Não podemos pensar em desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades sociais e em qualidade de vida sem discutirmos meio ambiente. - Carlos Moraes Queiros
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 88 · Setembro-Novembro/2024
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Entrevistas
05/07/2021 (Nº 74) ENTREVISTA COM A JORNALISTA REGINA SCHARF PARA A EDIÇÃO DE NÚMERO 74 DA REVISTA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM AÇÃO
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ENTREVISTA COM A JORNALISTA REGINA SCHARF PARA A EDIÇÃO DE NÚMERO 74 DA REVISTA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM AÇÃO

por BERE ADAMS

Regina Scharf – Fotografia de arquivo pessoal da jornalista

Apresentação É com muito orgulho e muita alegria que apresento a entrevista da 74ª edição da revista, realizada com a jornalista Regina Scharf, uma das precursoras do jornalismo ambiental do País, sendo ela da primeira leva de jornalistas especializados em meio ambiente. Regina trabalhou em grandes veículos, no Brasil e na França. Ela afirma que a sua grande escola foi a Gazeta Mercantil, onde tinha uma página diária sobre o tema, no final dos anos 80. Incrível, não? Ela diz, ainda, que foi pela Gazeta que cobriu um dos mais importantes eventos internacionais a debater as questões ambientais, a Eco-92, bem como cobriu as primeiras discussões sobre mudanças climáticas e perda da biodiversidade. Atuou, também, em organizações não-governamentais (foi do conselho do Greenpeace) e pelo Banco Real, hoje Santander. Regina conta que ali participou de uma experiência sem precedentes, no Brasil ou no mundo, a da inclusão de critérios socioambientais na análise de crédito. Quando se casou, em 2005, passou a viver nos Estados Unidos. Nessa nova fase, trabalhou para a Iniciativa Financeira do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para a revista Página 22. Regina, atualmente, mora em Portland (EUA), que reconhece como uma das mecas da sustentabilidade no país, uma cidade muito verde e que prioriza pedestres e ciclistas. É, portanto, uma grande honra poder compartilhar, através desta entrevista, um pouco da sua história, das suas experiências e conhecer o projeto Nova Mata, que ela vem desenvolvendo como uma iniciativa pessoal diante o drama que as florestas vêm enfrentando no Brasil e no mundo todo.

Bere Olá Regina, fico muito feliz e agradecida por você ter aceitado o convite para esta entrevista, muito obrigada! É maravilhoso poder conhecer mais do seu trabalho e compartilhar as suas experiências nesta primeira edição do ano de 2021 da revista. Bem, vamos lá! Começo perguntando: como foi que surgiu o interesse em trabalhar com as questões ambientais?

Regina Scharf – O prazer é meu!

Eu estudei Biologia e Jornalismo na USP, então este caminho era quase inescapável. Mas, antes disso, a minha mãe foi uma influência importante. Ela tinha uma conexão muito forte com a Natureza e sempre criava oportunidades de me levar para o mato.

Bere – Esta conexão com a natureza, desde criança, é relatada como incentivo inicial para adentrar na seara ambiental pela maioria das pessoas que entrevisto, o que só confirma que oportunizar experiências para as crianças, junto ao ambiente natural, faz toda diferença no desenvolvimento de uma consciência crítica e ambiental. Regina, eu tive a alegria de te conhecer através de uma rede social, e foi assim que tomei conhecimento do Projeto Nova Mata. Por gentileza, conte-nos como é este projeto e qual é a sua importância para os tempos atuais:

Regina Scharf – O Nova Mata é um mapa com mais de 1.200 iniciativas de restauração da Mata Atlântica em 17 estados. Ele reúne histórias incríveis de gente empenhada em trazer de volta uma riqueza que fomos perdendo ao longo dos últimos 500 anos.

Imagem: Print do website Nova Mata

O projeto nasceu há oito meses. Eu andava muito angustiada com o noticiário e, sobretudo, com as queimadas cada vez mais violentas. Não só no Brasil e na Austrália, mas também aqui em Portland. Em setembro, os incêndios florestais foram tantos que o ar ficou denso, escuro. Ficamos trancados por uma semana, com toalhas vedando todas as frestas das portas e janelas.

Resolvi combater essa angústia de uma forma positiva. Comecei a procurar por gente envolvida com a restauração da Mata Atlântica, meu bioma de origem, tão rico e tão reduzido. Queria promover iniciativas que pudessem ser multiplicadas.

