Não podemos pensar em desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades sociais e em qualidade de vida sem discutirmos meio ambiente. - Carlos Moraes Queiros
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 88 · Setembro-Novembro/2024
Início Cadastre-se! Procurar Área de autores Contato Apresentação(4) Normas de Publicação(1) Podcast(1) Dicas e Curiosidades(5) Reflexão(6) Para Sensibilizar(1) Dinâmicas e Recursos Pedagógicos(11) Dúvidas(1) Entrevistas(2) Divulgação de Eventos(1) Sugestões bibliográficas(3) Educação(1) Você sabia que...(2) Reportagem(2) Soluções e Inovações(3) Educação e temas emergentes(6) Ações e projetos inspiradores(24) Cidadania Ambiental(1) O Eco das Vozes(1) Do Linear ao Complexo(1) A Natureza Inspira(1) Relatos de Experiências(1) Notícias(26)   |  Números  
Artigos
24/09/2004 (Nº 10) A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A CONSERVAÇÃO DA NATUREZA
Link permanente: http://revistaea.org/artigo.php?idartigo=237 
  

A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A CONSERVAÇÃO DA NATUREZA

  

Elenice Fritzsons, agrônoma, doutora em Engenharia Florestal, na área de concentração Conservação da Natureza, UFPR, profa. da FAMEC (Faculdade Metropolitana de Curitiba), elenfrt@brturbo.com

Luiz Eduardo Mantovani, geólogo, doutor em Geologia Ambiental (Universidade de Lion, França), prof. da UFPR, Depto de Geologia, lem@ufpr.pr

 

  RESUMO

O objetivo da educação ambiental é a conservação da natureza por indivíduos conscientes do seu papel como agentes da  história do planeta. Para isto, a educação ambiental deve ser capaz de extrapolar as relações comumente existentes de exploração que permeiam as relações entre os homens, e atingir uma compreensão que vai além dos valores normalmente conhecidos. Este trabalho apresenta uma reflexão, baseado em informações de vários autores, sobre o efetivo papel da educação ambiental na conservação da natureza, contemplando aspectos históricos e conceitos normalmente utilizados em EA e apresenta uma visão crítica sobre a formação universitária brasileira.

 

 

INTRODUÇÃO E OBJETIVOS

 

Muito se estuda e se fala sobre a degradação dos recursos naturais, da escassez e degradação da qualidade de água, poluição do ar, efeito estufa, desmatamentos, erosão, extinção de espécies, e sempre se aponta o homem como “vilão da história. Mas o homem existe fora do seu contexto social ?. Seria correto falar sobre o impacto do homem em determinado ecossistema?

A degradação dos recursos é vista freqüentemente como um mal necessário ao desenvolvimento. Mas todo desenvolvimento tem que necessariamente estar relacionado à degradação ambiental ?

Quanto à educação ambiental (EA), para que serve e para quem é destinada? Seria apenas uma forma politicamente correta de “fazer de conta” que a sociedade se preocupa com o ambiente para se continuar degradando ?

Quais empecilhos existem para que a EA seja realmente efetiva? A EA pode estar relacionada a um esquema de educação adestrante? Como relacionar as idéias da educação libertadora de Paulo Freire à educação ambiental?

Estas e outras perguntas formuladas sofreram um processo de reflexão e foram parcialmente respondidas ao longo deste estudo. Para isto, utilizaram-se basicamente os conceitos presentes nos livros de Paula Brugger, Mauro Guimarães, Paulo Freire e mesmo do grande ecólogo Odum e as experiências do trabalho da autora com a prática da educação ambiental no âmbito do Jardim Botânico de Paulínia.

Assim, este trabalho tem o propósito de responder a estas perguntas e a questionar sobre o efetivo papel da educação ambiental na conservação da natureza.

 

 

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

 

Histórico da educação ambiental

A degradação dos recursos naturais é bastante antiga, porém o marco da preocupação da natureza se iniciou oficialmente com os denominados “Clubes de Roma”. O primeiro data de 1968, quando um grupo de 30 indivíduos de vários países e de diferentes formações, dentre eles: pedagogos, economistas, biólogos, e outros se reuniram para discutir um assunto de enorme abrangência: a crise da humanidade. O primeiro relatório produzido foi denominado “The limits to growth”. Neste relatório consta o que poderia acontecer se os hábitos atuais não fossem mudados e se denunciou a obsessão da sociedade com o crescimento. A este relatório, seguiram-se outros e graças os esforços do Clube de Roma, a consciência internacional sobre o problema quanto ao meio ambiente se expandiu rapidamente.

