Não podemos pensar em desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades sociais e em qualidade de vida sem discutirmos meio ambiente. - Carlos Moraes Queiros
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 88 · Setembro-Novembro/2024
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Os fetichismos da Pedagogia dos três R’s
Raphael Alves Feitosa – Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE); Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFC. Endereço: Rua Padre Guerra, n. 361, ap 104. Parque Araxá, Fortaleza, Ceará. CEP: 60450-665. Fone: (85) 32236870 Email: raphael.feitosa@ifce.edu.br
RESUMO O texto levanta alguns pontos de reflexão relacionados à Pedagogia dos três R’s (reduzir, reutilizar e reciclar), utilizando como mote gerador a legislação dos municípios de São Paulo e Belo Horizonte, que proibiram a distribuição de sacolas plásticas nos supermercados. Discuti-se de forma crítica alguns aspectos da Pedagogia dos três R’s, buscando entender as concepções subjacentes a essa perspectiva, no que tange ao campo da educação ambiental, tendo como foco os fetichismos da mercadoria e da individualidade Argumenta-se que é relevante tentar resgatar o significado político-ideológico da reciclagem e sua relação com os fetichismos. Palavras-chave: Educação Ambiental; Pedagogia dos 3 R’s; Fetichismo.
Introdução
Atualmente, uma temática que permeia a educação ambiental é a questão dos resíduos sólidos urbanos, com foco especial na chamada “Pedagogia dos três R’s” (GUANABARA et al., 2008), isto é, reduzir, reutilizar e reciclar. Destarte, já se fala em outros R’s, como o repensar o consumo de produtos e o rejeitar aqueles mercadorias que sejam danosas ao meio ambiente e a sociedade (LAYRARGUES, 2004; ZIGLIO, 2002). Algumas questões acirraram o debate sobre essa temática, trazendo à tona vários aspectos da temática ambiental como, por exemplo, o Decreto Municipal 14.367 e a Lei Nº 15.374 que proíbem a distribuição de sacolas plásticas nos estabelecimentos comerciais, respectivamente, nos Municípios de Belo Horizonte (BELO HORIZONTE, 2011) e de São Paulo (SÃO PAULO, 2011). O discurso que respalda as referidas políticas públicas é que as sacolinhas plásticas que são recebidas, gratuitamente, nos supermercados quando se faz uma compra qualquer, geram um aglomerado de materiais e resíduos sólidos que são responsáveis por parte da poluição urbana. Logo, como saída para o problema, deve-se retirar as sacolas dos supermercados, estimulando, assim, o uso de embalagens retornáveis, as quais poderão ser reutilizadas inúmeras vezes. No entanto, acreditamos que essa temática não pode ser analisada de uma forma simplificada. Pois, como explicam Guanabara e colaboradores (2008), “os problemas ambientais são complexos, e para serem compreendidos devem ser analisados segundo vários parâmetros” (p. 121). Nesse sentido, entendemos que é preciso investigar a temática com mais cuidado. Após essas considerações iniciais, vamos tratar do objetivo do trabalho, a saber: discutir de forma crítica alguns aspectos da Pedagogia dos três R’s, buscando por entender as concepções subjacentes a essa perspectiva, no que tange ao campo da educação ambiental, tendo como foco os fetichismos da mercadoria e da individualidade. Para tanto, escolhemos como metodologia a análise bibliográfica das principais obras relacionadas à temática (GUANABARA et al., 2008; LAYRARGUES, 2002; Macedo et al., 2012; ZIGLIO, 2002). Como forma de estruturar o texto, o mesmo está dividido em duas partes: a pedagogia dos três R’s e a hegemonia, parte na qual discorremos sobre a dominância desse tema no discurso da educação ambiental; na segunda, apresentamos os fetichismos que envolvem o campo dos resíduos sólidos, tentando desocultar sua essência, indicando que se trata de uma forma velada e hegemônica que se liga ao contexto econômico.
