Não podemos pensar em desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades sociais e em qualidade de vida sem discutirmos meio ambiente. - Carlos Moraes Queiros
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 88 · Setembro-Novembro/2024
Início Cadastre-se! Procurar Área de autores Contato Apresentação(4) Normas de Publicação(1) Podcast(1) Dicas e Curiosidades(5) Reflexão(6) Para Sensibilizar(1) Dinâmicas e Recursos Pedagógicos(11) Entrevistas(2) Divulgação de Eventos(1) Sugestões bibliográficas(3) Educação(1) Você sabia que...(2) Reportagem(2) Soluções e Inovações(3) Educação e temas emergentes(6) Ações e projetos inspiradores(24) Cidadania Ambiental(1) O Eco das Vozes(1) Do Linear ao Complexo(1) A Natureza Inspira(1) Notícias(26) Relatos de Experiências(1) Dúvidas(1)   |  Números  
Artigos
11/12/2021 (Nº 73) ALGUMAS CONVERGÊNCIAS ENTRE EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA E CTSA: POSSÍVEIS REFLEXOS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Link permanente: http://revistaea.org/artigo.php?idartigo=4058 
  

ALGUMAS CONVERGÊNCIAS ENTRE EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA E CTSA: POSSÍVEIS REFLEXOS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES



Some Convergences Between Critical Enviromental Education And CTSA: Possible Reflections In Teacher Traning



Carlos Alberto Nascimento Filho1; Guaracira Gouvea2; Maria da Graças Ferreira Lobino3; Sirlene Dias Araújo4



1Doutorando Instituto Nutes/Universidade Federal do Rio de Janeiro – carloanfilho@gmail.com

2Doutora em Educação (orientadora) Instituto Nutes – guaracirg@uol.com

3Doutora em Educação Instituto Federal do Espírito Santo – maria.lobino@ifes.edu.br

4Mestre em Ensino de Ciências Instituto Federal do Espírito Santo – sirlened@ifes.edu.br



Resumo: Neste estudo a proposta foi estabelecer uma relação entre Educação Ambiental Crítica e a abordagem CTSA e utilizar essa relação para analisar os resumos das dissertações de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (EDUCIMAT) do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES), publicadas no ano de 2017. Assim, este trabalho buscou identificar pesquisas que utilizam o aporte teórico e metodológico dos conceitos e princípios fundamentais da Educação Ambiental Crítica e da abordagem CTSA, destacando os pontos de convergência entre estas, por meio da análise do conteúdo dos resumos das dissertações, apoiando nos referenciais decorrentes da pesquisa bibliográfica que nos proporcionou uma aproximação com temas tratados pelas duas abordagens. Assim, foi possível construir algumas inferências e reflexões acerca da utilização desses referenciais e indicar a presença destes no processo de formação de professores de ciências e matemática, a partir da análise dos resumos das dissertações publicadas.

Palavras-chave: Educação ambiental crítica. CTSA. Formação de professores.



Abstract: In this study, the proposal was to establish a relationship between Critical Environmental Education and the CTSA approach and use that relationship to analyze the abstracts of the master's dissertations of the Graduate Program in Science and Mathematics Teaching (EDUCIMAT) of the Federal Institute of Espírito Santo (IFES), published in 2017. Thus, this work sought to identify research that uses the theoretical and methodological support of the fundamental concepts and principles of Critical Environmental Education and the CTSA approach, highlighting the points of convergence between them, through the analysis of the content of the abstracts of the dissertations, supporting the references that deal with the two approaches. Thus, it was possible to build some inferences and reflections about the use of these references and indicate their presence in the process of training science and mathematics teachers, based on the analysis of the abstracts of published dissertations.

Keywords: Critical environmental education. CTSA. Teacher training.



1 Introdução

A questão ambiental, há anos está inserida na agenda política ambiental global, contextualizando o surgimento dos grandes debates ecológicos em finais da década de 1970, que se confundem com a onda antiecológica e os processos de desregulamentação pública e privada, bem como questões sobre desigualdade ambiental e a escassez progressiva dos recursos naturais, sendo objeto de políticas públicas e inclusão dessas no currículo escolar. Contamos hoje, com um número de pesquisas, de diferentes abordagens, em nível planetário de movimentos ecológicos diversos, que permitem uma análise e reflexão adequada sobre o tema, bem como o debate acadêmico sobre a questão ambiental a partir dos anos 1970, que assumiu o protagonismo na consolidação do campo de pesquisa, com reflexos na educação ambiental como também na institucionalização de políticas para a área.

O estabelecimento da Educação Ambiental começa a se consolidar, ainda enquanto tendência, a partir das conferências internacionais — Estocolmo (1972); Belgrado (1975); Tbilisi (1977); Moscou (1987); Rio de Janeiro (1992); Tessalônica (1997), lembrando que o tema é bastante diverso, envolvendo vários atores e interesses distintos, sobretudo econômicos, com abordagens e concepções específicas em sua composição, o que faz com que as disputas nesse campo de pesquisa, sejam constantes.

No Brasil, conforme Layrargues e Lima (2014) estão em destaque três vertentes principais que atuam na Educação Ambiental. A Conservacionista ou Conservadora, cujas ações de educação ambiental ensinam “conhecer para preservar”, produzindo um certo distanciamento entre o ser humano e a natureza. Esta evidencia apenas destruição, por conta disso são necessários o estabelecimento de áreas de preservação, com o trabalho educacional privilegiando mudanças individuais. A Pragmática, que busca conciliar o modo de produção capitalista com a preservação do meio ambiente. Os discursos são baseados no desenvolvimento sustentável. O processo educacional prioriza procedimentos que ressaltam o desenvolvimento sustentável, baseado em forma de explorar com o menor dano possível.

A terceira vertente, a Educação Ambiental Crítica, de acordo com os autores, propõe transformação da relação entre humano, ambiente e saúde, indicando mudanças do modo de vida social, sobretudo no padrão de consumo, incentivando a participação política nas lutas por justiça socioambiental e saúde. Dessa forma, a educação ambiental que aderir a essa vertente, obrigatoriamente, deverá adotar a formação política na proposta pedagógica, sendo que não há outra possibilidade de superar a crise ambiental global no momento atual, senão o fortalecimento das instituições que, necessariamente, passa pela formação crítica do sujeito.

A abordagem CTSA é um tema que nos interessa na investigação e também o contexto social onde se desenvolve, “além de seus possíveis impactos científicos e socioambientais, que tem repercussão na sociedade” (BAZZO, 2011). O ensino de ciências na educação básica, nos termos da abordagem CTSA, deverá buscar sempre a promoção da educação em ciências e tecnologia para os estudantes, auxiliando-os na construção de sua identidade de cidadãos e na construção do conhecimento e sua função social (SANTOS, 2007).