Quanto à EA (educação ambiental), o marco histórico surge na Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente humano, em Estocolmo, 1972. Decorrente de uma recomendação desta conferência, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a educação, ciência e cultura) e o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio ambiente) lançam o PIEA (Programa Internacional Sobre Educação Ambiental), em 1975. Assim surge nas escolas a chamada Educação Ambiental (EA).

Em 1975 como um desdobramento da Conferência de Estocolmo, aconteceu em Belgrado o Seminário Internacional sobre EA, onde foram definidas as bases conceituais da EA, comentado por LIMA[1] (1983), citado por GUIMARÃES (1995) da seguinte forma:

“O princípio básico da EA é a atenção com o meio natural e artificial, considerando fatores ecológicos, políticos, sociais, culturais e estéticos. A EA deve ser contínua, multidisciplinar, integrada dentro das diferenças regionais, voltada para interesses nacionais e centrada no questionamento sobre o tipo de desenvolvimento. Tem como meta prioritária a formação nos indivíduos de uma consciência coletiva, capaz de discernir a importância ambiental na preservação da espécie humana e, sobretudo, estimular um comportamento cooperativo nas diferentes  relações inter e intra nações”.

Enquanto movimento social, a questão ambiental também se consolida no final da década de 60, e início da de 70, mas somente  a partir da década de 80 foi marcada uma acentuada popularização da questão ambiental.

De acordo com Guimarães (1995), em 1970, no Brasil, a EA encontrava-se em estágio embrionário, devido ao fato de constituir um país periférico, em que normalmente as inovações chegam com atrasos e também pelo momento político que era vivenciando na época. Coloca o autor que os regimes autoritários não possuem afinidade com os princípios básicos da EA, uma vez que ela é eminentemente questionadora do status quo.

De acordo com BRUGGER (1994), a EA surge, no contexto da ditadura militar: a “esquerda” acreditava numa revolução antiimperialista, de caráter popular, com apoio da burguesia nacional, entretanto esta burguesia acreditava também que a pior forma de poluição é a pobreza e tentou atrair capital de fora. As empresas estrangeiras colocaram exigências para a realização de investimentos no Brasil e declararam que sem preservação não haveria dinheiro. Assim, antes mesmo que houvesse enraizado um movimento ecológico aqui, o Estado tratou de criar diversas instituições para gerir o meio ambiente, a fim de possibilitar a entrada dos investimentos pleiteados. Paralelamente, no final da década de 70, retornaram diversos exilados políticos, provenientes de países onde a questão ambiental já estava mais desenvolvida, que muito contribuíram para enriquecer o nascente movimento ecológico brasileiro.

No Brasil foi se configurando a necessidade de implementar a questão ambiental para as novas gerações em idade de formação de valores e atitudes, bem como para a população em geral e assim, procurando atender estas novas necessidades, a Constituição Brasileira de 1988, traz no capítulo referente ao meio ambiente, a inclusão da EA em todos os níveis de ensino (GUIMARães, 1995).

 

Modalidades da educação ambiental

Há duas modalidades de educação ambiental: a informal e a formal, sendo que a ultima abrange os quatro níveis de ensino: 10 e 20 graus, a graduação e pós-graduação. A informal é feita em vários locais, a exemplo de empresas, prefeituras, jardins botânicos, Unidades De Conservação, etc e com os mais diversos conteúdos.

Há diferentes abordagens e dentro das mesmas, diferentes tendências. Mas há duas fundamentais. Existe a EA oferecida nas áreas de Ciências humanas e Ciências biológicas. Na primeira, de acordo com BRUGGER (1994), os fatos histórico-sociais são enfatizados, permanecendo quase ausentes os aspectos técnicos e naturais. A outra, contempla uma dimensão natural ou técnica, além de abranger aspectos éticos, culturais e econômicos.

A dimensão natural ou técnica é predominantemente oferecida nas universidades, destacando-se os temas ecológicos. Entretanto, o universo da educação ambiental é tão grande que diversos trabalhos podem não se encaixar em nenhumas destas linhas tradicionais de trabalho.

