Não podemos pensar em desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades sociais e em qualidade de vida sem discutirmos meio ambiente. - Carlos Moraes Queiros
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 88 · Setembro-Novembro/2024
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10/09/2018 (Nº 43) DIAGNÓSTICO DA PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE MORADORES DA REGIÃO DE AGRONEGÓCIO NO SEMIÁRIDO DO RN-BRASIL: IMPACTOS DOS AGROTÓXICOS AO MEIO AMBIENTE
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Diagnóstico da Percepção Ambiental de Moradores da Região de Agronegócio no Semiárido do RN-Brasil: Impactos dos Agrotóxicos ao Meio Ambiente.

Mycarla Nely Rodrigues dos Santos1; Álvaro Lívio de Sá Koneski2; Felipe Henrique de Souza³; Viviane Souza do Amaral4

 

¹ Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Rua Ananias Xavier de Souza, Nª Sª da Apresentação – Natal/RN. CEP: 59.114-030, (84) 3214-5993,  mycarla_nely@yahoo.com.br

2 Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, alvarokoneski@hotmail.com

³ Mestrando do Programa de Pós-graduação em Demografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

4Doutora em Genética, Professora Adjunta do Departamento de Biologia Celular e Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Campus Universitário, Lagoa Nova – Natal/RN. CEP 59.072-970, (84) 3211-9209, vamaral@ufrnet.br

 

 

RESUMO: Diante das diversas consequências geradas pelo uso indiscriminado de agrotóxicos, a contaminação ambiental é sem dúvida uma das mais criticadas por estudiosos ao longo das últimas décadas, isto porque uma vez exposto ao meio ambiente, pesticidas e seus subprodutos, além de sofrerem várias transformações físico-químicas que podem potencializar sua ação tóxica, tornam-se biodisponível e assim são capazes de atingirem regiões distantes do local onde realmente estes compostos são utilizados. Frente a essa problemática temos o Distrito Irrigado do Baixo-Açu (DIBA), que é uma região de agronegócio localizada no semiárido do RN/Brasil, onde há uso intensivo de pesticidas. Com o intuito de se compreender a visão dos moradores da região frente a possível contaminação ambiental devido ao uso de agrotóxicos, foi realizado um estudo de percepção ambiental através de entrevistas com base em questionários semiestruturados que tiveram o objetivo de identificar o perfil dos moradores da região e compreender sua opinião sobre a contaminação ambiental por agrotóxicos. Foi aplicado um total de 86 questionários no primeiro semestre de 2012. Os resultados obtidos mostraram que a população tem consciência do potencial poluidor dos agrotóxicos, no entanto não têm atitudes que possam minimizar esses impactos, como por exemplo, o descarte indevido das embalagens vazias de tais produtos. Diante do exposto, almeja-se que com os dados obtidos nessa pesquisa, possam contribuir para o desenvolvimento de futuras estratégias de conscientização ambiental na região a fim de reduzir o dano causado pelo uso indevido de agrotóxicos.

 

Palavras-chave: agronegócio, contaminação por agrotóxico, percepção ambiental.

 

 

1.    INTRODUÇÃO

A proposta de elevar a produtividade agrícola a fim de aumentar os lucros e de erradicar a fome no mundo, oriunda do pacote de inovações tecnológicas da então denominada Revolução Verde, trouxe consigo inúmeros impactos aos seres humanos e aos ecossistemas. Essas tecnologias envolveram, dentre outras, o desenvolvimento da indústria química com a produção de agrotóxicos e fertilizantes, que prometiam salvar as lavouras de qualquer praga que as ameaçassem. Segundo Peres et al. (2005), a partir desse momento tornou-se cada vez mais crescente a subordinação da produção agrícola ao uso de agrotóxicos, os quais, por um lado possibilitam o aumento da produção, mas por outro, estão intimamente relacionados às injúrias à saúde e a segurança daqueles que os utilizam, bem como geram a contaminação dos recursos naturais.

