Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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16/12/2013 (Nº 46) EDUCAÇÃO AMBIENTAL E PARTICIPAÇÃO SOCIAL: SUSTENTABILIDADE NA RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA DE SOURE, ILHA DO MARAJÓ, PARÁ, BRASIL
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EDUCAÇÃO AMBIENTAL E PARTICIPAÇÃO SOCIAL:

 Sustentabilidade na Reserva Extrativista Marinha de Soure, Ilha do Marajó, Pará, Brasil

¹Lana Camila Ferreira Pinheiro; ²Layse do Socorro Maciel Souza;  ³Altem Nascimento Pontes; aGlauce Vitor da Silva ; bAline Maria Meiguins de Lima

¹Pós-graduanda em Turismo Sustentável na Amazônia pela Faculdade Integrada Brasil Amazônia - Pará, Brasil (lanacamila@gmail.com)

²Pós-graduanda em Turismo Sustentável na Amazônia pela Faculdade Integrada Brasil Amazônia - Pará, Brasil (laysesouz@hotmail.com)

³³Doutor e Coordenador do Programa de Pós- Graduação em Ciências Ambientais, Nível Mestrado, da Universidade do Estado do Pará -Belém - Pará, Brasil (altempontes@hotmail.com)

aEspecialista em Educação Ambiental e Uso Sustentável dos Recursos Naturais, Mestranda em Ciências Ambientais pela Universidade do Estado do Pará -Belém - Pará, Brasil (glaucevitor@yahoo.com.br)

bDoutora, Universidade Federal do  Pará, Brasil (ameiguins@ufpa.br)

Endereço: Trav. Enéas Pinheiro, nº 2626. CEP: 66095-100. Bairro: Marco- Belém-Pará. Telefone: (91)3276-4011

 

 

Resumo

O objetivo deste trabalho foi identificar as evidências do impacto das ações de educação ambiental junto às comunidades da Reserva Extrativista Marinha de Soure, situada na Ilha de Marajó, Pará, com base no acompanhamento do desenvolvimento de algumas dessas ações. Os métodos usados nesta pesquisa partiram de uma descrição das características da RESEX de Soure, a formulação de análise baseada na relação Forças-Oportunidades-Fraquezas-Ameaças (matriz FOFA) e a aplicação dos indicadores no Modelo DPSIRR (Força motriz – Pressão – Estado – Impacto – Resposta). Os resultados indicaram a necessidade de inserção de políticas públicas que incorporem práticas educativas e orientem as mudanças desejadas pelas comunidades que compõem a RESEX, além da participação social na estruturação do poder de gestão local e representatividade em espaços decisórios, para a discussão dos problemas que afetam o coletivo, ameaçam a sustentabilidade da reserva e geram conflitos socioeconômicos e ambientais.

 

Palavras-chave: Gestão participativa, Unidade de Conservação, Reserva Extrativista.

 

1.  INTRODUÇÃO

As Unidades de Conservação (UC) são espaços com características naturais relevantes que têm a função de assegurar a representatividade de amostras significativas e ecologicamente viáveis das diferentes populações, habitats e ecossistemas do território nacional e das águas jurisdicionais, preservando o patrimônio biológico existente (MMA, 2011).

O modelo de unidades de conservação adotado no Brasil e no Terceiro Mundo, em geral, é um dos principais elementos de estratégia para a conservação da natureza. Ele deriva da concepção de áreas protegidas, construídas no século passado nos Estados Unidos, com o objetivo de proteger a vida selvagem ameaçada pelo avanço da civilização urbano industrial. Esse modelo expandiu-se por inúmeros países europeus, consolidando-se como um padrão mundial, principalmente a partir da década de 1960, quando o número e a extensão das áreas protegidas ampliaram-se enormemente em todo o mundo (RYLANDS & BRANDON, 2005).

No Brasil, os primeiros parques foram estabelecidos em 1937 com base no Código Florestal de 1934. Até 1989, os parques e reservas federais eram criados pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF e pela Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA, os quais, posteriormente, foram unidos e formaram o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, que na época era ligado ao Ministério do Interior e, atualmente, faz parte do Ministério do Meio Ambiente – MMA (ARRUDA, 1999).