A educação ambiental é vista como uma modalidade da educação, principio pelo qual BRUGGER (1994), não compartilha, uma vez que o pressuposto desta idéia é a de que a educação tradicional não tem sido ambiental. O correto seria que a educação incorporasse o “ambiental”. Esta visão é compartilhada por Gonçalves[2] (1990), citado por GUIMARÃES (1995), que a conceitua da seguinte forma: “é um processo longo e contínuo de aprendizagem, de uma filosofia de trabalho participativo, em que todos, família, escola e comunidade, devam estar envolvidos”.

 

A necessidade de existir educação ambiental

Nos últimos 20 anos a questão ambiental tem sido problematizada em termos globais e de acordo com BRUGGER (1994), isto ocorre devido a dois motivos: ao alto poder destruidor da sociedade industrial e pelo fato de que todos pertencemos à “aldeia global”, sendo todos afetados com o desequilíbrio do planeta. O efeito estufa é um dos exemplos mais citados quando esta questão é retratada.

A autora supra citada cita Toffler e o que ele chamou de “segunda e terceira onda”. A terceira onda se baseia em novas tecnologias, tais como a informática, eletrônica, biotecnologia e no uso de recursos renováveis, industrias de baixa energia, operações no espaço e no fundo do mar. A terceira onda promete, além de tecnologias limpas, uma profunda reestruturação das relações sociais, incluindo uma maior participação popular nas decisões políticas e uma nova relação da sociedade com a natureza.

A autora questiona o fato de que, apesar de muitos reconhecerem que não se pode resolver as questões ambientais sob a perspectiva de segunda onda, de tecnologias mais impactantes, entretanto não está certo que uma tecnologia de terceira onda tornará o homem mais livre e o ajudará a constituir uma nova relação da sociedade pós-industrial com a natureza e entre os homens. Isto reside principalmente no fato de que as novas tecnologias continuam presas ao pensamento técnico e, de acordo com a autora, a questão do meio ambiente não pode ser vista somente do lado técnico, isolada do contexto social e político, uma vez que consiste na reprodução do sistema econômico que degrada a qualidade de vida no planeta. Ela firma que a atual crise ambiental é muito mais uma crise da sociedade (tanto da relação da sociedade para com a natureza, como dos homens entre si) do que uma crise de gerenciamento da natureza.

No contexto desta crise ambiental gerada por estas relações, surgem duas novas formas de ações ou respostas, com tendências a serem reparadoras ou saneadoras: o movimento ecológico e educação ambiental. (BRUGGER, 1995).

Quanto ao movimento ecológico, a autora opina da seguinte forma: “Assim, de diferentes setores sociais surgem teorias e práticas ecológicas divergentes na sua origem, chamado de movimento ecológico que mais se assemelha a uma quimera[3]*”(BRUGGER, 1994).

Além do movimento ecológico e da educação ambiental, a incorporação de conceitos da Teoria de Sistemas à economia, desenvolvida nos estudos ecológicos, resultam na compreensão da relação de interdependência entre indivíduos e no equilíbrio das ações, o que deverá num futuro próximo conter a degradação ambiental.  Neste contexto ODUM (1983), afirma que: “Quando o estudo da casa (ecologia) e a administração da casa (economia) puderem fundir-se, e quando a ética puder ser entendida para incluir o ambiente, além dos valores humanos, então poderemos ser realmente otimistas em relação ao futuro”.

 

Educação ou adestramento ambiental

Seguindo um raciocínio lógico, se o sistema em vigor contempla a degradação, a problemática do ambiente poderia ser resolvida dentro de uma perspectiva de sustentabilidade ambiental. Assim surge a educação conservacionista, cujo ensinamento conduz ao uso racional dos recursos naturais e a manutenção de um nível ótimo de produtividade, tanto dos ecossistemas naturais ou dos gerenciados pelos homens.

Partindo-se do princípio de que o mal é fruto da ignorância, conhecer o meio ambiente é uma solução para defendê-lo. Entretanto, isto é apenas parcialmete correto, ignoram-se outras relações, sobretudo as econômicas. Estas relações, aparentemente externas, fazem parte da interação dialética entre sociedade e educação e devem ser ponderadas de forma crítica.