De acordo com os autores citados no parágrafo acima, essa abordagem possibilita a ampliação e a articulação dos conteúdos da educação científica e tecnológica, fazendo a integração com a tecnologia e sociedade e o ambiente que é o lugar onde toda a ciência e tecnologia se realizam. A abordagem CTSA possibilita a humanização do ensino dessa área, privilegiando a totalidade e a abrangência, em detrimento da fragmentação que poderá contribuir para que os estudantes possam compreender adequadamente o mundo contemporâneo. Dessa forma, a educação científica e tecnológica protagoniza as atividades escolares, ao passo que a sociedade e o ambiente são o espaço onde acontece a prática científico tecnológica, bem como seus reflexos e consequências.

No que se refere à formação de professores com enfoque CTS, (AULER E DELIZOICOV, 2006) pesquisaram sobre como os professores de Ciências entendiam as interações entre CTS e suas potencialidades interdisciplinares abordando, prioritariamente, três parâmetros: superioridade do modelo de decisões tecnocráticas, perspectiva salvacionista da ciência-tecnologia e determinismo tecnológico. De acordo com os autores, na medida em que rejeitavam o mito da perspectiva salvacionista da ciência-tecnologia, endossavam o modelo decisório tecnocrático. Assim, alguns obstáculos importantes ao enfoque CTS no processo educacional estão diretamente relacionadas à formação docente.

Dessa forma, no contexto dos debates conceituais intrínsecos a área de ensino de ciências, o objetivo deste estudo foi analisar as dissertações do Mestrado do Programa Educimat quanto a relação entre a EAC e CTSA, identificando os aspectos de convergência entre elas, apoiando-se nos conceitos e princípios fundamentais da Educação Ambiental Crítica e da abordagem CTSA. Acreditando que esse debate poderá contribuir na discussão dessa convergência, em um primeiro momento apresentamos alguns debates e conceitos referentes a Educação Ambiental Crítica e a abordagem CTSA, que se constituem em referenciais teóricos desta investigação, fundamentais para a elaboração do estudo e, após, apresenta-se a metodologia, resultados e considerações.

2 Educação Ambiental Crítica

Essa variedade de aportes teóricos acerca da Educação Ambiental tem consolidado perspectivas diferentes e conferido significados variados à esta, configurando em um campo em disputa, no qual diversos sentidos e vertentes sobre o tema vão procurar homogeneizar-se. A educação levada a efeito nos últimos séculos, tem priorizado o indivíduo descolado da natureza, da qual retira os recursos para aquisição, manutenção, reprodução e concentração da riqueza. Concepção de indivíduo essencial, desconhecedor das singularidades humanas.

O educador ambiental crítico deverá entender que a educação é construção, longe da mera reprodução, pensando o novo, entendendo que as intervenções deverão, sempre, propor a transformação da realidade, (GUIMARÃES, 2004). Loureiro (2006), enfatiza a importância do conceito de totalidade que “não é um todo fechado”. Ao contrário, é o lugar da complexidade, da disputa e dos debates. Onde há o acirramento das contradições históricas. Na teoria crítica, dialética, não há totalidade acabada, indiscutível.

A Teoria Crítica, oriunda do marxismo foi sistematizada por um grupo de teóricos alemães, conhecidos como integrantes da Escola de Frankfurt: Jürgen Habermas, Herbert Marcuse, Max Hokheimer e Theodor Adorno entre outros. Uma das mais relevantes contribuições da teoria crítica está na verificação dos dificuldades e possibilidades para a emancipação humana. Alguns elementos ou categorias conceituais da teoria crítica, emancipação, cultura, ideologia, poder e justiça social se apresentam como possibilidades de serem utilizadas no desenvolvimento das pesquisas educacionais. Para Guimarães (2006), Loureiro et al. (2009), além de outros, essa tradição crítica, marxista na origem, possibilitou romper com a dicotomia entre humano e natureza que ele atribui à alienação capitalista, essencial para a educação ambiental, sobretudo a Educação Ambiental Crítica.

A pesquisa, conforme proposição da teoria crítica se opõe ao cientificismo, ainda cartesiano, e busca a superação da teoria tradicional, positivista, disponibilizando para a ciência uma possibilidade crítica de emancipação humana, com o propósito de “[...] repensar e reconstruir o significado de emancipação humana” (GIROUX, 1986, p. 21). Os fundamentos da teoria crítica podem propiciar o desenvolvimento de pesquisas que tenham como objetivos a produção de conhecimentos que tornem possível desvelar a realidade estudada, na medida em que poderá proporcionar ao indivíduo, autonomia.

Neste contexto, a questão ambiental aparece como uma “crise da civilização” visto que, com os saques predatórios aos recursos naturais, ao longo dos séculos, pelos capitalistas para saciar o desejo da sociedade do consumo fomentada pelos mesmos, tem criando crises ambientais importantes, que vão desde as alterações climáticas até a extinção de inúmeras espécies. Uso excessivo de combustíveis fósseis, rompimento de barragens, derramamento de óleo nos oceanos, descarte irregular de resíduos, dentre outros impactos de grandes proporções, tem contribuído para uma degradação rápida do planeta.

Isso, associado as rápidas mudanças científicas e tecnológicas impostas à sociedade, aumenta a necessidade de reflexão e ação sobre o mundo que estamos construindo e como a escola está lidando com a questão, considerando a educação como elemento essencial nos processos formativos de cidadãos críticos e reflexivos, que serão essenciais para a manutenção da vida com qualidade nas próximas décadas.

O debate sobre as questões socioambientais deverá sofrer mudanças profundas e, considerando que é na escola que se reproduz a sociedade, é de extrema importância tratar os temas relacionados à ciência e tecnologia bem como aos que dizem respeito às consequências sociais e ambientais no contexto histórico e social em que ocorre. O momento pode ser adequado para repensar o modo de produção existente, o que exige nova postura e prática.

Inicialmente no Brasil, a educação ambiental estava amparada apenas na vertente conservacionista que, conforme (LAYRARGUES; LIMA, 2014), a partir das ciências ecologia e biologia de caráter conservacionista cujas propostas eram ações de educação ambiental com objetivos de sensibilizar a o ser humano para as questões da natureza, partindo da máxima “conhecer para preservar”. Nessa perspectiva, há um distanciamento do ser humano e a natureza, promovendo a dicotomia em detrimento da totalidade, essencial para a compreensão da questão ambiental. Essa é a proposição da educação ambiental crítica, a transformação da relação entre humano, ambiente e saúde e, para que isso seja possível, será necessária a mudança do modo de vida social, especialmente mudanças no padrão de consumo, incentivando a participação política nas lutas por justiça socioambiental e saúde.

Ainda na fundamentação da educação ambiental, são indicadas diferentes tendências de práticas educativas nesta, a partir das representações construídas de ambiente:

(i) Natureza — para ser apreciada e preservada; (ii) Recurso — para ser gerenciado; (iii) Problema — para ser resolvido; (iv) Sistema — para compreensão e tomada de decisão; (v) Meio de vida — para conhecer e cuidar do ambiente; (vi) Biosfera — como local para ser vivido; (vii) Projeto comunitário — para se estar envolvido e comprometido; (viii) Relação sociedade-natureza (MORALES, 2009, p. 168).