Mediante a necessidade de ordenamento e gestão dessas áreas, o MMA criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, por meio da Lei n. 9.985/2000. Esse foi concebido para potencializar o papel das unidades de conservação de modo que sejam planejadas e administradas de forma integrada, assegurando que amostras significativas e ecologicamente viáveis das diferentes populações, habitats e ecossistemas estejam adequadamente representadas no território nacional e nas águas jurisdicionais, sendo geridas pelas três esferas de governo (federal, estadual e municipal).

Em 2007 foi criado o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), uma autarquia vinculada ao MMA que tem a função de executar as ações do SNUC, podendo propor, implantar, gerir, proteger, fiscalizar e monitorar as UC instituídas pela União. Cabe a ele ainda fomentar e executar programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade e exercer o poder de polícia ambiental para a proteção das UC federais (ICMBio, 2009).

As UC estão divididas em dois grandes grupos: as de Proteção Integral e as de Uso Sustentável. O presente trabalho atua sobre uma área de Reserva Extrativista – RESEX, incluída dentro da categoria Uso Sustentável, a qual, segundo a Lei n. 9.985/2000, trata-se de uma área natural com o objetivo principal de proteger os meios, a vida e a cultura de populações tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, ao mesmo tempo, assegura o uso sustentável dos recursos naturais existentes.

As RESEX são geridas por um Conselho Deliberativo, presidido pelo órgão responsável por sua administração, normalmente o ICMBio, e constituído por representantes de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e das populações tradicionais residentes na área, conforme se dispuser em regulamento e no ato de criação da unidade (RIBAS & ZUCULOTO, 2012). A visitação pública é permitida, desde que compatível com os interesses locais e de acordo com o disposto no Plano de Manejo da área. A pesquisa científica é permitida e incentivada, sujeitando-se à prévia autorização do órgão responsável pela administração da unidade, às condições e restrições estabelecidas por esse e às normas previstas em regulamento.

Um fator muito importante a ser analisado durante o processo de criação, implantação e gestão de uma RESEX é a comunidade que nela vive (LIMA, 2003). O conflito existe em razão da restrição, ou limitação, do uso dos recursos, e em razão da falta de entendimento da comunidade em relação à importância das áreas protegidas e aos benefícios que elas geram. Sendo assim, verifica-se que durante o processo de criação de uma RESEX é imprescindível conhecer as necessidades, expectativas e o que a comunidade pensa sobre aquela área que se tornará protegida legalmente (BURDA et al., 2007).

Andrade et al. (2008) afirmam que a gestão participativa em UC ainda é pouco implementada no Brasil e apontam para a importância de se desenvolver metodologias adaptadas às necessidades locais. Segundo eles, a participação social é fundamental para a sustentabilidade das UC (FARJALLA et al., 2011).

Após compreender a dinâmica das comunidades que habitam as UC, torna-se indispensável fazer com que elas se envolvam e percebam a importância de sua participação no processo. Através de um trabalho muito delicado de conscientização e da elaboração de projetos que forneçam alternativas de geração de renda e programas de esclarecimento e educação ambiental, pode-se conseguir o apoio efetivo de um dos atores sociais mais importantes, a população local (BENI, 2008).

É necessário que a equipe que esteja à frente da gestão da UC tenha conhecimento das inúmeras técnicas e metodologias, principalmente de educação ambiental, para que consiga estabelecer um bom diálogo e aproximar cada vez mais a comunidade, obtendo o apoio necessário para o bom funcionamento da UC. A partir desta ideia, este trabalho objetivou identificar os fatores que influenciam na execução e resultados das ações de educação ambiental promovidas na RESEX.

Os métodos escolhidos e adaptados a esta pesquisa partiram de uma descrição das características da RESEX de Soure, a formulação de análise baseada na relação Forças-Oportunidades-Fraquezas-Ameaças (matriz FOFA) e a aplicação dos indicadores no Modelo DPSIRR (Força motriz – Pressão – Estado – Impacto – Resposta).

A prática investigativa teve como proposta identificar as evidências do impacto das ações de educação ambiental junto às comunidades da reserva, com base no acompanhamento do desenvolvimento de algumas dessas ações.