Esta atitude, partindo da perspectiva conservacionista, está impregnada na EA informal, que vem se propor a ”resolver o problema”, produzindo uma noção de que se é ecológico. Assim, os questionamentos se restringem ao plantio de árvores ou reciclagem do lixo, ao mesmo tempo em que se justifica o corte de milhões de árvores em nome do progresso.

Apesar desta problemática, a EA informal tem os seus méritos, pois ela vem despertando a atenção da população para os problemas ambientais tornando-a mais consciente e mais exigente quanto a atitudes mais ecológicas de dirigentes, seja prefeitos, governadores, presidentes, diretores, etc. (GUIMARÃES, 1995).

Porém, retomando a idéia anterior, o que poderia ser um tema gerador ou um fio condutor, ou seja, a degradação do ambiente, se adultera em um caráter essencialmente técnico, que mais se assemelha a um adestramento, em vez de educação,  que ocorre em diferentes áreas, inclusive no ensino formal no Brasil, em diferentes níveis. De acordo com BRUGGER (1994), a educação adestrante á uma forma de adequação do indivíduo ao sistema social vigente. Isto não quer dizer que a adequação seja ruim, mas o que se deseja criticar é uma estrutura social injusta.

Marcuse (1982) citado por BRUGGER (1994), define adestramento da seguinte forma: um tipo de instrução onde as pessoas são levadas a executar determinado tipo de função ou tarefa, identificadas com um determinado padrão utilitarista-unidimensional de pensamento-ação, onde as aspirações e os objetivos, que por seu conteúdo transcendem o universo estabelecido da palavra e da ação, são reduzidos a termos desse universo.

Sobre a educação adestrante, BRUGGER (1994) cita uma frase de KEMP & WALL [4](1990): “Aprendemos a nos tornar subserviente de modo a nos encaixarmos confortavelmente em nosso futuro nicho social”.

De acordo com a autora, este adestramento toma o lugar da educação por duas formas: começando pela compartimentalização do que não deveria ser dividido e por fazer parte de um processo que privilegia a memorização. Com a ênfase na memorização, o educando raramente atinge os níveis de síntese ou de avaliação e a formação de uma visão crítica e criativa da realidade, da integração do conhecimento. A educação adestradora se alicerça em uma visão do mundo, incluindo a de ciências, de tecnologia e de sociedade que é essencialmente consensual e, portanto vazia epistemologicamente.

Assim, a educação pode ser vista como mitigadora do processo de degradação e também co-responsável pela destruição, pois como afirma BRUGGER (1994), as organizações escolares, como organismos de produção cultural, nasceram e se desenvolveram sob a ideologia da sociedade industrial, produzindo e perpetuando seus valores. E, dentro desta tradição, o pensamento tende a ser unidirecional, o conhecimento é esfacelado e o homem é colocado em oposição à natureza.

A separação da teoria e prática, segundo a autora, que ocorre em grande parte dos currículos escolares, ainda transite uma fé acrítica na ciência e na tecnologia como forma de alcançar o desenvolvimento sustentável. Assim, caso o enfoque da educação ambiental seja apenas teórico ou técnico correrá o risco de adestrar. A autora cita uma frase de GIROUX (1988):

As instituições de treinamento de professores e as escolas públicas têm, historicamente, se omitido no papel de educar os docentes como intelectuais. Em parte, isto se deve à absorção da crescente racionalidade tecnocrática que separa a teoria da prática e contribui para o desenvolvimento de formas de pedagogia que ignoram a criatividade e o discernimento do professor.

GUIMARÃES (1995), coloca que é necessário o exercício da práxis na EA, pois  apenas a ação gera um ativismo sem profundidade, enquanto que a reflexão gera uma imobilidade que não cumprirá com a possibilidade transformadora da educação. Assim, a solução seria realizar um verdadeiro diálogo entre a atitude reflexiva e com a ação da teoria com a prática, ou seja, o pensar com o fazer. Este processo fortalece o homem e o possibilita interferir na realidade

A seguinte frase de Paulo Freire parece bem apropriada ao conceito exposto:

O homem é um ser de relações. A cultura é o reflexo do processo criativo do homem e este processo criativo o torna um agente de adaptação ativa e não de uma acomodação. Essa concepção distingue natureza de cultura, entendendo a cultura como o resultado do seu trabalho, do seu esforço criador. Essa descoberta é a responsável pelo resgate da sua auto-estima, pois, tanto é cultura a obra de um grande escultor, quanto o tijolo feito pelo oleiro. Procura-se superar a dicotomia entre teoria e prática, pois durante o processo, quando o homem descobre que sua prática supõe um saber, conclui que conhecer é interferir na realidade, percebe-se como um sujeito da história. (FREIRE, 1983).

