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Nós nunca sabemos o valor da água até que o poço esteja seco. (Thomas Fuller)
ISSN 1678-0701 · Volume XIX, Número 74 · Março-Maio/2021
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RESENHA CIVILIZAÇÃO EM DESAJUSTE COM OS LIMITES PLANETÁRIOS (Marcus Eduardo de Oliveira)
“It makes no sense to elevate economics above the biosphere”. (David Suzuki, ambientalista sino-canadense)
Ao passo que o crescimento econômico se configurou no critério máximo de boa governança, e justamente a partir dessa condição tudo foi resumido com a expectativa maior voltada para melhorar as condições de vida humana, a economia e os homens mudaram sistematicamente a face e a estrutura da Terra. Com a política de crescimento orientando nossa caminhada civilizatória, passamos a alicerçar nossas dependências materiais. Desde então, o ordenamento quantitativo - essência do crescimento - ganhou primazia. Expandir é a regra. A receita, única e diretiva, é a de produzir cada vez mais, mesmo que implique em transgredir os limites planetários. No lugar de se procurar consolidar um pouco mais os consagrados objetivos universalistas – a democracia, a liberdade, a proteção da natureza, o bem-estar social e os direitos humanos, por exemplo – é o crescimento econômico (espécie de “passaporte da modernidade”, na feliz crítica que faz Eduardo Giannetti) que avança entre nós. O problema, todavia, é que esse crescimento, para usar poucas palavras, não tem sido minimamente “consciente” em relação à causa ecológica, tampouco é sensível ao equilíbrio planetário. Pode parecer cândido tal constatação, no entanto, importa reiterar um ponto e, de imediato, observar outro: (i) se o crescimento econômico do mundo global pode ser visto como um dos maiores feitos da civilização humana, ele tem sido marcado pela ausência de uma lógica consciente e de um compromisso maior com a causa do meio ambiente; e, (ii) se o crescimento tem gerado algum benefício à economia, ele também tem resultado em prejuízo à ecologia. De tal maneira que, quem se dispuser a olhar com alguma atenção para o mundo moderno, imediatamente poderá observar um relacionamento conflituoso entre o Homem e sua Economia; e entre esta (espécie de eixo articulador da vida moderna) e a Natureza (matriz de nossa existência). Para virar mais essa página repleta de conflitos, colapsos e, no extremo, de tensões estruturais, nossa sociedade moderna - bastante acomodada à conquista material, por isso prisioneira do paradigma do crescimento - deve aprender ao menos duas lições básicas e elementares: (1) usar de forma racional os recursos naturais e energéticos da biosfera; (2) adquirir um mínimo de conscientização ambiental (pedagogia da Terra, Democracia da Terra, Biocivilização, Alfabetização Ecológica, ou tenha o nome que tiver) que faça com que boa parte dos terranos, do jeito mais simples ao mais complexo, entenda de uma vez por todas que, em vários casos, menos é mais. Pois bem, colocando todo esse assunto na linha de frente do debate moderno, à luz de algum bom senso convém ressaltar ao menos mais dois pontos importantes. Primeiro: pela constante busca de uma economia do crescimento que suga os ecossistemas e “subtrai” as potencialidades do mundo natural, observa-se a redução das condições (serviços e funções) ecológicas. De todo esse processo complexo e abrangente, se convenciona dizer que, enquanto a atividade econômica global é colocada em curso com a finalidade de se expandir, elevando, pois, ao nível máximo possível a produção material, os ecossistemas locais tendem a se deteriorar e a Natureza, suporte de todo o sistema-vida, se fragmenta (fragiliza-se). Como é natural supor, especialmente a vida humana (dependente da boa saúde ecológico-planetária), sofre consideráveis abalos entrando no que se pode chamar, sem catastrofismo, de rota de “suicídio”. A propósito, Arnold Toynbee (1889-1975), um dos gigantes do pensamento moderno, já alertava no início dos anos 1970 que “o poder material da humanidade aumentou agora a ponto de poder tornar a biosfera inabitável e produzirá de fato esse suicídio em um prazo discernível se a população do globo não tomar medidas imediatas, vigorosas e ajustadas para deter a poluição e a espoliação infligidas à biosfera”. Segundo: parece haver pouca dúvida (aos menos em relação as mais consistentes) que o animal homem e a sua economia de expansão material global estão escrevendo a história dos tempos modernos assinando uma espécie de atestado de auto extermínio, à medida que se potencializa em diversos fronts o “sepultamento do mundo verde”, expressão outrora usada por Eduardo Galeano (1940-2015). Nessa direção, e apenas sob o desejo de observar parte de todo o desajuste ecológico-ambiental, dado