocupação de um espaço autoral e de protagonismo de um conto de fadas, na vida real, quando se tornam ajudantes da fada e guardiões da natureza. Portanto, este texto visa refletir sobre a importância da presença do lúdico, do mitológico e do encantamento em propostas de Educação Ambiental, a partir da experiência de arte-educação-ambiental vivida com a Fada Arco-Íris no Parcão de NH, considerando que: Uma história quer seja, um conto de fadas, lenda ou mito é sempre um “presente de amor” que se oferece às crianças e aos adultos, pois da relação de intersubjetividade entre o texto e o leitor existirá quase sempre uma grande possibilidade de encontrar caminhos que nos ensinem alguns segredos da alma e da vida (CAVALCANTE, 2002, p. 18). O presente artigo relata a minha experiência como educadora ambiental, ao dar vida a uma “fada de verdade”, em um movimento de sensibilizar, criando uma identidade afetiva ao promover um sentimento de pertencimento e instigar o protagonismo das crianças participantes. O trabalho é realizado em um período de tempo muito curto, que envolve a visita de um grupo de crianças para uma atividade de educação ambiental, geralmente em um turno letivo, em parceria com as escolas, ocorrido de uma forma que pretende ser lúdica e envolvente. Para tanto, utilizo o recurso de dar vida a uma fada, pois estes seres míticos fascinam, encantam e conectam com as crianças, e, para minha surpresa, com adolescentes e adultos de todas as idades. Trata-se, portanto, de um estudo qualitativo de cunho reflexivo sobre experiência realizada, seguindo a proposta de pesquisa (auto)biográfica, que [...] permite que possamos estudar, escrever, recompor e compreender as narrativas e trajetórias de vida como processos de investigação e formação que nos permitem (re)pensar quem somos, pensamos, agimos como professores educadores em constante (trans)formação de si (ALVES, 2015, p. 8). É a fada contando sua história entre os mundos, diante da necessidade de um novo olhar sobre o mundo natural, sem deixar o mundo social de lado. É, no encontro entre a ludicidade e a mitologia, que a educação ambiental se expressa através da arte, considerando que: Os conteúdos acessados foram interpretados à luz de teóricos que consideram o mito e a ciência como formas de construção de saberes com legitimidade equivalente, porque ambos estão orientados para dar um significado e sentido ao mundo, tornando-o inteligível. [...] A fenomenologia de Merleau-Ponty é adotada como um referencial teórico por enfatizar que o mundo é uma unidade aberta às multiplicidades de perspectivas de vivê-lo (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 835). É, na materialidade da vida cotidiana de uma Unidade de Conservação, que se passa esta narrativa, integrando os conhecimentos científicos, referentes à ecologia e à uma educação ambiental que preza a conservação, mas também inserindo o lúdico da mitologia das fadas, como uma forma de encantar as crianças que participam das propostas do Parcão. Unindo ciência e arte, seguimos encantando, sendo, ensinando e aprendendo educação ambiental. Neste texto, inicialmente, buscarei definir qual educação ambiental é possível a partir da ludicidade, considerando o contexto mitológico dos contos de fadas. Para tanto, defendo a presença do lúdico e do mito nos processos de educação ambiental realizados. Em seguida, apresentarei a personagem e a história da qual ela surge, contextualizando o trabalho realizado no campo da educação ambiental realizado no Parcão de NH. Neste movimento narrativo, espero ilustrar e despertar o lúdico na medida em que vão lendo minhas palavras.
