![]()
Educação Pré-Escolar e Ambiente: Uma discussão
propositiva
Autor: Sônia Ferreira Larrubia Folena - Professora de
Educação Infantil da rede Pública Municipal do Rio de Janeiro, professora do
curso de Ensino Médio, na modalidade Normal, da rede particular de ensino,
mestranda em Educação, com linha de pesquisa em Educação para o ambiente/ UNIPLI
- Niterói-RJ.
Co-autor: Maylta Brandão dos Anjos - Professora de
ensino superior e pós-graduação / UNIPLI - Niterói-RJ, doutora em
Desenvolvimento Rural – CPAD/UFRRJ.
Endereço para correspondência: Rua Felizardo, lote
14, quadra 75.
Jardim Nova Guaratiba – Campo-Grande – R.J.
CEP: 23045-470
Telefones: 3403-2297 / 9254-1377 / 3316-3997
E-mail: soniafolena@ig.com.br
Resumo
A
Educação Ambiental faz-se cada vez mais necessária em nossa sociedade e para sua
significação, é preciso considerar o meio próximo e circundante do indivíduo.
Pequenas ações domésticas e escolares constituem-se pontos de reflexão sobre a
relação homem-meio. Neste ato reflexivo, encontra-se a base de um trabalho que
busca integrar de forma criativa o estudo do meio à classe Pré-Escolar, com
crianças de 4 a 6 anos. Propõe-se a utilização de resíduos sólidos, tipo
sucatas, como forma de envolver as crianças em um processo de transformação
útil, numa prática de reaproveitamento de diferentes tipos de materiais, para
construção de brinquedos; estabelecendo, assim, uma relação efetiva entre
Educação Ambiental e Educação Pré-Escolar. Deste modo, o ambiente é focado na
ligação e constituição com a vida sendo analisado como elemento gerador de novas
propostas e novos fazeres no universo da Pré-Escola, a partir de realização de
pesquisas acadêmicas.
Apresentação
Aprender,
reaprender constantemente, lançar a flecha para que o arco não desaprenda a
vibrar. Aprender, reaprender, nesta constante formação do homem, educação!
Pedro Benjamim
Garcia1
A
educação está presente na história da humanidade. Através dela o homem vem
encontrando formas de relacionar-se com o meio que o cerca e vem transformando-o
segundo suas necessidades e interesses. Desde a antiguidade, nas primeiras
intenções de convivência social, ela mostra-se como uma prática fundamental da
espécie, distinguindo o modo de ser cultural do homem do modo de ser natural dos
demais seres vivos (SEVERINO, 2001:p.11). Logo, é através do processo educativo,
sistemático ou não, que o homem apropria-se da aprendizagem, do meio e dos bens
culturais e históricos que o cerca.
Por
tratar-se de uma ação que está ligada à formação do homem, do ser social, do
cidadão e entendendo que esta formação inicia-se desde os primeiros períodos da
vida, torna-se relevante um diálogo que envolva este processo desde a Educação
Infantil, mais precisamente, desde a Pré-escola2.
Nas
sucessivas mudanças ocorridas no processo de construção, organização e defesa
desta etapa de ensino, tem se constituído um novo olhar sobre a criança e suas
potencialidades educativas. Este fato oferece oportunidade para elaboração de
outras formas de trabalhar com a criança desta faixa etária, reconhecendo-a como
alguém dotada de muita capacidade e que traz concepções acerca do seu meio,
sendo capaz de compreendê-lo e relacionar-se positivamente com ele. Sob esta
nova perspectiva, cria-se a oportunidade para inserir neste contexto,
conhecimentos e práticas de educação ambiental, mediadas pelas relações com as
vivências infantis.
Nas
seções que se seguem, procuraremos abordar alguns aspectos desta trajetória que
vem permeando e transformando a educação: um breve estudo sobre os novos
paradigmas para a educação, pontuando as possibilidades e necessidades de
relacionar Pré-Escola e Educação Ambiental e o pensamento e a ação que permeiam
esta relação.
Um breve estudo sobre os novos paradigmas para a educação.
A
título de indicativo conceitual desta proposta, esclarecemos que o conceito de
paradigma sobre o qual nos movimentamos remete-se ao que VEIGA-NETO (2002: p.43)
classificou como o sentido fraco da conceituação Khuniana3, entendida como modelo ou padrão
aceito.
