Não podemos pensar em desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades sociais e em qualidade de vida sem discutirmos meio ambiente. - Carlos Moraes Queiros
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 88 · Setembro-Novembro/2024
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Entrevistas
14/12/2010 (Nº 34) Entrevista com Arno Leandro Kayser, para a 34ª Edição da Educação Ambiental em Ação (www.revistaea.org)
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Educação Ambiental em Ação 34

Entrevista com Arno Leandro Kayser, para a 34ª Edição da Educação Ambiental em Ação (www.revistaea.org)

Por Bere Adams

 

Apresentação: O entrevistado desta edição é o engenheiro Agrônomo Arno Leandro Kayser, de Novo Hamburgo/RS. Conheço o Arno de longa data, inclusive fomos colegas por um ano. Sua atuação nas questões ambientais sempre estiveram presentes em sua vida, participando de vários movimentos ambientais. Atualmente, trabalha na Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler – RS (Fepam). Ele vai nos contar um pouco da sua jornada.  

 

Bere – Olá, Arno! Conte-nos como foi seu ingresso nas questões ambientais e o que lhe motivou para se dedicar a elas.

 

Arno – A história é meio longa, mas tudo começou na infância. Vivi em Novo Hamburgo numa época em que a cidade era menor e minha casa ficava próxima da zona rural. Havia muito verde, arroios limpos e muitos animais selvagens nos nossos territórios de brincadeira onde circulávamos sem medo.

 

Perto de casa havia um ingazeiro muito grande plantado pelo dono do armazém aonde as crianças brincavam e olhavam o mundo ao redor. Era o ponto de encontro de colonos que desciam de Dois Irmãos para vender no armazém.

 

Eu gostava muito desta árvore, mas quando estenderam a rede elétrica na Vila ela foi cortada. Algo que me chocou muito e me despertou para o problema da devastação da natureza e a vontade de proteger as árvores e os animais em geral.

 

Mas tarde, minha tia Marlene me falava das palestras do Lutzenberger em Porto Alegre. O que fez ver que havia muitas pessoas interessadas em defender a natureza. A base se completou com as aulas de ecologia que tive na Fundação Evangélica, no segundo grau, com o professor Schmeling e a formação na faculdade de Agronomia e um estágio na Alemanha em agricultura alternativa.

 

Bere – Qual é o seu envolvimento com o Movimento Roessler?

 

Arno – Eu participo desde 1985, quando voltei da faculdade para Novo Hamburgo e trabalhava no Horto da Prefeitura de Novo Hamburgo. Participei de várias ações na entidade como a luta contra as podas, a defesa do Rio dos Sinos, a criação do Parcão e muitas outras. Já exerci vários cargos na entidade a representei na Apedema, Fundo Nacional do Meio Ambiente, Comitesinos e Pró Guaíba.

 

Bere – Entre trabalhos desenvolvidos por você na área ambiental, qual deles você destaca?

 

Arno – A administração do Horto de Novo Hamburgo que me deu oportunidade de plantar milhares de árvores e divulgar a importância da plantas nativas; o trabalho na assessoria de Educação Ambiental da Prefeitura de Novo Hamburgo, me envolvendo com a formação de crianças e adultos para os temas do meio ambiente; o trabalho na consolidação do Comitesinos, primeiro comitê de Bacias do Brasil; o trabalho de escritor de Ecologia no Jornal NH, Folha de Novo Hamburgo, revista Mundo Jovem e outras publicações que levaram minhas ideias para muitos públicos Brasil afora; a publicação de livros e a montagem de texto de teatro infantil e vídeos de ecologia que ampliaram minha capacidade de expressão nesta área.

 

Também destaco meu trabalho no Pró Guaíba, no Fundo Nacional do Meio Ambiente e na Fepam, aonde pude me envolver em vários projetos e ações em prol da proteção ambiental.

 

Bere – Quais as maiores dificuldades encontradas durante sua trajetória?

 

Arno – A incompreensão de muitas e muitas pessoas que enxergam nos ecologistas pessoas intolerantes e não percebem que o trabalho em prol do meio ambiente é a maior revolução cultural dos nossos dias. A falta de apoio aos grupos ecologistas locais para terem um mínimo de infraestrutura para agirem e ampliarem seus trabalhos.

 

Bere – Para você, qual a importância da Educação Ambiental?

 

Arno – A Educação Ambiental é fundamental como processo transformador da consciência de todos os seres humanos nestes nossos dias para que percebam que somos todos parte deste Planeta e que devemos proteger e respeitar as leis que garantiram o processo vital que nele evoluiu ao ponto de torná-lo uma joia rara neste universo. Penso que ela deve fazer parte da estratégia de todas as instituições humanas e não ser interpretada apenas como algo voltado para as crianças e jovens, mas um aprendizado importante também para os adultos de todas as gerações para que a humanidade tenha futuro neste Planeta.

 

Bere – Desde que você ingressou para o ambientalismo, quais as diferenças que você percebe nas posturas das pessoas em relação ao meio ambiente?