Logo percebi que a informação sobre esses projetos estava dispersa. Também não existiam listas de viveiros, coletores de sementes nativas e consultores especializados. Se você buscar uma muda, verá que é fácil encontrar eucalipto ou pinus, mas será difícil obter espécies nativas, como o araticum ou a pindaíba.

Então comecei a pesquisar e a organizar essa informação. Se você está na costa da Bahia, vai querer conhecer possíveis parceiros que atuam na sua própria região. E vai precisar de mudas adaptadas ao clima e à fauna das suas terras. Não é uma boa plantar espécies de montanha numa restinga, por exemplo. E é por isso que é importante achar viveiros próximos do lugar do plantio. Por isso, ver a informação organizada num mapa faz muita diferença.

Imagem: Print do website Nova Mata

O Nova Mata é um  projeto totalmente sem fins lucrativos e sem patrocinadores. Sou eu, o computador e muita informação dispersa na Internet e que precisava ser garimpada.

Bere – Realmente, para tão pouco tempo de projeto, os números são relevantes! Logo que eu tive acesso ao seu projeto eu o associei a uma vontade antiga do grupo da nossa revista, a de fazer um “banco” de projetos Educação Ambiental, tanto formais quanto informais, uma vez que a maioria não tem visibilidade e poderia ser compartilhada e replicada Brasil afora. Com o seu relato, sinto-me motivada para realizar um mapeamento a partir da própria revista. E em relação à participação de pessoas, instituições, ONG’s, e comunidade em geral, interessados na preservação e recuperação florestal, como estas podem participar ativamente do Nova Mata?

Regina Scharf – Adoraria conhecer outras histórias de gente que planta. Quem estiver envolvido numa iniciativa de restauração da Mata Atlântica que eu ainda não listei pode me escrever por meio do próprio website do Projeto Nova Mata, ou via Facebook eTwitter, onde reúno notícias de interesse dos restauradores.

E também vale conferir a literatura que estou organizando no website: fichas sobre quase 200 árvores ideais para a restauração da Mata Atlântica, inclusive frutíferas e aquelas que atraem abelhas e pássaros; tutoriais e manuais para quem quer plantar; links para os planos municipais de recuperação do bioma. E por aí vai.

Imagem: Print do website Nova Mata

Bere – Como você tem percebido as ações ambientais nestes tempos de pandemia?

Regina Scharf – Ao longo do ano, notei duas tendências: a migração da cidade para sítios e o plantio como forma de homenagem.

A primeira tem a ver com o isolamento e a percepção de que o trabalho remoto veio para ficar. Sei de várias pessoas que deixaram as grandes cidades e não pretendem voltar. Muitos têm tempo e vontade de recuperar a cobertura vegetal das suas propriedades.

A segunda tendência deriva do fato de que muita gente não pôde se despedir de amigos e parentes que morreram durante a pandemia. Por isso, algumas ONGs da Mata Atlântica se uniram na campanha Bosques da Memória, que promove plantios em homenagem às vítimas da Covid e aos profissionais da saúde. Desde dezembro, elas plantaram mais de 200 mil árvores.

Bere – Como a Educação Ambiental está inserida no projeto Nova Mata?

Regina Scharf – Quase todos os projetos de restauração têm um componente educacional. E nem podia ser diferente: não adianta plantar se ninguém cuidar. Você tem que conectar as pessoas às florestas se quiser que todos, tanto a sociedade quanto a natureza, prosperem.

Queria citar quatro projetos com foco em educação, em várias regiões do país:

O primeiro é o Bosques de Heidelberg, da Apremavi, uma entidade catarinense respeitada. Este projeto criou 90 bosques em 17 cidades. Uma das suas peculiaridades é que ela engaja estudantes de Heidelberg, na Alemanha. Eles assistem a palestras sobre a biodiversidade brasileira e arrecadam recursos para patrocinar o plantio no Brasil com a venda de bolos e produtos natalinos.

Um segundo projeto, Pomar BH, é tocado por um grupo de amigos que organizam mutirões de plantio de árvores frutíferas em escolas e áreas públicas de Belo Horizonte. Esses eventos são associados a oficinas de conscientização e à criação de minhocários e gotejadores.

Em Fortaleza, merece destaque o Ecomuseu Natural do Mangue, que convida estudantes recuperar os manguezais do Parque Estadual do Cocó. Desde 2012 esses visitantes já plantaram pelo menos 20 mil sementes.

