Não podemos pensar em desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades sociais e em qualidade de vida sem discutirmos meio ambiente. - Carlos Moraes Queiros
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 88 · Setembro-Novembro/2024
Início
Cadastre-se!
Procurar
Área de autores
Contato
Apresentação(4)
Normas de Publicação(1)
Podcast(1)
Dicas e Curiosidades(5)
Reflexão(6)
Para Sensibilizar(1)
Dinâmicas e Recursos Pedagógicos(11)
Dúvidas(1)
Entrevistas(2)
Divulgação de Eventos(1)
Sugestões bibliográficas(3)
Educação(1)
Você sabia que...(2)
Reportagem(2)
Soluções e Inovações(3)
Educação e temas emergentes(6)
Ações e projetos inspiradores(24)
Cidadania Ambiental(1)
O Eco das Vozes(1)
Do Linear ao Complexo(1)
A Natureza Inspira(1)
Relatos de Experiências(1)
Notícias(26)
| Números
|
Trabalhos Enviados
IMPLICAÇÕES DAS
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE MEIO AMBIENTE NA RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA PARA A
EDUCAÇÃO AMBIENTAL: UM ESTUDO A PARTIR DAS DEFINIÇÕES DE ALUNOS MORADORES DA
ZONA RURAL DO PARANÁ Prof.ª Esp. Vanessa Oenning, Escola Rural Municipal
Abelardo Luz, Barra Bonita, 85485-000, Três Barras do Paraná, PR; Telefone:
(45) 3235-1010; e-mail: oenning.van@hotmail.com Prof.ª Dr.ª Irene Carniatto, Centro de Ciências
Biológicas e da Saúde, Universidade Estadual do Oeste do Paraná,
Rua Universitária, 2069. Jardim Universitário, 85819-110.
Cascavel, PR; e-mail: irenecarniatto@yahoo.com.br Resumo: O estudo das representações sociais de meio ambiente
tem sido apontado como uma importante ferramenta para o diagnóstico da
percepção ambiental de determinado grupo, servindo como base para o
planejamento de programas de Educação Ambiental. Esta pesquisa analisou, por
meio de questionários, as representações de meio ambiente dos alunos de 5ª a 8ª
séries do Ensino Fundamental de uma escola pública localizada na zona rural de
um distrito situado a Oeste do Estado do Paraná. O estudo constatou o
predomínio de uma visão naturalista de meio ambiente, correspondendo a 76% do
total de alunos. Ao analisar os conceitos separados por série, observou-se que
na 5ª e 7ª séries a visão naturalista apareceu em 100% das respostas, na 6ª
série predominou a visão antropocêntrica, e apenas na 8ª série apareceu a visão
globalizante, mas ainda na minoria das respostas. Esses resultados revelam a
necessidade de se construir junto aos alunos uma concepção mais globalizante de
meio ambiente, por meio de atividades que levem o aluno a reconhecer a
complexidade de interações que envolvem o ambiente, que vão além da esfera
ecológica, além de perceber-se como integrante do meio ambiente, cujas ações
podem interferir na qualidade desse meio. 1. Introdução A crise
ambiental, cada vez mais eminente no mundo atual, já não admite mais que as
ações do homem na natureza continuem da forma exploratória que culminou na
atual situação, na qual a cultura do consumismo somada ao crescente aumento da
população mundial intensificam a pressão sobre os recursos naturais. Esta
situação está produzindo um ambiente cada vez mais frágil e contribuindo para o
declínio da qualidade de vida do planeta que assim se vê ameaçado pela escassez
de água, proliferação de doenças, alterações climáticas e vários outros
sintomas dessa crise. Boff
(2007) acredita que esse talvez seja o momento oportuno para que a humanidade
reformule seus valores e crie alternativas que sirvam de base para um novo ensaio
civilizatório, transformando o desafio da crise ambiental em crise de passagem
para um nível melhor na relação do homem com a natureza. Mas para isso, é
necessário superar a chamada crise de percepção humana, ou seja, a visão
distorcida de mundo, baseada no individualismo e na dificuldade que se tem em
reconhecer a inter-relação existente entre todas as coisas e que, segundo Capra
(1982), é a origem da crise ambiental assim como de outros problemas visíveis
no nosso tempo. Portanto,
a realidade atual exige profundas mudanças na relação entre homem e natureza,
considerando que uma transformação efetiva requer, antes de qualquer coisa, uma
mudança de comportamento individual baseada na reformulação de valores não só
econômicos, mas principalmente estratégicos e éticos. Por conseguinte, essa
transformação de que se fala é mais humana do que qualquer outra, mas deve
ocorrer em grande escala (TORRES et al., 2002). Nesse
contexto, tem-se reconhecido o papel da educação em compreender, prevenir e
mitigar problemas ambientais. A tecnologia, por si só não é capaz de prever e
solucionar esses problemas, cujas raízes geralmente estão em fatores sociais,