Coadunando com este pensar, FERGUSON (2003: p.26), afirma que “embora
Khun tenha referido-se à ciência, a expressão foi amplamente adotada, pois
falamos de paradigmas educacionais, paradigmas para planejamento urbano”, entre
outros. O que se deseja não é esvaziar de sentido as considerações de Thomas
Khun que constituem um marco para as estruturas científicas. Deseja-se apenas
torná-las mais próxima desta discussão que caminha no campo das Ciências
Sociais, no qual não é tão fácil identificar um período de normalidade e
acomodação de paradigma, devido ao movimento de seus atores, sujeitos sociais em
ação e interação com o meio que o cerca.
A
busca por um estreitamento das relações entre educação pré-escolar e educação
ambiental demanda da necessidade de repensarmos sobre as formas que o homem,
historicamente, vem utilizando para relacionar-se com a natureza.
O
conceito antropocêntrico do século XVIII, no qual o homem era visto como algo
exterior à natureza, sobreposto a ela, desencadeou, em seus desdobramentos, uma
relação homem-natureza que sugere poder de um sobre o outro. A natureza passa a
ser entendida como algo que pode ser manipulado, explorado, direcionado a favor
dos interesses do homem, desconsiderando a importância dela, natureza, para a
própria existência humana.
Trazendo esta discussão para a realidade próxima, percebemos e
vivenciamos as conseqüências deste modelo exploratório, justificado por uma
grande e urgente necessidade de progresso e de busca de desenvolvimento.
Como
fruto desta modernidade4, deparamo-nos com um acelerado processo
de desconstrução dos bens naturais e com a falta de cuidado com aqueles bens que
ainda sobrevivem. Reflexos do que GIDDENS (1991: p.15) apontou como o ritmo de
mudança nítido que a era da modernidade põe em movimento. Isto nos leva a
refletir sobre a necessidade de revisão e, porque não dizer, reformulação dos
paradigmas que até então vêm sustentando este panorama. Segundo ANJOS (2003:
p.28), citando CAPRA,
Esta colocação sugere a nova visão de mundo, uma
visão sistêmica que considere como elemento importante todos os componentes da
cadeia natureza – homem – sociedade – desenvolvimento.
Abrangendo um pouco mais este conceito de mudança de visão, afirmamos que
se trata de uma verdadeira revolução que desencadeia, vigorosamente, novos
hábitos, atitudes e relações com o mundo.
Diante deste panorama, questionamo-nos: “Qual o papel da educação neste
contexto globalizante, integrador e sistêmico?” E ainda: “Que relações podem ser
estabelecidas com o nível de educação pré-escolar que comporta crianças de tão
tenra idade?”
Estando clara a necessidade desta nova compreensão das relações
homem-ambiente-sociedade, não condiz com este quadro uma educação pautada em
bases cartesiana, mecanicista e fragmentada.
Faz-se necessário, então, um redimensionamento da visão pedagógica que
contemple uma prática educativa integradora, abrangente e democrática, que
considere, não só a sistemática escolar, mas também o cotidiano dos
educandos.
Conformando esta perspectiva, ANJOS (2003: p.1 ) salienta que
através
da educação e do conhecimento que acarretam responsabilidade e mudanças, os
indivíduos poderão adquirir condições de participarem da sociedade de modo
consciente, reflexivo e transformador, e ver o ambiente de forma totalmente
integrado à sua vida.
E quando adquirimos esta visão integradora, de fazer
parte, tornamo-nos também, responsáveis pelo todo.
Procurando responder a primeira questão formulada, afirmamos que é para
esta nova visão paradigmática que a educação necessita caminhar, a fim de que
ela possa cumprir seu papel e corresponder aos urgentes desafios que ora lhe são
enviados. É um desafio à educação e à prática escolar, repensar e rever os seus
papéis na atual sociedade.
Assim
como as questões ambientais, a educação ambiental precisa dissociar-se das
técnicas mecanicistas e descontextualizadas. A fragmentação proposta pela
análise disciplinar contribuiu para a visão antropocêntrica e cartesiana que
nega as interações do homem com o meio. Cada situação sendo vista isoladamente,
focalizada nas características e abrangências dos olhares disciplinares, resulta
na descontinuidade da ação educativa e conseqüentemente na incompreensão e não
apropriação dos conhecimentos por parte do aluno.
Sendo
assim, procurando atender ao que denominamos como novo paradigma, a educação
carece abrir novas discussões acerca do seu papel neste contexto. Torna-se
necessário e urgente perceber, assim como ANJOS (2003: p.37) que, “nesta visão
sistêmica, não se separa educação, transformação e liberdade; vida e natureza;
homem e mundo; pensamento e práxis”.
