É dentro do coração do homem que o espetáculo da natureza existe; para vê-lo, é preciso senti-lo. Jean-Jacques Rousseau
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 89 · Dezembro-Fevereiro 2024/2025
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A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A QUESTÃO CONCEITUAL Josélia
Gomes Neves[1] Resumo:
Neste trabalho apresentamos uma sistematização a respeito da trajetória
conceitual da Educação Ambiental procurando demonstrar os vários sentidos
atribuídos no decorrer do debate, explicitando suas relações com as
mentalidades e o pensamento numa perspectiva histórica. É possível
verificar que a Educação Ambiental nasce com os movimentos sociais que
exigem que a escola assuma esta temática como conteúdo de aprendizagem no âmbito
do currículo. Palavras-chave:
Educação Ambiental. Meio Ambiente. Conceito. Não
presta? Joga no mato! Introdução O
ser humano, historicamente, em função de sua sobrevivência precisou
transferir matéria e energia do ambiente natural para a sua vida diária.
Entretanto, o acelerado processo de sua ação devastadora em relação a
estes hábitos, vem suscitando questionamentos uma vez que coloca em risco o
futuro do planeta e de sua própria espécie. A esse respeito, vale registrar
o alerta da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente da ONU (1992): Muitos dos atuais esforços para manter o progresso humano, para atender as necessidades humanas, e para realizar as ambições humanas são simplesmente insustentáveis - tanto nas nações ricas como nas pobres. Elas retiram demais, e a um ritmo acelerado demais, de uma conta de recursos ambientais já a descoberto, e no futuro não poderão esperar outra coisa que não a insolvência dessa conta. As
discussões por ocasião dos quinhentos anos de Brasil, remetem ao debate de
que entre os ganhos há também conseqüências, provenientes deste processo.
Uma delas é o modelo de desenvolvimento econômico baseado na monocultura agrícola
com a exploração até o esgotamento dos recursos naturais. Entretanto
um longo caminho foi percorrido até chegar a essa mudança de mentalidade, ou
seja, a gênese da preocupação ecológica conforme aponta Thomas Keith -
pensador inglês, professor da Universidade de Oxford, em seu livro O
mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais,
(1988) como discutiremos mais adiante. Em
função desse problema identificado como crise ambiental decorre a inserção
da Educação Ambiental percebida como uma das importantes estratégias na
construção de uma nova mentalidade e um novo modelo de desenvolvimento com
utilização sustentada dos recursos naturais, levando em conta no seu
processo à concepção de crescimento com equidade social e equilíbrio ecológico. É
possível observar que a educação está sendo chamada a desempenhar papéis
paradoxais, uma vez que ora é interpretada como agência portadora dos
valores da classe dominante no sentido de ajustar o indivíduo à sociedade,
por outro lado, deve também instrumentá-lo para criticar esta mesma
sociedade. Daí
vê-se claramente que a ação educativa tende a operar concomitantemente em
dois níveis: em nível individual, na medida em que orienta o uso
do meio e em nível societário, criando uma consciência crítica,
capaz de lutar pela racionalização na utilização dos recursos naturais, do
meio como um todo e, sobretudo, de apontar as distorções dos sistemas em
relação ao ambiente. As
preocupações com a Educação Ambiental para a maioria dos autores
mencionados neste estudo datam da década de 1970. Desde então seu conceito
tem evoluído sempre vinculado ao do Meio Ambiente. A esse respeito, uma das
concepções adotadas, apresenta o entendimento de que, como a Educação
Ambiental tem sido praticada a partir da compreensão que se tem do meio
ambiente, esse processo pode acontecer de duas maneiras: através do conceito
científico, cujo entendimento é universal explicitando o consenso acerca um
determinado conhecimento para a comunidade científica ou por meio das
representações sociais, ou seja, a forma como os conceitos científicos são
percebidos e internalizados pelos indivíduos no seu cotidiano. (REIGOTA,
1994). O
autor após relacionar vários conceitos de Meio Ambiente, avalia a
precariedade destes, uma vez que não apontam para um consenso, o que o leva a
optar pelas representações sociais, embora chegue a definir o meio ambiente
como: O
lugar determinado, onde os elementos naturais e sociais estão em relações
dinâmicas e em interação. Estas relações implicam processos de criação
cultural e tecnológica e processos históricos e sociais de transformação
do meio natural e construído.