econômicos e culturais. Dessa forma, o que deve ser feito é incidir
principalmente sobre os valores, atitudes e comportamentos dos indivíduos e dos
grupos com relação ao meio ambiente (DIAS, 2004), e é nesse processo que se
destaca como área do saber a Educação Ambiental, cujo trabalho requer uma
abordagem holística, de forma que se reconheça a dimensão dos temas ambientais
e as reais implicações que as alterações no meio ambiente provocam no planeta. Entende-se
por Educação Ambiental um processo que consiste na compreensão crítica e global
do meio ambiente, de forma a elucidar valores e desenvolver atitudes que
permitam adotar uma posição participativa, frente a questões relacionadas com a
conservação e adequada utilização dos recursos naturais, para a melhoria da
qualidade de vida, sempre permitindo a liberdade para decidir caminhos
alternativos de desenvolvimento. Assim, a Educação Ambiental deve seguir como
pressupostos teóricos a visão holística e crítica, a interdisciplinaridade, a
participação e o caráter permanente e político (MININNI-MEDINA, 1999). A inclusão
da temática ambiental no contexto escolar está prevista nas recomendações da
Agenda 21, documento assinado por 198 países durante a II Conferência Mundial
para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), cujo conteúdo consta de um
programa de ações recomendadas para se atingir as metas de preservação propostas
que devem ser realizadas durante o século XXI. O documento propõe a integração
dos temas meio ambiente e desenvolvimento como tema interdisciplinar ao ensino
de todos os níveis. No entanto, embora recomendada por conferências
internacionais, exigida pela Constituição e declarada como prioritária por
todas as instâncias do poder, a Educação Ambiental está longe de ser uma
atividade tranquilamente aceita e desenvolvida, já que sua realização implica
em mudanças profundas e nada inócuas (BRASIL, 2001a). Nesse
contexto, Mininni-Medina (1999) reconhece que, para cumprir os propósitos da
Educação Ambiental, muito ainda precisa ser feito, sendo necessários
investimentos importantes principalmente na capacitação e orientação de
professores que deverão estar preparados para os desafios surgidos nesse
processo. Para Cunha
e Zeni (2007), o trabalho com Educação Ambiental pode ser facilitado pelo
conhecimento por parte do professor da realidade em que ele irá atuar, ou seja,
ao planejar suas atividades o professor precisa compreender como seus alunos
percebem o meio ambiente no qual estão inseridos, seu conhecimento, valores,
hábitos, necessidades e sentimentos em relação ao meio, pois, de acordo com
Faggionato (2007), cada indivíduo percebe, reage e responde diferentemente às
ações sobre o meio, sendo que suas manifestações são resultantes das suas
percepções, julgamentos e expectativas individuais. Dessa forma, o estudo das
representações ambientais também contribui para a compreensão das relações
entre homem e meio ambiente e, por diagnosticar a realidade com a qual se
deseja trabalhar, é uma ferramenta que atua como ponto de partida para o
planejamento de atividades e programas de Educação Ambiental. Da mesma
forma, Layarargues (2000) destaca que se a proposta da Educação Ambiental está
na transformação de valores para criar uma consciência ecológica condizente
com comportamentos ambientais saudáveis, a primeira etapa a ser
desenvolvida é o prévio mapeamento das representações do público-alvo. Nesse
intuito, essa pesquisa buscou conhecer as representações de meio ambiente de
alunos do ensino fundamental, na escola de uma comunidade rural, além de
discutir os possíveis fatores que influenciam nessas diferentes visões. Também,
são apresentados os apontamentos de diversos autores da área acerca de como
cada representação de meio ambiente pode interferir na forma como cada
indivíduo interage com o seu meio e suas sugestões de como se deve trabalhar o
conceito de meio ambiente com os alunos, diante das diversas classificações das
reperesentações de meio ambiente. As representações sociais de meio ambiente O termo
“meio ambiente” tem sido definido como “um ‘espaço’ (com seus componentes
bióticos e abióticos) em que um ser vive e se desenvolve, trocando energia e
interagindo com ele, sendo transformado e transformando-o”. O homem, a partir
da interação com os elementos do seu ambiente, provoca tipos de modificação que
se transformam com o passar da história. E ao transformar o ambiente, os seres
humanos também mudam sua própria visão a respeito da natureza e do meio em que
vive. Assim, as representações sociais são dinâmicas e evoluem rapidamente e
devem ser trabalhadas tanto com os alunos, quanto nas relações escola-comunidade.