Pensando na necessidade desta nova razão e proposta educativa e
considerando que é possível estabelecer nuances desta discussão com crianças
pequenas, é que se justifica a entrada do segmento de educação infantil neste
contexto. Estas nuances correspondem à adequação cuidadosa dos conhecimentos
amplos e contextualizados do adulto às características cognitivas e vivenciais
da criança. Não podemos fazer das atividades de educação ambiental, uma prática
meramente informativa que envolva conteúdos dissociados de um contexto
significativo. Tal prática não consistiria numa aprendizagem e sim no
desenvolvimento de uma expectativa negativa e descompromissada em relação ao
ambiente.
Em
contrapartida, a densidade dos assuntos desta temática não devem constituir-se
como barreiras para a discussão com as crianças pré-escolares. De acordo com
esta perspectiva, REIGOTA (2001: p.24) indica que um dos
aspectos consensuais sobre a educação ambiental é que não há limite de idade
para os seus estudantes, tendo caráter de educação permanente, dinâmica,
variando apenas no que diz respeito ao seu conceito e a metodologia, procurando
adequá-los às faixas etárias a que se destina.
Neste
processo de adequação deve-se buscar a superação do conceito de meio ambiente
como algo abstrato, distante e considerar a necessidade de estabelecer conexões
com a realidade. Focalizamos as relações infantis com o ambiente próximo,
envolvendo sua cotidianidade, procurando aguçar as discussões sobre as formas de
preservação do meio. O caráter educativo e científico encontra-se na medida em
que tais práticas são associadas ao como encontrar respostas, além
do que pode ser aprendido.
Toda
forma de aprendizagem que inclui manipulação de objetos é instigante e
motivadora para as crianças e, diante desta perspectiva, a atividade com sucatas
corresponde ao atendimento de suas necessidades de aprendizagem prática e
acomoda uma série de questões que permeiam a discussão sobre preservação
ambiental, à medida que a transformação de materiais (embalagens, papéis,
tecidos), outrora considerados lixos, em objetos úteis à criatividade e
aprendizagem, pode ser vivenciada em sua totalidade. Neste pensar, “podemos
trabalhar em conjunto para conservar o meio ambiente, reconstruindo-o,
reutilizando-o, consertando-o e reciclando-o”. Esta afirmação é feita por DARLAN
& RIVKIN (2003: p.300), ao investir nestes conceitos como uma das nuances de
estudo que pode oferecer uma maior compreensão deste sistema do qual todos nós
participamos.
FERGUSON (2003: pp.273-6), em sua revisão paradigmática para a educação,
realiza novas leituras acerca do ato de ensinar, das formas como estas
aprendizagens ocorrem, perpassando pela importante função do professor,
conceituando este fazer coletivo e reflexivo como “aprender a aprender” e
“aprender fazendo”, sugerindo um processo de aprendizagem intenso, no qual
professor, alunos, família, trabalho, prazer e escola fundem-se, formando um
sistema complexo, envolvente e prazeroso.
O
poema de ELIAS JOSÉ (2003: p.38) bem ilustra esta possibilidade.
Morada do Inventor
A
professora pedia e a gente levava, achando loucura ou monte de lixo:
Latas
vazias de bebidas, caixas de fósforo, pedaços de papel de embrulho, fitas,
Brinquedos
quebrados, xícaras sem asa, recortes e bichos, pessoas, luas e estrelas,
Revistas
e jornais lidos, retalhos de tecido, rendas, linhas, penas de aves, cascas de
ovo,
Pedaço
de madeira, de ferro ou de plástico.
Um dia,
a professora deu partida e transformamos, colamos e colorimos:
E
surgiram bonecos esquisitos, bichos de outros planetas, bruxas.
E coisas
malucas que Deus não inventou.
Tudo o
que nascia ganhava nome, pais, casa, amigos, parentes e país.
E
nasceram histórias de rir ou de arrepiar!...
E a
escola virou morada de inventor!
Assim
pensamos a escola de Educação Infantil: Morada de crianças, vistas como seres
completos, recheados de sonhos, alegrias, imaginação, ávidos por novas
experiências e novos saberes. Morada de crianças, habitada por pessoas que, na
busca por um mundo melhor, assumem um compromisso de construir uma aprendizagem
sólida, criativa, afetiva e real. Sabemos que o processo educativo permeia a existência humana e, sua constituição envolve uma gama de questões que perpassam pelo âmbito histórico, político, cultural e social, que em muito faz transparecer a nossa própria formação enquanto sujeitos. Esta trajetória é marcada pela busca de respostas e alternativas que, se não dão conta de todas as necessidades, ao menos confortam e justificam nossos ideais.