O contraponto evidenciado por Morales (2009, p. 170) está nas correntes crítico-reflexivas interessadas em debates e problematizações, sempre considerando o conceito de totalidade nas relações estabelecidas entre sociedade e natureza. Aqui, são reunidas as abordagens de tendência crítica, a partir dos pressupostos teóricos e metodológicos da teoria crítica, ligada à “análise das dinâmicas sociais da problemática ambiental”.

A educação ambiental poderá contribuir muito na formação e capacitação da sociedade em geral, sobre as questões ambientais, se empregada com intenção de possibilitar autonomia às pessoas, na medida em que passam a conhecer os mecanismos, inclusive burocráticos, passando assim a desempenhar um papel mais ativo nestes contextos. Algumas proposições da vertente crítica da educação ambiental são essenciais. Loureiro (2004), indica que são características fundamentais das práticas de educação ambiental transformadora o cotidiano, coletivo e permanente, pautado em três eixos explicativos:

a) Educação transformadora busca redefinir o modo como nos relacionamos conosco, com as demais espécies e com o planeta. Por isso é vista como um processo de politização e publicização da problemática ambiental por meio do qual o indivíduo, em grupos sociais, se transforma e à realidade.

b) Em termos de procedimentos metodológicos, a Educação Ambiental Transformadora tem na participação e no exercício da cidadania princípios para a definição democrática de quais são as relações adequadas ou vistas como sustentáveis à vida planetária em cada contexto histórico.

c) Educar para transformar significa romper com as práticas sociais contrárias ao bem-estar público, à equidade e à solidariedade, estando articulada necessariamente às mudanças éticas que se fazem pertinentes. (LOUREIRO, 2004, p. 81-82)

Para o autor, essas características são elementares para que os estudos ambientais sejam articulados e subjetivados de forma integral. Esse entendimento não fragmentado do ambiente propicia um entendimento mais adequado que poderá promover engajamento e participação mais ativa por parte da população, sobretudo quando se trata de embates com grandes corporações representantes do grande capital internacional. Essa é a principal motivação para a utilização da Educação Ambiental Crítica como suporte epistemológico do estudo.

A reprodução sistemática e organizada da ação educativa tradicional conforme Loureiro (2004), é compatível com o projeto dualista natureza-cultura, podendo consolidar a ordem social vigente, excluindo o contexto histórico do debate. Concordando com Loureiro, entendemos que a educação ambiental deve propor ao indivíduo a possibilidade de pensar sobre esta de forma a despertar uma consciência crítica no que se refere às questões socioambientais, buscando uma contraposição à hegemonia liberal exploratória, situando o ser humano como mundo e parte indissociável deste.

A contraposição a essa hegemonia é, para Loureiro, Layrargues, Guimarães e Lima, por exemplo, a Educação Ambiental Crítica, visto que privilegia a formação crítica e contra hegemônica do educando, buscando a possibilidade de acesso a uma visão de mundo reflexiva não pautada na fragmentação do conhecimento como propõe o cientificismo tradicional. Pelo contrário, deverão ser disponibilizadas e incentivadas atividades coletivas, que envolvam participação na promoção da cidadania, entendida, neste contexto, como a realização do “sujeito histórico” oprimido, para que ao se ver como oprimido de uma realidade opressora sinta vontade de libertar-se, e ao se libertar de certos condicionamentos econômicos e políticos venha ser “senhor de si mesmo” (LOUREIRO, 2004, p. 71).

3 Ciência Tecnologia Sociedade e Ambiente - CTSA

No que se refere a abordagem CTSA (Ciência Tecnologia e Sociedade), Santos (2007) propõe a busca pela promoção da educação científica e tecnológica dos cidadãos com a intenção de capacitar ou oportunizar as condições necessárias para que o estudante possa também, produzir conhecimentos, bem como desenvolver habilidades e valores imprescindíveis às decisões que tomamos no cotidiano sobre questões científicas e tecnológicas na e da sociedade, buscando soluções para tais questões e também mostra que a significação do termo, dependerá da realidade em que é construído e identifica alguns significados:

a) conhecimento do conteúdo científico e habilidade em distinguir ciência de neociência; b) compreensão da ciência e de suas aplicações; c) conhecimento do que vem a ser ciência; d) independência no aprendizado de ciência; e) habilidade para pensar cientificamente; e) habilidade de usar conhecimento científico na solução de problemas; f) conhecimento necessário para participação inteligente em questões sociais relativas à ciência; g) compreensão da natureza da ciência, incluindo as suas relações com a cultura; h) apreciação do conforto da ciência, incluindo apreciação e curiosidade por ela; i) conhecimento dos riscos e benefícios da ciência; ou j) habilidade para pensar criticamente sobre ciência e negociar com especialistas (SANTOS, 2007, p. 478).

Para a abordagem CTSA (Ciência Tecnologia, Sociedade e Ambiente), a observação e os debates acerca dos problemas ambientais se consolidam entre as décadas de 60 e 70, sobretudo no pós-guerra, com a produção maciça de armas com poder de destruição global, além das inúmeras mudanças verificadas no mundo ocidental a partir de 1960. Mudança com relação a ética e valores, o discurso da qualidade de vida ganha força acirrando o debate sobre os temas ambientais, no processo de ensino e aprendizagem, incluindo aí o Brasil onde já aparecem nas propostas curriculares, temas relacionando aspectos sócio econômicos com o desenvolvimento científico e tecnológico.

Nesse contexto, é adequado compreendermos o movimento CTS em seu aspecto sociológico e os reflexos da transposição da sua “filosofia” para a educação formal. Essa transposição tem promovido profundas alterações dos currículos, bem como na seleção dos conhecimentos que serão organizados em conteúdos disciplinares. Ressaltando que o avanço do debate acerca dos temas ambientais e considerando seu caráter extremamente crítico em relação ao projeto de desenvolvimento da ciência e tecnologia atualmente, foi incluída mais uma letra na sigla, passando também a ser denominada CTSA.

De acordo com Angotti e Auth (2001), como os reflexos da cadeia das inter-relações CTS implica, necessariamente, em reflexos ambientais, posteriormente passou a ser denominada também CTSA. Então, de acordo com as referências dessa abordagem, podemos afirmar, considerando sua origem, que a abordagem CTS incorpora o debate ambiental ao trinômio CTS.

Segundo Santos (2011), não podemos desconsiderar as relevantes contribuições que o movimento CTS inseriu no ensino nos últimos anos, levando em conta que a proposta é ressignificar a função formadora da instituição escolar:

Aikenhead (2005 e 2006) apresenta resultados de pesquisas que demonstram como propostas de ensino CTS têm contribuído para a maioria dos estudantes da educação básica que apresentam dificuldades com o ensino tradicional de Ciências. As pesquisas apontam resultados positivos em termos de evidenciar a relevância social do conhecimento científico estudado, de melhorar a aprendizagem de conceitos científicos, de contribuir para os alunos desenvolverem a capacidade de tomada de decisão, de orientar os professores para uma educação voltada para a cidadania. Em síntese, Aikenhead (2005 e 2006) demonstra evidências de os materiais de CTS terem sido bem sucedidos (SANTOS, 2011, p. 28).