O olhar crítico voltado para o uso indiscriminado de pesticidas originou-se na década de 60, com a ampla divulgação na mídia e nas publicações científicas. Um marco para isto foi os relatos, da cientista americana Rachel Carson em seu livro “Primavera Silenciosa”, sobre os impactos do uso excessivo do DDT (diclorodifeniltricloroetano) após a Segunda Guerra Mundial e sua persistência nos recursos naturais (DOBSON, 1994; MARTELL, 1992; FRY, 1995). Este inseticida, que até então parecia inofensivo ao ser humano, passou a ser utilizado em larga escala na guerra do Pacífico com o intuito de proteger os soldados da malária e de outras doenças causadas por insetos, além de promover o êxito dos agricultores contra as pragas destruidoras das lavouras (CARSON, 1962 apud GEREMIA, 2011).

De acordo com Peres et al. (2005) grande parte dos estudos que tratam de contaminação rural por agrotóxicos no Brasil não leva em consideração a dimensão social dos riscos representados pela exposição a esses produtos. Diante disto, ter conhecimento sobre a percepção ambiental, proporciona entender em que medida o processo de formação e produção agrícola acontece, bem como a relação de convivência estabelecida entre os agricultores com ambiente e sua preservação (SCHMITT, 2009).

A percepção ambiental pode ser utilizada como instrumento em defesa do meio ambiente na tentativa de reaproximar o homem da natureza, possibilitando uma melhora na qualidade de vida, uma vez que pode despertar o respeito e uma maior responsabilidade desses indivíduos com o meio que o cerca (FERNANDES & PELISSARIA, 2003). Segundo Villar et al. (2008), as diferentes formas de se perceber e estimar valores, bem como determinar o grau de importância da preservação do meio ambiente é influenciado pelas condições socioeconômicas e culturais na qual o indivíduo encontra-se inserido.

O elo afetivo das pessoas com o ambiente físico que as rodeia é denominado por Tuan (1980), de topofilia. Ao se referir a este elo, o apego pelo agricultor a terra, o autor descreve esta relação como profunda relatando que os agricultores conhecem a natureza por que ganham a vida com ela, a topofilia do agricultor está na dependência material e no fato que a terra é algo repleto de lembranças e de esperança.

            Compreender esse vínculo, identificando seus anseios e necessidades, pode tornar-se importante para o desenvolvimento de estratégias de Educação Ambiental com o intuito de solucionar problemas, alguns dos quais diagnosticados pela própria população, para melhoria da qualidade de vida e preservação do meio ambiente local, o que é sugerido por Krasilchik & Pontusshka (2006) apud Dantas et al. (2011). Segundo Breuckmann (s. d.) a principal função da educação ambiental é contribuir para a formação de cidadãos conscientes e críticos, capazes para decidirem e atuarem na realidade socioambiental de um modo comprometido com a vida e com o bem-estar de cada um e da sociedade.

            A falta de informação dos trabalhadores quanto aos riscos causados à saúde e ao meio ambiente, a venda indiscriminada e sem assistência técnica responsável, o não uso dos equipamentos de proteção, a falta de condições de armazenamento e manipulação de agrotóxicos, entre vários outros agraves estão intimamente relacionados com a educação e conscientização do povo, o que torna inevitável o surgimento de danos, os quais podem ser vistos desde a exposição ocupacional as dimensões ambientais e de saúde pública, na medida em que podem atingir a população em geral através da contaminação dos alimentos, dos solos e das águas (GEREMIA, 2011).

            Diante dessa necessidade de se compreender como os agricultores lidam com a problemática do uso de agrotóxico correlacionado a contaminação ambiental, esta pesquisa teve como objetivo investigar a compreensão dos moradores de um perímetro irrigado destinado à fruticultura, localizado no semiárido do Rio Grande do Norte/Brasil, frente à contaminação ambiental por agrotóxicos, bem como conhecer sua concepção a cerca do meio ambiente.