 

2.MATERIAIS E MÉTODOS

           

            A metodologia da pesquisa foi desenvolvida baseada em três aspectos, a saber:

a) Descrição das características da RESEX de Soure e identificação das práticas de educação ambiental associadas, empregando a coleta de dados secundários e primários.  Nessa etapa, buscou-se descrever de maneira analítica os processos e fatos constatados em pesquisa de campo, contando com a participação cooperativa de técnicos do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e das Secretarias Municipais de Saúde e Educação, além da realização de entrevistas abertas semiestruturadas com membros das comunidades;

b) Formulação de análise baseada na relação Forças-Oportunidades-Fraquezas-Ameaças (matriz FOFA) (SILVA & CUNHA, 1994; VASCONCELOS & CYRINO, 2000). Essa etapa foi empregada para decodificar os principais elementos associados à execução destas práticas em termos de seus agentes de motivação e de retardo;

c) Análise da aplicação dos indicadores no Modelo DPSIRR (Força motriz – Pressão – Estado – Impacto – Resposta), cujos indicadores são: as Forças Motoras (Driving Forces) que identificam as influências das atividades humanas que podem diretamente causar as Pressões (Pressures) que representam as variáveis condutoras das alterações no Estado (State) manifestando a atual condição do ambiente que geram os Impactos (Impact) que apontam os efeitos das alterações do estado, requerendo Respostas (Responses) para solucionar os problemas encontrados (FERNANDES & BARBOSA, 2011).

 

2.1. Área de estudo: Reserva Extrativista Marinha de Soure, Ilha de Marajó, Pará

A Reserva Extrativista Marinha de Soure é uma UC federal categorizada como reserva extrativista desde sua criação através do Decreto s/nº, de 22 de novembro de 2001. Tem o objetivo de assegurar o uso sustentável e a conservação dos recursos naturais renováveis, protegendo os meios de vida e a cultura da população extrativista local.

A área total da RESEX (Figura 1) compreende 27.463,58 ha, subdividindo-se em duas áreas: a primeira, com aproximadamente 23.929,13 ha, denominada Manguezal de Soure, no litoral de Soure, onde se encontra a Ilha das Malvinas, ponta de Soure, Igarapé do Pesqueiro, rio Caju-Una, Rio Tarumã, Rio Cambu, Rego do Mirinduba e Igarapé das Malvinas; a segunda, localizada na parte continental de Soure, com 3.534,45 ha, no Rio do Saco, onde se encontra o Igarapé da Cabana, que finaliza no mangue localizado nas delimitações da Fazenda Bom Jardim (PARÁ, 2011).

A reserva é gerida pelo ICMBio e possui o Conselho Deliberativo, conquistado por meio da Portaria nº 076, de 26/11/2003,  o qual é composto por dezesseis instituições, que são: Associação dos moradores do Povoado do Céu (ASSUREMAS); Associação dos Pescadores do Pesqueiro; Associação das Mulheres de Pesqueiro; Associação dos Caranguejeiros de Soure; Associação das Mulheres de Soure; Comunidade do Caju-Una; Campus Núcleo do Marajó/UFPA; Prefeitura Municipal de Soure; Movimento dos Pescadores do Estado do Pará; Sociedade Alternativa de Soure; SOS/Marajó; 8º Batalhão de Polícia Militar; Secretaria do Meio Ambiente; EMATER; Associação dos Camaroeiros e Pastoral da Cidadania.

Figura 1. Reserva Extrativista Marinha de Soure.

Figure 1. Marine Extractive Reserve Soure.

 

A Reserva Extrativista Marinha de Soure, assim como as demais reservas, é organizada de forma social e política, e possui uma Associação Mãe que congrega as demais associações. No entanto, a RESEX se diferencia principalmente na ocupação territorial. Dentro da área da RESEX, existem várias comunidades que sobrevivem da pesca artesanal, cujas famílias vivem de acordo com os costumes próprios, têm modo de vida peculiar, sobretudo aquelas que vivem de atividade pesqueira marítima nas regiões costeiras. Na área costeira, existem cinco comunidades, são elas: Pesqueiro, Céu, Caju-Una, Araruna e Barra Velha, as quais possuem uma população de aproximadamente 193 famílias.