Pensamento e ação ambiental na construção da Educação
Pré-Escolar: O pensamento contemporâneo e a ação cotidiana.
Todas as
coisas estão interligadas como o sangue que une uma família. O que acontecer com
a Terra, acontecerá com seus filhos. O homem não pode tecer a trama da vida; ele
é meramente um dos fios. Seja o que for que ele faça à trama, estará
fazendo consigo
mesmo. Chefe Seatle.
Esta
afirmação remete-nos as questões abordadas anteriormente, as quais referem-se à
necessidade de mudança paradigmática de forma que descartemos a visão
antropocêntrica que delineou a história das relações ambientais de nossa
sociedade. Para alcançarmos o que propõe o Chefe Seatle, torna-se preciso um
despojamento dos velhos conceitos e uma abertura de espaço para a consolidação
de uma nova visão paradigmática que estabeleça uma relação que preconize a
conscientização, integração, cuidado e participação, desencadeando uma
sistemática homem/meio mais harmônica.
A
trajetória desta mudança de paradigma tem passado pelas discussões desenvolvidas
nos encontros e conferências que envolvem diversos segmentos da sociedade,
sobretudo aos segmentos específicos da academia e de cientistas críticos ao
antigo modelo. Estes objetivam oferecer um tratamento mais adequado às questões
ambientais, de forma que se aproximem mais das possibilidades de atender as
necessidades históricas, políticas, culturais e sociais do contexto atual.
Neste
momento a Educação Ambiental passa a ser entendida como uma eficiente forma de
divulgação dos conteúdos e práticas relativas às questões ambientais e à
propagação das necessidades de estreitamento e envolvimento responsável da
sociedade em geral.
Segundo DUVOISIN (2002: p.92), na Agenda 21 encontramos a posição da
Educação Ambiental como “indispensável para a modificação de atitudes e para o
desenvolvimento de comportamentos compatíveis com a formação de sociedades
sustentáveis e, por isso, deve ser incorporada em todos os níveis escolares”.
Ressalta, ainda, a necessidade de uma revisão nos programas e métodos de
educação. Quanto aos métodos e conteúdos, refere-se, ainda, o documento da
C.N.U.M.A.D. (1997): A
educação ambiental deve tratar as questões globais críticas, suas causas e
inter-relações em uma perspectiva sistêmica, em um contexto social e histórico.
Aspectos primordiais para seu desenvolvimento e seu meio ambiente tais como
população, paz, direitos humanos, democracia, saúde, fome, degradação da flora e
da fauna, devem ser abordados... Deve capacitar as pessoas a trabalhar conflitos
e a integrar conhecimentos, valores, atitudes e ações, buscando a transformação
de hábitos consumistas e condutas ambientais inadequadas. É uma educação para a
mudança. (DUVOISIN, 2002: p.23).
Analisando esta referência percebemos a extensão das questões a serem
abordadas e como elas relacionam-se com o processo de formação pessoal, social e
cultural dos indivíduos. É certo que dar conta deste processo envolve ações
globais no sentido de solicitar comprometimento dos vários âmbitos do país –
governamental, político, social, educativo, entre outros. O caminho aqui
selecionado foi à educação que, de maneira alguma, pode encontrar-se dissociada
dos demais contextos; caso contrário, não faria sentido. Desta forma, neste
âmbito, a educação ambiental deve lidar com todos os aspectos da vida do
cidadão, como sujeito em construção, que se envolve com as questões do seu tempo
e envolvido, é capaz de buscar a transformação.
Devido sua abrangência, a lei 9.759/99, que institui a Política Nacional
de Educação Ambiental, reafirma este posicionamento em seu artigo 10, parágrafo
primeiro: “A educação ambiental não deve ser implantada como disciplina
específica do currículo”. Esta posição é conformada com a proposta da
transversalidade assumida nos Parâmetros Curriculares Nacionais, no qual o meio
ambiente é constituído como tema transversal e possui uma amplitude capaz de
permitir seu caminhar por todas as disciplinas do currículo, atravessando-as e
possibilitando a execução das discussões ambientais sob o enfoque dos variados
componentes curriculares.