 

2. MATERIAIS E MÉTODOS

            2.1 Caracterização da área de estudo.

O Distrito Irrigado do Baixo-Açu (DIBA) abrange uma área com cerca de 5.549,90 ha, a qual abrange porções dos municípios de Alto do Rodrigues, Afonso Bezerra e Ipanguaçu, no semiárido Norte-Riograndense, Nordeste do Brasil (figura 1). Em função desta região apresentar elevada insolação, disponibilidade de água provinda da Bacia Hidrográfica do rio Piranhas-Açu, acabou tornando-se destaque no desenvolvimento da fruticultura irrigada, sendo esta atividade que movimenta a economia local.

O DIBA surgiu de um projeto do Departamento Nacional de Obras de Combate a Seca – DNOCS em meados dos anos 80. Em 1996 com uma infraestrutura de irrigação bombeando a água do rio Piranhas-Açu, o projeto teve a produção agrícola iniciada. A área é constituída por lotes para produção agrícola e três agrovilas. O objetivo do projeto inicial em se ter o cultivo de várias espécies, e de ser destinada a produção familiar e empresarial, não foi contemplado, uma vez que o DIBA produz em quase toda sua extensão uma única espécie, a banana, e se caracteriza como uma região de agronegócio. E como toda área que segue o modelo de produção plantation tem-se o uso intensivo de agrotóxico, o que torna a região susceptível a contaminação ambiental por tal produto.

Mapa do DIBA

Figura 1: À esquerda, localização do DIBA, e à direita, os municípios que compartilham da extensão do DIBA.

 

2.2 Procedimentos metodológicos.

            Como instrumento de análise foi realizado entrevistas utilizando um questionário semiestruturado com a finalidade de conhecer o saber/agir dessa população frente à utilização e a possível contaminação ambiental promovida pelo uso de agrotóxicos. Optou-se pela realização de entrevistas uma vez que se trata de um público com níveis de escolaridade distintos, no qual muitos indivíduos não sabem ler nem escrever. Foram elaboradas questões fechadas e abertas, as primeiras, de acordo com Rodrigues (2005), facilitam a interpretação dos dados e ainda permitem avaliar as experiências individuais e coletivas do grupo analisado (MENDES, 2005); já as questões abertas favorecem um conhecimento mais detalhado do fato que se questiona além de apresentar uma maior fidelidade nas respostas (BONI&QUARESMA, 2005) e ainda segundo Günther (2003), quando aplicada ao final da entrevista serve para reforçar o essencial da percepção do entrevistado frente ao interesse do pesquisador.

Para a elaboração deste questionário foi utilizado como base outros já validados e utilizados em pesquisa de percepção ambiental (SCHMITT, 2009; LERMEN, 2008; DORNELLES, 2006), sendo feito adaptações para tornar-se adequado aos objetivos da pesquisa, bem como ao público alvo, abordando três eixos: I. Identificação do perfil do entrevistado; II. Uso de agrotóxicos e correlação com a contaminação ambiental; III. Conhecimento sobre Meio Ambiente.

            Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN (CAAE 04517912.7.0000.5537), sendo entrevistado um total de 86 moradores. A determinação da amostra foi do tipo convencional, ou seja, nos dias das entrevistas foram percorridas todas as casas das três agrovilas existentes no DIBA sendo entrevistados os moradores presentes no momento, os quais apresentaram idade igual ou superior a 18 anos.

            As questões abertas foram interpretadas com base em Análise de Conteúdo, seguindo a abordagem quantitativa através da tabulação dos dados utilizando a técnica de análise categorial (BARDIN, 2004). Os dados foram analisados e interpretados através do programa SPSS Statistics 20.0.0 (Statistical Package for the Social Science), disponível no site http://www.-01.ibm.com/software/analytics/spss, em versão para teste. Foram realizadas técnicas de estatística descritiva: distribuição de frequência e tabulação cruzada (ou crosstabs).

