BRINCAR E NATUREZA - UM DIREITO DE TODAS AS PESSOAS

Prof.ª Adriana Backes

adrianabackesmacedo@gmail.com

Prof.ª Ms.Rosane Romanini

romaninirosane@gmail.com

Assistente Social Taiane Rodrigues

estanciatai@yahoo.com.br

Desde o ano de 2016, Novo Hamburgo conquistou através de um coletivo de professores a lei 2.909/2016, que comemora a “Semana Municipal do Brincar”, com o objetivo de valorizar o brincar, a saúde, a transmissão de brincadeiras tradicionais e a convivência intergeracional, priorizando estar em espaços arborizados, como parques, praças e ruas de lazer.

A partir destas comemorações que acontecem todos os anos durante a última semana do mês de maio, o Parque Luis Henrique Roesler, se tornou um dos lugares preferidos para o convite ao brincar na natureza e com a natureza.

No ano de 2023, a OMEP (organização mundial para a educação pré-escolar de NH), realizou juntamente com a Secretaria de Educação, a abertura da 8 ª semana do brincar, com brincadeiras, trilha com a Fada Arco Íris e uma oficina de gravetos, que encantou as crianças.

Taiane Rodrigues, responsável técnica pelo serviço de convivência e fortalecimento de vínculos da ADEVIS (associação dos deficientes visuais de NH), acompanhando o movimento da cidade nas comemorações da semana do brincar, buscou saber se seria possível que o grupo de convivência da ADEVIS, pudesse integrar-se a esse movimento, buscando informações com a professora e psicomotricista Rosane Romanini, uma das idealizadoras deste movimento brincante na cidade desde 2016.

A partir dessa aproximação, o lugar sugerido foi o Parque Luis Henrique Roessler, mais conhecido como “Parcão”, para receber 35 pessoas, entre crianças, jovens, adultos e idosos, com deficiência total da visão, baixa visão e acompanhantes videntes, para uma tarde integrativa entre o brincar e a natureza.

Para a concretização deste momento entra em ação a professora Adriana Backes, (Fada Arco Íris), que recebe o grupo em sua “casa”, no próprio Parcão. Adriana é a responsável pelas trilhas pelo parque, levando as crianças das escolas da cidade a conhecer a riqueza da fauna, flora e os espaços de brincar oferecidos pela reserva ambiental, de maneira lúdica e vivencial.

A tarde brincante foi com chuva e as atividades precisaram ocorrer em espaço fechado, na casa da Fada. Mesmo assim, não impossibilitou termos um encontro cheio de experiências multissensoriais, ativando a audição, o tato, olfato e paladar, através da música, da argila, das flores, dos chás e dos temperos. O convite foi fazermos bolinhos de argila com direito a decoração com elementos da natureza.

O encontro iniciou com uma roda de apresentação onde cada participante falou seu nome e sua idade, a pedido da responsável pelo grupo, falaram também qual seu nível de deficiência visual. Seguimos com brincadeiras que envolviam gestos corporais, canto e ritmos, ora lento, ora rápido, o que levou a todos boas risadas.

Os bolinhos de argila contemplaram uma parte significativa da tarde, pois tínhamos como objetivo que o contato com a argila, chás, galhos secos, sementes e temperos, pudessem despertar boas lembranças, incluindo as da infância.

Após concluírem a atividade, cada participante falou do bolinho, como fez, qual sabor, o que usou para decorar e, muitos relataram suas experiências com terra e barro na infância, despertando sorrisos saudosos. Observamos que dois participantes adultos não quiseram mexer na argila. Na roda de conversa falaram de que não gostam desse contato “grudento nas mãos”, o que foi e deve ser sempre respeitado.