 

Arno – Antes de mais nada gostaria de me definir como um ecologista ou como alguém que com  a luz do conhecimento cientifico desenvolve uma ação cidadã organizada em prol do meio ambiente, e que atua também, movido por sentimentos e devoção espiritual. Ambientalismo envolve uma gama muito maior de pessoas dentro da iniciativa privada e pública comercial e política que, nem sempre, tem como norte a defesa da vida, mas de interesses profissionais, econômicos ou políticos.

 

Mas uma coisa que mudou muito é que antigamente a maioria das pessoas, mesmo os ecologistas, não acreditava ser possível transformar o rumo da nossa sociedade no sentido de uma prática que respeite os limites impostos pelas leis naturais. Hoje, além de acreditarem, vejo muitas pessoas pondo as ideias em prática de uma forma muito criativa e construtiva.

 

Bere – Muito bom esse seu esclarecimento que evidencia diferenças entre ambientalismo e ecologismo. A própria Educação Ambiental também é confundida com Ecologia em muitas circunstâncias.  Percebo você otimista em relação às ações e ideias práticas desenvolvidas por pessoas. E em relação a instituições privadas e órgãos governamentais, dá para perceber esse movimento?

 

Arno -  Acho que há muitas instituições privadas atuando em prol do meio ambiente. Em particular as entidades ecológicas criadas para tal fim. Mas elas sofrem muito com falta de apoio e realizam verdadeiros heroísmos para praticar seu papel.

 

Muitas empresas apoiam o meio ambiente, mas ainda a ação é de propaganda e construção de uma imagem positiva que não se verifica na pratica e nos seus processos produtivos.

 

Os consumidores, de um modo geral, têm um papel forte na transformação das empresas  na medida que exigem produtos que protejam o meio ambiente.

 

Já nos órgãos ambientais, a preocupação é mais setorial e impulsionada por servidores públicos que priorizam o meio ambiente. A questão ambiental no meio político ainda é vista como secundária para boa parte embora nos discursos a defesa do meio ambiente em geral se faz presente. Isto só mudará com pessoas votando em políticos que realmente querem proteger o meio ambiente.

 

Bere – Fale-nos um pouco sobre suas publicações e onde é possível encontrá-las.

 

Arno – Eu escrevo e publico desde 1982, quando comecei com um livro de poemas chamado “Peixes de 61”. Foi uma edição do autor, com forte apoio da minha mãe, dona Estela. Ainda tenho alguns para remédio em casa.

 

Escrevi mais de 700 artigos para vários periódicos, em especial o Jornal NH (de 1984 a 1992), Folha de Novo Hamburgo (de 2000 a 2006), revista Mundo Jovem (desde 1987 até hoje). Mas o primeiro que publiquei foi no Jornal ”Hamburgerberg” da Fundação Scheffel, em 1983.  Até onde sei, depois de Henrique Roessler, é a maior quantidade sobre o tema de um autor gaúcho.

 

Em 1987 publiquei ”Verde no Cinza”, pela Editora Otomit que está esgotado. Este livro fala sobre arborização urbana e serviu de base para o seguinte: “As Árvores de Novo Hamburgo”, publicado pela Prefeitura de Novo Hamburgo, num imenso mutirão de coleta de papel pela rede de escolas. Este livro esta disponível nas bibliotecas das escolas de Novo Hamburgo.

 

Reunindo uma série de meus artigos de jornais, publiquei, pela Editora Sinodal, “Signos de Renovação”. O Livro saiu em 1991 e tem prefácio de José Lutzenberger.  Se esgotou e não teve nova edição.

Em 1997 publiquei a revista comemorativa de dez anos do Comitesinos que deu base para um roteiro em vídeo e que me abriu as portas para produzir uma série de vídeos registrando o trabalho de Educação Ambiental nas escolas do Vale do Sinos.

 

Em 1999 publiquei um trabalho, para o Pró Guaíba, sobre a situação das matas ciliares da Região, que foi publicado na Revista da Unisc.

 

Em 2005 publiquei “A História do Peixe Dourado”, um texto infantil com ilustrações de Silvana Santos, pela Editora Oikos. Foi um livro de muito sucesso que pode ser obtido através do site da editora. Conta as aventuras de um peixe em defesa de seu rio e sua família.

 

Em 2007 lancei “A Reconciliação com a Floresta” pela Editora Mundo Jovem. Outra coleta de artigos de ecologia que foi montada como um livro de apoio para educadores e agentes pastorais que querem trabalhar o tema com a juventude. O livro está na segunda edição. Em Novo Hamburgo tem na livraria Flama e também no site da editora.

 

Também tenho colaborado com a Revista da Fepam com artigos técnicos desde 2008.

 

Ainda tenho participações em livros coletivos de poemas da Academia Literária do Vale do Rio dos Sinos (Alvales) e um livro produzido pela ONG CECA, escrito em parceria com Ivone Gebarra, chamado “Terra, Eco Sagrado”.