2 O LÚDICO E O MITO NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL De acordo com Menezes e Santos (2001), o conceito de lúdico nos estimula a partir da fantasia, do divertimento ou da brincadeira, de forma qualitativa. Para os autores, é um conceito presente na educação, sobretudo na educação infantil, e faz parte da obra de vários autores renomados da área, como Piaget e Montessori. Ainda segundo a autora, para Vygotsky, há uma relação entre o lúdico e o desenvolvimento da criança, envolvendo a ação, a curiosidade, a iniciativa e a autoconfiança. Já em relação aos mitos, seguimos Sato e Passos (2009), entendendo-os como “[...] narrativas lendárias da tradição cultural de um povo” (SATO; PASSOS, 2009, p. 54). Para os autores, é através dos mitos que os povos explicam a gênese do universo, o funcionamento da natureza ou o enaltecimento de crenças religiosas. Ainda a partir dos autores, entende-se que os mitos existem na contemporaneidade e não apenas nas chamadas culturas primitivas, pois são eles que alicerçam as narrativas presentes nos cotidianos sociais. Além disso, os mitos acompanham a expressão cultural de um povo. No que se refere à educação ambiental, os autores reforçam que há muitos “seres encantados” que protegem a natureza, dentro do imaginário mundial e nacional. Claro que não estou abordando qualquer educação ambiental. Nesta perspectiva, busco integrar o que Layrargues e Lima (2011) chamam de Macrotendências da educação ambiental, com ênfase na crítica. Como o trabalho é desenvolvido em uma Unidade de Conservação, o caráter conservacionista não pode ser deixado de lado. Assim como, por se tratar de um parque em uma área urbana, o caráter pragmático também está presente. Entretanto, é no campo entendido como educação ambiental crítica que este trabalho se baseia. O reconhecimento da vida social e os processos de humanização e desumanização (FREIRE, 1961) formam o eixo central da educação ambiental aqui defendida, pois desejamos: [...] pensar em um modelo de educação a partir dos seguintes aspectos: vivências coletivas de integração; construção de um ambiente educativo pautado no movimento do conhecimento; ação pedagógica que acompanha as inferências da realidade socioambiental; formação de lideranças dentro dos projetos; construção coletiva e compartilhada de conhecimento contextualizado; processo educativo para além da escola; potencialização da aprendizagem um com o outro e um com o ambiente; valorização da auto-estima individual e identidade do grupo; inter e transdisciplinaridade em diferentes áreas do saber; articulação entre afetividade e inteligência; promoção de pertencimento local e global (MENEZES, 2020, p. 47). Nesse sentido, entendo que o trabalho no Parcão de Novo Hamburgo não pode estar descolado do trabalho realizado pelas escolas. Ao contrário, é um trabalho que visa ressignificar os conhecimentos formais, em vivências e experiências lúdicas que aproximem as crianças participantes (e os adultos que as acompanham, porque não?) das belezas e problemáticas socioambientais, para que, em posse do conhecimento científico e dos procedimentos ecológicos, possam construir novas formas de ser e estar no mundo, tendo a educação ambiental como referência, assim como nos apresenta o quadro 1. Quadro 1: “Conteúdos” da Educação Ambiental
Fonte: Menezes (2020). É na integração entre a vida que pulsa nos ambientes - incluindo o ser humano - diante dos ritos sociais construídos pela cultura local que a educação ambiental crítica se estabelece. Nesse sentido, as relações de respeito e cuidado dos sujeitos diante dos elementos naturais e dos elementos sociais que os circundam, possibilitam vivências coletivas que podem resultar em novas vivências e as mudanças socioambientais que desejamos e precisamos. Imagem 1: Dimensões da Educação Ambiental
Fonte: Menezes, 2020. A imagem 1 apresenta um esquema com a visão de educação ambiental que abre espaço para o lúdico considerando que: O lúdico também se origina na capacidade simbólica, na qual as imagens são consideradas fundamentais para instrumentalizar a criança, visando a construção do conhecimento e sua socialização. Contos, lendas e um acervo de brincadeiras constituem, nesse contexto, um rico banco de dados de imagens culturais. Hoje, existe um consenso de que o lúdico é fator determinante na aprendizagem da criança. O ensino, utilizando meios lúdicos, criaria um ambiente gratificante e atraente, servindo como estímulo para o desenvolvimento integral da criança. Por isso, no universo lúdico, foram criadas as brinquedotecas, os jogos educativos, os brinquedos pedagógicos e outros materiais (MENEZES; SANTOS, 2001, s/p). A seguir, vou contar como tudo começou, a criação da história, da personagem e como foi/é “dar vida” a uma fada em um projeto de educação ambiental numa Unidade de Conservação - ARIE, que depois alcança outros espaços, outras atividades, buscando a sensibilização para o cuidado e respeito consigo mesmo, com o outro e com o mundo, através das vivências proporcionadas.