Além disso, as representações iniciais acerca da questão ambiental, denominadas
por muito autores como representações de ‘senso comum’, são muitas vezes
consideradas distorcidas e/ou pouco rigorosas do ponto de vista científico.
Portanto, na escola esses conceitos são revisados e enriquecidos com
informações científicas, apontando para as relações recíprocas entre
sociedade e meio ambiente (BRASIL, 2001a; BRASIL, 2001b, p. 31). Reigota
(1995) classificou as diferentes representações de meio ambiente em três
categorias: naturalista, antropocêntrica e globalizante. Na categoria naturalista
se encaixam as definições que associam a ideia de meio ambiente à de
ecossistema, priorizando seus aspectos naturais como fauna, flora e aspectos
físico-químicos. Já a visão antropocêntrica considera a natureza como
fonte de recursos a serem utilizados e gerenciados pelo homem, ou seja, o
ambiente serve às necessidades humanas. Finalmente, a visão globalizante
coloca o homem numa relação com os demais seres da natureza, sem pressupor seu
poder dominante sobre a mesma, e engloba os diversos aspectos, entre eles os
naturais, políticos, sociais, econômicos, filosóficos e culturais. A
construção da representação simbólica de ambiente não depende apenas das
condições materiais que cercam o sujeito, mas também de conhecimentos e
conteúdos afetivos, éticos, ideológicos, que condicionam sua própria percepção
(SAHEB & ASINELLI-LUZ, 2006). Assim, cada uma dessas representações têm
origens e implicações diferentes. Considerando que a visão de meio ambiente do
indivíduo determina sua forma de interagir com esse meio e sabendo que o
próprio ambiente social contribui para a formação desses conceitos, os projetos
educativos devem sempre considerar a realidade de cada grupo, além de procurar
conhecer as causas determinantes que podem estar influenciando na sua percepção
ambiental, a fim de saber interferir de maneira adequada no processo de
construção de valores com relação ao meio ambiente. De acordo
com Saheb & Asinelli-Luz (2006), o trabalho com Educação Ambiental nas
escolas, quando bem realizado, pode contribuir para a construção de
representações de meio ambiente, já que possibilita o acesso a informações que
mais tarde podem auxiliar no desenvolvimento de uma consciência global das
questões ambientais, resultando em uma posição mais preocupada e engajada com a
sua proteção e melhoria. Nessa perspectiva a proposta pedagógica no trabalho
com Educação Ambiental deve ir além da mera difusão de informações técnicas
sobre meio ambiente e os conceitos da Ecologia. Portanto, a escola tem uma
grande responsabilidade neste processo formativo e educativo e a Educação
Ambiental deve ser vivenciada amplamente, considerando-a uma grande
contribuição filosófica e metodológica à educação em geral. 2. Materiais e métodos 2.1 Sujeitos da pesquisa A
pesquisa foi realizada em uma escola pública, localizada em uma pequena
comunidade da zona rural situada na região Oeste do Estado do Paraná e
envolveu um total de 30 alunos de 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental.
Ressalta-se que a pesquisa envolveu 100% dos alunos matriculados nas séries
citadas, sendo que o número pequeno de estudantes da escola deve-se ao fato de
a mesma pertencer a uma comunidade rural, com poucos habitantes. A idade
dos alunos variou entre 10 e 15 anos. De acordo com Mansano (2006), a idade dos
sujeitos da pesquisa é um fator importante a ser considerado no estudo da
percepção ambiental, já que o estágio de desenvolvimento em que o indivíduo se
encontra pode influenciar na forma como ele vê e interage com o mundo. Assim,
segundo o mesmo autor, baseando-se nas fases de desenvolvimento propostas por
Piaget e nos estudos de Parra (1983), a maioria dos alunos envolvidos na
pesquisa encontra-se na fase das operações intelectuais formais (que
abrange idades entre 11 e 15 anos, aproximadamente). Nessa faixa etária, o
pensamento dos jovens torna-se mais flexível permitindo-lhes fazer relações
entre sua vida, o meio que o cerca e os valores sociais e morais, ou seja, a
sua percepção torna-se mais aguçada, e sua forma de ver o mundo começa a mudar. Os alunos
envolvidos na pesquisa residem todos na zona rural e são, em sua maioria,
filhos de pequenos agricultores da região. 2.2
Coleta e análise dos dados
Foram
distribuídos questionários com questões discursivas nas quais os alunos
deveriam explicar o que eles entendem por meio ambiente, além de descrever o
ambiente em que eles vivem. Os questionários foram aplicados aos alunos
coletivamente no horário das aulas, sendo respondidos na presença do
pesquisador. Os
resultados foram organizados em dois gráficos: um representa a visão geral dos
alunos e o outro compara os conceitos entre os alunos de cada série. As
discussões dos resultados, implicações pedagógicas e recomendações são apontadas
no decorrer da apresentação dos resultados, a fim de discutir melhor cada caso. 3. Resultados e discussões A análise
dos questionários aplicados aos alunos revelou as diferentes representações de
meio ambiente, sendo agrupadas de acordo com as categorias descritas por
Reigota: naturalista, antropocêntrica e globalizante. A figura 1 mostra a
porcentagem de cada representação de meio ambiente implícita nas respostas do
total de alunos de todas as séries agrupadas.