Na
educação infantil, reiteramos o pensamento de REIGOTA (2001), quando afirma
existir possibilidade de trabalhar a educação ambiental com crianças pequenas,
somente adequando conteúdos e metodologias à faixa etária. Citamos, ainda,
FERGUSON (2003: p.274) que defende a flexibilidade e integração das faixas
etárias, afirmando que o indivíduo não é automaticamente limitado em
determinados assuntos pela idade. Outros autores, tais como HARLAN
& RIVKIN (2002), DHOME & DHOME (2002), THE EARTH-WORKS GROUP (2002) E
MORAES (1992), envolvidos com o processo de enriquecimento da educação na área
das ciências naturais para as crianças, constituíram a introdução dos assuntos
ambientais na Pré-escola como valorativos e capazes de detonar o processo de
conscientização e envolvimento responsável com o meio, a partir dos
pequenos.
Encontramos também em alguns documentos facilitadores da organização do
currículo das unidades escolares o compromisso com a inserção do meio ambiente
como componente curricular, estando sua ação vinculada às noções conceituais e
às relações vivenciais cotidianas e práticas dos alunos.
Às
instituições de ensino cabe a organização curricular, prático-pedagógica de
forma a oferecer, cada vez mais, desafios à consecução de uma aprendizagem de
alto nível, ao proporcionar, programadamente, o acesso a múltiplas vias de
comunicação e informação que permitam a criança estabelecer um confronto com a
realidade, ressignificando-a. Esta ação poderá proporcionar a constituição da
criança como elemento com possibilidade de encontrar soluções para as crises que
hoje emergem.
A educação ambiental como construtora de um novo
fazer
Um
conceito comumente encontrado nas classes pré-escolares classifica o meio
ambiente como sendo as árvores, as plantas, os bichinhos, a água e outros
elementos que, sob a ótica infantil são isolados e não estabelecem relações de
interdependência. Podemos afirmar que, como forma de satisfazer a necessidade da
saber algo sobre as coisas, a criança cria, a partir das suas percepções e
experiências, suas próprias teorias acerca dos fatos que a cerca. As lacunas nas
informações acumuladas por ela são preenchidas pela criatividade, formulando
explicações que confortem-na.
Muitas vezes, o conhecimento sistematizado encontra resistências por
constituir-se como elemento desarticulador das idéias, imagens e conceitos,
confortavelmente acomodados, nas estruturas do pensamento infantil. Este fato
sugere a necessidade de envolvimento e atitude responsável de toda a estrutura
escolar, a fim de desencadear uma redimensão educativa que contemple a
aprendizagem da criança, respeitando suas características cognitivas. Segundo
BIZZO (2001: p.33), a
mudança na prática pedagógica implica em reconhecer que não é apenas o professor
que deve modificar sua forma de ensinar, mas que uma série de ordenamentos na
escola e na comunidade devem ser considerados ao mesmo tempo no sentido de sua
transformação.
Entendendo o meio ambiente como um sistema no qual interagem natureza e
sociedade, portanto espaço socialmente construído nas relações cotidianas, que
são permeadas por atividades econômicas, sociais e políticas, propõe a superação
da visão antropocêntrica e fragmentária, por uma visão holística e sistêmica e,
portanto, interdisciplinar; a partir de uma prática que, encarando o ambiente
como pertencente ao cotidiano, aborde desde as primeiras representações até as
relações mais elaboradas de preservação e descobertas científicas, considerando
a inclusão da família como elemento importante no processo de aprendizagem.
Diante destas questões não podemos crer que, somente o oferecimento de
materiais concretos e relatos de experiências vivenciais, possam dar conta da
aprendizagem real dos conceitos envolvidos na temática de educação ambiental,
adequada às classes pré-escolares. Também não defendemos uma prática, como
outrora difundida, que considerava a criança como adulto em miniatura e a
pré-escola como capaz de prepará-la para as aprendizagens futuras, enfatizando a
transmissão de conhecimento em acelerado ritmo, dissociada das experiências que
a signifiquem.
Buscamos aqui, um novo fazer que considere a necessidade das explicações
pautadas na cientificidade acopladas a uma prática que respeite as
características pessoais e cognitivas, possibilitando a construção de tais
conceitos intimamente ligados as vivências infantis, fornecendo à criança uma
aprendizagem de qualidade e conseqüentemente, duradoura.
Mas,
como praticar este fazer? Não temos receita. Somente abrimos espaço para o
pensar e articular esta ação de forma responsável, comprometida e eficiente.
Acreditamos que uma base curricular que contemple a educação ambiental para as
classes pré-escolares, reservando a ela grau de importância para o processo
formativo do aluno/cidadão, possa ser encarada como um detonador deste processo,
na medida em que, de acordo com TIRIBA (2002: p.2), “possibilita à escola
exercer sua função social de ensinar às novas gerações a lógica sob a qual esta
mesma sociedade foi estruturada”.