Assim, a educação, incluindo a EA, para ser efetiva não pode ser algo verticalizado do tipo educador-educando, mas sim reflexivo, construído, como afirmou FREIRE (1983):“Deste processo, advém um conhecimento que é crítico, porque foi obtido de uma forma autenticamente reflexiva, e implica em ato constante de desvelar a realidade, posicionando-se nela. O saber construído dessa forma percebe a necessidade de transformar o mundo, porque assim os homens se descobrem como seres históricos”.

BRUGGER (1994) chama também a atenção sobre as importâncias das palavras, que não podem passar despercebidas, pois a escolha de determinadas palavras ou invés de outras, remete à própria essência do pensamento que originou o discurso, pois a palavras são prisioneiras do pensamento.

Assim, alguns conceitos utilizados até de forma exaustiva em EA e nem sempre compreendidos em seu significado pleno, geram sérios problemas conceituais de formação do raciocínio. A seguir são apresentados alguns deles.

 

 

Meio Ambiente e natureza

 

Apesar do conceito de meio ambiente ser muito utilizado em todas as áreas, sua definição para muitas pessoas nem sempre é clara. Muitos confundem meio ambiente com natureza. De acordo com FEEMA (1990), apresentam-se para o meio ambiente definições acadêmicas e legais, algumas de escopo limitado, abrangendo apenas os componentes naturais, outras refletindo a concepção mais recente que considera o meio ambiente um sistema no qual interagem fatores de ordem física, biológica e sócio-econômica.

BRUGGER (1994) acredita que o seguinte conceito é o mais completo: “É uma segunda natureza que resulta do agir humano, através do processo do trabalho, sob determinadas relações sociais, localizadas no espaço-tempo, ao procurar satisfazer suas necessidades do estômago e fantasia. Sendo assim, o meio ambiente é um espaço-tempo socialmente constituído, é um meio ambiente-histórico, enfim, é a materialização do modo como os homens sócio-historicamente se apropriam do que convencionamos chamar “natureza” (Gonçalves, 1990, citado por BRUGGER,1994).

A autora também rediscute conceitos de desenvolvimento, ciência e tecnologia e da própria educação, o que é fundamental por envolverem questões de poder, tanto no universo econômico, quanto ideológico. De acordo com a autora, estes conceitos se assumidos de forma a-histórica e a-política não serão capazes de contribuir para um processo genuinamente educativo, servirão apenas como adestramento e fornecem os alicerces para a aceitação de uma política de desenvolvimento cujas principais características são a dependência e a subserviência aos interesses de uma minoria.

Mas para ultrapassar as perspectivas técnicas, é imprescindível considerar a expressão meio-ambiente em sua dimensão sócio-histórica, pois a questão ambiental exige a busca de novos paradigmas filosóficos, os quais incluem a questão ética, que trespassa os universos científicos, técnicos, sócio-econômicos e políticos (BRUGGER, 1994).

De acordo com BRUGGER (1994), há muita utilização inadequada do conceito de meio ambiente, o que reflete a maneira utilitarista da relação do homem com a natureza, como pode ser observado nas expressões amplamente utilizadas: “aplicação de soluções eficazes, a proteção, a administração e o treinamento de recursos, o saneamento, a manutenção de um nível ótimo de produtividade”.

Mas qual é conceito de natureza no mundo ocidental uma vez que toda sociedade cria, inventa, institui uma determinada idéia do que seja a natureza. Nesse sentido, o conceito de natureza não é natural (Gonçalves, 1999).

A concepção de natureza que se tornou hegemônica no mundo ocidental se define por oposição ao homem, à cultura e à história. Assim natureza e cultura se excluem.