o que é possível conhecer até o momento, pesa-nos constatar o que segue: (i) cerca de 7,3 milhões de hectares de florestas são destruídas a cada ano no planeta; (ii) cerca de 350 milhões de hectares de florestas em todo o mundo foram destruídos pelo fogo apenas no ano 2000; em cerca de nove de cada dez casos de queimada há o envolvimento humano direta ou indiretamente, escreve o etnobotânico francês Pierre Lieutaghi, em “Árvores” (Publifolha, 2012); (iii) erosão, compactação e perda da matéria orgânica, entre outros, atingem quase um terço das terras do planeta. Segundo o relatório Status of the World´s Soil Resources, produzido pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, FAO, mais de 30% dos solos do mundo estão degradados; (iv) em 58% da superfície terrestre a perda da biodiversidade está abaixo do “limite seguro”, conforme levantamento feito por uma equipe internacional de cientistas liderados por Tim Newbold (University College London), publicada na prestigiosa revista científica Science; (v) entre 1970 e 2006, o número de espécies de vertebrados teve um declínio de 30% em todo o mundo; 40% das espécies de aves e 42% dos anfíbios apresentam população em queda, conforme relatório do Panorama da Diversidade Global (GBO, na sigla eminglês); (vi) se nos basearmos nos dados fornecidos pela World Wild Fund for Life (WWF), notaremos que, entre 1970 e 2010, portanto, em apenas 40 anos, os sapiens destruíram 52% da fauna do planeta (notadamente, as espécies de mamíferos, pássaros, répteis, anfíbios e peixes); (vii) também nesse mesmo período mencionado de quatro décadas, houve uma drástica queda de 76% das populações de espécies de água doce, de acordo com o Índice Planeta Vivo (Living Planet Index); Note bem. O preço dessa inconsequência, precisamos admitir, tem sido demasiadamente elevado. Estamos abusando e estressando a Terra ao tirar dela recursos para prover toda a nossa ganância material. Nos servimos das reservas e dos serviços da Natureza para nosso bel-prazer sem levar em conta o tempo de regeneração. Detalhe pernicioso: desprezamos, invadimos e violentamos sem critério algum de moderação a biodiversidade e o capital natural. Alheios aos débitos ecológicos, subjugamos o meio ambiente e toda a biosfera. Ferimos o mundo físico no qual todos estamos inseridos e, mais um detalhe, sequer contemplamos a natureza como ela deve ser vista e entendida, isto é, como a parceira da vida. Henry David Thoreau (1817-1862), autor do clássico Desobediência Civil, em seu tempo, já perguntava: “Qual é a utilidade de uma casa, se não há um planeta tolerável onde possamos colocá-la? Fato concreto é que, hoje, como outrora, temos nos comportado como uma espécie estúpida (Homoimprudentis) com poder de afetar e desequilibrar a nossa própria qualidade da experiência humana (condições e estilo de vida e estado biopsíquico). É justamente por isso, e nada além, que se diz a rigor que temos configurado a era do Antropoceno - o período de tempo que tem combinado agressiva ação humana com poder econômico. Nessa era, os muitos problemas e disfunções se agravam. Na convivência com um sistema de economia global efusivamente obcecado pela produção material e compulsivamente fixado na ideia do expansionismo, tem sido difícil (em meio a tantas outras situações desfavoráveis ao equilíbrio do meio ambiente) preservar as espécies (fauna e flora), conservar os biomas e manter em bom estado os ecossistemas. Daí o quadro percebido de desequilíbrio - desajuste ecológico - ambiental que, cabe retomar, ao menos, alguns fragmentos: (1) avanço da defaunação, alterando a manutenção dos ecossistemas e a interação animal-planta, interferindo na dinâmica florestal; (2) desintegração acentuada de habitats; (3) dilapidação constante de ecossistemas; (4) aquecimento da Terra; (5) esgotamento de recursos naturais não renováveis. De forma objetiva, para terminar essas pesarosas constatações, é conveniente lançar uma pergunta bastante incômoda que precisa ser prontamente respondida: as economias modernas podem crescer indefinidamente ou há, de fato, limites físicos e ecológicos para esse crescimento? Ocorre que, no contexto dessa última causa, é preciso ter em conta algumas imprescindíveis exigências, também entendido como desafios que temos pela frente, tais como: diminuir a taxa de consumo material e energético das sociedades industriais; mitigar os efeitos nocivos sobre o meio ambiente; e, como uma espécie de prêmio final à qualidade de vida, construir uma combinação viável entre economia e ecologia, visando superar o confronto entre a tecnosfera (produção humana) e a ecosfera (a natureza). A razão é uma só: deixar o meio ambiente em uma situação melhor daquela hoje conhecida.
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