A vegetação predominante na RESEX é o mangue (Rhizoplora mangle), a siriubeira (Avicennia germinas) e a tinteira (Laguncularia racemosa). A fauna é composta por diversos animais, desde as formas microscópicas até aves, mamíferos, moluscos, peixes, répteis e crustáceos nos manguezais, mas algumas espécies encontradas não são exclusivas do mangue. Dentre tantas espécies, destacam-se, entre as aves, garças, guarás, maçaricos, marrecos e patos; entre os mamíferos, capivaras, cutias, pacas, quatis e veados; entre os répteis, estão camaleões, jabutis e cobras; entre os peixes, estão tainhas, baiacus, sardinhas, sardinhas de gato e pirapemas, além de arraias, bagres, camurins e pescadas branca; com relação aos crustáceos, há destaque para as espécies comerciais, como o caraguejo-ucá e o camarão regional (BRASIL, 2007).

 

2.2. As comunidades na área da RESEX de Soure

            Na área costeira da RESEX existem cinco comunidades, são elas: Pesqueiro, Céu, Caju-Una, Araruna e Barra Velha. Dessas, as três primeiras se destacam pelo número de famílias tradicionais (OLIVEIRA, 2012), que é maior, e pela estrutura e serviços ofertados aos moradores.

A comunidade do Pesqueiro dista 07 km da zona urbana do município de Soure. Atualmente, a população é estimada em 87 famílias, as quais vivem basicamente do comércio em geral, turismo, mas, principalmente, da pesca artesanal e do extrativismo vegetal.

A Vila de Caju-Una fica a 18 km da sede do município de Soure, sua população é estimada em 55 famílias, que residem no local, cuja renda principal é proveniente dos recursos pesqueiros (peixe, camarão, caranguejo). Entretanto, hoje, parte dos rendimentos dessa população vem da produção de cocos, das aposentadorias e dos salários de funcionários da Prefeitura Municipal.

A comunidade do Céu possui um vilarejo localizado a 23 km da sede do município de Soure. Sua população estimada é de 45 famílias, as quais vivem basicamente da pesca artesanal e do extrativismo vegetal.

A comunidade do Araruna fica localizada a 04 km da sede do município de Soure e abriga apenas quatro moradores, sendo que onze das casas ali existentes são habitadas somente no período das férias, visto seus proprietários residirem nos bairros de Soure.

            A comunidade da praia de Barra Velha fica distante 03 km do núcleo urbano de Soure e é considerada como uma comunidade nova, cujos residentes são oriundos da Praia do Araruna, que migraram devido à erosão física natural.

De um modo geral, uma das características marcantes das famílias dos pescadores é que elas normalmente são constituídas por uma grande prole, algumas chegam a ter mais de seis filhos. Nas comunidades, entre os pescadores, a faixa etária predominante é de 20 a 40 anos, sendo que, na comunidade de Pesqueiro, a população de pescadores chama atenção por haver grande concentração de jovens com a idade de 15 anos.

Dentre as cinco comunidades citadas, apenas três possuem uma escola, onde funcionam apenas a educação infantil e o ensino fundamental como serviço do Governo Municipal. A baixa escolarização apresentada nas comunidades costeiras é decorrente, de certo modo, da mobilidade da profissão da pesca que envolve desde cedo as crianças e os jovens, especialmente os homens, levando-os a não frequentar a escola e priorizar a atividade de pesca em função da necessidade de contribuir com a renda familiar.

As condições de saúde nessas comunidades são precárias. As populações são acometidas, em maior frequência, por doenças como verminoses, gripes e diarreia. Nas comunidades de Caju-Una, Céu, Pesqueiro e Araruna, as pessoas são atendidas nos postos de saúde e em farmácias. Entretanto, a comunidade de Barra Velha é atendida somente pelo posto de saúde. Normalmente, os primeiros socorros são prestados pelos técnicos do posto de saúde local nas comunidades do Céu e Caju-Una e os casos mais graves são encaminhados ao hospital municipal de Soure e, dependendo da gravidade, são encaminhados para Belém.

As doenças mais comuns nessas comunidades são: reumatismo, dores musculares, problemas na coluna, doenças renais, além de ferradas de arraia, o que é muito comum no ambiente de trabalho. Ressalta-se que, como forma de prevenção ou tratamento, os moradores das comunidades utilizam os saberes populares, com a manipulação de plantas medicinais, como boldo, copaíba, gengibre, casca de laranja da terra, eucalipto e outros, para a produção de remédios caseiros.  

Em relação à moradia, existe um programa de habitação do Governo Federal que já beneficiou famílias nas áreas urbanas e rurais, sendo que apenas os moradores das comunidades de Caju-Una e Céu foram contemplados com essas moradias. No entanto, a maioria das habitações das comunidades ainda é construída em madeira e coberta com telhas de cerâmica, o que faz com que apresentem pouca durabilidade.