 

Tenho ainda muito material inédito, em particular textos de teatro infantil e um livro de crônicas chamado “Couro”. Dos textos de teatro já foram montados dois.  “A Borboleta que Queria Morrer”, em 1987 e “As Aventuras do Vovô Roessler”.  “Couro” é uma proposta de fazer um romance mural sobre o Vale do Sinos, especialmente sobre o período áureo da indústria coureiro calçadista do ponto de vista de vários personagens, sem um herói ou protagonista principal.

 

Bere – Uma produção e tanto! Um verdadeiro legado! E quando você pensa em publicar esse material inédito? A procura por roteiros de peças teatrais infantis com temas ambientais é muito grande! Já tem alguma previsão?

 

Arno - A editora que lançou o livro “A História do Peixe Dourado” me deu este mesmo diagnóstico. Há falta de textos para teatro infantil. Estamos tentando viabilizar um apoio para lançar o texto da “Borboleta que Queria Morrer”. Já apresentamos a ideia para o Comitesinos e para algumas prefeituras. Mas ainda não obtivemos apoio concreto.

 

Há texto escrito por encomenda de uma produtora de Santa Catarina que está em fase de captação de recursos dentro de um projeto de Educação Ambiental.

 

Também ando pensado na ideia de lançar um blog com meus textos, mas ainda estou um pouco xucro nesta área cibernética. No site do Movimento Roessler (www.roessler.org.br) há alguns editados, bem como em outras páginas da Internet, para quem tiver curiosidade. Ou então procurando direto comigo.

 

Bere – Normalmente nos inspiramos em pessoas para desenvolvermos nossos trabalhos. Quem é que lhe serve de exemplo ou de inspiração para os trabalhos ambientais que você realiza?

 

Arno – Minha inspiração vem de casa. Meu pai sempre me mostrou como fazer agricultura ecológica e foi um ativista da igreja luterana na área social e educativa. Minha mãe sempre foi uma recicladora nata e apoiadora de meus trabalhos. Meus irmãos também sempre me deram apoio nesta luta.

 

O trabalho de Henrique Roessler, em especial seus escritos, são uma fonte perene de inspiração, junto com o exemplo de grandes ecologistas como Sebastião Pinheiro, Magda Renner, Padre Clemente, Professor Schmeling e José Lutzenberger.

 

Entre os amigos do Movimento Roessler sempre tive grande admiração por José Ferlauto, Jane Schmitt, Rogério Rauber, os irmãos Sérgio e Flávio Rolim, Débora Sarmento, Evânia Reichert  e o povo da geração mais recente como o Tiago Genehr, Cátia Cilene e Débora Dakini, Julian Mauhs e o nosso presidente Markus Wilmsig. A Viviane Nabinger e o Paulo Saul, parceiros do Comitesinos são outros que me ajudam a prosseguir.

Além destes todos, minha fonte de inspiração mais próxima é a minha esposa Cristina Haag, que esta sempre me apoiando no dia a dia.

 

Bere – Realmente somos privilegiados por termos tantos gaúchos ecologistas. Agora, voltando ao Movimento Roessler, no qual participam ativamente você e estas pessoas citadas, como você percebe a influência desta entidade para as questões ambientais locais, como por exemplo, na situação do Parcão,  que sofre a ameaça de receber interferência em seu cerne. E o que você pensa sobre o projeto de reestruturação deste espaço de preservação?

 

Arno – Acho um absurdo que estejam querendo mexer construindo uma rua no meio do parque que foi uma das maiores lutas populares desta cidade. Ainda mais num contexto de uma administração de um partido que surgiu das lutas populares.

 

Estamos nos mobilizado para não deixar isto acontecer, e o positivo é que muita gente está nos apoiando nesta luta. Em todas as audiências públicas sobre o tema ninguém apoiou a ideia.

 

Mas se não fosse o Roessler comprar a briga não sei o que seria. Mas como o Lutzenberger dizia, “em termos de meio ambiente, as vitórias sempre são provisórias”. É preciso estar atendo sempre.

 

Bere – Deixa, como recado, um pensamento ou uma frase, para o pessoal que faz e que lê a revista Educação Ambiental em Ação.

 

Arno – Gosto muito de uma frase de Lao Tse, autor Taoista a quem é atribuído o “Tao the King”: ”O sábio age sem agir e, por não querer ser visto, nunca passa desapercebido”.

 

Mais ou menos o que dizia Villa Lobos quando falava que “escrevo minhas músicas como cartas dirigidas ao futuro sem aguardar respostas”.

 

Bere – Arno, em nome da equipe da revista quero lhe agradecer, de coração, pela sua disponibilidade em compartilhar sua rica experiência como pessoa, cidadão, ecologista, que é um verdadeiro exemplo de vida. Esperamos que o seu recado adentre  pelo coração das pessoas que aqui chegam com sede de ideias, e as inspirem a fazer tudo e mais um pouco para uma vida mais equilibrada e sadia. Muito obrigada!

Ilustrações: Silvana Santos