Embora o conhecimento sobre a
biodiversidade do planeta ainda esteja muito fragmentado, estima-se que já
tenham sido descritos aproximadamente 1,75 milhão de espécies diferentes de
seres vivos – incluindo micro-organismos, plantas e animais. O número pode
impressionar os mais desavisados, mas representa, nas hipóteses mais
otimistas, apenas 30% das formas de vida existentes na Terra.
“Estima-se que existam outros 12 milhões de espécies ainda por serem
descobertas”, disse Thomas Lewinsohn, professor do Departamento de Biologia
Animal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), durante a
apresentação que deu início ao Ciclo de Conferências 2013 organizado pelo
programa BIOTA-FAPESP com o intuito de contribuir para o aperfeiçoamento do
ensino de ciência.
Mas como avaliar o tamanho do desconhecimento sobre a biodiversidade? “Para
isso, fazemos extrapolações, tomando como base os grupos de organismos mais
bem estudados para avaliar os menos estudados. Regiões ou países em que a
biota é bem conhecida para avaliar onde é menos conhecida. Por regra de
três chegamos a essas estimativas”, explicou.
Técnicas mais recentes, segundo Lewinsohn, usam fórmulas estatísticas
sofisticadas e se baseiam nas taxas de descobertas e de descrição de novas
espécies. Os valores são ajustados de acordo com a força de trabalho
existente, ou seja, o número de taxonomistas em atividade.
“No entanto, o mais importante a dizer é: não há consenso. As estimativas
podem chegar a mais de 100 milhões de espécies desconhecidas. Não sabemos
nem a ordem de grandeza e isso é espantoso”, disse.
Lewinsohn avalia que, para descrever todas as espécies que se estima haver
no Brasil, seriam necessários cerca de 2 mil anos. “Para descrever todas as
espécies do mundo o número seria parecido. Mas não temos esse tempo”,
disse.
Algumas técnicas recentes de taxonomia molecular, como código de barras de
DNA, podem ajudar a acelerar o trabalho, pois permitem identificar
organismos por meio da análise de seu material genético. Por esse método,
cadeias diferentes de DNA diferenciam as espécies, enquanto na taxonomia
clássica a classificação é baseada na morfologia dos seres vivos, o que é
bem mais trabalhoso.
“Dá para fazer? Sim, mas qual é o custo?”, questionou Lewinsohn. Um artigo
publicado recentemente na revista Science apontou que seriam necessários de
US$ 500 milhões a US$ 1 bilhão por ano, durante 50 anos, para descrever a
maioria das espécies do planeta. Novamente, o número pode assustar os
desavisados, mas, de acordo com Lewinsohn, o montante corresponde ao que se
gasta no mundo com armamento em apenas cinco dias. “Somente em 2011 foram
gastos US$ 1,7 trilhão com a compra de armas. É preciso colocar as coisas
em perspectiva”, defendeu.
Muitas dessas espécies desconhecidas, porém, podem desaparecer do planeta
antes mesmo que o homem tenha tempo e dinheiro suficiente para estudá-las.
Segundo dados apresentados por Jean Paul Metzger, professor do Instituto de
Biociências da Universidade de São Paulo (USP), mais de 50% da superfície
terrestre já foi transformada pelo homem.
Essa alteração na paisagem tem muitas consequências e Metzger abordou duas
delas na segunda apresentação do dia: a perda de habitat e a fragmentação.
“São conceitos diferentes, que muitas vezes se confundem. Fragmentação é a
subdivisão de um habitat e pode não ocorrer quando o processo de degradação
ocorre nas bordas da mata. Já a construção de uma estrada, por exemplo,
cria fragmentos isolados dentro do habitat”, explicou.
Para Metzger, a fragmentação é a principal ameaça à biodiversidade, pois
altera o equilíbrio entre os processos naturais de extinção de espécies e
de colonização. Quanto menor e mais isolado é o fragmento, maior é a taxa
de extinção e menor é a de colonização. “Cada espécie tem uma quantidade
mínima de habitat que precisa para sobreviver e se reproduzir. Não
conhecemos bem esses limiares de extinção”, alertou.
Metzger acredita que esse limiar pode variar de acordo com a configuração
da paisagem, ou seja, quanto mais fragmentado estiver o habitat, maior o
risco de extinção de espécies. Como exemplo, ele citou as áreas
remanescentes de Mata Atlântica do Estado de São Paulo, onde 95% dos
fragmentos têm menos de 100 hectares.
“Estima-se que ao perder 90% do habitat, deveríamos perder 50% das espécies
endêmicas. Na Mata Atlântica, há cerca de 16% de floresta remanescente. O
esperado seria uma extinção em massa, mas nosso registro tem poucos casos.
Ou nossa teoria está errada, ou não estamos detectando as extinções, pois
as espécies nem sequer eram conhecidas”, afirmou Metzger.
Há, no entanto, um fator complicador: o período de latência entre a mudança
na estrutura paisagem e mudança na estrutura da comunidade. Enquanto as
espécies com ciclo curto de vida podem desaparecer rapidamente, aquelas com
ciclo de vida longo podem responder à perda de habitat em escala
centenária. “Cria-se um débito de extinção e, mesmo que a alteração na
paisagem seja interrompida, algumas espécies ficam fadadas a desaparecer
com o tempo”, disse Metzger.
Mas a boa notícia é que as paisagens também se regeneram naturalmente e
além do débito de extinção existe o crédito de recuperação. O período de
latência representa, portanto, uma oportunidade de conservação. “Hoje,
temos evidências de que não adianta restaurar em qualquer lugar. É preciso
definir áreas prioritárias para restauração que otimizem a conectividade e
facilitem o fluxo biológico entre os fragmentos”, defendeu Metzger.
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