(REIGOTA, 1994, p. 14). Outro
conceito de Meio Ambiente, ao nosso ver explicativo e abrangente é o do Guia
do Meio Ambiente que afirma: Os
seres vivos, em geral, não subsistem sem uma série de condições e substâncias
que proporcionam sua sobrevivência e seu desenvolvimento. Tudo que cerca o
ser vivo, que o influencia e que é indispensável à sua sustentação
constitui o meio ambiente. Estas condições incluem o solo, o clima, os
recursos hídricos, o ar, os nutrientes e os outros organismos. Em 1975, na
Conferência Internacional sobre Educação Ambiental em Tibilísi, Geórgia,
o meio ambiente foi definido não só como meio físico e biológico, mas também
como meio sócio-cultural e sua relação com os modelos de desenvolvimento
adotados pelo homem.
(ROCHA, 1992, p. 84).
As
relações entre Meio Ambiente e Educação Ambiental perduram até nos
estudos mais atuais. Os antecedentes históricos da Educação Ambiental dão
conta de que a chamada crise ambiental
desencadeou o processo de ecologização na sociedade, ampliando um universo
antes restrito aos apreciadores da natureza. A
idéia romântica que alimenta a possibilidade da existência de práticas
voltadas ao que atualmente entendemos como Educação Ambiental nas sociedades
pré-capitalistas, como a compreensão de que as pessoas mantinham uma relação
mais harmoniosa com a natureza, é veemente combatida por THOMAS (1988), que
apresenta questionamentos instigantes do tipo: Como
foi vivida a natureza nos trezentos anos que inauguram a modernidade?
Nessa reflexão, ele elabora os argumentos necessários que afastam a hipótese
de uma relação harmoniosa entre ser humano e natureza precisamente no período
anterior à Revolução Industrial. Para ele, a conscientização vem
paradoxalmente com a destruição, aspecto central de seu trabalho que analisa
como a humanidade passa do estágio da violência à natureza, pela simpatia e
proteção, traduzidos no fragmento: Há
apenas poucos séculos atrás, a mera idéia de resistir à agricultura, ao
invés de estimulá-la, pareceria ininteligível. Como teria progredido a
civilização sem a limpeza das florestas, o cultivo do solo e a conversão da
paisagem agreste em terra colonizada pelo homem? Os reis e grandes proprietários
podiam reservar florestas e parques para caça e extração de madeira, mas na
Inglaterra Tudor a preservação artificial de cumes incultos teria parecido tão
absurda como a criação de santuários para pássaros e animais selvagens que
não podiam ser comidos ou caçados. A tarefa do homem, nas palavras do Gênesis
(I, 28), era “encher a terra e submetê-la": derrubar matas, lavrar o
solo, eliminar predadores, matar insetos nocivos, arrancar fetos, drenar pântanos.
A agricultura estava para a terra como o cozimento para a carne crua.
Convertia natureza em cultura. Terra não cultivada significava homens
incultos.
