É dentro do coração do homem que o espetáculo da natureza existe; para vê-lo, é preciso senti-lo. Jean-Jacques Rousseau
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 89 · Dezembro-Fevereiro 2024/2025
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Arte e Ambiente
ARTE-EDUCAÇÃO
AMBIENTAL:
na busca de uma cidadania ecológica. Cláudia
Mariza Mattos Brandão[1]
O
tempo modifica as idéias mais radicais, atenua
as maiores paixões, faz
desmoronar os castelos mais sólidos e
os sonhos, então... Nem
tudo o que se enfrenta pode ser modificado. Mas
nada pode ser modificado até que seja enfrentado... O
tempo é muito lento para os que esperam; muito
rápido para os que têm medo; muito
longo para os que lamentam; muito
curto para os que festejam; mas,
para os que amam, o tempo é a eternidade... Querendo
construir algo do nada, comece
amando intensamente seus pensamentos e sua imaginação. Um
grande caminho começa com o primeiro passo. O
resto fica por conta das circunstâncias... ................................................................... (Anônimo
– capturado na Internet)
Hoje podemos afirmar que o tempo não é um dado objetivo do mundo
criado como sustentava Newton, e nem uma estrutura “a priori” do espírito,
um dado não modificável da natureza humana, como queria Kant. Ao examinarmos
questões relativas ao tempo (Elias, 1998), é preciso considerar que ele
é antes de tudo um símbolo social resultante de um longo processo de
aprendizagem. As exigências da vida comunitária fizeram com que o homem
construísse instrumentos para serem utilizados como meio de orientação e
ordenação da sociedade, baseados em seqüências recorrentes como o ritmo das
marés, o dia e a noite e os batimentos cardíacos; portanto, o tempo
tornou-se a representação simbólica de uma vasta rede de relações que reúne
diversas seqüências de caráter individual, social ou puramente físico[2].
Sem
ser um dado natural, o tempo é um aspecto fundamental do processo
civilizador relacionado às transformações individuais, sociais ou naturais.
Ele coloca o homem no âmago da Natureza, inserido em seu devir, tornando impossível
dissociar a condição humana do contexto sócio-ambiental. Levamos
sobre nós o peso de quatro séculos com a vida cultural impelida e modelada
pelo ideal do domínio do mito do eterno progresso, a convicção de que o saber
teórico produz, de forma linear e progressiva, saber técnico, domínio da
realidade, conforto e felicidade. O estilo de pensar próprio da idade moderna
faliu tragicamente nas duas guerras mundiais, mas continua sendo nosso modo
normal de orientar a vida. E o normal é freqüentemente considerado como
normativo, o ideal e desejável. (Quintás, 1992: 16) Descartes
propôs Deus como um grande arquiteto, responsável pela criação da
natureza como um conjunto de mecanismos isolados. Mais adiante, os cientistas
decidiram que não necessitavam de Deus para enxergar o mundo e o
eliminaram da visão cartesiana; conservaram, porém, a idéia de um mundo
natural maquínico. Copérnico enunciou o universo como um todo coerente e
vital, comparável a um mecanismo ordenado e eficiente, tomado como modelo para
as estruturas mentais humanas. Kant, por sua vez, apresentou uma mudança de
perspectiva, em que a ordem da natureza tem as estruturas mentais como modelo,
fazendo do conhecimento humano a medida da realidade. A
idéia da Terra como um sistema vem dos primórdios das civilizações e
consiste na idéia chave da Teoria de Gaia[3].
Ela mostra um estreito entrosamento entre as partes vivas e não-vivas do
planeta, caracterizado por um fluxo
permanente de energia e de matéria interligando todos os ciclos da vida. Chegamos
ao século XXI com a classe científica retomando antigas concepções da
natureza como um sistema complexo e auto-organizado, e esse fato representa uma
mudança de profundas implicações não só para a ciência contemporânea. Ver
o planeta como um ser vivo complexo, organizado em sua própria
desorganização, revela uma transformação em
nossa visão ocidental de mundo, que se dirige do mecânico
para o orgânico. 1.
Um pouco de história ... A
alteração no equilíbrio das relações ambientais não é uma característica
da civilização moderna, danos ecológicos ocasionados pelo desmatamento, pela
erosão do solo, pelos esgotos e pelo lixo doméstico já aconteciam nas épocas
pré-cristãs das civilizações mediterrâneas. O
esgotamento lento da capacidade produtiva do meio terrestre e aquático, pela
exploração crescente dos recursos, é um problema que remonta à Antigüidade...