3 A PRESENÇA DA FADA ARCO-ÍRIS NO PARCÃO E SEU TRABALHO DE ENCANTAMENTO Na cidade de Novo Hamburgo - RS, acontece o Projeto de Educação Ambiental3 do Parcão4, desde o início dos anos 2000 com a parceria das Secretaria de Educação (SMED) e da Secretaria do Meio Ambiente (SEMAM). Temos educadores que fizeram história pelo seu pioneirismo e qualidade de trabalho na Educação Ambiental do Parcão, desde sua constituição enquanto espaço de educação ambiental. O território natural que protagoniza essa história junto com as pessoas foi adquirido pelo poder público para a cidade de Novo Hamburgo, localizada na região metropolitana de Porto Alegre, a aproximadamente 45 km da capital gaúcha. Entre as décadas de 80 e 90, ocorreu um bonita mobilização da comunidade para a compra de uma área verde de 54 hectares, que passou a oferecer a possibilidade do contato com a natureza, com espaços para trilhas, esporte, lazer, educação e proteção ambiental. Imagem 2: Início do PARCÃO NH
Fonte: acervo da autora. Em 2016 fui convidada a trabalhar como educadora ambiental no Parcão, que já contava com uma história de educação ambiental, como expressa a imagem 2. Trabalhando neste ambiente com as crianças, sobretudo das escolas municipais de NH, me senti inspirada a escrever uma história que apresentasse o Parcão, sua fauna e flora, e que tratasse do equilíbrio ecológico e da sua importância para as crianças. Desejava que fosse de forma lúdica e que envolvesse as crianças, para tanto, iniciei a escrita que se finalizou em 2017, inserindo-a em meu trabalho de educação ambiental, pois: A literatura é uma expressão que perfaz um rico mosaico da cultura de um povo. E a cultura talvez seja a chave de compreensão dos dilemas socioambientais, desde que dela emane as escolhas históricas da civilização humana. Sua dinâmica de reproduzir a tradição, ou de produzir novos hábitos, revela muito dos nossos olhares sobre o mundo e como interagimos com ele. Por meio da cultura compreenderemos os fundantes das múltiplas linguagens presentes na educação, nas ciências, nas magias e nas artes, entre tantas expressões, metáforas e símbolos. E espelhemo-nos nestes artefatos, em grande parte, procurando nos entender a nós próprios (SATO; PASSOS, 2009, p. 44). A história recebeu o nome de “Odara na Floresta”5, que conta a aventura da menina Odara, que junto com a sua família vai passar um dia no parque, fazendo referência à floresta do Parcão. Enquanto os avós da menina procuram um lugar à sombra das árvores para um piquenique, as crianças se aventuram por trilhas entre as árvores e percorrem os caminhos das águas, fazendo contatos, conexões e descobertas com a mata, animais e criaturas encantadas que habitam o lugar. As crianças aprendem sobre a preservação da natureza, a sabedoria índigena, o equilíbrio ecológico, a proteção e liberdade dos animais, arroios e outros assuntos. No desenvolvimento do trabalho realizado, comecei a levar a história para outros espaços e tempos, acompanhando as propostas de educação ambiental no município. Em um dos vários momentos em que compartilhei a história, decidi usar a fantasia da Sininho6, sendo acolhida com muitos abraços e sorrisos afetuosos. Percebi também que as crianças ficaram ainda mais atentas, ouvindo “a fada” contar uma história. Achei o resultado muito interessante e passei a qualificar a forma como me apresentava para as crianças, até incorporar uma personagem autoral à história original, que serve como fio condutor da visita guiada ao Parcão, e ao trabalho de educação ambiental, para além do espaço do Parcão. Imagem 3: A casa da fada Arco-Íris
