Não podemos pensar em desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades sociais e em qualidade de vida sem discutirmos meio ambiente. - Carlos Moraes Queiros
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 88 · Setembro-Novembro/2024
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Reflexão
Crise ambiental, educação
ambiental e sustentabilidade
Ensaio:
Berenice Gehlen Adams Nunca,
em outros tempos, ouviu-se falar tanto da crise ambiental como nos dias de hoje.
A crise ambiental é assunto que envolve todos os setores sociais, e não há
como negar que esta crise representa um somatório das ações, sendo, portanto,
um produto das formas de cultura que o ser humano criou ao longo do
processo civilizatório pela desenfreada busca do desenvolvimento. De
praticamente todos os contextos sociais emergem as seqüelas de um desgaste da
humanidade: a violência, a falta de escrúpulos, as diferenças sociais que
revelam verdadeiros abismos entre classes, a educação precária - e a saúde
mais ainda, o desperdício de um lado e a fome do outro, os altos índices de
stress e doenças associadas com a depressão como a síndrome do pânico, por
exemplo. Essa listagem poderia se entender por várias linhas mais, porém,
estes poucos exemplos servem bem para ilustrar o quadro pintado de cinza que
retrata nossa sociedade desgastada pelos problemas que enfrenta. Buscando
elaborar uma reflexão mais aprofundada sobre a crise ambiental e existencial
que nos permeia, encontrei, nas palavras de Einstein, um eixo para suporte de
reflexão acerca das crises que vivenciamos: "Não
pretendemos que as coisas mudem se sempre fazemos o mesmo. A crise é a melhor
benção que pode ocorrer com as pessoas e países, porque a crise traz
progressos. A criatividade nasce da angústia, como o dia nasce da noite escura.
É na crise que nascem as invenções, os descobrimentos e as grandes estratégias.
Quem supera a crise, supera a si mesmo sem ficar "superado". Quem
atribui à crise seus fracassos e penúrias, violenta seu próprio talento e
respeita mais aos problemas do que as soluções. A verdadeira crise é a crise
da incompetência. O inconveniente das pessoas e dos países é a esperança de
encontrar as saídas e soluções fáceis. Sem crise não há desafios, sem
desafios, a vida é uma rotina, uma lenta agonia. Sem crise não há mérito. É
na crise que se aflora o melhor de cada um. Falar de crise é promovê-la, e
calar-se sobre ela é exaltar o conformismo. Em vez disso, trabalhemos duro.
"Acabemos de uma vez com a única crise ameaçadora, que é a tragédia de
não querer lutar para superá-la". Albert
Einstein O
posicionamento de Enstein, além de provocador é também motivador, indicando
que se estamos vivenciando um processo de crise é preciso mudar de direção,
ousar, criar, tendo, assim mais possibilidades de superação dessa crise. Além
disso, deixa claro que se estamos em crise é porque fomos, em algum momento,
incompetentes e devemos buscar nossas habilidades e desenvolver novas competências
para buscarmos soluções para antigos e novos problemas. Como
dito anteriormente em relação aos problemas ambientais, fica difícil definir
qual deles é o mais agravante. Para
alguns especialistas, a hiperurbanização é um dos principais problemas
ambientais da atualidade, justamente por que gera outros inúmeros problemas que
prejudicam a qualidade de vida, tanto social quanto ambiental. Seguidos a este,
citam a poluição industrial e agrícola, a degradação do solo, o
desmatamento e a perda de biodiversidade como problemas que merecem especial
atenção para a busca de soluções. Cada
cidade enfrenta problemas semelhantes, embora distintos, por estes dependerem da
sua cadeia produtiva e do contexto onde está inserida. Recente estudo do IBGE,
realizado em parceria com o MMA, em todos os municípios brasileiros, mostra
alguns dados impressionantes apontados a seguir: -
47% das cidades sofreram prejuízo na sua agricultura, pecuária e pesca, por
problemas ambientais; -
38% dos municípios têm seus rios e enseadas contaminados; -
33% dos municípios têm problemas de poluição no solo, provocados -
22% das cidades têm problema de contaminação do ar. As
principais fontes poluidoras foram: queimadas (64%), vias não-pavimentadas
(41%), atividade industrial (38%), agropecuária (31%) e veículos (26%). Esta
pesquisa do IBGE deve servir como alerta de que o ambientalismo não se trata de
um modismo, mas sim, de um movimento no qual toda sociedade deve aderir para que
possamos reverter estes percentuais dramáticos apontados. Deveria,
também e por certo, haver uma fiscalização mais efetiva de todas as ações
humanas sobre o meio ambiente. Nossas leis ambientais são consideradas as
melhores do mundo, no entanto, os índices do desgaste ambiental continuam
crescendo de forma acelerada. Uma
das ferramentas imprescindíveis para reversão do quadro de crise ambiental é
a Educação Ambiental, que ajuda a preservar o meio ambiente através da promoção
de novas posturas de utilização dos recursos naturais, pois são a base da