A
crise do modo de produção feudal, ocorrida na Europa do século XIV, se
originou, dentre outros motivos, da falta de terras para o cultivo, da regressão
demográfica ocasionada pela Peste e do esgotamento dos estoques de ouro e de
prata. Com ela, ruíram o sistema sócio-econômico feudal, o idealismo filosófico
da época, e o equilíbrio estático da arte e da cultura. Foi o choque entre a
fé e o conhecimento científico, a ruptura com as antigas tradições e a
gradual emancipação do homem da influência da Igreja. Esses fatores
delinearam novos paradigmas de acordo com uma mentalidade racionalista e
antropocêntrica que emergiu da crise. Com
o desenvolvimento mercantil-capitalista desencadeado na Renascença se
estabeleceu um conflito entre a ordem estática da Idade Média e a nova ordem,
que se mostrava essencialmente dinâmica. Era necessário superar os problemas
gerados por uma sociedade tradicional e religiosa e a solução encontrada pelos
europeus foi o expansionismo marítimo. Os resultados econômicos
produzidos pelas Grandes Navegações foram extraordinários, produzindo, também,
o fortalecimento dos Estados Nacionais Europeus, devido à imposição de seus
valores culturais e econômicos às novas colônias. A
Idade Moderna, um curto espaço de tempo que vai da Renascença a meados do século
XX, caracteriza-se pelas descobertas científicas extraordinárias que se
desenvolveram a partir de uma mentalidade racionalista, tecnicista. Hoje temos
consciência de que o progresso tecnológico desencadeado, que acarretou uma
desmedida exploração do meio natural e uma degeneração crescente da paisagem
urbana, não é uma capacidade infinita de aprimoramento humano, ou conseqüência
natural do processo histórico. A mentalidade do capitalismo mercantilista está
na origem dos problemas de natureza ecológica da contemporaneidade, e o predomínio
da dimensão técnica sobre a dimensão ética é uma realidade inquestionável. Impossibilitado
de realizar grandes migrações, como aconteceu no final da Idade Antiga,
ou um novo expansionismo marítimo, como na crise que caracterizou
o final do período feudal, o homem contemporâneo necessita reorientar
mentalidades. É preciso substituir a racionalidade individualista e competitiva
vigente, por uma mentalidade que permita restabelecer os equilíbrios sistêmicos
afetados, levando-se em consideração além dos aspectos científicos, as
características culturais regionais e suas intrínsecas correlações históricas.
2.
Os desafios da crise sócio-ambiental contemporânea A
crise cultural e ecológica vivida na contemporaneidade desvela uma cisão
do homem com relação ao meio, com respeito ao real. A
visão racionalista, que tende a tratar os seres como objetos domináveis
para possuir e desfrutar anula a possibilidade criadora do homem, impedindo-o de
fundar um campo de jogo comum e instaurar uma relação de encontro.
Impossibilita que a formação humana realize-se através do encontro entre
objetos contextualizados e sujeito,
e que o indivíduo entre em jogo com as realidades ambitais[4]
que constituem seu meio ambiente, numa relação de respeito que implica a
aceitação dos valores peculiares a cada realidade. Esse é um dos motivos
pelos quais o pensamento dominador transforma comumente os contrastes em
dilemas. Portanto,
o desafio da globalidade é também um desafio de complexidade. Existe
complexidade, de fato, quando os componentes que constituem um todo (como o econômico,
o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico) são
inseparáveis e existe um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo
entre as partes e o todo, o todo e as partes. Ora, os desenvolvimentos próprios
de nosso século e de nossa era planetária nos confrontam, inevitavelmente e
com mais e mais freqüência, com os desafios da complexidade.(Morin, 2000: 14) Os
problemas sócio-ambientais que enfrentamos derivam de uma mentalidade, que
considerava o mundo como um objeto criado para o homem e seu deleite;
excluindo-se assim, as características, relações e inter-relações de seus
componentes formativos, impossibilitando a visão intrínseca da rede sistêmica.
Na
teia da história, presente e passado evocam-se mutuamente, e é esse permanente
movimento de fluxo e refluxo que permite o dimensionamento do presente e a projeção
do futuro. A integração de parâmetros políticos, sociais e culturais, para a
implementação de ações que visam a restabelecer o equilíbrio das relações
do homem com o meio, promoveu o desenvolvimento do pensamento ecológico-social
e transformou as propostas para a Educação Ambiental: Mais
do que nunca a natureza não pode ser separada da cultura e precisamos aprender
a pensar “transversalmente” as interações entre ecossistemas, mecanosfera
e universos de referência sociais e individuais. (Guattari, 1990: 25) O
homem é um ser criativo, relacional e dialógico, cuja formação objetiva
atingir a unidade com o real e a linguagem, esta considerada como veículo de
interação com o contexto natural, social e político-econômico. Quintás
considera que o “campo de jogo” se estabelece através da capacidade que
temos de distanciamento perspectivo em
relação ao meio ambiente, um campo de intercâmbio constituído por estímulos
e respostas; estímulos esses que permitem a captação das realidades, que
através da ação criadora fundam a vida cultural. Ele também argumenta que a
experiência artística visa à formação integral do homem e à configuração
de um novo tipo de humanismo, não mais centrado no domínio dos objetos, mas
aberto para a fundação de campos de jogo comuns com as realidades do meio
ambiente. 3.