(THOMAS, 1988, p. 17) Nesse debate, é importante ressaltar os estudos que demonstram uma postura mais adequada nas relações do ser humano com a natureza, possivelmente não da maioria urbanizada, mas das populações tradicionais: E quando os ingleses seicentistas mudaram-se para Massachusetts, parte de sua argumentação em defesa da ocupação dos territórios indígenas foi que aqueles que por si mesmos não submetiam e cultivavam a terra não tinham o direito de impedir que outros o fizessem (THOMAS, 1988, p. 17). Outros estudos privilegiam investigações neste sentido quando buscam as prováveis razões – construídas principalmente nos relatos dos viajantes europeus por ocasião de suas incursões pela Amazônia - de se atribuir aos considerados nativos, primitivos, selvagens e atualmente classificados como Povos da Floresta, particularmente o caboclo amazônida o adjetivo de preguiçoso (GONDIM, 1994). A idéia da sustentabilidade na concepção e prática das populações tradicionais pode ser compreendida se percebermos o tempo em que estes vêm se relacionando com a natureza e a forma como desenvolvem esta relação. Sem compreender qual é a lógica que opera no seu meio, corremos o risco de produzir interpretações estereotipadas, semelhantes àquelas presentes nos relatos fantásticos dos cronistas viajantes e também na literatura brasileira. O homem e a mulher da Amazônia são apresentados de uma forma extremamente preconceituosa – pessoas acomodadas, preguiçosas, inconstantes, despreocupadas, desleixadas, etc, características ocasionadas, no dizer de LOUREIRO (1995) pelo determinismo climático e pelas teorias raciais; portanto nesta visão discriminada as populações tradicionais são consideradas incapazes de assimilar os padrões da modernidade. E
como a temática ambiental disputa um espaço no currículo escolar?
Inicialmente, os sistemas de ensino incorporaram em seus programas, objetivos
e conteúdos, relacionados ao Meio Ambiente considerando apenas os aspectos
biológicos e geográficos, não levando em conta a contribuição das ciências
sociais na perspectiva e compreensão do conceito de ecossistema (DIAS, 1993). O
termo Educação Ambiental ou environmental
education, foi lançado em 1965, na Inglaterra, numa Conferência de Educação
que aconteceu na Universidade de Keele, mas já existia a expressão
"estudos ambientais" no vocabulário dos professores da Grã-Bretanha
(BOTELHO, 1998). Em
1968, em Leicester - Grã-Bretanha, foi recomendado a fundação da Sociedade
para a Educação Ambiental. A Educação Ambiental foi definida como um
programa de educação que deveria objetivar a formação de cidadãos sob
cujos conhecimentos acerca do ambiente biofísico e problemas associados,
pudessem alertá-los e habilitá-los a resolver. Para
DIAS (1994), a Educação Ambiental representa um processo no qual deveria
ocorrer num desenvolvimento progressivo de um senso de preocupação com o
Meio Ambiente baseado em um completo e sensível entendimento das relações
do ser humano com o Meio Ambiente. Na
Conferência de Tbilisi, Geórgia, em 1977, a Educação Ambiental foi
definida como uma dimensão dada ao conteúdo e à prática de educação
orientada para a resolução dos problemas concretos do Meio Ambiente através
de enfoques interdisciplinares e de uma participação ativa e responsável,
de cada indivíduo e da coletividade, definição adotada pelo Brasil e a
maioria dos países. Neste
contexto, é introduzido o caráter interdisciplinar como estratégia para se
alcançar os objetivos da Educação Ambiental conforme a Recomendação nº
1, letra "b": O
resultado de uma reorientação e articulação de diversas disciplinas e
experiências educativas que facilitam a percepção integrada do meio
ambiente tornando possível uma ação mais racional e capaz de responder às
necessidades sociais (DIAS, 1994). Para
o Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, no Brasil, em seus documentos,
a Educação Ambiental é um processo de formação e informação, orientado
para o desenvolvimento da consciência crítica sob as questões ambientais e
de atividades que levem a participação das comunidades na presença do equilíbrio
ambiental (DIAS, 1994). Em
1988 e 1989 no Programa Nossa Natureza, do Ministério do Meio Ambiente, a
Educação Ambiental é apresentada como: O conjunto de ações educativas voltadas para a compreensão da dinâmica dos ecossistemas, considerando os efeitos da relação do homem com o meio, a determinação social, a evolução histórica dessa relação. (DIAS, 1994, p. 23) Segundo
AB'SABER (1996, p. 47), a Educação Ambiental é
o conhecimento da estrutura, da composição e da funcionalidade da natureza,
das interferências que o homem produziu sobre esta estrutura, esta composição
e esta funcionalidade Já
o entendimento de GUIMARÃES (2000, p. 31) sobre a definição da Educação
Ambiental é no sentido de que esta aponta para
as transformações da sociedade em direção a novos paradigmas de justiça
social e qualidade ambiental. REIGOTA
(1999), referenda o conceito adotado pela Organização das Nações Unidas
para a Educação, Ciência e Cultura - UNESCO, de 1975, divulgado na Carta de
Belgrado, Iugoslávia, resultado do encontro nesta localidade, que antecipava
a necessidade de se avançar mais, onde explicitava que: ...
