Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Relatos de Experiências
15/03/2022 (Nº 78) ALFABETIZAÇÃO ECOLÓGICA COM CRIANÇAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL
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ALFABETIZAÇÃO ECOLÓGICA COM CRIANÇAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Mara de Moura Oliveira1,

1Engenheira ambiental Universidade Federal do Tocantins-UFT e Pós-Graduanda em Educação Ambiental pela Universidade Estadual do Pará-UEPA, maraengeo87@gmail.com.

Resumo: Resumo em português.

Este artigo tem como finalidade apresentar o estudo realizado com um grupo de crianças da educação infantil, através do Programa Criança Ambientalista-PCA, do município de Parauapebas, PA, no ano de 2019. O objetivo foi incentivar a alfabetização ecológica, através do ciclo ecológico da Castanha-do-Pará. Acreditando que as crianças são cientistas natas, seres de cultura e natureza, e a alfabetização ecológica facilita esse entendimento por ensinar os princípios básicos de ecologia e com eles, um profundo respeito pela natureza viva. Contudo é de extrema importância que haja o envolvimento dos educadores, o processo prima pela participação coletiva.

Palavras - Chave: Alfabetização Ecológica; Castanha do Pará; Natureza; Programa Criança Ambientalista.



Abstract: Resumo em inglês

This article aims to present the study carried out with a group of children from early childhood education, through the Criança Ambientalista-PCA Program, in the municipality of Parauapebas, PA, in 2019. The objective was to encourage ecological literacy, through the ecological cycle from Castanha-do-Pará. Believing that children are born scientists, beings of culture and nature, and ecological literacy that facilitates understanding by teaching the basic principles of ecology and with them, a deep respect for living nature. However, it is extremely important that there is the involvement of educators, the process strives for collective participation.

Keywords: Ecological Literacy; Brazil Nuts; Nature; Environmental Child Program.





INTRODUÇÃO

As crianças que chegam às Instituições de Educação Infantil devem encontrar um conjunto de práticas que busquem articular as experiências e os saberes, por meio da aprendizagem com a natureza (BORGES et.al., 2017). Sobre esse assunto Lorenzetti et al (2020) aponta a necessidade de investimento e estímulo em e experiências práticas de aprendizagem que estimulem a autonomia e protagonismo das crianças, permitam o desenvolvimento criativo, fomente a manutenção da curiosidade infantil, através do estímulo da exploração, observação, investigação, imaginação, diálogo e respeito.

Entende-se por Educação Infantil a primeira etapa da educação básica, integra os fazeres pedagógicos de crianças de 0 a 5 anos e 11 meses de idade, nas modalidades creche (0 a 3 anos e 11 meses) e pré-escola (COCITO, 2016). Conforme apontam estudos realizados pelo Núcleo Ciência Pela Infância (2021) é nesse período que representa uma janela de oportunidades cruciais para o desenvolvimento infantil, pois as estruturas do cérebro completam sua formação, organizam - se e se transformam a partir dos estímulos recebidos.

As crianças são cientistas nata, nascem com a curiosidade natural pelo mundo que as circundam e com desejo de explorarem. Portanto, aprendem testando hipóteses, análises e evidências, tal e qual como os cientistas nas suas práticas (LOREIRO,2021). Segundo L’ Ecuyer (2016, p.56), por natureza ela é curiosa descobridora, inventiva, capaz de duvidar sem se perturbar, de formular hipóteses e de comprovar sua validade mediante a manipulação de elementos e observação

Dessa forma, a educação ecológica é uma pedagogia que facilita esse entendimento por ensinar os princípios básicos de ecologia e com eles, um profundo respeito pela natureza viva, por meio de uma abordagem multidisciplinar baseada na experiência e na participação (CROOZ, 2018). Segundo Barros (2018) Cultivar a alfabetização ecológica na educação infantil potencializa a criação de valores humanos, gerando mais diversidade, circularidade e respeito a todas as formas de vida.