I. A pedagogia dos três R’s e a hegemonia
Considerando o contexto histórico emergido após abril de 2011, quando houve a publicação do primeiro decreto que trata sobre a questão da proibição da distribuição de “sacolinhas” (BELO HORIZONTE, 2011), ainda temos dificuldade de explicar a difusão da pedagogia dos três R’s. Como uma forma de explicar essa propagação, iremos recorrer a ideia de hegemonia. Essa categoria é relevante para entender, sob um ponto de vista mais crítico, a questão da educação ambiental. Nesse sentido, Layrargues (2002) aborda a Política dos três R's, fazendo a classificação das abordagens da educação ambiental em duas frentes opostas: de um lado o discurso ecológico oficial, e de outro o alternativo. O oficial é “representante da ideologia hegemônica e encarregado de manter os valores culturais instituídos na sociedade” (p. 181), e visa manter o status quo hegemônico, sendo notadamente conservador. Por outro lado, o discurso ecológico alternativo, é “corporificado pelo movimento social organizado, representante da ideologia contra-hegemônica e encarregado de disseminar valores subversivos à ordem social e econômica instituída”. Seu objetivo mor é transformar os aspectos dominantes do ambiente, em prol da edificação de um mundo sustentável. Não obstante, para Sato (2001), existe uma concepção hegemônica de EA ligada às perspectivas tradicionais da educação, cujas características podem ser resumidas da seguinte forma: ênfase numa educação que visa à modificação de comportamentos; uso de pedagogias que tratam dos aspectos da individualidade, em detrimento de um trabalho coletivo; crença numa sacralização da natureza, a qual é vista longe de conflitos, isto é, cheia de perfeição e sempre em equilíbrio. Carvalho (2001) também compreende que existem várias formas de se pensar a educação ambiental. A autora classifica as tendências da área em dois grupos, os quais, grosso modo, representam dois pontos de empate da educação ambiental: a comportamental e a popular. A primeira está ligada ao ponto de vista conservador, e enfatiza o caráter da educação como agente transmissor dos saberes sobre o meio ambiente e “indutor da mudança dos hábitos e comportamentos considerados predatórios, em hábitos e comportamentos tidos como compatíveis com a preservação dos recursos naturais” (p. 46). Já a segunda representa uma concepção progressista, que visualiza o processo educativo como um ato político, ou seja, considera que a educação ambiental faz parte de prática social de formação humana. A educação ambiental popular, diz a autora, compartilha com as percepções mais críticas da pedagogia o pressuposto de que a meta basilar da educação é a formação de sujeitos políticos, capazes de transformar a sociedade. Os atores/autores sociais a que se destina esta educação são os sujeitos históricos, inseridos numa determinada perspectiva social, política e cultural. Na educação ambiental popular, “não se apaga a dimensão individual e subjetiva, mas esta é vista desde sua intercessão com a cultura e a história, ou seja, o indivíduo é sempre um ser social” (op. cit., p. 46-47). E qual seria o papel da educação ambiental na disseminação dessas concepções conservadoras? Para tentar responder a esta questão, trazemos para o debate alguns elementos da obra de Apple (1982), no tocante a relação entre hegemonia e a educação, que será a base para as nossas reflexões posteriores. A hegemonia pode ser entendida como um conjunto de valores que foram incorporados pelas massas, que se torna a única “realidade” possível, e a mais “natural”, para a maioria das pessoas na sociedade: [...] a hegemonia atua para “saturar” nossa própria consciência, de maneira que o mundo educacional, econômico e social que vemos e com interagimos, e as interpretações fundadas no senso comum que a ele atribuímos, tornam-se o mundo tout court, o único mundo (APPLE, 1982, p. 14). Nesta perspectiva, as instituições educacionais são em geral os principais agentes de transmissão da cultura dominante, tornando-se essencialmente uma atividade econômica e cultural. Assim, a questão não é saber qual conhecimento