Fonte: Acervo da Autora. E assim a fada Arco-Íris, com sua linda saia rodada, que vemos na imagem 3, ganha “vida” no Parcão. Porque Arco-Íris? O Arco-Íris tem sido símbolo de esperança, acolhimento, respeito à diversidade, inclusão e também remete ao lúdico, à imaginação, à infância. [...] os elementais acompanham a história dos seres humanos, surgindo de formas variadas em lendas e tradições no mundo inteiro. Ao contrário do que se pensa, as tradições referentes a esses "espíritos" ligados aos elementos da natureza, não surgiram unicamente entre as populações européias. Povos indígenas de todo o mundo possuem seus próprios "elementais", descrevendo-os de acordo com sua própria cultura, a visão que têm do mundo à sua volta e a forma como se relacionam com ele (SCHOEREDER, 1980). Nesse sentido, a visita começa como um conto de fadas: Era uma vez uma floresta, que ficava num parque, uma unidade de conservação, bem no meio da cidade. E nessa floresta vivia uma fada, a fada Arco-Íris, também conhecida como a fada da floresta. Assim que o dia nasce, ela se põe de pé para aguardar, com imensa alegria, a visita de mais uma turma de crianças, que virão conhecer sua casa, ouvir a contação de uma história, adentrar a floresta e encerrar a aventura confraternizando com um piquenique e brincadeiras livre pelo gramado, árvores e pracinha (história oral da autora). As crianças saem de suas escolas e vão para uma saída de estudos no Parcão, com muitas expectativas: Como será esse dia? Como é esse lugar? Quem irá recebê-los? Que atividades farão? Também poderão brincar? E quando chegam, são surpreendidos por avistarem uma fada que está esperando por eles! Neste primeiro instante acontece a magia do reconhecimento e da instantânea ligação afetiva que a maioria das crianças têm por esse ser mítico, que agora “se materializa”. Assim que chegam e se deparam com a fada, as crianças, por conta do seu mundo imaginário, já se sentem pertencentes a essa natureza (da floresta mágica) e um vínculo afetivo (com a fada e a floresta). Esse vínculo foi previamente construído pelas histórias e contos de fada cada vez mais populares em todo o mundo, antes mesmo de conhecerem e se aventurarem por essa floresta. E assim, o maravilhamento, a empolgação e a liberdade de conversar e interagir naturalmente vão contagiando as crianças, que expressam e verbalizam seus sentimentos de diferentes maneiras. E, ao mesmo tempo, muitos comentários do quanto a fada é linda e as mais diversas perguntas. Passado esse primeiro impacto festivo e afetivo do encontro com a fada, as crianças são convidadas a visitarem a casa da fada! Trata-se de uma Sala Verde, com diversos materiais de estudo, ornamentada com plantas e ilustrações, como mostra a imagem 4, mas o prédio onde esta sala se localiza, está expresso na imagem 3. Imagem 4: Cenário na Sala Verde