devem ser lançadas bases para um programa mundial de educação ambiental que
possa tornar possível o desenvolvimento de novos conhecimentos e habilidades,
valores e atitudes, visando a melhoria da qualidade ambiental
e, efetivamente, a elevação
da qualidade de vida para as gerações futuras.
(REIGOTA, 1994, 18). No
Brasil, a Lei nº 9795/99, que dispõe sobre a Educação Ambiental e institui
a Política Nacional de Educação Ambiental, estabelece o conceito de Educação
Ambiental a partir dos processos por
meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais,
conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação
do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial a sadia qualidade de
vida e sua sustentabilidade (BRASIL, Diário Oficial da União, 28 de
abril de 1999). Embora
existam vários conceitos de Educação Ambiental, percebemos que há mais
pontos comuns que divergentes, considerando todos aqueles que tomamos
conhecimento tanto em nosso cotidiano na escola, como no exercício da
pesquisa que ora se realiza. Há
autores que, como PEDRINI (1999) avaliam que a Educação Ambiental não tem
clareza conceitual uma vez que não dispõe de objetivos, métodos de ação e
avaliação mais definidos, questões observadas nas várias práticas
ambientais consideradas equivocadas ou ainda em função da utilização de
livros didáticos com orientações inconsistentes, onde o ser humano é visto
como elemento separado da natureza, numa visão ingênua que não leva em
conta os aspectos políticos, culturais e econômicos, outros afirmam que os
conceitos referentes à Educação Ambiental apresentam uma
cisão epistemológica: a científica, atendo-se a uma abordagem naturalista,
e a cultural, limitando-se a uma abordagem individualista (PENTEADO, 1997,
p. 27) O
documento elaborado pela Secretaria de Estado da Educação do Estado de Rondônia
– SEDUC, Proposta de Educação
Ambiental para o Sistema Público de Rondônia (1995), apresenta uma
previsão de atividades a serem desenvolvidas na gestão do governo Raupp
relativas a Educação Ambiental, assinalando que: A
Educação Ambiental se concebe como um processo permanente onde indivíduos
tomam consciência de seu meio e adquirem os conhecimentos, os valores, as
competências, a experiência e também a capacidade de fazê-los atuar,
individual e coletivamente para resolver os problemas atuais e futuros do meio
ambiente. Ao
nosso ver, a Educação Ambiental enquanto conhecimento sistematizado
encontra-se em franco processo de construção de suas bases teóricas e
conceituais uma vez que reflete o que acumulamos e aprendemos de forma muitas
vezes não-linear e contraditória. Essas aprendizagens que avaliamos como
insuficientes, evidenciam a necessidade de avançarmos cada vez mais no
sentido de aproximar nossas reflexões a práticas e atitudes mais
consistentes e efetivamente emancipadoras, bem como aos desejos de mudanças
que alimentam nossa capacidade de responder aos desafios postos. É
importante levar em conta também aspectos processuais, que os tempos de
aprendizagem de temáticas como essa não operam com a tradicional lógica
sustentada nos eixos repetição e
memorização, a mobilização da compreensão aliada à pedagogia
do exemplo pode apontar possíveis rumos neste percurso. A Educação
Ambiental - do ponto de vista histórico, vem sendo pensada e vivenciada há
pouco tempo, sendo assim, entendemos e identificamos este quadro como Educação
Ambiental: conceito em construção,
que se viabiliza no âmbito da caminhada das lutas protagonizadas pelos
movimentos sociais, problematizando a parte que lhe cabe: a produção de uma
práxis educativa ambiental radicalmente transformadora. Referências
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