Dentre os reflexos do ensino com abordagem eminentemente CTSA, podemos destacar a autoestima, a comunicação oral e escrita, a resolução de problemas, a tomada de decisão, o aprendizado colaborativo/cooperativo, a responsabilidade social, o exercício da cidadania, a flexibilidade cognitiva e o interesse em atuar em questões político-sociais, que estão presentes no cotidiano da sociedade.

Para o autor, a educação CTS está presente nos documentos oficiais, por meio das recomendações curriculares, segundo as quais, o ensino de ciências deveria priorizar a formação a cidadania. No final da década de 1990, ocorre a institucionalização da educação com abordagem CTS, registradas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) do ensino médio e fundamental:

No ensino de Ciências Naturais, a tendência conhecida desde os anos 80 como “Ciência, Tecnologia e Sociedade” (CTS), que já se esboçara anteriormente e que é importante até os dias de hoje, é uma resposta àquela problemática. No âmbito da pedagogia geral, as discussões sobre as relações entre educação e sociedade se associaram a tendências progressistas, que no Brasil se organizaram em correntes importantes que influenciaram o ensino de Ciências Naturais, em paralelo à CTS, enfatizando conteúdos socialmente relevantes e processos de discussão coletiva de temas e problemas de significado e importância reais. Questionou-se tanto a abordagem quanto a organização dos conteúdos, identificando-se a necessidade de um ensino que integrasse os diferentes conteúdos, com um caráter também interdisciplinar, o que tem representado importante desafio para a didática da área (BRASIL, 1998, p. 20-21).

A citação acima explicita as características e desafios pedagógicos para uma abordagem CTSA no ensino, ou seja, aplicar a orientação CTSA na sala de aula, os conteúdos disciplinares deverão contextualizar historicamente os temas sociais. Assim, questões científicas abordadas em sala de aula deverão estar presentes no cotidiano dos estudantes, bem como aos processos de desenvolvimento tecnológico.

Na Base Nacional Comum Curricular, aprovada em 2016, podemos destacar quatro aspectos, que podem ser considerados de abordagem CTS/CTSA: a) Objetivos formativos da área; b) às questões sócio científicas (QSC); c) à interdisciplinaridade; d) à capacidade de argumentação.

Interpretar e discutir relações entre a ciência, a tecnologia, o ambiente e a sociedade, em seu próprio contexto e em âmbito maior no espaço e no tempo. Mobilizar conhecimentos científicos para emitir julgamentos e tomar posições a respeito de situações e problemas de interesse pessoal e social, relativos às interações da ciência na sociedade. Desenvolver senso crítico e autonomia intelectual no enfrentamento de problemas e na busca de soluções, visando a transformações sociais e à construção da cidadania. Refletir criticamente sobre valores humanos, éticos e morais relacionados à aplicação dos conhecimentos científicos e tecnológicos (BRASIL, 2016b, p. 584-585)

Os objetivos descritos na citação vão ao encontro das proposições da educação CTS/CTSA, visto que incentivam a busca por soluções para situações cotidianas e contextualizadas acerca das relações entre C&T, no tempo e no espaço, afirmando que o ensino de Ciências deve ultrapassar a barreira da mera transmissão e fixação de conceitos e repetição de respostas prontas.

Por fim, a abordagem CTS no ensino científico e tecnológico na educação básica, tema bastante pesquisado por autores que defendem que essa educação seja capaz de promover a cidadania entre os estudantes, além da construção essencial de conhecimentos e habilidades que poderão auxiliar desde à tomada de decisões, até a inserção no mercado de trabalho, por exemplo. E ainda

Pensar, então, em uma educação científica crítica significa fazer uma abordagem com a perspectiva de LCT com a função social de questionar os modelos e valores de desenvolvimento científico e tecnológico em nossa sociedade. Isso significa não aceitar a tecnologia como conhecimento superior, cujas decisões são restritas aos tecnocratas. Ao contrário, o que se espera é que o cidadão letrado possa participar das decisões democráticas sobre ciência e tecnologia, que questione a ideologia dominante do desenvolvimento tecnológico. Não se trata de simplesmente preparar o cidadão para saber lidar com essa ou aquela ferramenta tecnológica ou desenvolver no aluno representações que o preparem a absorver novas tecnologias (SANTOS, 2007, p. 483).

Santos enfatiza que o letramento científico, é um requisito essencial para que os indivíduos consigam acompanhar plenamente os avanços científicos e tecnológicos, servindo-se destes para exercer sua participação no meio social em que está inserido. Participação aqui, significa reflexão, tomada de decisão, opinião e execução, num momento em que a construção do conhecimento bem como sua divulgação, sobretudo em ciência e tecnologia são muito rápidas.

4 Onde está a convergência?

Pensamos o ensino de ciências como um campo multidisciplinar a ser explorado por inúmeros estudos, visto que permite a integração de temas diversos, “possibilitando a reflexão e ação possíveis sobre as dimensões sociais da ciência e da tecnologia” (BAZZO, 2011, p. 91). Para essa reflexão, ainda será necessário percorrer um longo caminho. Muitas mudanças deverão ser implementadas, será necessária uma profunda alteração nas práticas, posturas e intencionalidades do processo educativo. É preciso olhar para essas bruscas mudanças científicas e tecnológicas, bem como para os reflexos sociais decorrentes destas.

Para que o ensino seja capaz de produzir mudanças nas relações humanas com o meio ambiente, é imprescindível que conhecimentos técnicos e científicos e educação ambiental trabalhem de forma articulada e inter-relacionados. Nos processos educativos, as práticas propostas pelas duas tendências são complementares, buscando a formação voltada para a cidadania e participação social.

A formação do cidadão que possibilite sua participação ativa, está consolidada como um dos principais propósitos dessas duas tendências. Quando se busca formar cidadãos ativos, capacitados a tomada de decisões bem como a participação em ações de conservação e recuperação do meio ambiente, por exemplo, são requisitados mais que simples conhecimentos populares; são necessários conhecimentos e consciência técnico-científica ligados aos numerosos e complexos processos ambientais (PRAIA; GIL-PEREZ; VILCHES, 2007, p. 143). O processo de alfabetização científica, deverá priorizar as interações indissociáveis entre a sociedade e o meio ambiente.

Já existem alguns trabalhos que discutem essa temática. Uma das pesquisas pioneiras, a ressaltar essa convergência (FARIAS; FREITAS, 2007, p. 12), afirmam que com as relações CTSA, o estudo da ciência e tecnologia tendem a ressaltar sua função crítica e de responsabilidade, envolvido principalmente em práticas socioambientais. As autoras consideram que as pesquisas nesse âmbito são incipientes, fazendo-se necessárias outras investigações que busquem inter-relacionar essas áreas do saber, que estão pautadas em ideais críticos visando a emancipação do ser no mundo. Consideram também que algumas pesquisas demonstram incompatibilidade entre essas tendências, podendo haver reducionismos e utilitarismo no que se refere à educação ambiental.