A energia elétrica é um serviço que já é disponibilizado às comunidades pesqueiras, mas ainda há alguns moradores que utilizam lamparina ou lampião por não terem condições econômicas para se beneficiarem desse serviço.

O saneamento básico é um serviço que existe somente na Vila de Pesqueiro, que dispõe de tratamento de água encanada, e os moradores são atendidos pela Companhia de Saneamento do Pará – COSANPA.

As comunidades de Caju-Una e Céu utilizam o poço comunitário, ou seja, as comunidades de Caju-Una, Céu, Araruna e Barra Velha convivem com a falta de água potável. As famílias dessas comunidades aproveitam a água da chuva como recurso alternativo (OLIVEIRA, 2012). Essas comunidades também são abastecidas de água potável pela Prefeitura Municipal de Soure três vezes por semana, via caminhão pipa, durante o verão.

O esgoto sanitário existe somente nas comunidades da Vila de Pesqueiro e Céu, que receberam a construção de fossas assépticas com financiamento do Governo Federal, ficando as demais fora desse serviço.

O serviço de limpeza pública realizado pela Prefeitura (coleta de lixo doméstico) é feito somente na Vila de Pesqueiro e Barra Velha em função de serem praias. Locais mais visitados pelos turistas, as comunidades de Caju-Una, Céu e Araruna, não são beneficiadas com esse serviço, por isso os moradores enterram ou queimam o lixo doméstico e, posteriormente, o utilizam como adubo para plantas.

 

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

3.1. Educação ambiental e as comunidades da RESEX de Soure

Nas últimas décadas, as relações sociais, econômicas e ambientais têm contribuído para as mudanças no meio ambiente. Mediante esse cenário, o debate acerca da educação ambiental se intensificou na tentativa de buscar alternativas que minimizem os conflitos dentro dessas relações (JACOBI, 2003).

No contexto da RESEX, a educação ambiental pode se desenvolver por meio de práticas que vinculam o educando com a comunidade e fomentem valores e atitudes que promovam um comportamento dirigido a transformações superadoras dessa realidade, desenvolvendo no educando as habilidades e atitudes necessárias (FORTUNATO, 2006).

A educação ambiental se sustenta na tríade: descentralização da questão, integração dos elementos e participação dos atores envolvidos no processo (CARVALHO, 2005).  Tais fatores são importantes para que a RESEX atenda seu propósito principal, que é combinar o uso racional dos recursos naturais e o desenvolvimento socioeconômico das comunidades componentes.

Nas comunidades da RESEX de Soure, o Governo Federal (tendo como agente o ICMbio) tem desenvolvido ações relacionadas à educação ambiental. As atividades são direcionadas à comunidade e junto às escolas municipais, tendo um enfoque diferenciado para os visitantes (turistas), principalmente no período de alta temporada. Dentre as atividades, a mais recorrente é referente à geração de resíduos sólidos e uma das ações mais comuns é a distribuição de sacos de lixo nas praias.

Os problemas detectados como mais relevantes estão associados à intensa exploração da região, principalmente com o excedente populacional dos períodos de alta temporada para o turismo local. A carência de infraestrutura urbana para comportar o volume de pessoas que se deslocam e se concentram na região, entre os municípios de Soure e Salvaterra, faz com que serviços básicos à população fiquem escassos (água e esgotamento sanitário) e que a pressão pelo lucro imediato por parte dos comerciantes locais (que buscam nesses períodos o sustento para a maior parte do ano) produza, como consequência imediata, um aumento de demanda por alimento, bebida e outros, o que acaba afetando um espaço geográfico maior que aquele centralizado na sede municipal e seu entorno.

A oferta de serviços básicos (transporte, saúde, educação) pelos governos, em seus níveis municipal, estadual e federal, é um fator de relação direta na qualidade de vida local. A localização da RESEX reforça tal caráter, por ser considerada estratégica, principalmente do ponto de vista do acesso à determinada área, ou por via fluvial ou rodoviária, considerando a proximidade com Belém (capital do Estado) e o fato de posicionar-se a caminho das águas do oceano Atlântico.