Mas de que forma esta concepção se tornou hegemônica? BRUGGER (1994), apresenta uma rápida análise deste conceito. De acordo com a autora, em sociedades ditas primitivas, a natureza é vista como uma espécie de mãe, com a sociedade ocidental, sob influência da ideologia judaico –cristã, houve uma concepção monoteísta e o domínio da natureza. Depois, com Descartes em seu “Discurso do Método”, houve a formulação que deu impulso decisivo na oposição sociedade-natureza e foi o alicerce teórico e prático de um modo de produção que iria modificar a relação entre homens entre si e com a natureza.

Com a Revolução Industrial, o capitalismo, as relações mercantis cresceram e as antigas comunidades, com suas culturas tradicionais, foram se esfacelando e sendo absorvidas pela cultura tecnológica. Aqui se iniciaria historicamente um traço marcante da sociedade industrial: o individualismo.

Depois, com o Iluminismo, a ciência e tecnologia ganharam reforço extra. A partir daí, houve o desenvolvimento da ciência, na busca da exatidão das informações e procurando a explicação racional dos fenômenos naturais. Assim, a natureza pôde ser tratada com objetividade. Entretanto embutido neste conceito o homem é visto como o senhor absoluto e a natureza como objeto a ser estudado.

As observações feitas nos séculos 16 e 17 revelam que os povos encontrados, ditos primitivos, eram vistos como estando num estágio atrasado de evolução no processo civilizatório. Sempre se diz o que eles não têm e não o que eles são. Os povos são vistos como selvagens, isto é, da selva, portanto da natureza.

BRUGGER (1994), fala também de uma visão contra – hegemônica deste conceito de natureza, marcada pela apologia do selvagem bonzinho. Nesta perspectiva coloca-se o homem que está destruindo a natureza como mau (esquece-se que os índios também são homens, e não um certo modo de produção que se encontra inextricavelmente associado à uma visão de mundo). Assim, a selva é um verdadeiro paraíso e os índios são bonzinhos, felizes e conservacionistas por natureza.

Esta visão romântica lembra a época do romantismo do século 19, e que encontra muitos adeptos nos dias atuais, muitas vezes sem embasamento teórico ou prático pois os índios também podem causar grandes degradações na natureza. Um trabalho desenvolvido por MANTOVANI et. al (2003), levanta sérios indícios de que a formação de extensos cerrados no interior da floresta amazônica se originou devido as queimadas periódicas praticadas pelos indígenas.

 

A ambigüidade do termo “desenvolvimento sustentável

De acordo com BRUGGER (1994), a expressão abrange dois significados bem gerais: um inclui sua dimensão política e ética e o outro diz respeito unicamente ao gerenciamento sustentável dos recursos naturais. O desenvolvimento é, muitas vezes, confundido com crescimento, o que não é verdadeiro, pois o crescimento significa aumento, incremento, enquanto no desenvolvimento está embutido a idéia de progresso e os aspectos éticos deste incremento. Entretanto, tem se também a palavra relacionada aos aspectos predatórios tais como desenvolvimento desordenado, desenvolvimento predatório, etc.

Quanto à palavra sustentável, esta significa segurar por baixo, suportar, manter, aparar, impedir que alguma coisa caia, conservar a mesma posição. No conjunto, o desenvolvimento sustentável significa capacidade de suporte tanto quanto ao tamanho máximo estável de uma população, determinado pela quantidade de recursos disponíveis, e pela demanda mínima individual, quanto pelos parâmetros da equação de crescimento populacional logístico, correspondente ao tamanho em que a taxa de crescimento da população é zero.

Entretanto uma pergunta que a autora faz e que raramente se torna explicita é: sustentar o quê e para quem?

Em geral se utilizam as definições clássicas tais como “garantir as necessidades do desenvolvimento atual sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades”. Nesta definição não se explicitam quem são as gerações futuras, se é a maioria da população ou uma elite sócio –econômica ainda menor que a de hoje.

Desenvolvimento sustentável deve ser aquele que invoca uma nova ética, uma definição do que seja o bem-estar material e espiritual da maioria da população, revertendo o presente estado de degradação da vida. Nessa nova ética, os conceitos hegemônicos de meio ambiente, ciência, tecnologia e educação devem passar por uma profunda revisão epistemológica, pois se encontram, no quadro atual, inextricavelmente associados à causa da degradação da vida, na medida em que alicerçam, ideológica e materialmente, o sistema de produção dominante  (BRUGGER, 1994).