Outro ponto que podemos ressaltar são os desafios e a consolidação das relações, pesquisas e práticas educativas e cotidianas, tanto da Educação Ambiental Crítica, quanto da abordagem CTSA, que podem “resultar em articulação de dimensões política, de que se ocupou historicamente a educação ambiental, e pedagógica, que marcou a agenda de pesquisa da educação em ciências:

O estudo dos periódicos da educação em ciências indica o campo CTS como uma área do saber ligada ao ensino de ciências, em busca de sua afirmação e reconhecimento. Apesar disso, foi possível perceber um considerável número de trabalhos em CTS, que já propõe interface com a questão ambiental principalmente em trabalhos publicados nos periódicos brasileiros” (COSENZA; MARTINS, p. 14, 2011)

Para as autoras, essa integração poderá contribuir para a consolidação da educação de abordagem tanto CTSA, quanto a Ambiental Crítica, aumentando a possibilidade de práticas educativas que tem o “potencial de reforçar os ideais emancipatórios”, visto que nas duas, é possível identificar práticas e procedimentos que caminham em direção parecida. Além disso, são várias as categorias de análise que podemos identificar nestas, como veremos à frente.

Neste contexto, é possível verificar que tanto a Educação Ambiental, na sua vertente crítica, quanto a abordagem CTSA, propõe que a existência no planeta será possível apenas por meio da participação ativa da sociedade buscando novos processo de organização social, visando acompanhar essas mudanças, por meio de uma educação transformadora, que possibilite às pessoas refletirem sobre os impactos dessas mudanças na sociedade. Então, podemos dizer que essas duas abordagens convergem, no que se refere à prática e inserção do contexto social e econômico nas atividades de ensino, bem como no processo de formação que privilegia a cidadania, com intencionalidade educacional, assim como a adoção de metodologia educacional compatível, que possibilite uma aprendizagem vinculada à atualidade social mundial.

Refletindo sobre Educação Ambiental Crítica e a CTSA, verificamos a importância de propostas que possibilitem mudanças, visto que o objetivo da educação é a formação integral do indivíduo. A Educação Ambiental Crítica propõe a construção de uma postura ética e para o exercício da cidadania, buscando sempre as práticas coletivas que resulta de processos de formação crítica e a construção coletiva do conhecimento capaz de transformar a realidade socioambiental. Por sua vez, a educação de abordagem CTSA, relaciona as questões políticas às socioambientais, valorizando as interações comprometidas com o processo formativo das populações para a intervenção nas situações cotidianas, interpretando problemas locais, regionais, nacionais e globais sempre de forma contextualizada, voltadas à capacitação do indivíduo à tomada de decisão. Assim, utilizamos nesse estudo, categorias que emergem das duas abordagens, prática social ou contexto social e econômico no ensino; formação para a cidadania; práticas educacionais integradoras e interdisciplinaridade.

Ressaltamos assim, a complementaridade das duas abordagens que caminham, poderíamos assim dizer, em direção parecida nas questões socioambientais, bem como nas práticas educativas. Buscam a formação para a participação e exercício da cidadania, intervindo objetivamente no meio social em que habitam, sem dicotomizar o social e o ambiental, orientadas pelo conceito da totalidade. Também é inerente as duas abordagens, o debate político acerca dos temas, visto que o debate tanto em torno da CTSA quanto da Educação Ambiental é eminentemente político, sobretudo nos tempos atuais onde os objetivos principais estão relacionados à maximização dos lucros e ao aumento de consumo e, para que isso ocorra, é necessário a exploração à exaustão de todos os recursos possíveis.

Em relação à prática educativa verificamos, por meio da revisão bibliográfica, que a proposta de incentivar a criatividade e a contextualização, bem como o estabelecimento de uma relação horizontal no processo de ensino e aprendizagem, é inerente à Educação Ambiental Crítica, assim como na abordagem CTSA. A sugestão da utilização de projetos, a interdisciplinaridade e maior protagonismo dos estudantes também são muito marcantes nestas abordagens, que pensam no projeto escolar como motivador e desencadeador de criatividade nestes. Criatividade que “surge” por meio da necessidade de encontrar respostas às questões que surgem na construção do projeto.

5 Caminho Metodológico

Trata-se de um estudo de caso, de abordagem qualitativa. Iniciamos com a revisão bibliográfica por meio de artigos publicados no Portal de Periódicos Capes, utilizando, como critério de inclusão temas abordando a Educação Ambiental Crítica e CTSA, publicados a partir de 2004, período em que esse debate começa a consolidar-se no Brasil. A leitura dos artigos selecionados possibilitou uma análise sobre as relações entres estas bem como seus reflexos na educação em geral que expusemos nesse artigo.

A pesquisa documental, foi elaborada a partir da leitura dos resumos das 44 dissertações de mestrado do EDUCIMAT, do IFES, em 2017, buscando identificar a existência de estudos utilizando os temas Educação Ambiental Crítica e CTSA como fundamento teórico, além de verificar se os estudantes utilizaram de alguma forma, essas tendências educacionais em seus estudos. Classificamos conforme a linha de pesquisa, conforme Quadro 1. Em seguida, por meio da leitura dos resumos, identificamos aqueles que tratam de uma ou as duas temáticas aqui trazidas. Considerando que resumo é a versão sintética e seletiva do texto que deverá ressaltar os elementos de maior importância, entendemos que as análises dos mesmos bastam para os objetivos da pesquisa, na medida em que ali poderão estar as categorias que buscamos.

A opção pela utilização do Educimat se justifica pelas linhas de pesquisa adotadas pelo Educimat, do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES), criado em 2011, cuja proposta de projeto pedagógico, de acordo com o coordenador à época, era “atender a demanda de qualificação dos profissionais da educação, portadores de diploma de graduação obtido em curso reconhecido pelo MEC, atuantes em educação científica” (LEITE et al, 2012, p. 23).

Também a opção pela turma concludente em 2017, se deve ao fato da instituição haver ofertado um maior quantitativo de vagas no ano de 2015, sendo que, além da oferta normal ao público externo, houve uma seleção específica para os servidores da instituição, por meio de edital específico cujo objetivo é fomentar a formação de professores, especialmente o ensino de ciências e matemática, proporcionando um total de quarenta e quatro dissertações, número que consideramos adequado a análise que pretendida.

Dessa forma, após análise do conteúdo conforme Bardin (2009), dos resumos das quarenta e quatro dissertações do curso de mestrado do Programa de pós-graduação em Educação em Ciências e Matemática do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES), defendidas no ano de 2017 apuramos que, do total das dissertações apresentadas, oito utilizaram temas que abordaram CTS/CTSA e a Educação Ambiental, que nos forneceram os subsídios necessários ao estudo neste aspecto, conforme Quadros 1 e 2:

Quadro 1 – Dissertações sobre EA utilizadas na construção e análise dos dados

Educação Ambiental

ARAUJO, Sirlene Dias. O projeto “alfabetização científica no contexto da cidadania socioambiental” como contributo ao enraizamento da educação ambiental.