Conforme o registro da pesquisa, observa-se que existe um caráter participativo no processo de tomada de decisão das ações que podem ser desenvolvidas na RESEX. O debate ocorre no âmbito do conselho deliberativo, mas pode se estender até a comunidade e associações. As ações mais comuns são trabalhos em grupos, palestras, cursos de capacitação e elaboração de projetos.

Uma análise estrutural da percepção das ações desenvolvidas no âmbito da RESEX será apresentada na forma da matriz FOFA. Essa supõe que a análise de forças e fraquezas se baseia em uma análise interna (focada em recursos e competências distintivas) e a análise de oportunidades e ameaças se baseia em uma análise externa (focada nas condições de demanda) (VASCONCELOS & CYRINO, 2000).

O Quadro 1 apresenta os elementos identificados como relevantes e sua classificação junto à matriz.

 

 

 

Quadro 1. Aplicação da matriz FOFA na análise da implantação das ações de educação ambiental junto às comunidades da RESEX/Soure.

Ações de educação ambiental

Forças

Oportunidades

Fraquezas

Ameaças

Palestras e campanhas junto aos membros da RESEX de conscientização da função desta como um espaço territorial considerado de interesse ecológico e social, com características naturais ou exemplares da biota que possibilitam a sua exploração sustentável, sem prejuízo da conservação ambiental.

A participação das comunidades nas reuniões e nos fóruns deliberativos

Valorizar a relevância ecológica da Ilha do Marajó e sua localização geográfica

Carência de oferta de serviços básicos a comunidade

Pressão econômica para exploração dos recursos naturais (fauna e flora)

Campanhas junto aos turistas locais voltadas à conscientização ambiental.

A organização social existente na RESEX que pressiona o poder público a agir no controle da atividade

Desenvolver o turismo ecológico, aproximando mais dos objetivos da RESEX

A população vê nos turistas uma fonte de renda, por isso quanto maior o número, melhor será

O turismo de “massa”, superando a capacidade de suporte dos municípios

Desenvolvimento da educação ambiental no âmbito formal junto às escolas.

A demanda por capacitação para a comunidade da reserva, fazendo surgir o interesse e a necessidade de fortalecer a escola

Valorizar o Marajó e a RESEX como patrimônio ambiental e investir em uma proposta educacional adequada às metas de desenvolvimento da reserva

Sem o suporte adequado, ocorrem problemas como evasão e baixo empenho no desenvolvimento escolar

A carência de infraestrutura das escolas no município de Soure

 

As questões econômicas são as ameaças mais atuantes sobre a proposta de sustentabilidade da RESEX, pois agregam os problemas sociais e passam a nortear as demandas das comunidades. Nesse contexto, a educação ambiental deve ser aplicada como uma educação para a conservação, para o consumo responsável e para a solidariedade na repartição equitativa dos bens oriundos da RESEX.  Trata-se de gerir sistemas de produção e de utilização dos recursos comuns. A educação ambiental integraria uma verdadeira educação econômica, em que seriam estimuladas ações de gestão de condutas individuais e coletivas com respeito aos recursos vitais extraídos desse meio (SAUVÉ, 2005).

As descrições das cinco comunidades que compõem a Reserva Extrativista Marinha de Soure indicam uma forte pressão relacionada às questões econômicas que ameaçam a sustentabilidade da reserva. O estado da RESEX aponta a carência de serviços básicos como um fator diretamente relacionado à qualidade de vida das comunidades envolvidas, e uma resposta que pode ser explorada para solucionar esses problemas é a representação das comunidades na estrutura do poder e gestão, em espaços decisórios para ampla discussão referente ao interesse coletivo e à sustentabilidade da reserva (Figura 2), uma vez que a participação social faz parte das etapas de criação e gestão das UC, em especial das Reservas Extrativistas, onde têm fundamental importância para a conservação do ambiente (FADIGAS & GARCIA, 2010).

Figura 2: Análise pelo modelo DPSIR das variáveis: relações sociais, econômicas e ambientais.

 

            O turismo pode ser considerado uma ameaça, mas também uma oportunidade para a região. Na área da RESEX, assim como no restante do Marajó, é evidente o potencial no que tange ao desenvolvimento de diversas modalidades de turismo, como, por exemplo, o ecoturismo e o turismo rural. Porém, são observados entraves que dificultam o seu desenvolvimento, tais como: carência e/ou deficiência na infraestrutura, serviços de transportes, segurança pública, informações turísticas, qualificação de recursos humanos direcionados ao setor de turismo, questões de comunicação, qualificação e regulamentação do transporte fluvial, saneamento básico e energia (BRASIL, 2007).