Fonte: acervo da autora Antes de entrar, em meio a outras combinações, eu aviso que dentro da casa tem pessoas trabalhando para ajudar a fada a cuidar da natureza, e que nós iríamos passar por elas falando baixinho e andando devagarinho, e subir a escada sem fazer barulhinho, como se tivéssemos pés de algodão. É que no prédio onde as crianças se reúnem com a Fada Arco-Íris funciona o setor de proteção ambiental da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SEMAM). Os “ajudantes da fada” na verdade são os técnicos e profissionais do setor de proteção ambiental da SEMAM, o que deixa essa história ainda mais interessante por verem os carros e camionetes, alguns com sirenes e identificados como sendo da fiscalização ambiental. Imagem 5: Encontro com a Fada Arco-Íris
Fonte: acervo da autora. Em seguida, as crianças sobem para o segundo andar onde há espaços com almofadas, puffs e cadeiras para ouvirem a história que será contada, assim como aparece na imagem 5, como preparação para o momento da trilha. Também é um espaço que conta com um cenário com muitos elementos. A fotografia da entrada da trilha da floresta estampada em um banner gigante, já faz com que tenham uma ideia de como é a floresta do parque, atiçando a curiosidade e a vontade em adentrar por esses caminhos. Um cogumelo gigante (cenográfico) e plantas de verdade também compõem e complementam esse cenário de floresta. Também os personagens fazem parte dessa composição. Tem as crianças do livro “Odara na Floresta”, além de bonecas de pano que representam a índigena Apoema e a fada Amínia. Também há outras fadas em estilo amigurumi: Arco-Íris, Flora e, mais recentemente, a fada-flor MiMi7, uma linda fada que repousa dentro de uma rosa, como mostra a imagem 6. Imagem 6: A Flor MiMi
Fonte: acervo da autora. Na Sala Verde existem animais feitos de tecido ou pelúcia que representam parte da fauna, como o lagostim de água doce8, uma família de sapos e um passarinho no ninho (confeccionados por materiais diversificados). Algumas cobras conservadas em vidros com álcool: a jararaca, a coral, cruzeira e cobra cipó. Por fim, há painéis que trazem fotografias de alguns dos representantes da fauna e flora, e outro menor com o dizer: "Queremos espaço verde”, datado de 1985 e expresso na imagem 3, época em que a comunidade se uniu para a aquisição das terras do parque pela prefeitura para que se tornassem uma área verde. E é nesse ambiente que a fada Arco Íris conta a história da “Odara na Floresta”, interagindo com as crianças durante a mesma, com perguntas ou respondendo as dúvidas ou ainda ouvindo sobre as observações e descobertas feitas pelas crianças. Vários temas são trazidos à tona com essa história, através das vozes da florestas que dialogam com as crianças. Finalizando a história, a fada conta que essa floresta no meio da cidade, existe porque primeiramente um grupo tomou a frente e depois envolveu a comunidade da cidade que se uniu, reivindicou e se mobilizou com abaixo-assinados, caminhadas, idas à prefeitura e à Câmara de Vereadores, até que em 1990, o Parcão é definitivamente adquirido pela cidade. Então a fada faz o convite às crianças para serem ajudantes das fadas e guardiãs do Parcão e de toda a natureza. Em seguida, as fadas, os seres da floresta e a natureza, muito felizes com as respostas positivas das crianças, celebram colorindo o céu com um lindo arco-íris, momento em que a fada posiciona sua saia de sete cores, abrindo-a de forma a lembrar o contorno de um Arco-Íris, como mostra a imagem 7.