Nesse modelo de educação a criança já tem suas responsabilidades com a comunidade desde cedo e, o foco principal é seu bem-estar em todos os sentidos (MAIA, 2012. 135 p). Assim, a pesquisa relatada neste artigo teve como objetivos: perceber a importância do cuidado para com o meio ambiente; desenvolver uma postura de atenção, ação e cuidado com a natureza, através do reconhecimento da biodiversidade que envolve o ciclo ecológico da Castanha-do-Pará (Bertholletia Excelsa Bompl).

Os diversos usos da Castanha-do-Pará são tão antigos quanto o próprio conhecimento técnico-científico e étnico que se tem dessa espécie nativa da floresta amazônica, encontrada praticamente em toda região amazônica. As floretas com castanheira cobrem aproximadamente uma superfície equivalente a 325 milhões de hectares, sendo a maior parte distribuída entre o Brasil, Bolívia e Peru (ALMEIDA,2017).

O Nicho ecológico desta espécie envolve uma comunidade de interação, as abelhas que polinizam, as cutias que dispersam suas sementes, o gavião-real que as escolhem para fazer o seu ninho, a onça-pintada que costuma descansar sobre sua sombra, o macaco-prego que assim como a cutia se alimenta da castanha. No tempo das flores atraem borboletas, beija-flores e cabas, nessa árvore também podem ser encontrado o cupim, a formiga de fogo e vários outros insetos (VENDAS et al, 2020; GRUBER et al, 2000; KAINER et al, 2003).

Nesse sentido, este trabalho teve por objetivo primário incentivar a alfabetização ecológica, através do ciclo ecológico da Castanha-do-Pará, incluindo atividades de interações em espaço não formal de ensino. As atividades foram realizadas com as crianças atendidas pelo Programa Criança Ambientalista-PCA, em Parauapebas-PA.

METODOLOGIA

O estudo apresentado insere em uma pesquisa-ação de abordagem qualitativa, contribuindo assim para a afirmação de uma pedagogia participativa. Conforme apresenta Carvalho (2012) a atividade de caráter investigativo é uma estratégia importante a ser utilizada pelo professor para diversificar a sua prática no cotidiano escolar. Já para Lamim et al (2017).

A investigação tem como cenário as Escola de Educação Infantil, Turma da Mônica e Dona Rosa, do Município de Parauapebas-PA, realizada no segundo semestre de 2019 com 80 crianças na faixa etária de 4 a 5 anos de idade, através do PCA, um dos programas institucionais do Centro de Educação Ambiental de Parauapebas-CEAP.

Quanto ao local de pesquisa, além do espaço escolar com exposição de material didático científico referente ao Ciclo Ecológico da Castanha-do-Pará, as crianças participaram de atividade de campo em um espaço não formal de aprendizagem, Parque Zoobotânico Vale - PZV, localizado na Floresta Nacional de Carajás, em uma Unidade de Conservação Federal (VALE, 2021). Entendendo que a criança precisa ter o contato com a natureza, tocar na terra, pisar em chão que não seja cimentado, conhecer as árvores e plantas e conviver com os bichos (PINAZZA, 2018).

Para coleta de dados optou-se por registros fotográficos, rodas de conversa, mini vídeos, observação e escuta. Segundo Araújo (2018) os registros contribuem para a aproximação da experiência e quando transformado em documentação, a compor narrativas que contribuirão para que as novas aprendizagens ocorram.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Nesse sentido, a primeira etapa do estudo teve como objetivo promover a pesquisa inicial no contexto escolar, fazendo o uso do material didático científico com a intencionalidade de criar um contexto de aprendizagem sobre o “Ciclo Ecológico da Castanha-do-Pará” e observar o encontro e interação das crianças com esse material. Para possibilitar o contexto investigativo os materiais tinham diferentes formatos, superfícies e características, a saber: Acervo biológico de fauna e flora que o Centro de Educação Ambiental tem a sua disposição, recipiente para plantio, fruto da castanha (ouriço), cesta de sisal, muda da espécie, fita métrica e lupas, conforme Figura 02.

Figura 2- Estratégias de investigação da primeira etapa com o apoio do material didático científico.

Fonte: Autora da Pesquisa (2019).