 

3.    RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

3.1  Perfil dos moradores do DIBA

 

Para traçar o perfil dos entrevistados foram identificados os seguintes critérios: sexo, idade, grau de escolaridade, tempo de residência na região, se é agricultor e quanto tempo desenvolve essa atividade.

Foi observado que no total dos entrevistados ocorreu certo equilíbrio quanto ao sexo, sendo 41,9% mulheres e 58,1% homens. Já em relação a faixa etária houve uma concentração na distribuição entre 21-50 anos, obtendo os seguintes percentuais de frequência: 31,4% (21-30 anos), 27,9% (31-40 anos) e 21,9% (41-50 anos). Com isso pode-se perceber que a amostra compreende de uma população jovem.

Quando tabulado os dados referentes ao tempo de residência foi visto que 37,2% dos entrevistados residem no DIBA a menos de 5 anos, sendo apenas 16,3% moradores da região a mais de 15 anos. Os outros 46,6% afirmaram que são moradores entre 5-15 anos. Esses dados revelam que desde a inauguração do projeto até os dias de hoje há uma constante migração de novos agricultores, uns tornam-se dono de um lote de terra, outros são trabalhadores que vem de outros municípios, até mesmo outros estados para trabalhar nas propriedades.

Dos entrevistados 75,5% trabalham na agricultura, dentre estes um pouco mais da metade (55,5%) são agricultores a mais de 15 anos, sendo esta a primeira e até hoje a única fonte de renda encontrada por estes indivíduos (gráfico 1). São geralmente pessoas que herdaram de seus pais a prática de plantar para se alimentar e gerar renda para suas necessidades básicas.

 

Gráfico 1: Distribuição da percentagem de agricultores entrevistados x tempo de agricultura.

 

A maioria dos moradores do DIBA (55,8%) tem apenas o 1º grau incompleto, e ainda 14% nunca frequentaram a escola. Destes que não tem escolaridade 58% são agricultores desde a infância.

 

Gráfico 2: Grau de escolaridade dos moradores do DIBA

3.2  Uso de agrotóxico e correlação com a contaminação ambiental.

O uso indiscriminado de agrotóxicos na agricultura tem gerado uma série de modificações e transtornos no ambiente, seja pela contaminação das comunidades dos seres vivos que o compõe, seja pela acumulação destes químicos e seus subprodutos nos compartimentos bióticos e abióticos dos ecossistemas (solo, água, ar, etc...) (PERES et al., 1999).

Torna-se de suma importância conhecer a percepção, os conceitos dos indivíduos que estão em contato direto com o agrotóxico, bem como daqueles que apesar de não utilizarem o pesticida encontram-se na região onde este é vastamente utilizado, pois com isso pode-se criar estratégias de Educação Ambiental voltada às necessidades desta população e com isso tentar minimizar os impactos gerados pelo uso de agrotóxicos.

Algo observado foi que a maioria dos agricultores que realizam a prática de pulverização não faz uso de Equipamento de Proteção Individual – EPI, promovendo o contato direto com os agrotóxicos. O que pode gerar a contaminação por partes dos agricultores.

Questionamentos sobre o uso de pesticidas e a possível contaminação gerada por estes foram levantados. Com relação ao conceito que eles tinham sobre o que é agrotóxico, 81% dos entrevistados responderem ser “veneno”. Ainda uma pequena parcela da população (5%) acredita que o pesticida desenvolva o papel de fortalecer a planta. Os outros 14% dizem não saber definir o que venha a ser agrotóxico (gráfico 3).

 

Gráfico 3: Descrição do que é agrotóxico pelos moradores do DIBA.

 

Segundo Peres et al. (1999), o termo “veneno”, dado comumente pelos agricultores ao se referirem à agrotóxico, deriva da experiência concreta tida pelo trabalhador rural, que desde o início da utilização desses produtos observa tanto os efeitos ao qual se destina (erradicar as pragas) quanto os efeitos negativos à saúde do homem e dos animais (como morte de peixes e animais domésticos). Esse último exemplo foi amplamente citado pelos entrevistados quando eram perguntados sobre a possível contaminação, por agrotóxico, da água oriunda da irrigação das plantações:

 “... às vezes os gatos quando bebem essa água chegam tudo descadeirados...”