“Enquanto eu tava moldando argila, tentando fazer algo, eu pensava no momento da criação de Deus, pensando que ele também deve ter um pedacinho de argila e foi montando a gente e ele conseguiu nos fazer com sua perfeição. (às vezes nós humanos temos uns pequenos defeitos, mas isso ele não nos colocou) então pensando nessas palavras eu consegui modelar um pequeno vasinho, mas pensando na perfeição que Deus faria com aquele monte de argila. Obrigado.”

Eloir Teresina da Silva, 62 anos.

Logo após, um recheado piquenique dava conta da hora do lanche, aguardado por todos.

Foi desafiador planejar esse momento por ser um grupo grande de pessoas portadoras de deficiência visual, pois não tínhamos muita experiência e, não as conhecíamos. As orientações de Taiane e sua vontade para que esse momento acontecesse, possibilitou que o trabalho fluísse com sensibilidade e muitas aprendizagens. Fomos impactadas por vê-los empoderados em seus deslocamentos, na sua comunicação, no humor incrível, nas amizades e no acolhimento de nossas propostas.

Taiane, que acompanha o grupo há bastante tempo, diz que a pessoa com deficiência visual adquirida ao longo da vida, não perde só a visão, perde vínculos, mobilidade, pessoas, perde direitos. Nosso compromisso institucional é, através da compreensão da condição de nossos usuários, proporcionar a efetivação de todos os seus direitos enquanto pessoas com deficiência. A rede de parcerias construídas com toda a comunidade faz parte do conjunto de possibilidades de acesso e garantia de direitos dessas pessoas. Nosso trabalho é também superar o capacitismo, eles podem sim, eles podem experienciar e desafiar-se a cada nova experiência, vivência que lhes é ofertada. Para Taiane a vivência no Parcão possibilitou muitos aspectos no que diz respeito à garantia de direitos. Foram reelaboradas grandes memórias de afeto da infância, como, a própria brincadeira, ludicidade e contato com elementos da natureza e muitas outras que somente cada um em sua singularidade pode expressar. Foi um momento único e, quiçá, o primeiro de muitos.

Da mesma maneira, Rosane diz que defender o brincar das crianças é urgente. Vivemos em uma sociedade hiper conectada que favorece aos excessos e, as crianças acabam incorporando esses ritmos acelerados como, agendas cheias, muitas horas nas telas, uma grande imobilidade corporal, problemas de sono, ansiedade, violências, medicalização precoce etc. Esses indicadores nos direcionam perceber a importância de as crianças conviverem entre elas, em espaços arborizados, em completa liberdade de escolha, onde o tempo relógio não seja impeditivo de viver intensamente o processo criador que se conecta com a natureza, esta, que é sábia em oferecer a cada novo encontro, novas possibilidades de cores, cheiros, imagens, sons e percepções, ativando nossos relógios biológicos e proporcionando uma melhor saúde integral.

No livro “Ideias para adiar o fim do mundo (2019)”, Krenak diz que o tempo vivido é especialista em criar ausências (p. 26), onde a sociedade e a própria experiência da vida são precárias em sentidos. Referindo-se aos últimos tempos em que só tivemos quedas enquanto humanidade, causando tantos desconfortos, sugere que criemos “paraquedas coloridos”, onde possamos neles despencar.

Nesta metáfora de onde “despencar” com tranquilidade e quem sabe desacelerar, encontramos uma Fada, uma Brinquedista e uma Buscadora de Boas Experiências, ecoando em nós, como um verdadeiro paraquedas, que nos indica o líder indígena, “pensar no espaço não como um lugar confinado, mas como o cosmos onde a gente pode despencar em paraquedas coloridos.” (Krenak, p. 30, 2019).

O Parcão é para nós, um “paraquedas colorido”, que está à disposição de toda as gentes!

Venham!!!

Obs. Para assistir a um vídeo que sintetiza esse momento, acesse o link abaixo da página do instagram da Prefeitura Municipal de Novo Hamburgo

https://www.instagram.com/reel/C0CjfVsOXcs/?igshid=NGEwZGU0MjU5Mw==