Imagem 7: Celebração
Fonte: acervo da autora. E por fim, a fada faz um convite às crianças para que então irem se aventurar na floresta. Esse momento de vivência no ambiente natural é muito especial para as crianças, pois agora vão se tornar personagens protagonistas de uma aventura na floresta acompanhados de uma fada. Ali, poderão interagir com esse ambiente com os cinco sentidos, sentirão as diferentes texturas na floresta, o vento passando pela pele, sentir os diversos cheiros, ver as cores, as formas, os contornos, ouvir os sons dos pássaros, do farfalhar das folhas, do barulhinho da água do arroio, que contorna a floresta e vão poder se conectar com a natureza através da escuta silenciosa da mata e buscar ouvir a sua voz. Aproveitamos a trilha para darmos “asas à imaginação” através da brincadeira de voar, em que as crianças pegam impulso e correm por uma valeta, de braços abertos, imaginando que personagens eles são, podendo dizer em voz alta quem são naquele momento. É por esses caminhos, que trilhamos pela floresta, que a maioria das crianças vê pela primeira vez, um arroio natural preservado e entendem a diferença do arroio e do esgoto, que se confunde pelas cidades deixando a impressão de que o arroio é um esgoto e um lugar onde se pode largar o lixo dentro. É aqui que também pode se sentir na pele a diferença da temperatura entre uma área coberta por árvores e uma área sem a cobertura delas. Depois de todas essas experiências e vivências retornamos para o gramado e a pracinha próximas a casa da fada, onde é feito um piquenique e depois as crianças brincam livremente pela pracinha. É nesse clima de encantamento que as crianças terminam um dia na floresta com a Fada Arco-Íris. A maior alegria que este trabalho proporciona, é pensar nas memórias criadas e acessadas por esta vivência. Entendo que esta educação ambiental, crítica e lúdica é a que dá significado ao que a escola se propõe a ensinar, porque as crianças podem ser crianças, enquanto aprendem brincando e ensinam com suas falas curiosas e cheias de significado.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Enquanto me dedicava a finalizar essa escrita, recebi dois relatos muito espontâneos, muito afetuosos de familiares, um pai e uma avó, de crianças, com quem interagi, sendo que com uma delas o encontro foi no Parcão e com a outra foi uma visita à sua escola. E pensei que um desses relatos deveriam finalizar essa história, que até o presente momento me faz colecionar muitos afetos das crianças e seus familiares e professores. O pai de uma menina de cinco anos, relatou que sua filha chegou muito feliz em casa, contando que tinha conhecido a fada Arco-íris que morava na floresta do Parcão. Ela disse que de agora em diante ela era ajudante da fada e guardiã da natureza! O pai completa que, quando passam de carro na frente do Parcão, ela fica me procurando: “será que vou ver a fada hoje?” - dizia a menina. E num desses dias ela me viu, quando eu estava esperando uma escola chegar. Ela não cabia em si de tanta alegria e gritava: “A fada! A fada! A fada! Tô vendo a fada!" Esse e outros tantos relatos, juntamente com todo exercício que fiz para a escrita, só resgata na minha memória toda essa trajetória que me traz muitas reflexões e só me faz querer pesquisar mais e buscar me qualificar ainda mais, nessa minha missão como educadora ambiental e como fada. E por fim, não posso deixar de registrar minha imensa gratidão e carinho a todos que fizeram e fazem parte dessa trajetória, me apoiando e incentivando na minha história de auto descobertas, de ação-reflexão-pesquisa-ações. Em especial à Michele Sato (in memorian) por todas as suas palavras e pelo convite pra fada fazer parte dessa coletânea.