sustentabilidade da vida, tanto de posturas pessoais até das gestões
ambientais em empresas, organizações em geral, principalmente de empresas
privadas e públicas. Deveria haver um maior investimento em programas de
capacitação de Educação Ambiental para gestores educacionais (diretores,
gerentes, orientadores, supervisores, coordenadores), que por sua vez
orientariam as suas equipes e seus corpos docentes dos sistemas de ensino, de
diferentes instituições (incluindo empresas), para que as pessoas responsáveis
por toda e qualquer ação educacional promovessem subsídios de como trabalhar
a Educação Ambiental, promovendo a sensibilização destas pessoas. Informação
e conhecimento, somente, não são suficientes, é preciso sensibilizar. Penso
que seria importante capacitar também nossos representantes no governo, pois
muitas vezes, por falta de sensibilização com as questões ambientais,
formulam e aplicam leis que desfavorecem o meio ambiente e toda sociedade. No
ensino formal, especificamente (escolas, universidades), a Educação Ambiental
não se trata de uma atividade isolada, nem de uma disciplina - apesar de
algumas escolas erroneamente a instalarem como tal - porque ela se configura
como uma nova prática educacional que traz o enfoque ambiental a ser
desenvolvido em todas as séries, desde a Educação Infantil até o Ensino
Superior, em todas as disciplinas, ou seja, é uma prática interdisciplinar.
Costumo "brincar" dizendo que a Educação Ambiental funciona como
lentes que chegam para curar a miopia dos processos de ensino, que antes não
enxergavam o ambiente com nitidez em suas práticas. Os
objetivos e princípios da Educação Ambiental estão claramente explicitados
em documentos referência, como A Carta da Terra, o Tratado de Educação
Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, e também a
LEI Nº 9795 que institui e legitima a Educação Ambiental no Brasil. Sendo
assim, quanto mais cedo iniciarmos um trabalho de sensibilização ambiental com
as crianças, tanto melhor, e este trabalho deverá ser de cunho permanente e
interdisciplinar, tal qual o é a própria Educação Ambiental por seus princípios
explicitados em documentos referência, elaborados por diferentes coletivos –
já mencionados anteriormente. Destaco,
porém, que falar em Educação Ambiental é falar em desafios, em mudança de
valores, de hábitos, e isto mexe com a filosofia de vida de cada um,
sendo necessário lidar com o contraditório, porque nos deparamos com muitas
atividades cotidianas, em todas as esferas, que vão contra aquilo que
trabalhamos, portanto, é fundamental estar preparado para lidar, com
naturalidade, diante de situações contraditórias que as crianças e
adolescentes trarão no desenvolvimento das atividades de Educação Ambiental. A
Educação Ambiental deve estar presente, também, nos processos de
alfabetização, aliando método de alfabetização (forma cognitiva de
aprender a ler e escrever) à temas ambientais, ou seja, a criança, desde a
Educação Infantil, começa a aprender a ler (além de palavras e frases) o seu
ambiente, tanto o natural quanto o construído. E isso muda toda abordagem da
educação tradicional, e inclui atividades de sensibilização, para que a
criança também aprenda a sentir e perceber o mundo de uma forma mais
integrada, menos fragmentada. Sabe-se
que para a Educação Infantil e séries iniciais da Educação Básica as
atividades educativas em forma de vivências, dinâmicas e experiências são
fundamentais para a promoção de aprendizagens significativas. Estas atividades
devem trazer à tona os elementos ambientais. Os métodos e as estratégias
utilizadas são definidas pelos próprios professores, porém, é imprescindível
que tenham como base os princípios norteadores da Educação Ambiental
encontrados nos documentos referência. Muitos educadores e educadoras não têm
conhecimento destes documentos, e estes são fundamentais para a compreensão
desta prática educativa. Eles são importantes ferramentas pedagógicas que
direcionam a educação para questões ambientais. Cabe lembrar que as ações
de Educação Ambiental devem estar integradas em todos os momentos da rotina
escolar. A
criança, quanto menor, mais ela insere e incorpora em sua vida o que vivencia
na escola. Gosta muito da repetição, nesta idade, e é desta forma que ela vai
assimilando o que lhe é “ensinado”. Saliento que é preciso tomar muito
cuidado na forma de abordagens feitas em relação aos problemas ambientais, não
mostrando somente o lado “catastrófico” da situação ambiental, mas também
acrescentar que é possível fazer algo para mudar, e que elas (as crianças)
podem colaborar. A
presença dos pais no acompanhamento educacional das crianças é fundamental
neste processo. Em se tratando da conscientização ambiental, nem sempre a
criança encontra “eco” do que é trabalhado na escola, em seu lar. Portanto
a participação dos pais ou adultos que acompanham a criança vai depender da
postura de vida que aquela família tem em relação ao ambiente. Educação
Ambiental é uma postura de vida, além de prática pedagógica e educacional.