BENDINELLI, Patricia Vidigal. Educação ambiental no ensino superior: uma análise do entendimento relativo às questões ambientais.

FERRAZ, Vasty Veruska Rodrigues. Abordagem pedagógica dos saberes populares dos(as) pescadores(as) e marisqueiros(as) do Município de Cariacica-ES da perspectiva da educação ambiental crítica.

NEVES, Bianca Pereira das. Aulas de campo na planície aluvionar do Rio Doce da perspectiva da educação ambiental crítica.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2020

Quadro 2 - Dissertações sobre CTS/CTSA utilizadas na construção e análise dos dados

CTS/CTSA

FADINI, Guilherme Pizzoni. Desenvolvimento de um projeto de educação alimentar com enfoque CTS/CTSA no contexto do ensino médio público.

MOGNHOL, Tadeu Davel. Projeto escolar “Café de venda nova do imigrante” com enfoque cts/ctsa no ensino médio público: uma prática pedagógica além da sala de aula.

SANTANA, Raiza Carla Mattos. Projeto “mascavo”: educação química a partir dos estudos culturais da construção social de ciência e tecnologia da produção artesanal de açúcar.

SANTOS, Sérgio Martins dos. Estudo de caso: produção de conhecimento escolar a partir dos debates sobre poluição no rio Doce numa perspectiva CTS/CTSA.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2020

6 Resultados e discussão

A revisão bibliográfica proporcionou uma aproximação com os debates sobre a educação ambiental crítica e a abordagem CTSA, que possibilitou estabelecer algumas relações e distanciamentos entre estas, além de revelar possíveis categorias de análise adequadas às duas propostas.

A partir da classificação, quadros 1 e 2, buscamos nos resumos referências ou indícios que poderiam indicar aspectos das quatro categorias de análise que se fazem presente tanto na Educação Ambiental Crítica, quanto na abordagem CTSA: ‘contextualização’, ou seja, prática social inserida no contexto social e econômico no ensino; ‘formação para a cidadania’, como objetivo educacional; ‘práticas educativas integradoras’; ‘interdisciplinaridade’ e conteúdos tidos como “instrumentos mediadores da formação geral dos alunos, e não como mero conjunto de informações factuais desprovidas da relação com a sociedade” (TEIXEIRA, 2003, p. 186). Após, analisamos quantitativa e qualitativamente a frequência com que as categorias de análise, aparecem nos resumos analisados, implícita e explicitamente, conforme demonstrado na Tabela 1.

A adoção de categorias implícita e explícita tornam as análises mais confiáveis, considerando que os conceitos adotados como categorias a priori são amplos e que, em algumas ocasiões, as referências às categorias que propusemos são apresentadas implicitamente numa frase ou diálogo e essa distinção no momento da construção das categorias proporciona uma análise e consequentemente inferências mais adequadas ao estudo. Dessa forma, estão consolidadas as regras para uma categorização adequada, adotando a exclusão mútua, homogeneidade, pertinência, objetividade e fidelidade.

Tabela 1 – Frequência das categorias implícita e explícitas nos resumos

Resumos

Categoria

Frequência explícita

Frequência implícita

ARAUJO, Sirlene Dias. O projeto “alfabetização científica no contexto da cidadania socioambiental” como contributo ao enraizamento da educação ambiental.


Cidadania

4

4

Contextualização

2

4

Interdisciplinaridade

2

5

Práticas educativas integradoras

2

2

BENDINELLI, Patricia Vidigal. Educação ambiental no ensino superior: uma análise do entendimento relativo às questões ambientais.




Cidadania

2

4

Contextualização

1

4

Interdisciplinaridade

1

3

Práticas educativas integradoras

2

2

FERRAZ, Vasty Veruska Rodrigues. Abordagem pedagógica dos saberes populares dos(as) pescadores(as) e marisqueiros(as) do Município de Cariacica-es da perspectiva da educação ambiental crítica


Cidadania

1

6

Contextualização

3

4

Interdisciplinaridade

1

3

Práticas educativas integradoras

3

5

NEVES, Bianca Pereira das. Aulas de campo na planície aluvionar do Rio Doce da perspectiva da educação ambiental crítica

Cidadania

1

2

Contextualização

1


4

Interdisciplinaridade

0

4

Práticas educativas integradoras

2

3

FADINI, Guilherme Pizzoni. Desenvolvimento de um projeto de educação alimentar com enfoque CTS/CTSA no contexto do ensino médio público.


Cidadania

0

1

Contextualização

0

3

Interdisciplinaridade

0

3

Práticas educativas integradoras

1

3

MOGNHOL, Tadeu Davel. Projeto escolar “Café de venda nova do imigrante” com enfoque cts/ctsa no ensino médio público: uma prática pedagógica além da sala de aula.


Cidadania

0

1

Contextualização

1

3

Interdisciplinaridade

0

3

Práticas educativas integradoras

1

2

SANTANA, Raiza Carla Mattos. Projeto “mascavo”: educação química a partir dos estudos culturais da construção social de ciência e tecnologia da produção artesanal de açúcar.


Cidadania

0

1

Contextualização

2

3

Interdisciplinaridade

1

3

Práticas educativas integradoras

3

3

SANTOS, Sérgio Martins dos. Estudo de caso: produção de conhecimento escolar a partir dos debates sobre poluição no rio Doce numa perspectiva CTS/CTSA.

Cidadania

1

3

Contextualização

0

2

Interdisciplinaridade

0

3

Práticas educativas integradoras

1

4

Fonte: Elaborado pelos autores, 2020

Neste tópico, são duas questões a detalhar. Primeira questão, passa pela análise e discussão sobre as interações e convergência, a partir da Tabela 1, que nos possibilitou inferir que há uma frequência regular nas referências às categorias de análise objetivas e pertinentes que corroboram com nosso argumento de que há uma convergência nos fundamentos e procedimentos das abordagens que estudamos aqui. Pensamos o ensino de ciências como um campo interdisciplinar, que possibilita a integração de temas diversos, além da reflexão e ação possíveis sobre as dimensões sociais da ciência e da tecnologia (BAZZO, 2011, p. 91).

Analisando as práticas educativas inerentes a educação ambiental crítica e a abordagem CTSA, verificamos nas duas proposições a construção de um saber solidário, participativo, não se consolida sem o afrontamento e, necessariamente, conflito, diante do saber hegemônico. Em decorrência, abordar essas duas tendências e as interações decorrentes, pressupõe sempre pautar-se numa perspectiva crítica e emancipatória do sujeito, da sociedade e do ambiente (FARIAS; FREITAS, 2007, p. 12). Neste particular, a construção da teórica da Educação Ambiental Crítica, afirma que essa hegemonia do saber atende, sobretudo, aos interesses econômicos em detrimento do ambiente e da sociedade.