Quando comparamos a variável “Faz uso de agrotóxico” com a variável “Sexo” podemos observar que os homens são geralmente os responsáveis pela aplicação do pesticida (gráfico 4). Das mulheres que trabalham na agricultura apenas 6 (17%) entram em contato direto com o produto. Foi observado durante as idas a campo que as mulheres geralmente participam apenas da fase da “colheita”. Essa observação também foi identificada em estudo desenvolvido por Peres et al. (2004), onde as mulheres alegaram que as tarefas que desenvolviam na lavoura eram de capinar o mato, arrancar e limpar os frutos.

                Gráfico 4: Relação entre o “Sexo” e “Fazer uso de agrotóxico”, (p=0,003).

 

Podemos observar no gráfico 5 que o modo de aplicação de pesticidas predominante nas plantações do DIBA é o método “costal”, sendo aplicado por 76,7% dos entrevistados. Esse número também foi encontrado por Castro & Confalonieri (2005), em sua pesquisa com agricultores do município de Cachoeiras de Macacu-RJ. A pulverização costal é uma das que trazem mais danos imediatos e, em longo prazo, aos que a utilizam porque muitos dos agricultores não fazem uso dos equipamentos de proteção adequados e acabam expostos a um volume intenso do pesticida. Além disso, não só o homem, que geralmente é o responsável pela pulverização de agrotóxico nas lavouras (dado observado no gráfico 4) encontra-se exposto a contaminação. Segundo Peres et al. (2004), o fato da mulher não estar pulverizando não significa que ela encontra-se isenta da contaminação. Segundo os autores, quando elas estão na lavoura no momento em que estar ocorrendo à pulverização, não fazem uso de equipamento de proteção e acabam se expondo indiretamente aos agrotóxicos, além disso, são elas, geralmente, as responsáveis pela lavagem da roupa dos seus companheiros, os quais frequentemente fazem uso do produto.

 

Gráfico 5: Modos de aplicação de agrotóxicos existentes no DIBA.

Quando perguntados a fonte de informação de como utilizar agrotóxicos, 40% dos entrevistados afirmam ter adquirido conhecimento através de técnicos que ministraram uma palestra no próprio DIBA (ministrada por técnicos da Empresa de Pesquisa Agropecuária do RN - EMPARN). Um número de 23,3% dos agricultores relatou ter aprendido a manipular esses produtos com outros moradores. Isto mostra a falta de esclarecimento sobre o produto que está sendo manipulado, o que proporciona tanto consequências graves a saúde quanto atitudes que favoreçam a contaminação ambiental. Uma porção de 16,7% alega ser orientada pelos donos das propriedades em que trabalham. No entanto esse discurso muitas vezes não faz referência à proteção do agricultor, nem tão pouco aos cuidados com o manuseio do produto desde a preparação ao descarte dos rejeitos, observação também feita por Santos et al. (2001), em trabalho realizados com agricultores do Paraná.

A pluralidade de fontes de informações se deve ao fato da região apresentar desde pequenos produtores a propriedades de porte empresarial.

É possível perceber, no gráfico 6, que 20% das informações obtidas pelos agricultores vem diretamente do fabricante (rótulo e revendedores do produto). Será que estes estão preocupados com a segurança daqueles indivíduos que estarão manipulando tal produto, ou mesmo com o ambiente que receberá direta e indiretamente quantidades distintas desses químicos? Ou será que estão apenas visando o lucro gerado pelo aumento na produtividade? Como discutido por Soares da Silva&Peres (2011), em muitas regiões as informações sobre o uso de agrotóxicos estão vinculadas a técnicos ligados a indústria e comercialização desses produtos, informações estas que geralmente se referem apenas a dosagem e indicação agronômica (PERES et al., 2001).