Figura 1. Representações de meio ambiente de alunos de 5ª a 8ª
séries do ensino fundamental de uma escola pública rural de acordo com as
repostas obtidas nos questionários Verifica-se
o predomínio da visão naturalista, correspondendo a 76% do total das
respostas. É possível observar a presença desse conceito implícita em respostas
como as seguintes: (Aluno
15) Para mim meio ambiente são as florestas, os animais os mares, rios, tudo na
natureza. (Aluno 27)
É tudo o que faz parte da natureza. Como
apontado por Reigota (1995), a visão naturalista confunde meio ambiente com o
conceito de ecossistema, não incluindo o ser humano como um integrante do
sistema. Branco
(2002) diferencia esses dois termos explicando que: O meio
ambiente inclui o elemento antrópico e tecnológico enquanto o ecossistema, com
suas características homeostáticas de controle e de evolução natural não
comporta o homem, pois é incompatível com o finalismo e a deliberação
característicos dessa espécie atualmente. O homem, no entanto, não deixa de
participar de um sistema maior e mais complexo: o Meio Ambiente, cujo
equilíbrio é coordenado por um conjunto de informações de ordem diferente do
que preside o ecossistema, porque emanada de um princípio criador consciente,
em permanente integração com o sistema como um todo. A confusão
com esses termos é comum, já que a visão naturalista é observada em
vários discursos, inclusive nas imagens e expressões veiculadas pela mídia que
geralmente associam a ideia de meio ambiente à de natureza pura, de forma que,
quando se fala nesse termo, a maioria das informações transmitidas a respeito
nos remetem a pensar naquilo que é natural, que não foi feito pelo homem, na
natureza intocada. Algumas
respostas classificadas como de origem naturalista também apresentaram essa
ideia de natureza intocada: (Aluno
21) É a natureza sem destruição e poluição e com muitos animais vivos e
felizes. (Aluno
14) Meio ambiente para mim é um lugar cheio de árvores, é um lugar preservado. (Aluno
23) Para mim é uma paisagem limpa, sem lixo, sem um papel de bala sequer. Ainda na
visão naturalista observa-se a ideia da necessidade de preservação de acordo
com as respostas transcritas a seguir: (Aluno
22) É o respeito com a natureza ter cuidado não jogar lixo no meio ambiente
deixar tudo limpo. (Aluno
30) É um lugar limpo que a gente tem que cuidar, preservar. Tais
citações podem ser resultado da influência do discurso preservacionista, cada
vez mais presente no cotidiano da sociedade atual, que, ao abordar o tema “meio
ambiente” geralmente traz questões relacionadas aos problemas ambientais. Da
mesma forma, os programas de Educação Ambiental nas escolas muitas vezes tratam
da necessidade de preservação sem previamente trabalhar os conceitos e as
relações entre homem e meio ambiente. Assim, ao se falar em meio ambiente o
aluno automaticamente associa ideias de preservação, presentes em grande parte
dos discursos ambientais a que ele tem acesso. Sauvè
(1994, apud SAUVÈ, 1997) ressalta que essa visão de “ambiente como natureza” a
ser apreciada e preservada, dissocia o homem do ambiente, ou seja, o ser humano
não se percebe como parte desse meio, criando a falsa ideia de independência
entre ambos. Esse sentimento de independência, segundo Rebollar (2009), pode
levar a construções mentais que justificam a exploração irracional dos
recursos, o que caracteriza a visão antropocêntrica de meio ambiente. A visão
antropocêntrica apareceu em 20% das respostas: (Aluno
28) O que mantém o ser humano vivo (...) (Aluno
8) Para mim é tudo o que temos: as matas, os rios, lagos, a água, a terra, a
camada de ozônio, em fim, é o que precisamos para viver. (Aluno
9) É a nossa vida, porque sem o meio ambiente nós não vivemos, então temos que
cuidar muito bem. (Aluno
11) Para mim, o meio ambiente é um meio de vida, ele dá para nós a vida que é o
ar. O conceito
antropocêntrico reconhece a dependência humana em relação aos recursos
naturais, no entanto pressupõe o homem como gerenciador desses recursos a fim
de buscar a melhor forma de utilizá-los a seu favor. Segundo
Sauvè (1994, apud SAUVÈ, 1997), essa visão de “ambiente como recurso” é