REFERÊNCIA ALVES, Gislene. Narrativas de si: reflexões teórico-metodológicas da pesquisa (auto)biográfica como abordagem de investigação e formação docente. IV CEDUCE - Colóquio Internacional Educação, Cidadania e Exclusão, 2015. BACKES, Adriana. Conscientização pela liberdade dos pássaros e alerta para o tráfico de animais. Revista Educação Ambiental em Ação, nº 81, 2022. Disponível em https://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=4434. Acesso em 24 jul. 2023. BACKES, Adriana; CORNELLIUS, Adriana; VOGEL, Cláudia. Projeto Conexão Parcão: Amigos e Guardiões. Revista Educação Ambiental em Ação, nº 71, 2020. Disponível em: https://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=3945. Acesso em 24 de jul. 2023. BACKES, Adriana; CORNELLIUS, Adriana; VOGEL, Cláudia. Uma história encantada vicenciada em um passeio da floresta: contemplando a aprendizagem lúdica, identidade afetiva e investigação na Educação Ambiental. Saberes em foco 2.ed. V.2 n.1 (2019). Disponível em: https://www.novohamburgo.rs.gov.br/sites/pmnh/files/secretaria_doc/2019/Artigo%2018%20Uma%20hist%C3%B3ria%20encantada%20vivenciada%20em%20um%20passeio%20na%20floresta%20-%20contemplando%20a%20aprendizagem%20l%C3%BAdica%2C%20identidade%20afetiva%20e%20investiga%C3%A7%C3%A3o%20na%20EA.pdf, Acesso em 24 de jul. 2023. BACKES, Adriana.; SILVA, Rosemari de Lima. O Movimento Roessler, o Parcão e a Educação Ambiental no Parcão. Disponível em: Movimento Roessler <http://movimentoroessler.org/o-movimento-roessler-o-parcao-e-a-educacao-ambiental-no-parcao/> Acesso em: 27 mai. 2019. FREIRE, P. Educação como Prática da Liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1967. LAYRARGUES, P. e LIMA, G. Mapeando as Macro-Tendências Político-Pedagógicas da Educação Ambiental Contemporânea no Brasil. VI Encontro “Pesquisa em Educação Ambiental” – A Pesquisa em Educação Ambiental e a Pós-Graduação no Brasil” Ribeirão Preto, setembro de 2011. Disponível em: http://www.icmbio.gov.br/educacaoambiental/images/stories/biblioteca/educacao_ambiental/ Layrargues_e_Lima_-_Mapeando_as_macro-tend%C3%Aancias_da_.pdf. Acesso em 3 nov. 2018. MENEZES, Daniela. Ambientalização Curricular Docente na Formação (De)Colonial: proposições a partir do radicalismo horizontal de Paulo Freire. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Sustentabilidade - PPGAS da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - UERGS. Defesa em 2020. MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. Verbete lúdico. Dicionário Interativo da Educação Brasileira - EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2001. Disponível em <https://www.educabrasil.com.br/ludico/>. Acesso em 15 jul. 2023. SATO, Michèle; PASSOS, Luiz Augusto. Arte-educação-ambiental. Revista Ambiente e Educação. FURG. V. 14, nº 1, 2009. Disponível em: https://periodicos.furg.br/ambeduc/article/view/1136. Acesso em 15 de jul. 2023. SCHOEREDER, Gilberto. Fadas, duendes e gnomos. O mundo invisível. São Paulo: Hemus, 1980. WERNECK-REGINA, Adriana e SATO, Michèle. A importância do mito na aprendizagem: outra possibilidade de ensinar. R. Educ. Públ. [online]. 2014, vol.23, n.54, pp.833-851. http://educa.fcc.org.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S2238-20972014000400009&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em 26 de dez de 2022 1 Esse artigo foi publicado originalmente no livro WILLMS, Elni Elisa et al. Sementes da arte-educação-ambiental. . Universidade de São Paulo. Faculdade de Educação, 2024. DOI: https://doi.org/10.11606/9786587047690 Disponível em: www.livrosabertos.abcd.usp.br/portaldelivrosUSP/catalog/book/1358. Acesso em 9 dezembro. 2024. 2 Pós-graduada em Educação Ambiental, adrianabackesmacedo@gmail.com, educadora ambiental do Parcão, prefeitura municipal de Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, Brasil.
3 Para saber mais sobre o Projeto de Educação Ambiental do Parcão, veja em Backes e Silva (2017); Backes, Cornelius e Vogel (2019; 2020) e Backes (2022)
4 O Parque Municipal Henrique Luiz Roessler, também chamado carinhosamente como Parcão, é uma Unidade de Conservação, classificada como Área de Relevante Interesse Ecológico. 5 A história será lançada em livro, com ilustrações de Anael Macedo, minha filha, pela Editorial Casa.
6 Personagem de “Peter Pan”, de James Barrie. 7 Fada que homenageia a Profª Drª Michele Sato, e que é uma fada disfarçada de flor, delicada, gentil, amorosa mas também uma guerreira guardiã das florestas e seus povos.
8 Endêmico na região. |