 

Binômio sociedade-educação

 

Apesar de, teoricamente, ser reconhecido que os problemas ambientais não poderão ser resolvidos exclusivamente pela prática devido ao seu caráter interdisciplinar, a maioria dos cursos e atividades de pesquisa para a formação de especialistas em meio ambiente apresentam, em seu cerne, temas técnicos ou naturais e não sociais.

A ausência da palavra epistemologia no âmbito da chamada EA é preocupante. Isto porque são de suma importância os aspectos éticos da questão ambiental e da educação: “epistemologia é, em si, ética, e ética é epistemologia” (MARCUSE[5], 1982, citado por BRUGGER, 1994).

A critica à sociedade capitalista implica também uma crítica da ciência e de sua coadjuvante, a tecnologia. Assim, no âmbito da EA, a ciência e a tecnologia não poderão ser aceitas como neutras, objetivas e desvinculadas do contexto político-econômico.

Neste ponto, a autora supracitada faz menção ao significado da palavra tecnologia e técnica e das implicações da tecnologia na formação ideológica da sociedade, fazendo os seguintes comentários:

A tecnologia inclui a ciência, sendo, portanto mais ampla que a técnica, a qual se aproxima mais do saber popular, sendo anterior à ciência e por isto pode existir independente dela. A tecnologia pode ser definida com uma sistematização do conhecimento prático, artefatos ou instrumentos destinados a otimizar o trabalho humano e buscar maior produtividade. Mesmo a partir da Revolução industrial a cultura ocidental foi se transformando em cultura tecnológica, paulatinamente, e inserida também no universo ideológico, moldando o próprio pensamento e exteriorizando-se cada vez mais em determinado estilo de vida. Hoje nas sociedades ocidentais estamos vivendo num mundo extremamente tecnocrático, sendo tecnologia sinônimo de poder e de dominação.

Assim, a autora comenta que os homens que modificam pouco a natureza ao seu redor se encontram, dentro da ideologia da sociedade industrial, em estágio evolutivo inferior, pois estarem próximos ao comportamento dos animais.

 

A educação ambiental como ampliador de consciência

No Seminário Internacional sobre EA em Belgrado, a EA postula em seus objetivos gerais, uma ampliação da consciência individual para uma coletiva e, comprometida pela melhoria da qualidade do ambiente e da vida humana, entendida como um ambiente equilibrado, tanto ao nível local, quanto ao nível global.

De acordo com Guimarães (1995), a ampliação da consciência não passa pela perda da consciência individual, mas incorpora nesta os valores de união e solidariedade, de cooperação da vida como um todo, em seu dinâmico equilíbrio planetário. Assim, o indivíduo não é somente uma parte, mas é também natureza se percebendo consciente.

Ainda de acordo com o autor, a aquisição desta postura ocasiona uma nova ética para com a humanidade com alterações profundas nos atuais valores sociais. Essa nova ética passa, entre outros pontos pela criação de uma sociedade mais justa em que o equilíbrio social, com a eliminação da miséria em um extremo e a riqueza consumista de outro, é indispensável para um desenvolvimento sustentável, tanto ao nível interno de uma nação, quanto ao nível planetário.

Guimarães (1995) finaliza o raciocínio da seguinte forma:

“Confirma-se na EA o lema: “agir localmente e pensar globalmente, ressaltando-se que este agir e pensar não devem ser separados, mas constituem a práxis da EA que atua consciente da globalidade que existe em cada local e /ou indivíduo, consciente de que a ação local e /ou individual agem sincronicamente no global, superando a separação entre local e global, entre individuo e natureza, alcançando uma consciência planetária que não é apenas compreender, mas também sentir-se e agir integrado a esta relação: ser humano / natureza; adquirindo assim, uma cidadania planetária”.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A Ea, sendo educação, deve fazer parte de um processo formativo e não informativo e será efetiva quando cumprir o papel de conscientização do indivíduo, ajudando-o na aquisição da sua cidadania.

O homem não pode ser visto fora do seu papel social. Com exceção de alguns milhares de eremitas que vivem isoladamente no mundo, todos pertencemos a uma sociedade que dita as regras. Apesar de ser freqüente ouvirmos frases do tipo: “a degradação do ambiente pelo homem”, ou então o “impacto do homem sobre o meio ambiente”, ela não é correta, pois o homem é um animal social. O perigo de se utilizar expressões deste tipo é o de criar uma ilusão de que o homem é um ser mau independentemente do tipo de sociedade a que pertence, levando a responsabilidade do coletivo para o individual.