Cidadania e contextualização são citadas em ambas as abordagens, de forma significativa. Neste particular, (LOUREIRO, 2004, p. 71) propõe que a educação ambiental seja transformadora, buscando a construção de uma postura ética para o exercício da cidadania, por meio de práticas coletivas e ação política que resultam de processos de tomada de decisão, formação crítica e a construção coletiva do conhecimento capaz de transformar a realidade socioambiental. Também (SANTOS, 2007, p. 483), que defende que essa educação seja capaz de promover a cidadania, um dos elementos centrais da abordagem CTSA.

A educação de abordagem CTSA e todo o seu arcabouço, relaciona as questões políticas às socioambientais, valorizando as interações comprometidas com o processo formativo das populações, prática social ou contexto social e econômico no ensino; formação para a cidadania; práticas educacionais integradoras, que possibilita ao estudantes relacionar sua aprendizagem com as questões gerais que afetam o mundo e a sociedade em geral e interdisciplinaridade, estando, essas categorias de análise (cidadania e contextualização), intimamente ligadas às abordagens estudadas. Neste particular, a ciência e tecnologia é um tema que nos interessa na investigação e também o contexto social onde se desenvolve, além de seus possíveis impactos científicos e socioambientais, que tem repercussão na sociedade.

A segunda, se refere às análises dos resumos das dissertações apresentadas onde verificamos a utilização da educação ambiental crítica ou CTS/CTSA. A partir deste cenário foi possível observar, a princípio, que as pesquisas que fizeram uso da abordagem CTS/CTSA enquanto fundamento teórico, não utilizaram o enfoque da Educação Ambiental e vice-versa. Ou seja, esses temas não “dialogaram” de maneira direta no interior das dissertações. Não identificamos nas análises dos resumos, dissertações que utilizassem ou relacionassem essas duas abordagens, ainda que as categorias de análise, tanto as objetivas quanto as pertinentes, inerente as duas, como já dissemos acima, estivessem contidas nos mesmos.

Quando verificamos se as categorias de análise estão presentes implícita e explicitamente nos resumos, um dos objetivos do trabalho, a resposta é positiva, ou seja, em todos estão presentes as categorias “cidadania”, “contextualização”, “interdisciplinaridade”, “práticas educativas integradoras”. Essa quantificação de acordo com (BARDIN, 1977, p. 121), possibilita inferências interpretativas a partir dos resultados da frequência registrada após a categorização dos dados objetivos e pertinentes que, para a autora, amplia as possibilidades de análise.

Para tanto, buscando facilitar uma visualização comparativa entre as características das diferentes dissertações estabeleceu-se, nesse caso, as definições das categorias de análise objetivas, os conceitos cidadania, contextualização, interdisciplinaridade e práticas educativas integradoras. As categorias pertinentes, são as definições desses conceitos da seguinte forma: a) Cidadania: participação em atividades comunitárias, sociais e outras afins; b) Contextualização: relação das questões cotidianas, prática social e econômica, articuladas com o ensino e com o ambiente em geral; c) Interdisciplinaridade: possibilidade de integração de temas diversos, além da reflexão e ação possíveis sobre as dimensões sociais da ciência e da tecnologia e do ambiente, nos termos da BNCC; Práticas educativas integradoras: Projetos, visitas técnicas e trabalho em grupo são considerados por possibilitarem maior interação de saberes durante a execução do trabalho. Dessa forma, foi possível verificar a presença ou ausência das categorias de análise estabelecidas, que nos permitem algumas inferências a partir dos dados expostos na Tabela 1.

Com relação as categorias de análise acima, ressaltamos que no resumo da dissertação de Ferraz (2017), por exemplo, a categoria cidadania é citada objetivamente apenas uma vez e, quando são consideradas as citações implícitas no resumo, aparece em seis oportunidades. Já a contextualização, que não é citada explicitamente no resumo de Fadini (2017), aparece, implicitamente, em três oportunidades. Considerando que tanto as proposições da Educação Ambiental Crítica, quanto da abordagem CTSA, consideram tais categorias como elementares, nos possibilita destacar as relações estabelecidas entre estas.

Já as práticas educativas integradoras, também inerentes as duas abordagens, estão presentes em todas as oito dissertações analisadas. Isso pode ser justificado tendo em vista a própria essência e proposta do mestrado profissional, que visa à formação de professores, além da produção de material didático, principalmente para a educação básica. Assim, das quarenta e quatro dissertações publicadas pelo programa EDUCIMAT em 2017, quase vinte por cento tratam de assuntos que abordam Educação Ambiental e CTSA.

Aqui cabe ressaltar que as quatro dissertações que tratam da Educação Ambiental, estão ancorados na vertente crítica que, conforme pesquisa bibliográfica e análise acima converge, em inúmeros pontos, com a abordagem CTSA, o que sugere uma tendência pedagógica na formação que busca transformação, desenvolvimento crítico e social dos educandos, conforme Santos (2007). As práticas e propostas pedagógicas adotadas por essas duas perspectivas são muito parecidas e adequadas à construção social que se propõe. Seja pela proposição de autonomia, da ação e participação nas políticas públicas adotadas, tanto no que diz respeitos ao acesso aos resultados do avanço científico e tecnológico, por exemplo, quanto nos debates das questões ambientais.

7 Considerações finais

A análise do referencial teórico neste estudo, permite elaborar uma articulação muito adequada, com potencial para a área de ensino e pesquisa sobre educação científica, trazendo perspectivas de convergência importantes. Colocar sobre a mesa, debates sobre questões essenciais à vida social, como as tecnologias, o ambiente, a economia, bem como as todas as relações socioculturais decorrentes, é urgente, sobretudo na inserção destas na sala de aula. Como vimos, a Educação Ambiental Crítica e a abordagem CTSA convergem nos fundamentos teóricos e conceitos fundamentais refletindo, sobremaneira, no ensino de ciência, tecnologia e ambiente. De acordo com as duas perspectivas, é possível transformar o ensino com mudanças de concepções, visão de mundo, adotando uma postura crítica que permitam abandonar práticas e interpretações tecnocratas e economicistas em detrimento do indivíduo, da sociedade e do ambiente, bem como investir na alfabetização científica, ciência e tecnologia por sua relevância sociocultural.

Neste contexto, a formação de professores é fundamental para que essa mudança no ensino aconteça. Das quarenta e quatro dissertações defendidas em 2017, conforme apuramos, 8 delas utilizavam os referenciais da Educação Ambiental Crítica e da abordagem CTSA, sendo quatro de cada. Isso no permite inferir, considerando ainda que o Programa Educimat, visa à formação de professores em ciências e matemática, que a formação de professores, que prioriza a alfabetização científica, poderá contribuir para mudanças em propostas pedagógicas, priorizando temas que fazem parte do contexto sociocultural dos estudantes, sobretudo da educação básica. Trabalhando valores e desenvolvendo atitudes adequadas na busca da sustentabilidade. A temática abordada nos estudos, propõe que o conhecimento socialmente construído poderá contemplar as relações socioambientais, consonante com os desafios para essa transformação dos modos de pensar e agir no ambiente.