alimentada por alguns princípios do desenvolvimento sustentável e pela ideia de
preservação da natureza como fator necessário para assegurar a manutenção dos
seus benefícios ao homem, cujas práticas adotam uma visão limitada do ambiente,
que é percebido essencialmente como um recurso. De acordo
com Carvalho et al. (2004), nas últimas décadas, muito se tem falado em
desenvolvimento sustentável, embora seu conceito, principalmente após a
Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92, seja ainda
um desafio para as sociedades. O termo “desenvolvimento sustentável” tem
recebido interpretações diversas que o remetem a diferentes propósitos e
práticas, sendo que lidar com a polissemia do desenvolvimento sustentável é
também um grande desafio para os educadores (CARVALHO et al., 2004). A visão
antropocêntrica é caracterizada, também, pelo sentimento de superioridade do
homem em relação aos demais seres vivos. Tal percepção pode ser fruto de
aspectos culturais e até mesmo religiosos: o homem foi criado à imagem e semelhança
de Deus e, portanto, está acima dos demais seres: “Crescei e multiplicai-vos e
enchei a terra, e sujeitai-a, e dominai sobre os peixes do mar, e sobre as aves
do céu, e sobre todos os animais que se movem sobre a terra” (GÊNESIS, 1: 28).
Essa citação pode ser interpretada de forma a pressupor que a natureza foi
criada para o homem, o qual deveria habitá-la e se servir de seus recursos, já
que Deus lhe deu direitos sobre os mesmos. Vanzella (2011, p. 4), esclarece que
esse mandato divino foi ideologicamente interpretado, de forma que muitos
entendem que deveríamos “subjugar a natureza e sugá-la em vista da satisfação
dos nossos interesses, principalmente os econômicos.”A expressão “dominar a
natureza”, no entanto, carrega outro sentido: ” A palavra vem do latim dominus,
que significa senhor. Dominar é exercer o senhorio. Deus é o único Senhor,
e ele é o modelo de exercício de senhorio sobre a natureza.” Portanto,
numa visão bíblica, o homem é um mordomo de Deus, o qual deve cuidar e proteger
os demais seres com os quais se relaciona. Este conceito está em conformidade
com os documentos planetários atuais: na Agenda 21; Metas do Milênio para o
Desenvolvimento; Declaração de Kyoto; Declaração dos Povos Indígenas;
Declaração Universal dos Direitos da Água, e fica bastante claro nos
pressupostos da Carta da Terra, conforme expressa Carniatto (2007, p.15): A Carta da
Terra, no seu preâmbulo, traz uma mensagem que deve apelar para cada ser
humano, com o propósito de fazer cada um refletir e tomar uma postura adequada,
política-ambientalmente correta: Devemos somar forças para gerar uma sociedade
sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos
universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este
propósito, é imperativo que, nós, os povos da Terra, declaremos nossa
responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com
as futuras gerações. A Terra, como Nosso Lar. Na
sociedade capitalista em que vivemos, torna-se difícil vencer a visão antropocêntrica
imposta pelas ideologias dominantes que são incapazes de compreender o que
sociedades tidas como “primitivas” há muito já sabiam, como é possível perceber
no trecho da carta escrita pelo chefe indígena Seattle ao governo dos EUA em
1982: “O que sabemos é isso: a terra não pertence ao homem, o homem pertence à
terra. Todas as coisas estão ligadas, assim como o sangue nos une a todos. O
homem não teceu a rede da vida, é apenas um dos fios dela. O que quer que faça
à rede, fará a si mesmo.” No âmbito
educacional escolar, Reigota (1994, apud SAHEB & ASINELLI-LUZ, 2006) afirma
que os conceitos naturalista e antropocêntrico podem estar vinculados a
práticas associadas à concepção tradicional de ensino, nas quais os alunos são
levados a memorizar enuciados de maneira mecânica, sem uma construção pessoal e
sem que os conceitos aos quais esses enunciados se referem tenham ligação com
outras ideias espontâneas do sujeito. O ensino relacionado ao meio ambiente,
nesse contexto, se resume à transmissão de conhecimentos sobre a natureza, sem
estabelecer a devida relação de interdependência que envolve o complexo saber