Fazendo Arte na Educação Ambiental Toda
a ação humana modifica a sociedade e a natureza. Enquanto
a ciência atua diretamente sobre a realidade, de forma objetiva, a arte exerce
uma ação indireta sobre a consciência dos indivíduos que atuam na vida real,
transforma os transformadores. A arte
é um processo de construção da identidade, apresenta-se como revelação e
possibilita a ressingularização do sujeito. Se
o sujeito resulta das relações sociais às quais está submetido, a linguagem
por sua vez acompanha as transformações do mundo dinâmico. A arte,
como linguagem simbólica, reflete essas relações. A
linguagem une, constitui e representa uma sociedade, e através do fazer artístico
o homem desvela o mundo e a si mesmo. A arte transmite conhecimento através dos
sentidos, da percepção e da cognição, e revela a organização interna da
realidade; possibilitando a instauração de novos parâmetros de valorização,
que aprimorem a ética das relações e viabilizem a construção da identidade
dos sujeitos. O
Brasil tem como característica marcante sua diversidade cultural. Dos tempos
coloniais herdamos a influência marcante da Inglaterra em nossa economia e da
França, nas idéias e costumes. Somos fruto de uma fusão de raças e nossa
formação histórica forjou um povo com identidade e imaginário próprios, que
não inibem a diversidade, imprimindo uma marca indelével em nossa produção
de bens simbólicos - artísticos e intelectuais. Em
nosso país, a função primeira da escola - criar e desenvolver o Ser Social, Político e Cultural - está sendo esquecida. A
educação, que representa a estrutura do cidadão e que deveria relacionar
Arte, Ciência e Filosofia está cada vez mais fragmentada. Nossa realidade
escolar está alicerçada sobre uma estrutura que prioriza a repetição de
modelos, um processo mecânico onde sobressai o automatismo das ações, um
ensino com caráter predominantemente científico e com informações
compartimentadas. Essa setorização bloqueia e atomiza a capacidade indagativa,
perceptiva, sensorial e afetiva de nossos alunos. O
potencial narrativo das imagens visuais e sua exploração negativa pela mídia
contemporânea são elementos que justificam a prioridade de formação indivíduos
capazes de decodificarem os códigos da nova pragmática da imagem virtual. A
manipulação de grande parte da opinião pública torna necessário mobilizar
todos os meios formativos, que possam contribuir no crescimento do desejo
criativo, no desenvolvimento do senso crítico e no discernimento cultural do
indivíduo. Frente
a uma realidade escolar que revela um aprendizado pobre e limitado sobre arte e
sua história e ao despreparo dos professores em sala de aula, torna-se necessário
destacar a relevância de contextualizar arte e educação;
contribuindo, assim, para o desenvolvimento de um olhar mais crítico e sensível,
capaz de apreciar e compreender aquilo que foge aos padrões visuais instituídos
culturalmente. A
criatividade de uma nação está ligada à capacidade de pensar e teorizar, o
que requer uma educação crítica e reflexiva. Convivendo
num mundo globalizado pelas novas tecnologias, caracterizado pelo
desaparecimento das referências culturais e pela crise das referências éticas
e estéticas, necessitamos de uma política educacional, onde uma sólida
cultura geral e humanística, nos leve a pensar criticamente o passado histórico
e possibilite avaliar nossa posição atual, para que dessa conjunção surjam
alternativas para o futuro, baseadas em nossa realidade híbrida. Bibliografia: BENJAMIN,
César... [ et. al.]. A Opção Brasileira. Rio de Janeiro: Contraponto, 1998. BRODY,
David Eliot, BRODY, Arnold. As
Sete Maiores Descobertas Científicas do Mundo.
São Paulo: Companhia das Letras, 1999. FREIRE,
Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa.
Coleção Leituras. São Paulo: Paz e Terra, 1996. FUSARI,
Maria Felisminda de Resende e FERRAZ, Maria Heloísa Corrêa de Toledo. Arte na educação
escolar. São Paulo: Cortez, 1993. GADOTTI,
Moacir. Escola Cidadã. 4ª
ed. Coleção questões de nossa época; v. 24. São Paulo: Cortez, 1997. GUATTARI,
Felix. As Três Ecologias. Campinas,
SP: Papirus, 1990. LIEBMANN,
Hans. Terra,
um planeta inabitável? Rio
de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1979. LÓPEZ
Quintás, Alfonso. Estética. Petrópolis,
RJ: Vozes, 1992. MORIN,
Edgar. A Cabeça Bem-Feita. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. SANTOS,
Boaventura de Sousa. A Crítica da Razão Indolente: contra o desperdício da
experiência. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2000. [1] Arte-educadora, Mestre em Educação Ambiental. [2] Elias, 1998:17. [3]
A teoria de Gaia foi desenvolvida
por James Lovelock e Lynn Margulis, entre 1960/70. James
Lovelock é um cientista ambiental inglês, que propôs que a Terra é uma
entidade viva e auto-organizada. Chamou-a de Gaia, com base no nome grego da
deusa primordial da criação, que acabou se transformando no nosso planeta. [4] Quintás, 1992. |