 

Gráfico 6: Fontes de informações de como aplicar agrotóxico relatadas pelos agricultores.

Um dos inúmeros problemas gerados pelo uso desses agroquímicos é o destino dado às embalagens vazias dos produtos. Dos agricultores entrevistados que fazem uso de pesticida, 50% afirmam guardá-las e devolvê-las (gráfico 7). Isto ilustra que muitos agricultores mostram-se conscientes da importância da devolução das embalagens, como discutido por Menezes & Bertossi (2011). Mas infelizmente foi percebido que mesmo ao escolheram a opção “guardar e devolver” eles não a fazem, alguns alegam o fato de ter que pagar para fazer o transporte destas até o ponto de recolhimento mais próximo localizado a aproximadamente a 100 Km de distância do DIBA.

Foi observado um acúmulo destas embalagens em alguns lotes visitados. Uma possível justificativa para isto seja a prática dos agricultores em queimá-las, o que foi alegado por 33,3% dos entrevistados (gráfico 7). Em pesquisa sobre o uso de agrotóxico em municípios do Paraná, Santos et al. (2001), observou que 18% dos agricultores entrevistados também alegam queimar as embalagens vazias dos pesticidas utilizados, corroborando com os dados encontrados na presente pesquisa.

Gráfico 7: Percentagem dos destinos dados as embalagens vazias utilizadas pelos agricultores do DIBA.

            Ao perguntar a população se as embalagens vazias podem gerar contaminação ambiental, 93% responderam que sim. As justificativas do porque elas têm um potencial poluidor foram que as embalagens ficam com resíduo e que este é prejudicial, como pode ser vistos nos seguintes relatos:

 “...mesmo que lave o resíduo fica no vasilhame...”

“...não é aproveitável, pode causar doenças nas pessoas..”

“...fica veneno...chove e a água vai pro rio prejudicando os bichos...”

“..se jogado aberto derrama no solo e prejudica...”

É visível no gráfico 8 abaixo que as pessoas entrevistadas que fazem uso de agrotóxico tem um pensamento diferente dos que não fazem uso quando questionados sobre a possibilidade de uma lavoura sem a utilização de pesticidas. Aqui metade dos entrevistados que fazem uso disseram não ser possível plantar sem usar agrotóxico, já 62,5% dos que não fazem uso alegou ser possível uma plantação livre desses químicos. De acordo com Peres (2001), a indústria química impôs uma afirmação determinista através dos meios de comunicação de que não é possível se ter uma agricultura produtiva sem a utilização de agrotóxicos. Esse discurso pôde ser observado várias vezes durante as entrevistas quando muitos agricultores relatavam:

 “Aqui (no DIBA) não! Aqui tem que usar veneno!”

Quando eles se referiam dessa forma faziam menção à produção em larga escala, só sendo possível, segundo eles, uma plantação sem utilizar pesticidas, aquela de subsistência, feita no quintal de casa para seu próprio uso e não destinada ao comércio. Esse discurso vem justificando que a produtividade agrícola esta ligada ao uso de agrotóxico (SOARES DA SILVA&PERES, 2011).

Gráfico 8: Relação existente na visão dos que usam ou não agrotóxico com a questão “É possível ter uma plantação sem utilizar agrotóxico”.

3.3 Conhecimentos sobre Meio Ambiente.

Para se compreender os diferentes pontos de vista de qualquer população sobre problemas ambientais e suas consequências, faz-se necessário o conhecimento do conceito, para tais indivíduos, do que seja Meio Ambiente.

 

O que faz parte do Meio Ambiente?

Aspecto

Descrição

Resposta da população

Natural

Rios, animais, plantas, pessoas...

29,10%

Artificial

Casas, estradas, prédios...

0,00%

Naturais e Artificiais

Rios, animais, plantas, pessoas, casas, estradas...