ambiental. Isso se
reflete nos conceitos de meio ambiente discutidos até aqui, os quais consideram
o homem ou como habitante, ou como observador ou ainda como gerenciador do meio
ambiente, mas não como um integrante do mesmo. Conforme Fazenda (2002), a
civilização na qual estamos inseridos, tem-nos apresentado o meio ambiente como
algo separado de nós, de forma que concebemos o mundo onde os elementos se
apresentam de forma fragmentada e desconexa, numa incompreensão da realidade. O
homem enquanto mero observador, entendendo a natureza e a humanidade como
unidades separadas, não é capaz de perceber a relação entre suas atitudes e os
impactos provocados ao ambiente e que essas ações refletem-se como problemas
para a sua própria sobrevivência. Sato
(2002) aponta que a Educação Ambiental, diante dessa realidade, deve promover a
“renovação dos laços com a natureza, tornando-nos parte dela e desenvolvendo a
sensibilidade para o pertencimento” pois, segundo Oliveira (2006), enquanto o
homem não se perceber como mais um dos elementos integrantes do meio ambiente,
os problemas ambientais continuarão aumentando. Assim,
sendo objetivo da Educação Ambiental promover uma visão global de ambiente que
atente para as inter-relações entre homem, sociedade e natureza, as práticas
educativas deveriam trabalhar para desenvolver a visão globalizante de
ambiente. Embora as respostas dos alunos avaliados não expressassem um conceito
globalizante completo, algumas das colocações foram consideradas como mais
próximas do conceito globalizante, por terem considerado o homem como
integrante do meio, como por exemplo: (Aluno
25) Meio ambiente é todo lugar onde habitamos, são os seres vivos em geral.
Árvores, animais, humanos, etc.” Na figura
2 percebemos a diferença entre as representações de meio ambiente dos alunos
das quatro séries envolvidas na pesquisa:
Figura
2. Representações de meio ambiente dos
alunos separadas por série Percebe-se
que entre os alunos da 5ª e 7ª séries a visão naturalista é unânime. Já na 6ª
série, o conceito antropocêntrico prevaleceu, e apenas na 8ª série apareceram
conceitos mais próximos de globalizante. De
acordo com Souza et al. (2010),
devido ao fato de os alunos residentes na zona rural conviverem mais próximos
de um ambiente natural, justifica-se o predomínio de uma visão naturalista,
como observado na maioria das séries, no entanto, o fato de a visão
antropocêntrica também ter aparecido pode ser explicado pela existência de
espaços rurais diferenciados, onde o meio natural foi transformado em espaços de
cultivo ou criação de animais, e é justamente daí que essas pessoas retiram o
seu sustento e, dessa forma, o meio ambiente é visto como fonte de recursos. Percebe-se,
nesse contexto a necessidade de práticas educativas voltadas para uma percepção
mais integral de meio ambiente. Sato (2002) aponta diferentes
formas de incluir a temática ambiental no contexto escolar, tais como aulas de
campo, produção de conteúdos com foco local, projetos ou qualquer trabalho que
leve o aluno a reconhecer-se como agente no processo que norteia a política
ambientalista. Além disso, o papel do educador é buscar metodologias que
favoreçam a implantação da Educação Ambiental, sempre considerando o ambiente
imediato, relacionado a exemplos de problemas ambientais atualizados. O conhecimento do meio possibilita e capacita o
homem a saber, pensar e atuar sobre ele, assim como desenvolver competências
específicas em três grandes domínios que se relacionam entre si: a localização
no espaço e no tempo; o conhecimento do ambiente natural e social e o dinamismo
das inter-relações entre o natural e o social, agregando progressivamente ao
“saber” (conceitos adquiridos), o “saber fazer” (tecnologia) e o “saber ser”
(atuar como cidadão) (CARNIATTO, 2007). Tavares
(2003) comenta que o espaço rural no contexto escolar, por possibilitar uma
proximidade com a natureza, permite que as ações pedagógicas ambientais
tornem-se meios facilitadores para a compreensão
da importância de se conviver em harmonia como o meio ambiente. Destaca-se
ainda que a transição entre o senso comum a um conceito globalizante de meio