Mas acho que, das iniciativas que eu encontrei, a mais fácil de replicar é o projeto Adote uma Árvore, da Escola Estadual Job Pimentel, de Martinópolis, no Espírito Santo. Os alunos da primeira série têm a responsabilidade de plantar e cuidar de várias mudas de árvores ao longo de dois anos. Eles têm de encontrar um local para o plantio, em sua casa ou na de algum conhecido, tirar fotos e fazer relatórios periódicos sobre como a árvore prospera.

Bere – A sua iniciativa em desenvolver o Projeto Nova Mata é louvável, Regina, e comprova que a Internet, na atualidade, se revela como uma importante ferramenta para divulgar e difundir projetos e práticas que impulsionam a restauração florestal, parabéns! Diante disto, qual é, para você, a relevância da Internet para a promoção de uma consciência ambiental, de forma geral?

Regina – Amo a internet porque ela democratiza o conhecimento e agiliza a comunicação. Claro, muita gente usa mal, mas é assim com qualquer ferramenta.

A rede une pessoas que têm desejos parecidos, mas que nunca se encontrariam de outra forma. Muita gente quer plantar, mas não sabe como, ou não tem acesso a terra. As comunidades virtuais e websites como o do Projeto Nova Mata possibilitam essa troca de informações e a organização de ações conjuntas, como os mutirões de plantio.

Bere E sobre a sua relação com a Mata Atlântica, o que você destacaria, em especial, deste bioma brasileiro que você leva no seu coração?

Regina – O que não amar na Mata Atlântica? É tanta variedade, tanta cachoeira, tantas cores e sabores. Adoro fazer trilha e tenho algumas árvores favoritas, como as quaresmeiras floridas na Serra do Mar e a uma unha-de-vaca que tinha no quintal de casa na infância.

Bere – Qual é a sua sensação, uma vez que se trata de um projeto novo, ao garimpar programas de restauração florestal, diante os resultados encontrados. O que mais te surpreendeu neste mapeamento inicial?

Regina – Nesse meio tem dois grupos que não conversam o suficiente. Gente que quer plantar e gente que sabe plantar. Quem quer plantar nem sempre conhece a biodiversidade local ou que espécies escolher. Do outro lado da cerca, tem gente com muita experiência, grandes consultores e viveiristas. Mas lhes faltam clientes com capacidade de pagar pelo seu conhecimento e tempo. Esse me parece ser um gargalo importante da restauração. Se conseguirmos uni-los, vamos colher resultados mais efetivos.

Bere – Embora ainda seja um projeto novo, você já tem um feedback em relação a quem acessa o site do Projeto Nova Mata?

Regina – Já dá para ver algumas tendências. Fiquei surpresa por receber visitantes de mais de 450 cidades em 33 países. É muito, em tão pouco tempo. Afinal, por enquanto o projeto é só em português. E a maioria visita várias páginas e permanece no website por um bom tempo.

Bere – Percebe-se com clareza, Regina, que este projeto Nova Mata floresce pela sua emoção e pela vontade de trazer luz neste momento difícil pelo qual todos passamos, em vários setores, e isto é um exemplo maravilhoso. O que você diria para as pessoas que, neste momento, se sentem, de certa forma, impotentes diante os problemas ambientais - ou de outras áreas, e acham que iniciativas pessoais são muito pequenas e não surtem efeitos?

Regina – Não importa se você tem terras ou vive em apartamento, se é analfabeto ou fez faculdade, se é pobre ou rico. Tem gente que planta nos morros cariocas e nos remanescentes de quilombos no sul de São Paulo; escolas agrícolas que estão redescobrindo as frutas da Mata Atlântica; vizinhos que transformaram uma avenida no Recreio dos Bandeirantes, no Rio, em corredor de restinga.

Basta dedicar um par de horas por semana para ter resultados. Quem participa desses projetos fala na volta dos pássaros, nas frutas que experimentaram, nas amizades fortalecidas pelos mutirões de plantio. Em muitos casos, a floresta volta em três, quatro anos. É ou não é um bom retorno no investimento?

Bere – Sem dúvida, Regina, é um excelente retorno, e como você mesma comprova, o que realmente é necessário para que possamos fazer a diferença, no sentido de contribuir para a melhora das questões ambientais, é ter vontade, motivação, olhar em volta com olhos mais apurados para que possamos perceber o que é possível fazer a partir do que este olhar crítico e sensível nos revela, sobre a vida que nos perpassa. Parabéns, muito obrigada pela sua dedicação em nos relatar esta grande iniciativa que certamente inspirará muitos outros projetos. Muito obrigada, e desejamos muito sucesso ao Nova Mata!



Para Saber mais: http://novamata.org/ regina@novamata.org



Ilustrações: Silvana Santos