69,80%

Não sei

-

1,20%

 

Esse conhecimento poderá nortear possíveis intervenções, junto à população investigada, no intuito de desenvolver atitudes que visem à minimização dos impactos ambientais relacionados ao uso de agrotóxicos identificados na região estudada, como por exemplo, trabalhos de conscientização ambiental. Com esse objetivo buscou-se conhecer quais aspectos são incluídos ao conceito de Meio Ambiente pelos moradores do DIBA, para isto foi elaborada a seguinte pergunta: para você o que faz parte do meio ambiente?

Quadro 1: Respostas dos moradores do DIBA sobre o que faz parte do Meio Ambiente.

Como descrito no quadro 1, pode-se observar que 69,80% percebem que casas, estradas e prédios também fazem parte do meio ambiente. Reigota (2001) define meio ambiente como o lugar determinado ou percebido, no qual os elementos sociais e naturais estão em relação dinâmica e em interação. Portanto o meio ambiente é palco das transformações geradas pelo homem a fim de suprir suas necessidades.

O conceito naturalista dado ao meio ambiente por Santos & Macedo (2008), no qual é intocável e externo ao homem, ou seja, sinônimo de natureza, foi referido por 29,1% da população.

Como descrito no gráfico 9, 60,5% da população entrevistada diz não existir nenhum problema ambiental na região em que moram, nem mesmo a prática de se queimar o lixo (inclusive as embalagens vazias de pesticidas) que só foi citada por 4,7% dos moradores.

Gráfico 9: Descrição dos problemas ambientais listados pelos moradores do DIBA.

Apenas 9,3% visualizam o uso de agrotóxico como um problema que gera impactos ao Meio Ambiente. Essa falta de compreensão em entender que os agrotóxicos são algo com alto potencial gerador de problemas ambientais pode ser comparado com a destinação inadequada das embalagens vazias desses produtos, como citado anteriormente. Essa identificação é de suma importância para despertar a possibilidade de implantação de futuros projetos de conscientização ambiental na região, reduzindo assim a vulnerabilidade ambiental frente aos riscos gerados pelo uso indiscriminado de agrotóxicos. Peres & Moreira (2007), evidenciam a importância de se conhecer a visão daqueles que tem no seu cotidiano a exposição aos agrotóxicos, além disso, a carência de políticas públicas de acompanhamento ao homem do campo afasta ainda mais as informações sobre proteção e outras formas de combate às pragas no campo.

4.    CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS

A ideia imposta pelo modelo agrícola dominante (plantation) de que só é possível se ter uma agricultura produtiva com a utilização de agrotóxicos foi compartilhada por muitos indivíduos entrevistados na região de estudo.

Muitas vezes a informação sobre o uso de agrotóxico é aquela “informação viciada”, transmitida para o agricultor através dos que defendem a produtividade em larga escala: os grandes produtores rurais e a indústria de agrotóxicos. Informações estas que muitas vezes não esclarecem sobre os riscos a saúde e ao ambiente. Com isso aqueles agricultores que são os responsáveis pela manipulação e uso desses químicos acabam transmitindo a má informação recebida àqueles que venham a se inserir nesse campo de trabalho.

Torna-se importante compreender a opinião bem como a percepção sobre o uso de agrotóxicos por aqueles que se encontram expostos a tais, para que possíveis estratégias de educação ambiental sobre o assunto sejam planejadas e levadas a esta população com o intuito de se tentar promover uma melhoria na qualidade de vida. Dentre inúmeras estratégias que possam ser tomadas se tem inicialmente a proteção individual dos indivíduos que fazem uso de agrotóxicos bem como cuidados básicos a fim de evitar uma maior contaminação ambiental como, por exemplo, a destinação correta das embalagens vazias.

Sendo assim, estima-se que os dados aqui apresentados possam servir de contribuição no desenvolvimento de estratégias de conscientização ambiental que possibilitem a geração de meios que minimizem os possíveis impactos ambientais causados pelo uso de agrotóxicos no Distrito Irrigado do Baixo-Açu (DIBA).

 

5.    REFERÊNCIAS

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Ilustrações: Silvana Santos