Para
tanto, cabe ao professor, em consonância com as diretrizes teóricas propostas no
currículo em que está envolvido, agendar objetivos, temas e ações que possam
garantir a riqueza de aprendizagens previstas. Porém, e tão importante quanto,
faz-se necessário que, envolvido com esta prática, o professor encontre nela,
significado. Este fato só acontecerá se ele próprio considerar importante
desenvolver o compromisso responsável com as questões ambientais.
Sendo
assim, o professor deve-se manter atento e disposto a ouvir e observar as
manifestações das crianças, desencadeando um diálogo instigante, ligando fatos e
coisas, comuns ou não, a fim de alargar os caminhos do raciocínio infantil e
levar as explicações para outro patamar. Segundo SEBER (1997: p.232), “vale
devolver para a criança argumentos, colocar perguntas desafiadoras e, ao mesmo
tempo, ajudá-la a contrapor seu ponto de vista a outras perspectivas”.
Conformando este pensar, TRISTÃO (2002: p.174) entende que
os
professores como mediadores reelaboram, ressignificam as informações diárias que
recebem. Neste sentido, não é suficiente que o aluno tenha todas as informações,
mas que aprenda o significado dessas informações para sua vida cotidiana.
Nesta perspectiva, o professor, visto
como aquele que tem a possibilidade de mediar esta construção de conhecimento,
utiliza-se de sua mais abrangente vivência, tornando-se capaz de proporcionar a
ocorrência das relações dialogais no espaço cotidiano da escola,
estabelecendo, também, um nexo entre as
culturas e as múltiplas linguagens dos alunos. É possível, ainda, perceber a
diversidade da sala de aula como fator de enriquecimento das potencialidades dos
alunos e dos movimentos de descobertas.
Escutar atentamente as idéias das crianças constitui-se uma forma de
despertar e aguçar o seu interesse pelas descobertas. Para uma aprendizagem
eficiente é preciso relacionar estes encontros e idéias em diferentes contextos,
possibilitando considerar as características dos alunos, seus conhecimentos
prévios e seu raciocínio. Na etapa pré-escolar é preciso selecionar aqueles
temas que permitam estabelecer conexões positivas em relação à natureza,
desencadeando o sentimento e compromisso de cuidado e preservação.
Em
relação as interação da criança com o meio como forma de encaminhar um processo
educativo alicerçamos nosso pensar com TIRIBA (2002: p.4) quando afirma que
“ninguém será capaz de amar e preservar aquilo que não conhece, uma natureza com
a qual não convive interativamente”. Para tanto, é preciso proporcionar uma
aproximação real através das relações cotidianas das crianças com a água, o sol,
a terra, o lixo, tornando-os elementos presentes no cenário das atividades
escolares.
Nesta relação de aprendizagem deve-se procurar envolver a cotidianidade
estabelecendo encadeamentos com os conhecimentos científicos que sustentam as
ações, procurando criar diversificadas formas de inserir a temática ambiental na
pré-escola, com o propósito de ambientar os alunos, desde pequenos, às questões
que permeiam a natureza e sua relação com o desenvolvimento humano. Este ideário
possibilita-nos esta prática na medida em que defende uma escola que considere e
favoreça a interação entre os saberes, as vivências cotidianas e as definições
de cunho científico, estabelecendo entre elas relações de pertinência e
significado.
O ambiente e o lúdico
O ato
de brincar é natural da criança. Através das brincadeiras, a criança manifesta
suas representações acerca do mundo. Propiciar um espaço para que haja
possibilidade de desenvolver esta brincadeira é função das instituições
pré-escolares, pois o ambiente no qual a criança está inserida constitui-se como
muito importante para o seu desenvolvimento. O processo de desenvolvimento que
contempla os aspectos físicos,
sociais,
afetivos e cognitivos, deve ser enriquecido com oportunidades didático
pedagógicas que considerem a necessidade do lúdico como mediador das relações
entre o imaginário e as construções do real.
. Ao
longo da história da educação infantil, seus precursores identificaram em suas
pedagogias, concepções acerca das relações crianças – espaço – natureza e do
desdobramento das atividades de aprendizagem a partir destas.
Defendendo o jogo como forma de manifestação da atividade criadora,
Froebel alertou sobre a necessidade do contato da criança com a natureza.
Segundo Kramer (2002, p.26), “sua proposta pode ser caracterizada como um
“currículo por atividades”, onde o caráter lúdico é o determinante da
aprendizagem da criança”.