Longe de encerrar a questão, nossa pretensão aqui é levantar questões acerca da relação entre humanos e ambiente, por meio dessas duas perspectivas que, na nossa opinião são campos complementares e essenciais para encarar os muitos desafios que enfrentamos atualmente no ensino de ciências, sobretudo no que se refere a práticas pedagógicas, formação integral dos estudantes para cidadania, formação para o mundo do trabalho. Há de se ressaltar ainda, a grande produção acadêmica acerca do tema, por conta do avanço tecnológico que vivenciamos, bem como ao ataque quase sem critérios e sistemático aos recursos naturais.



Referências



ANGOTTI, J. A. P.; AUTH, M. A. Ciência e tecnologia; implicações sociais e o papel da educação. Ciência & Educação, Bauru, v. 7, n. 1, p. 15-27, 2001. Disponível em: <https://url.gratis/ljRap> Acesso em 23 jun., 2020.

AULER, D.; BAZZO, W. A. Reflexões para a implementação do movimento CTS no contexto educacional brasileiro. Ciência & Educação, Bauru, v. 7, n. 1. p. 1-13, 2001. Disponível em: <https://url.gratis/43JpW>. Acesso em 26 jun., 2020.

AULER, D.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científico-tecnológica para quê?. Pesquisa em Educação em Ciências, v. 3, n. 1, p. 105-115, 2001. Disponível em: <https://url.gratis/0umfsc>. Acesso em 10 jan., 2020.

AULER, D.; DELIZOICOV, D. Ciência-Tecnologia-Sociedade: relações estabelecidas por professores de ciências. Enseñanza de las Ciencias, v. 5, n. 2, p. 337-355, 2006. Disponível em: <http://www.saum.uvigo.es/reec>. Acesso em 22 jun., 2020.

BAZZO, Walter Antônio. Ciência, tecnologia e sociedade: e o contexto da educação tecnológica. 3. Ed. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2011.

BARDIN, L. Análise do conteúdo. Lisboa: Portugal: Edições 70, LDA, 1977.

CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior). Portaria n°. 80 de 16 de dezembro de 1998. Dispõe sobre o reconhecimento dos mestrados profissionais e dá outras providências. Diário Oficial da União, 1999; 11 jan.

COSENZA, A., & MARTINS, I. (2011). Contribuições da abordagem CTS para a Educação Ambiental: Os “lugares” do ambiente na produção científica sobre CTS. In Atas do 6° Encontro de Pesquisa em Educação Ambiental – SP, (p. 1-16), Ribeirão Preto, São Paulo. Disponível em: <https://url.gratis/5cGxw>. Acesso em 25 jun., 2020.

FARIAS, C. R. O.; FREITAS, D. Educação Ambiental e Relações CTS: Uma Perspectiva Integradora. Revista Ciência & Ensino, v. especial, n.1, novembro de 2007. Disponível em:  <https://url.gratis/giWTE>. Acesso em 25 jun., 2020.

FAZENDA, Ivani Catarina A. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. 2. ed. São Paulo: Papirus, 1995.

GUIMARÃES, Mauro. A formação de educadores ambientais. Campinas: Papirus, 2004.

GUIMARÃES, Mauro. Os caminhos da Educação Ambiental: da forma a ação. Campinas: Papirus, 2006.

LAYRARGUES, P. P. A resolução de problemas ambientais locais deve ser um tema gerador ou uma atividade fim em educação ambiental? In: REIGOTA, M (Org). Verde cotidiano: o meio ambiente em discussão. Rio de Janeiro: DP & A/Sepe, 2001. p. 131- 148.

LAYRARGUES, P.P. Antiecologismo no Brasil: reflexões ecopolíticas sobre o modelo do desenvolvimentismo-extrativista-predatório e a desregulação ambiental pública. In: OLIVEIRA, M.M.D., MENDES, M., HANSEL, C.M., DAMIANI, S. (Orgs.). Cidadania, Meio Ambiente e Sustentabilidade. Caxias do Sul: EDUCS, 2017. p.325-356.

LAYRARGUES, P. P.; LIMA, G. F. C. As macrotendências político-pedagógicas da educação ambiental brasileira. Ambiente & Sociedade, Campinas, v. 17, n. 1, p. 23-40, 2014. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/asoc/v17n1/v17n1a03.pdf>. Acesso em 25 jun., 2020.

LEITE, S. Q. M.; SGARBI, A. D.; FREITAS, R. C. O. Formação de professores de Ciências e Matemática no Estado do Espírito Santo: uma perspectiva do movimento CTSA. In: LEITE, S. Q. M. (Org.). Práticas Experimentais Investigativas em Ensino de Ciências. Vitória: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo, 2012.

LOUREIRO, C. F. B. Educação ambiental transformadora. In: LAYRARGUES, P. P. (Coord.). Identidades da educação ambiental brasileira. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, Diretoria de Educação Ambiental, 2004. p. 65-84.

LOUREIRO, C. F. B. Reflexões sobre os conceitos de ecocidadania e de consciência ecológica. In: MATA, S.F.da; (orgs). Educação ambiental, desafio do século: um apelo ético. Rio de Janeiro: Terceiro milênio, 1998.

MOREIRA, H.; CALEFFE, L. G. Metodologia da pesquisa para o professor pesquisador. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

PAVIANI, Jayme. Interdisciplinaridade: conceitos e distinções. 2. ed. Caxias do Sul, RS: Educs, 2008.

PRAIA, João; GIL-PEREZ, Daniel and VILCHES, Amparo. O papel da natureza da ciência na educação para a cidadania. Ciência & educação. (Bauru) [online]. 2007, vol.13, n.2, pp.141-156. Disponível em: <https://url.gratis/TowcT>. Acesso em 28 de jun., 2020.

SANTOS, Wildson Luiz Pereira dos. Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios. Revista Brasileira de Educação, v. 36, p. 474-492, set./dez. 2007. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/rbedu/v12n36/a07v1236.pdf>. Acesso em 28 jun., 2020.

SANTOS, W. L. P. dos; AULER, D. (Org.). CTS e educação científica: desafios, tendências e resultados de pesquisas. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2011.

TEIXEIRA, P. M. M. A educação científica sob a perspectiva da Pedagogia Histórico-crítica e do movimento C.T.S. no ensino de ciências. Ciência & educação, v. 9, n. 2, p. 177-190, 2003. Disponível em: <https://url.gratis/LDSFm>. Acesso em 02 jul., 2020.

TRINDADE, Diamantino Fernandes. Interdisciplinaridade: um novo olhar sobre as ciências. In: FAZENDA, Ivani Catarina Arantes (org.). O que é interdisciplinaridade? - São Paulo: Cortez, 2013, pp. 71-89.

Ilustrações: Silvana Santos