ambiente é um processo extremamente complexo, uma vez que os interesses
sociais, econômicos e políticos são conflitantes (BEZERRA & GONÇALVES,
2007). Além disso, não existe uma definição precisa e consensual para meio
ambiente, o que acaba gerando distorções desse conceito ao ser apreendido pelos
alunos. Segundo Menghini (2005), a evolução da
crise ambiental popularizou o uso da expressão “meio ambiente” que tem se
tornado presente no vocabulário cotidiano das mais diversas áreas e autores,
com enfoques científicos diferentes e nem sempre claros. O conhecimento
sistemático relacionado ao meio ambiente é muito recente, sendo que a sua
própria base conceitual está ainda em construção. As definições para termos
como meio ambiente e desenvolvimento sustentável, por exemplo, não têm consenso
nem mesmo na comunidade científica, o que justifica que esta ambiguidade
conceitual ocorra fora dela (BRASIL, 2001a). De
qualquer forma, a Educação Ambiental deve promover um entendimento mais global
do meio ambiente, pois, como destaca Orellana (2001, apud MENGHINI, 2005), o
meio ambiente “é uma realidade tão complexa que escapa a qualquer definição
precisa, global e consensual”. Cabe aos
educadores comprometidos com a questão ambiental estar atentos a essa
diversidade de representações, e, conscientes do seu papel no desenvolvimento
de uma percepção mais globalizante das questões que envolvem o meio ambiente,
trabalhar o tema por meio de uma abordagem que busque quebrar a visão
simplista, ingênua, mecanicista e superficial com que muitas vezes as questões
ambientais são apresentadas nas fontes de informação a que os alunos têm
acesso. Isso implica em demonstrar a estreita ligação entre todos os
componentes do meio ambiente numa relação de interdependência, onde cada ação
individual interfere no funcionamento do todo. Nesse
intuito é fundamental levar os alunos a analisar de forma crítica a realidade
em que vivem, discutindo como as decisões que são tomadas pelos que detêm o
poder podem afetar a qualidade de vida do planeta, bem como reconhecer como
suas próprias ações poder interferir no meio ambiente e, portanto, suas
decisões devem estar comprometidas com a causa ambiental. Referências Bibliográficas BEZERRA, T. M. O.; GONÇALVES, A. A. C. Concepções de
meio ambiente e educação ambiental por professores da Escola Agrotécnica
Federal de Vitória de Santo Antão-PE. Biotemas. v.
20, n. 3, set. 2007, pp. 115-125. Disponível em: <http://www.biotemas.ufsc.br/volumes/pdf/volume203/p115a125.pdf.2007>. Acesso em:
15 fev. 2011. BÍBLIA SAGRADA. Tradução Antônio Pereira de
Figueiredo. São Paulo: Novo Brasil Editora. BRANCO, S. M. Ecossistêmica: Uma
abordagem integrada dos problemas do Meio Ambiente. 2. ed. São Paulo: Edgard
Blücher LTDA, 2002. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais:
Meio Ambiente: saúde. 3. ed. Brasília: MEC, 2001a. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais:
Ciências Naturais. 3. ed. Brasília: MEC, 2001b. BOFF, L. Resiliência e drama ecológico.
Disponível em: <http://www.leonardoboff.com>. Acesso em
17 jun. 2007. CAPRA, F. O ponto de mutação. São Paulo:
Cultrix, 1982. CARNIATTO, Irene. Gestão
de bacia hidrográfica tendo por base um processo de educação ambiental. Tese
(Doutorado) - Doutor em Ciências Florestais do Programa de Pós-Graduação em
Engenharia Florestal, Setor de Ciências Agrárias da Universidade Federal do
Paraná. Curitiba: UFPR, 2007. CARVALHO, W. L. P. et al. Estudo
do impacto sócio-ambiental causado pela construção das usinas hidroelétricas da
região de Ilha Solteira. São Paulo, 2004. Disponível em: <http://www.unesp.br/prograd/PDFNE2004
/artigos/eixo2/estudoimpactosocioambiental.pdf> Acesso em: 3
jul. 2007. CUNHA, T. S.; ZENI, A. L. B. Representação social de
meio ambiente para alunos de ciências e biologia: subsídio para atividade em
educação ambiental. Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental.
v. 18, jan. - jun., 2007, pp. 151-162. Disponível em: <http://www.remea.furg.br/edicoes/vol18/art04v18a11.pdf>.
Acesso em 15 dez. 2010. DIAS, G. F. Educação ambiental:
princípios e práticas. 9. ed. São Paulo: Gaia, 2004. FAGGIONATO, S. Percepção ambiental.