é verdadeiro, mas qual conhecimento é “considerado verdadeiro”. Apple (1982) defende que os modelos de eficiência técnica negligenciam o conteúdo real do próprio conhecimento - e os valores que estão subjacentes a estes - ignorando o contexto político e econômico onde funcionam estes saberes, bem como, como estes se tornam dominantes (por que esses e não aqueles valores? por definição de quem? a favor de quem?). Para a efetivação da hegemonia cultural, é preciso que todos e todas "aprendam" os valores da classe dominante. Porém, estes valores não aparecem de uma forma explícita, mas sim de uma forma implícita e, muitas vezes com atitudes inconscientes. Assim, boa parte da discussão acerca do papel social da escolarização centra-se no chamado "currículo oculto", o qual engloba a padronização velada dos ambientes educacionais, de valores normativos, morais, culturais, bem como a adequação ao sistema econômico capitalista. Desta forma, foi construído dentro da estrutura de educação formal, um núcleo de significados fundados no senso comum, que pregava o consenso normativo e o ajuste ao sistema econômico dominante, e onde o conflito na sociedade é encarado como naturalmente antiético à harmonia da ordem social. Isto torna o consenso uma característica marcante e importante na sociedade capitalista. Para discutir com mais concretude sobre a categoria hegemonia, vamos utilizar o já comentado exemplo da sacola plástica. A ideia veiculada pela legislação das cidades de São Paulo e de Belo Horizonte, apoiados pelos meios de comunicação, traz implicitamente o pressuposto de que os sujeitos individuais são os únicos responsáveis pela poluição urbana. Tal política tenta pregar um consenso em torna da individualização da problemática ambiental, uma naturalização, difundindo que as grandes corporações do capital não têm culpa nenhuma, pois quem joga a “sacolinha” na rua é o cidadão comum. Uma educação ambiental crítica se faz necessária para questionar essas ações, pois elas não são naturais, bem como é preciso combater a pedagogia voltada a uma adequação a sociedade de classes (FOSTER, 2005).
II. Os fetichismos da Pedagogia dos três R’s
A ideia hegemônica em torno da Pedagogia dos três R’s vem recebendo diversas críticas (GUANABARA et al., 2008; LAYRARGUES, 2004; ZIGLIO, 2002). Um dos limites dessa proposta é sua superficialidade no que tange aos aspectos estruturais da relação entre a sociedade e entre o ambiente. Isso, pois ela aborda os aspectos mais controversos da problemática socioambiental, deixando de relacionar os resíduos sólidos com a ordem política, a economia, as guerras, a produção em larga escala de armamentos, a urbanização e o monopólio financeiro-cultural de alguns grupos dominantes, em detrimento a soberania da maioria da população mundial. É importante lembrar que a base de funcionamento do sistema capitalista, como um todo, se dá pela busca de expansão do capital, obtida na produção de mercadorias, quando o valor de troca ultrapassa o valor gasto na produção (Macedo et al., 2012). Desta forma, tal característica inerente ao próprio sistema, entra em contradição com a sustentabilidade socioambiental. É preciso haver um movimento continuamente renovado de circulação de dinheiro para que o capital se mantenha, passando o dinheiro a ter um fim em si mesmo, pois a expansão do valor só existe nesse. O objetivo do sistema é puramente quantitativo, ratificado pela visão hegemônica do capitalismo, isto é, o lucro e a exploração (sobre seres vivos e entes não-vivos). Nessa expansão, inclui-se também os trabalhadores, como por exemplo, os catadores de materiais para as industrias de reciclagem (Meira et al., 2007) Assim, mesmo que um grupo de pessoas deixe de levar sua “sacolinha” plástica para casa, não deixaremos de consumir os demais produtos. Caso os sujeitos deixem de comprar mercadorias, o sistema entraria em colapso. Baseado apenas num critério monetário quantitativo, o atual sistema indica a bússola que orienta as ações compatíveis com a lógica de expansão do capital. Como consequência, mesmo que seja à custa de uma brutal desigualdade social