A falta de ética não se restringe ao indivíduo, mas faz parte de uma lógica que abrange toda a sociedade.

A questão ambiental não é apenas a história da relação entre o homem como ser social e a natureza, mas também da exploração do homem pelo homem. A sociedade industrial e não ambiental, se caracteriza por uma desigualdade social provavelmente inédita em toda a história.

O enfoque centrado no homem como ser supremo, ator principal da história planetária, onde apenas seu destino é o que deve ser levado em consideração precisa ser superado.

Quanto às perspectivas educacionais adequadas para a construção de uma educação ambiental, em primeiro lugar deve-se considerar que em todo processo de educação há uma esperança. FREIRE (1983), afirma que: “Não há educação sem amor e sem esperança”. Assim, na EA além de uma visão crítica da realidade, da incorporação da dimensão do conflito e a despeito do pessimismo de muitos, quanto ao futuro do planeta, o educador deve manter a esperança, pois toda verdadeira educação deve ser transformadora e se acreditar transformadora.

Como a tomada de consciência é um processo contínuo, uma vez que nunca se finaliza e apenas se atingem níveis de compreensão diferentes, a posição do educador não pode ser vertical, mas horizontal, estando todos no processo de conscientização, feito através do diálogo.

Desse processo, advém um conhecimento que é crítico, porque foi obtido de uma forma autenticamente reflexiva, e implica em ato constante de desvelar a realidade, posicionando-se nela. O saber construído dessa forma percebe a necessidade de transformar o mundo, porque assim os homens se descobrem como seres históricos.

A formação de universitários com uma visão holística da realidade, é necessário para que se efetive a EA e o processo de reversão da degradação ambiental. A educação, desde o princípio, se faz de forma muito fragmentada e a universitária não foge a regra. Atualmente, ao menos no Brasil, os currículos dos cursos universitários contemplam especialistas das áreas mais tecnológicas que não se vêem como seres históricos e sociais e também cientistas das áreas sociais, e de humanas, no geral, que não possuem a mínima noção de biologia, de ecologia, ou de aspectos técnicos. Assim, a necessidade de se trabalhar de forma interdisciplinar é imprescindível para sanar as deficiências e não constitui apenas complementaridade.

A estrutura curricular das escolas, em especial das universidades, não favorece aos estudantes a possibilidade de ver o mundo de forma mais complexa e mais crítica. Há muitos intelectualizados e poucos intelectuais.

Deste modo, as escolas não fazem o papel de proteção ao meio ambiente de forma adequada, sendo assim co-responsáveis pelo processo de degradação. Este fato é agravado num país como o Brasil, onde a maioria da população não tem acesso a uma educação de bom nível e onde os intelectuais formam uma pequena elite.

Quanto à educação informal, deverá ser feita com muito dialogo e consciência daquele que a orienta, com o cuidado de não se utilizar os “pacotes prontos” aplicados independentemente contexto cultural e que mais servem para uma educação ambiental de “fachada”, para se dar a impressão que determinada cidade ou empresa se preocupa com o meio ambiente e, assim agindo desta forma não ajudam na construção da cidadania e ajudam a perpetuar a degradação da natureza.

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRUGGER, Paula. Educação ou adestramento ambiental.  Coleção teses.  Letras contemporâneas.  Ilha de Santa Catarina: 1994.  141p.

 

FEEMA. Vocabulário Básico de Meio Ambiente.  Rio de Janeiro: FEEMA. 1990. 243p.

 

FREIRE, Paulo.  Educação e Mudança.  Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. 79p. 11ed.

 

GUIMARÃES, Mauro.  A Dimensão Ambiental Na Educação.  Campinas, Sp: Papirus, 1995 (Coleção Magistério: formação e trabalho pedagógico.  1995. 107p.

 

MANTOVANI, L.E.; FRITZSONS, E.; SCARAMUZZA, C.  Regression de la forêt equatoriale par les feux de brousse indigènes. Anais  In: Congress, 17. Washington, 1992. Archives of the Congress. International Society For Photogrammetry And Remote Sensing.

 

ODUM, Eugene.  Ecologia.  Rio de Janeiro: Guanabara. 1983. 434p.

Ilustrações: Silvana Santos