Decroly valorizava o espaço exterior como fonte de saúde e elemento
gerador de curiosidade/conhecimento/aprendizado (ELALI, 2003: p.311). Vale
destacar que por conta de sua organização pedagógica a partir dos centros de
interesse, afirmava que “a sala de aula está por toda parte”.
Nos
trabalhos de Maria Montessori, em sua pedagogia firmada, inicialmente, para
crianças portadoras de necessidades especiais e depois expandida para crianças
normais, podemos afirmar que a mesma dirigiu suas construções para o
oferecimento de um ambiente apropriado que respeitasse sua liberdade de ação,
criando inclusive um mobiliário e jogos pedagógicos que se adequassem às
necessidades infantis.
É
certo que tais idéias marcaram o cenário da educação pré-escolar e até hoje
encontramos suas características nos processos pedagógicos executados. Porém, há
de se considerar que naquele momento pouca importância foi dada ao caráter
social e cultural da criança e suas implicações no processo de
aprendizagem.
Na
teoria cognitivista, aqui representada por Jean Piaget, podemos inferir que as
relações da criança com o meio constituem-se pontos relevantes para o seu
desenvolvimento, que é elaborado de acordo com os esquemas de assimilação e
acomodação que vão delineando suas etapas. Durante este processo, torna-se
função da escola promover situações diversas em que a criança exercite o
processo de equilibração, construindo e
desconstruindo seus conceitos acerca das coisas que a rodeia para efetivar sua
aprendizagem. Neste ideário de Piaget, o desenvolvimento cognitivo tem notável
preponderância sobre os aspectos afetivos, sociais e lingüísticos ( DAVIS, 1994:
p.38).
Representante da pedagogia crítica, Freinet preconizava a educação pelo
trabalho, na qual a criança, ativa, participante é considerada como sujeito do
processo, mantém contato direto com os objetos de sua aprendizagem: o meio, os
materiais e o trabalho ( SAMPAIO, 2002: p.17-8). O aprender fazendo é um dos
marcos do pensamento Freinetiano no qual a criatividade, a descoberta, o prazer
e o lúdico são considerados.
Neste
contexto de construção de saberes, entendemos como brincadeira toda e qualquer
forma de brincar, como jogo, uma brincadeira com regras estabelecidas, como
brinquedo, o objeto utilizado para brincar e a atividade lúdica aquela que
refere-se a jogo, brinquedos, brincadeiras, alegria, prazer e a liberdade.
Para
construir conhecimento e ampliar a compreensão do espaço que a rodeia, a criança
tem necessidade de vivenciar experiências cotidianas e manipular objetos que,
preferencialmente na forma lúdica, a conduzirá para uma aprendizagem eficaz.
Desta forma, o brincar e o construir a brincadeira tornam-se atividades muito
importantes.
Torna-se importante esclarecer que a atividade lúdica, neste contexto, é
percebida como um elemento detonador do processo de desenvolvimento da criança,
considerando também a aprendizagem. A atividade lúdica e a atividade produtiva
devem coexistir no espaço da pré-escola. Para tanto, reconhecendo tais
benefícios e a necessidade de uma organização escolar que viabilize esta
prática, Wajskop (2001, p.27) afirma: A
criança que brinca pode adentrar o mundo do trabalho pela via da representação e
da experimentação; o espaço da instituição deve ser um espaço de vida e
interação e os materiais fornecidos para as crianças podem ser uma das variáveis
fundamentais que auxiliam a construir e apropriar-se do conhecimento
universal.
Desta forma, construir brinquedos – objetos
para a brincadeira - constitui-se numa eficiente alternativa para a integração
dos conceitos e percepções acerca do meio ambiente e as possibilidades de
preservação, incluindo a transformação do lixo doméstico em fonte de prazer e
entretenimento, estreitamente associados à ação educativa.
Sem pretender didatizar a atividade lúdica, vemos no brinquedo uma das possibilidades de oferecer um encontro com a aprendizagem, ampliando o repertório de representações da criança e garantindo um espaço no qual aprender, trabalhar e brincar ocupam, harmoniosamente a mesma dimensão.
Abrimos, então, um espaço para pensar a E.A. na
pré-escola, a comunicação infantil, a prática e o lúdico. Um fazer que pressupõe
aprendizagem, alegria e cidadania. Uma ação possível e necessária no processo
educativo das crianças pequenas.