ou da destruição ambiental, esse sistema buscará a eficiência produtiva e o lucro (Macedo et al., 2012). Vejamos o que diz Layrargues (2002) sobre a pedagogia dos 3 R’s, que é muito utilizada nas atividades de educação ambiental e na veiculação midiática: No entanto, apesar da complexidade do tema, muitos programas de educação ambiental na escola são implementados de modo reducionista, já que, em função da reciclagem, desenvolvem apenas a Coleta Seletiva de Lixo, em detrimento de uma reflexão crítica e abrangente a respeito dos valores culturais da sociedade de consumo, do consumismo, do industrialismo, do modo de produção capitalista e dos aspectos políticos e econômicos da questão do lixo (p. 179). É relevante perceber a alienação que existe na sociedade capitalista, a qual avança, também, por meio do que se pode entender por fetiche da mercadoria. Tal fetichismo representa a concepção de que muitas pessoas passam a ver as mercadorias com vidas próprias, envoltas em um caráter místico, capaz de fazer o ser humano feliz – quando ele consegue comprar determinado bem. Os valores passam a fazer parte de uma suposta propriedade natural das coisas, e as mercadorias começam a ser vistas como o único meio para a felicidade. Para dialogar com esse pensamento, trago as contribuições do materialismo histórico-dialético de base marxiana. Creio que o discurso oficial mostra uma realidade eclipsada, cujas falcatruas do capital estão escondidas atrás de uma cortina de fumaça do Fetichismo da mercadoria, ou seja, da atribuição de um valor místico dos produtos. Diz Marx em “O Capital”: O caráter misterioso da forma-mercadoria consiste, portanto, simplesmente em que ela apresenta aos homens as características sociais do seu próprio trabalho como se fossem características objetivas dos próprios produtos do trabalho, como se fossem propriedades sociais inerentes a essas coisas; e, portanto, reflete também a relação social dos produtores com o trabalho global como se fosse uma relação social de coisas existentes para além deles. (MARX, 1996, p. 197). Voltando ao tema das sacolinhas, temos como solução “sustentável” para não prejudicar o ambiente que os consumidores podem adquirir as sacolas de uso retornável vendidas nas lojas. Observando bem esse argumento, notamos que, na verdade, o capital cria uma nova forma de fazer dinheiro: através da venda de sacolas de uso retornável vendidas nas lojas do supermercado. Claro, para lucrar mais, ao invés de dar as sacolas, por que não vendê-las com o subterfúgio de frear o consumo de sacolas plásticas. Trazendo alguns dados para corroborar com esse pensamento, recorro as cifras apontadas pelo Movimento “Volta Sacolinha” (Volta Sacolinha. Disponível em: <http://www.voltasacolinha.com.br/peticao.php>. Acesso em: 01 jun. 2012), o qual aponta que “o custo das sacolas para cada loja de médio e grande porte, [...] é de aproximadamente R$ 500.000,00 mil/ano”. Esse custo já estava embutido nos preços dos alimentos comercializados nos supermercados e, por conseguinte, devidamente pago pelo consumidor. Assim, esse montante é reduzido das despesas do capitalista, aumentando seu lucro, pois o valor economizado pelos supermercados não foi repassado ao consumidor. Ou tro dado relevante para a discussão, também levantado pelo referido movimento, é que, como não são mais distribuídas as sacolinhas, o consumidor tem que comprar sacos para colocar, por exemplo, o lixo. “o preço dos sacos para lixo aumentaram 100% do seu valor nos estabelecimentos comerciais”. Certamente, mudar nossos hábitos individuais é muito importante, no caso discutido, deixar de usar plástico e passar a usar materiais retornáveis. Entretanto, isso não é o bastante, pois deixa de lado os aspectos estruturais da relação socioambiental. Na visão hegemônica, podemos relacionar tal pressuposto com o que foi chamado de “fetichismo da individualidade”, utilizando terminologia presente em Loureiro (2006). Esse fetichismo é o entendimento implícito ou explícito da ação individual como algo em si, ou seja, uma verdade em si, descolada das relações sociais, uma visão idealizada e