Portanto, o ambiente da sala de aula pretendeu apresentar um espaço potente de provocação do assunto abordado, multissensorial, possibilitando a elas um espaço de aprendizagem levando em consideração o protagonismo a produções das crianças, altura, harmonia estética, ética, acolhimento, contexto investigativo, favorecendo a identidade individual e coletiva para a construção de conhecimento e estudo da criança. Segundo Fochi (2019a) é necessário planejar situações significativas de aprendizagem pelas experimentações. Para Crooz (2018) é importante oportunizar estilos de intervenções flexíveis que proporcionem o aprender fazendo.

A primeira sessão contou ainda com dinâmicas que pudessem possibilitar a escuta das crianças acerca do conhecimento que já tinham sobre a natureza, e a fauna e flora que integrante do ciclo ecológico da Castanha-do-Pará. Dessa experiência inicial surgiram vários questionamentos e hipóteses, como, por exemplo: “A cutia esconde o fruto da castanha no inverno ou no verão”?, “O gavião-real anda sozinho ou com sua família”?, “À árvore também come”?, “A abelha pica”?. Observou-se que houve um grande interesse das crianças em saber sobre a temática apresentada e nos materiais dispostos.

Ao avaliar esse primeiro momento identificou-se que as crianças compreenderam a importância do ciclo ecológico da Castanha-do-Pará, descobriram que o crescimento da espécie arbórea se difere de outras espécies quanto a seu tamanho, ao seu local de nascimento, das flores e frutos dentro da floresta, que suas folhas ao cair no chão mudam de cor e se transformam em adubo, seu fruto também serve de alimento aos animais e que essa relação ajuda na multiplicação natural da árvore. Para Alencar et al (2017) a utilização de elementos amazônicos na dimensão científica e alfabetização ecológica contribui para uma educação integral.

Na segunda fase as atividades aconteceram no PVZ de Carajás, o parque abriga exclusivamente espécies nativas da fauna e flora amazônicas. Conforme apresentado pela mineradora Vale (2021) administradora da área, os animais que habitam o espaço foram entregues por órgãos ambientais competentes sendo frutos de apreensões; nasceram em cativeiro e trocados (permutados) por animais de outros zoológicos, de dentro e de fora do país.

Nessa etapa as crianças foram divididas em dois grupos distintos: onça pintada e gavião real, a dinâmica ajudou no melhor desempenho da atividade durante a visita no parque e na continuidade da pesquisa (Figura 03). Como apresenta Augusto em seus estudos (2015), “a diversidade de experiências é o plano de fundo para as elaborações das crianças, mas é a continuidade que promove a exploração, a investigação, a sistematização de conhecimentos e a atribuição de sentido”.

Durante a vivência no PZV, as crianças demonstraram facilidade em identificar os animais apresentados na sessão anterior, revelaram interesse ao tocar nos elementos da natureza (como pedras, água, solo, plantas) e sentirem suas diferentes texturas sem qualquer receio. Com o decorrer do tempo, as crianças envolveram-se ainda mais com o espaço e na sua exploração, descobrindo novos elementos a serem explorados e observados, assim de forma genuína perceberam um mundo natural para além daquele apresentado em sala de aula, apresentando novas narrativas e um mundo cheio de imaginação (Figura 04).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A vivência dessa atividade consolidou não apenas a importância da alfabetização ecológica na educação infantil, como ressaltou a importância de propostas metodológicas que veem a criança como pesquisadora entendendo que ela é um indivíduo produtor de cultura, social, histórico, de direito, que cria e interpreta o mundo ao seu redor. Conforme Soares (2019) apresenta em seus estudos, quanto mais a criança é tida como protagonista, quando lhe escuta a voz que chama por ação, pode-se obter resultados inimagináveis.

Toda essa aproximação trouxe uma intimidade para a relação das crianças com a cadeia sinergética que o ciclo da Castanha-do-Pará apresenta, como também a de sentirem partes integrantes da natureza, em contato com a biodiversidade local permitindo que construam uma relação mais empática e de pertencimento ao bioma Amazônia.

Contudo, destaca-se que a pesquisa não se encerra aqui, atividades dessa natureza precisam acontecer com mais frequência nos espaços escolares do município, e para que a experiência faça ainda mais sentido para as crianças é de extrema importância que haja mais envolvimento dos seus professores, o processo prima pela participação coletiva.



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Ilustrações: Silvana Santos