1 Poeta e educador, professor e pesquisador da PUC/RJ. Membro da equipe Nova, ONG que trabalha na área da Educação Popular. 2 A Pré-Escola é o segmento da Educação Infantil que atende as crianças na faixa etária de 4 a 6 anos. Este estudo tem contemplado crianças de 5 e 6 anos. 3 Thomas Kuhn referencia como paradigma as relações científicas universalmente conhecidas que durante algum tempo fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência. 4 De acordo com Giddens (1991), o termo modernidade refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII. Atualmente, no início do século XXI, em vez de estarmos entrando num período, estamos alcançando um período em que as conseqüências da modernidade estão mais radicalizadas e universalizadas do que antes. Referências
Bibliográficas ANJOS,
Maylta Brandão dos. Desenvolvimento Sustentável: raízes e conceitos. Rio
de Janeiro: UNIPLI, 2003. BIZZO,
Nélio. Ciências: fácil ou difícil? São Paulo: Ática, 2001. BRASIL.
Política Nacional de Educação Ambiental. Lei nº 9.795, de 27 de abril de
1999. DAVIS,
Cláudia & OLIVEIRA, Zilma de. Psicologia na Educação. São Paulo:
Cortez, 1994. DHOME,
Vânia & DHOME, Walter. Ensinando
a criança a amar a natureza. São
Paulo: Informal, 2002. DUVOISIN,
Ivane Almeida. “A necessidade de uma visão sistêmica para a Educação Ambiental:
conflito entre o velho e o novo paradigma”. In:.
RUSCHEINSK, Aloísio (org.). Educação
Ambiental:
abordagens múltiplas. Porto Alegre: Artmed, 2002 ELALI,
Gleice Azambuja. “O ambiente da escola - o ambiente na escola: uma discussão
sobre a relação escola-natureza em educação infantil”. Estudos de
psicologia. Natal, nº 2, vol.8, agosto/2003, p.309-319.
FERGUSON,
Marilyn. A Conspiração Aquariana. Rio de Janeiro: Record;Nova Era,
2003. GARCIA,
Pedro Benjamim. Paradigmas em crise e a educação. In: BRANDÃO. Zaia (org.). A
crise dos paradigmas e a educação. São Paulo: Cortez, 2002. GIDDENS,
Anthony.
As
conseqüências da modernidade. São
Paulo: Unesp. 1991. HARLAN,
Jean D. & RIVKIN, Mary S. Ciências na Educação Infantil: uma
abordagem integrada. Porto Alegre: Artmed, 2002. JOSÉ,
Elias. Morada do inventor. Revista Nova Escola. São Paulo: Abril, v.1,
ed.especial, 2004. KHUN,
Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo:
Prspectiva,2003. KRAMER,
Sonia. Com a Pré-Escola nas mãos: uma alternativa curricular para a
educação infantil. São Paulo: Ática, 2002. MORAES,
Roque. Ciências para as séries iniciais e alfabetização. Porto Alegre:
Sagra: DCLuzzalto, 1992. REIGOTA,
Marcos. O que é Educação Ambiental. São Paulo: Brasiliense, 2001. SAMPAIO,
Rosa Maria Whitaker. Freinet: evolução histórica e atualidades. São
Paulo: Scipione, 2002. SEBER,
Maria da Glória. Psicologia do pré-escolar: uma visão construtivista. São
Paulo: Moderna, 1995. SEVERINO,
Antônio Joaquim. Prefácio.
In: GADOTTI, Moacir.
História
das idéias pedagógicas. São
Paulo: Ática, 2001. THE
EARTH-WORKS GROUP. 50
coisas simples que as crianças podem fazer para salvar a
natureza.
Reynaldo Guarani (trad.). Rio de Janeiro: José Olympio, 2002. TIRIBA,
Lea. Educação, ecologia e cultura ambiental. Material didático do Curso
de extensão em Educação Infantil: A criança e a cultura. Rio de Janeiro: SME-RJ
/ PUC-RIO, 2004. TRISTÃO,
Martha. As dimensões e os desafios da Educação Ambiental na sociedade do
conhecimento. In:
RUSCHEINSK, Aloísio (org.). Educação
Ambiental: abordagens múltiplas. Porto
Alegre: Artmed, 2002 VEIGA-NETO.
Alfredo. Paradigmas? Cuidado com eles! In: COSTA, Marisa Vorraber. Caminhos
investigativos II: outros modos de pensar e fazer pesquisa em educação. Rio
de Janeiro: DP& A, 2002. WAJSKOP,
Gisela. Brincar na Pré-Escola. São Paulo: Cortez, 2001. |