Neste caso, cabe ao professor estar atento, perguntar as crianças, e caso
identifique alguma situação contraditória vivenciada, que ele cative esta família
de forma criativa e prazerosa, porque por imposição ninguém muda de postura.
Nesta situação uma atividade de sensibilização com os pais é bem
recomendada. Através
da Educação Ambiental a criança aprende a ver o mundo que a cerca com olhos
críticos, e percebe que faz parte do ambiente, de um mundo que está todo tempo
conectado. Aprende a respeitar todas as formas de vida sabendo que todos são
importantes e que uns dependem dos outros. Em
se tratando de jovens, a Educação Ambiental é fundamental para influenciá-los
às mudanças de posturas em relação ao meio ambiente, e este trabalho se
potencializa se for realizado de forma atrativa e lúdica ao mesmo tempo,
levando em conta todas ansiedades normais presentes nesse período da vida.
Atividades de dinâmicas de grupo, que promovem reflexão e ao mesmo tempo
descontração, são atividades educativas e pedagógicas recomendadas para esta
faixa etária. Elaborar com os jovens, projetos por equipes, onde cada equipe
tenha um tema relacionado com a sustentabilidade ambiental - e que seja da
realidade destes - para ser desenvolvido durante um determinado período, também
oferece bons resultados. É fundamental, ao propor a construção destes
projetos, que os jovens se envolvam e colaborem na sua construção, pois serão
parte do processo e, sendo assim, haverá uma integração mais Um
documentário chamado Dossiê Universo Jovem, realizado pela MTV,
mostra a opinião dos jovens sobre "sustentabilidade" e sinaliza que
estes já têm uma noção básica de que é preciso cuidar do meio ambiente,
mas que ainda não há uma clara compreensão do que é
"sustentabilidade". Indica, também, que é preciso tratar o tema de
maneira simples, exemplificando com modos cotidianos de agir, através de
atividades que os sensibilizem. Este documento está disponível no link:
http://www.aartedamarca.com.br/Dossie4_Mtv.pdf. Apenas
tenho sérias dúvidas sobre o que passa na cabeça de jovens e crianças quando
se deparam com as contradições do dia-a-dia, pois aprendem o que não deve ser
feito para o meio ambiente, ao mesmo tempo em que assistem, diariamente, a
queimadas, desmatamentos, derramamentos de óleo em rios e mares, mortandade de
peixes. Ainda
não dispomos de mecanismos capazes de avaliar o grau de sensibilização ou de
conscientização das crianças e adolescentes, de forma clara e sistemática,
que apontem o quanto elas estão sendo tocadas pela Educação Ambiental, porém,
percebe-se que há um prazer muito grande por parte destas ao realizarem as
atividades educativas sensibilizadoras que trazem à tona as questões
ambientais, que eles vivenciam em seus contextos. Eu
não tenho a menor dúvida de que as crianças de hoje, com as quais são
desenvolvidas atividades de Educação Ambiental, estejam crescendo com uma visão
diferenciada da nossa, pois nós (adultos), não fomos educados com os enfoques
ambientais implícitos em nossas experiências educativas. Sou bem otimista em
relação a isto. Nossas crianças estão aprendendo a ler o mundo de forma mais
complexa e integrada quando a escola insere a Educação Ambiental de forma
interdisciplinar. Porém,
para a Educação Ambiental (formal, não formal e informal) promover, com maior
eficácia e amplitude, a mudança de posturas necessárias para a minimização
da crise ambiental, é preciso ampliar o universo de sua inserção, que
atualmente está bastante restrito, e muitas vezes o que é indicado como Educação
Ambiental se revela como um apanhado de práticas pontuais (relacionadas a datas
comemorativas como semana do meio ambiente, dia da Terra, dia da árvore, etc). É
preciso que cada um se sensibilize, principalmente as pessoas que são responsáveis
por qualquer função que se relacione a algum sistema de educação, em
qualquer contexto. Precisamos nos perceber como cidadãos planetários, porque a
maior e melhor forma de educar é pelo exemplo e pelo que se vivencia. É