            A atividade turística é bem atrativa na perspectiva econômica, ao gerar uma renda que equivale a meses de sustento para as comunidades. No entanto, o aumento do fluxo de visitantes, agrava ainda mais a carência de serviços básicos, além de causar a elevação dos preços de produtos e alimentos, o que consequentemente afeta os moradores de Soure. O fator resposta que pode ser dado é o planejamento da gestão turística local, integrada aos interesses das comunidades (Figura 3) a partir da cooperação defendida por Ostrom (1998), que indica a necessidade de se discutir e somar os conhecimentos e habilidades dos cidadãos para resolver os problemas que afetam o coletivo.

Figura 3: Análise pelo modelo DPSIR da variável: Geração de renda.

 

Em termos de oportunidades, é necessário uma maior investimento para o fortalecimento da educação ambiental. É importante também a inserção de políticas públicas que incorporem as práticas educativas e orientem as mudanças desejadas (VALENTI et al., 2012).

Nas escolas, há diferentes formas de incluir a temática ambiental nas matrizes curriculares, sendo que, por intermédio de prática interdisciplinar, devem ser propostas metodologias que favoreçam sua implementação, considerando o ambiente imediato, relacionado a exemplos de problemas atualizados (SATO, 2004).

No ambiente escolar e dentro das comunidades, a implantação de projetos impostos por pequenos grupos ou atividades isoladas não se mostra capaz de alcançar resultados de médio e longo prazos. Portanto, devem-se buscar alternativas que promovam uma contínua reflexão que culmine na mudança de mentalidade (NARCIZO, 2009) e no atendimento aos objetivos de sustentabilidade da RESEX.

Observa-se, portanto, que, no contexto de forças-oportunidades, dentro da RESEX a interação entre população e os recursos naturais é extremamente importante para se colocar em prática o manejo local sustentável (BITTENCOURT, 2010). Sem a pactuação e a contínua motivação as comunidades podem entrar em conflito e, dessa forma, se afastar dos objetivos iniciais. O poder público deve ser parte integrante do processo e constantemente investir em ações de fortalecimento social e econômico, contando com o suporte da educação ambiental como meio de agregação e mobilização.

 

4. CONCLUSÕES

A Reserva Extrativista Marinha de Soure abrange no seu interior cinco comunidades: Céu, Pesqueiro, Caju-Una, Araruna e Barra Vellha, as quais apresentam uma economia baseada na atividade extrativista, relacionada à pesca, mariscagem e coleta de frutos.

Nas comunidades verificou-se o desenvolvimento de atividades relacionadas à educação ambiental nas escolas locais e junto aos visitantes das praias da região no período de alta temporada. Porém, essas atividades poderiam ser melhoradas com mais parcerias e incentivos políticos por parte dos gestores públicos. Tais ações não conseguem atingir a todos, alcançando assim parcialmente seus objetivos. Porém, foi perceptível o reconhecimento da existência da RESEX por parte da população e visitantes.

Outro ponto de destaque é que, apesar das desconfianças e expectativas da comunidade local por parte das atividades de educação ambiental, detectou-se melhorias no padrão de qualidade de vida dessas pessoas, como a integração entre os jovens das comunidades e a sensibilização para uso sustentável da coleta do caranguejo e para a garantia de renda.

Os conflitos internos ainda representam um desafio. A mobilização e sensibilização para a participação social nos processos de educação ambiental e organização social demandam por trabalhos mais contínuos nas associações de base, e uma melhor estruturação do poder público (municipal, estadual e federal) no apoio ao desenvolvimento dessas comunidades, na construção de parcerias e na obtenção de incentivos fiscais.

 

REFERÊNCIAS

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ARRUDA, R. Populações tradicionais e a proteção dos recursos naturais em unidades de conservação. Ambiente & Sociedade, 5:79 – 92, 1999.

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BITTENCOURT, V.F.N. A fauna acompanhante da pesca de arrasto do camarão como instrumento didático na educação ambiental. Revista de Educação Ambiental, 3: 8-13, 2010.

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Ilustrações: Silvana Santos