reificada. Tal visão fetichista é um efeito no pensamento dominante e da própria fragmentação da organização social capitalista. Em tal modelo de sociedade, o importante não são os valores/ações coletivos, e sim, o que é feito individualmente. Implicitamente, essa visão traz a marca de que é preciso dividir o povo para dominá-lo, ou seja, ao enfatizar a individualidade, o capital espera que nos esqueçamos da nossa força de atuação em conjunto, em classe, em espécie (LAYRARGUES, 2004). Nesse sentido, sob o guarda-chuva da cultura hegemônica, o fetichismo da individualidade atua em nome de uma pretensa liberdade individual. Aqui, para a EA temos uma importante admoestação: “o discurso da ‘reconexão com a natureza’ por meios transcendentais, sem considerar a trajetória de cada um e o lugar a partir do qual nos situamos e atuamos no mundo, acaba sendo a própria negação da liberdade” (LOUREIRO, 2006, p. 47). O que essa concepção individualista, marcada pela ênfase na mudança de comportamento individual, traz como equivoco é achar que ações individuais (não usar sacolas plásticas, reciclar o lixo, etc.) vão modificar completamente a situação de destruição da natureza. Isso porque, a economia capitalista atual é voltada para a busca do lucro desenfreado, e as tentativas de mudança a nível meramente individual transformam-se em forma de novos consumos (comprar ao invés de sacolas plásticas, sacolas de uso retornável) e produção de mercadorias (ao invés de gerar resultados socioambientais efetivos.
Considerações Finais
Ao longo desse texto levantei alguns pontos relacionados à Pedagogia dos três R’s (reduzir, reutilizar e reciclar), utilizando como mote gerador a legislação dos municípios de São Paulo e Belo Horizonte, que proibiram a distribuição de sacolas plásticas nos supermercados. Para aprofundar a discussão, trouxe o conceito de hegemonia (APPLE, 1982) e os fetichismos da mercadoria (MARX, 1996) e da individualidade (LOUREIRO, 2006). Argumento que é relevante tentar resgatar o significado político-ideológico da reciclagem, pois, como diz Layrargues (2002), é preciso fazer o alerta de que “já não é mais possível definir a educação ambiental a partir de um único modelo, não é mais possível se referir genericamente a uma educação ambiental, sem qualificá-la” (p. 115), ou seja, sem determinar a escolha política que o educador irá tomar. Meira e colaboradores (2007) discutiram a fragilidade dos catadores, que trabalham expostos a toda onda de intempéries e não contam com os benefícios das leis de amparo ao trabalhador, já que a maioria labora na informalidade, maneira essa encontrada pelos capitalistas para ampliar seu lucro. Layrargues (2002) mostra que esse é outro ponto, frágil e esquecido pela pedagogia dos três R’s. O agente coletor de material reciclável é explorado pelos donos de indústrias de reciclagem, e fica com apenas 13% dos ganhos dessa indústria. Podemos resumir a discussão dessa exploração do trabalho dos catadores em: geração de mais-valia através da exploração do ser humano por outro ser humano; precariedade e Informalidade do trabalho do coletor; tentativa de excluir os catadores da indústria de reciclagem, pois eles podem ser ameaças ao monopólio dos burgueses. Trazendo, novamente, Marx para a discussão: O trabalhador se torna mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção cresce em força e extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria. Com a valorização do mundo das coisas (Sachenwent) aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens (Menschenwent) (MARX, 2008, p. 80, grifo do autor). Por fim, admoesto que o discurso hegemônico subjacente à pedagogia dos três R’s está infectado pelo veneno ideológico do que chamo de “Capitalismo Verde” (FOSTER, 2005), isto é, a transformação de aspectos outrora restritos ao discurso ambiental alternativo em pontos que são explorados pelo capital. Por exemplo, o apelo à reciclagem do alumínio, e das sacolinhas retornáveis, significa a transformação da lata de alumínio vazia e da sacola em mercadorias.
Referências Bibliográficas
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