preciso responder individualmente a esta questão: Como estou vivendo e
percebendo a minha responsabilidade frente ao meio ambiente? Nós todos que hoje somos adultos (incluindo também os adolescentes mais velhos – visto que esse estágio tem se prolongado) fomos criados e formados com a visão de que o meio ambiente é um grande "armazém de mercadorias", como diz o jornalista ambiental Vilmar Berna. Porém, o dia-a-dia começa a nos mostrar que se continuarmos com essa visão e forma de vida, a Terra certamente entrará em colapso. Pois bem, precisamos mudar, sim, mas por onde começar? Sabemos que toda mudança requer um processo lento, gradual e precisamos abrir mão de hábitos, significando "sacrificar" alguns confortos. Então, o primeiro passo para achar o caminho para uma vida sustentável é abrir-se para a mudança, iniciando por uma reflexão sobre nossos hábitos cotidianos, desde o que comemos, o que vestimos, até a forma como nos deslocamos para o trabalho e como nos relacionamos com o ambiente natural, com os animais, com as outras pessoas. Esse é o primeiro passo. Depois disto, com base na reavaliação de nossos hábitos, começamos por substitui-los por novos, por exemplo: trocar momentos de lazer passados em frente ao computador ou vídeo game por uma caminhada, trocar o "xis-burguer" por um sanduíche natural ou algumas frutas, trocar o tempo que se passa em frente a televisão por um bom livro, enfim, essas mudanças variam muito de acordo com cada um, com cada contexto vivenciado. O simples fato de começar a separar nossos resíduos já nos incentiva a promover diversas mudanças em nossa postura como consumidores, e uma mudança vai puxando outra mudança, mas somente mudaremos se estivermos realmente dispostos e abertos para isso. Para finalizar este ensaio que traz uma reflexão acerca da importância da Educação Ambiental para minimizar o quadro de crise ambiental, apresento um pequeno texto, de minha autoria, que foi publicado em fevereiro deste ano, no Blog EducomVida, intitulado: Sustentabilidade, utopia?, que segue: É certo que há urgência em buscar soluções para revertermos a situação ambiental em que se encontra o nosso planeta, porém, é difícil exigir uma mudança "da noite para o dia", pois sabemos que isto é impossível, uma vez que nossos hábitos são resultado de atividades socioculturais milenares, que modificam-se com o desenvolvimento tecnológico. Todo esse processo da evolução social acabou criando situações de dependência ditadas pelos meios de produção e consumo. São tantas coisas para mudar que fica difícil de saber por onde começar. Nosso sistema cultural foi construído no paradigma do "progresso" e "desenvolvimento", e a sociedade estruturou-se para a produção e consumo. Se o sistema de produção diminui, os preços sobem e o consumo cai. Se o consumo diminui, muitos empregos ficam comprometidos, então, há que se lidar de forma criativa com esta situação. Como produzir menos sem comprometer o sistema econômico? Concluo que é preciso reaprender o significado da vida em seu amplo contexto e, principalmente, no contexto social e urbano. É preciso ressignificar o conceito de sociedade para que esta possa se tornar sustentável e responsável. Ser ambientalmente responsável é assumir o compromisso permanente de cuidar do meio ambiente e respeita-lo, vivendo de forma sensível, racional e consciente do enorme valor que tem cada forma de vida do Planeta. É utopia, sim, e é preciso acreditar. Mas, o que é utopia além de um conceito que significa “um ideal impossível de ser alcançado?”. Gosto da frase de Eduardo Galeano: "A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos, e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar." Buscar a utopia de uma sociedade sustentável é justamente andar na sua direção, e na medida em que andarmos vamos adquirindo habilidade, sensibilidade, amabilidade, e aprendendo a importância da simplicidade e da solidariedade. Somente andando nessa direção será possível avistar no horizonte a sociedade que desejamos. |