Disponível em: <http://educar.sc.usp.br/biologia/texto/html>.
Acesso em: 3 jul. 2007. FAZENDA, I. Didática e interdisciplinaridade. São
Paulo: Papirus, 2002. LAYARARGUES, P. P. Como desenvolver uma
consciência ecológica? 2000. Disponível em:
MANSANO, C.
N. A escola e o bairro: percepção ambiental e interpretação do espaço de
alunos do ensino fundamental. 2006. Dissertação (Programa de pós-graduação
para a Ciência e o Ensino de Matemática) – Universidade Estadual de Maringá –
UEM. Maringá, 2006. Disponível em: <http://www.pcm.uem.br/dissertacoes/2006_cleres_do_nascimento_mansano.pdf>.
Acesso em: 9 out. 2007. MENGHINI, F.
B. As trilhas interpretativas como recurso pedagógico: caminhos traçados
para a educação ambiental. 2005. Dissertação (Mestrado em educação.) –
Universidade Vale do Itajaí - Univali, Itajaí – SC, 2005. Disponível em: < http://www6.univali.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-03-16T114132Z-30/Publico/
FERNANDA%20MENGHINI.pdf>. Acesso em: 09 out. 2007. MININNI-MEDINA,
N. Formação de multiplicadores para educação ambiental. Revista Eletrônica
do Mestrado em Educação Ambiental. v. 01, jul–ago, 1999. Disponível em:
OLIVEIRA, N. M. A educação ambiental e a
percepção fenomenológica através dos mapas mentais. Revista Eletrônica do
Mestrado em Educação Ambiental. v.16. jan-jun, 2006, pp.
32-46. Disponível em: OENNING, V.; CARNIATTO, I. Percepção ambiental de
alunos atingidos por barragens em relação a problemas locais. Revista Eletrônica
do Mestrado em Educação Ambiental. v. 23, jul-dez, 2009, pp.
120-133. Disponível em <http://www.remea.furg.br/edicoes/vol23/art9v23.pdf>.
Acesso em 25 out. 2010. REBOLLAR, P. M. Educação Ambiental e os termos meio ambiente
e impacto ambiental na visão de alunos do ensino superior da região da grande
Florianópolis – SC. Biotemas. v. 22, n. 2, jun. 2009, pp. 173-180. Disponível em:
<http://www.biotemas.ufsc.br/volumes/pdf/volume222/173a180.pdf>.
Acesso em 14 dez. 2010. REIGOTA, M. Meio ambiente e representação social.
São Paulo: Cortez, 1995. SAHEB, D.; ASINELLI-LUZ, A. As representações de meio
ambiente de professores e alunos e a Pedagogia de projetos: um estudo de caso
em classes de alfabetização. Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental.
v. 16, jan-jun, 2006, pp. 163-178. Disponível em: <http://www.remea.furg.br/edicoes/vol16/art12v16.PDF>.
Acesso em 11 out. 2010. SATO, M. Educação Ambiental. São
Carlos: Rima, 2002. SAUVÉ, L. Educação ambiental e desenvolvimento
sustentável: uma análise complexa. Revista de educação pública.
Mato Grosso: UFMT, vol. 6 n. 10, 1997, pp. 72-103. Disponível em: < http://www.cecae.usp.br/Lucie_Sauve.pdf>.
Acesso em: 2 jul. 2007. SOUZA, P. P. S.; FARIA, A. P.; PEREIRA, J. L. G.
Representação social de meio ambiente e Educação Ambiental nas escolas públicas
de Teófilo Otoni-MG. Revista Multidisciplinar do Nordeste Mineiro,
1. ed., 2010. Disponível em <http://www.unipacto.com.br/pesquisa_extensao/formularios/ac/ac_ed_2.pdf>.
Acesso em 22 fev. 2011. TAVARES, F. J. P. A Educação Ambiental na
formação de professores de Educação Física: uma emergente conexão. Revista Digital
Efdeportes. Buenos Aires, n. 61, Jun. 2003. Disponível em:
TORRES, P. L.; IHLENFELD, R.; BOCHNIACK, R. Rio limpo: A
intervenção da escola no curso do rio. Curitiba: SEMA, 2002. VANZELLA, J. A. Deus cria e abençoa. O Domingo:
Semanário Litúrgico-Catequético. v. 1. n. 4, p. 4-4. Ed. São Paulo: Paulus,
2011. VIANNA, A. (Org.). Educação ambiental: uma abordagem pedagógica dos temas da atualidade. 2. ed. São Paulo: Ação Educativa, 1994.
|