Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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03/06/2016 (Nº 56) EPIDEMIOLOGIA DOS ACIDENTES COM ANIMAIS PEÇONHENTOS NO MUNICÍPIO DE NOVA IGUAÇU – RJ
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EPIDEMIOLOGIA DOS ACIDENTES COM ANIMAIS PEÇONHENTOS NO MUNICÍPIO DE NOVA IGUAÇU – RJ

 

SOUZA, D. R. & SOARES, M. A.

 

Centro de Pesquisa em Biologia, Escola de Saúde e de Meio Ambiente, Universidade Castelo Branco, Av. Santa Cruz, 1631, Realengo, Rio de Janeiro, RJ – CEP 21.710-250. debybiologia@gmail.com

 

 

INTRODUÇÃO

 

            O município de Nova Iguaçu, situado na Baixada Fluminense, região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro, está entre as oito mais populosas cidades do Estado do Rio de Janeiro, com 795.212 habitantes, composta em grande parte por classes sócio-econômicas de baixa renda, cuja principal atividade econômica é a indústria e o comércio (IBGE, 2010). Possui área de 559,4 km² (71 bairros), localizada na altitude de 25 m, com predomínio de clima quente com temperatura média anual de 25 ºC e precipitação média anual de 1.595 mm. Atualmente, o setor econômico mais representativo em Nova Iguaçu é o terciário, sendo o mais importante centro comercial e de serviços da região, para onde convergem, também, moradores de municípios vizinhos (ROCHA et al., 2004). Possui duas áreas de preservação ambiental, a Reserva Biológica de Tinguá e o Parque Municipal de Nova Iguaçu (Figura 1). Sua ocupação remonta a expansão da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e ocorreu a partir das vias de acesso que ligam o município à cidade do Rio de Janeiro (MACHADO et al., 2009). O hospital referencia para casos de acidentes com animais peçonhentos é o Hospital Geral da Posse, é lá que são atendidos todos os casos desses acidentes, tanto ocorridos em Nova Iguaçu, quando de municípios vizinhos, já que neste hospital está disponível os soros antivenenos.

Segundo Freitas (2011) animais peçonhentos são aqueles que possuem peçonha, ou toxina, e um aparato constituído por ferrões, presas ou quelíceras, para inocular esta substância química. A toxina que os animais peçonhentos produzem, serve para matar ou paralisar os animais dos quais se alimentam, auxiliando em suas digestões e em sua defesa quando se sentem ameaçados. Para os humanos, o contato com esses animais pode ser perigoso. Entre os venenosos envolvidos com humanos podemos destacar as serpentes, as aranhas e os escorpiões (PUORTO, 2012). No município de Nova Iguaçu, cercado por áreas de preservação ambiental, ocorrem muitos casos de acidentes com esses animais.

            Hoje em dia os acidentes por animais peçonhentos constituem um sério problema de saúde pública no Brasil, tanto pelo número de casos registrados, quanto pela gravidade apresentada, podendo conduzir à morte ou a seqüelas capazes de gerar incapacidade temporária ou definitiva para o trabalho e para as atividades habituais de lazer (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1998).

Com isso, o sistema de notificações são importantes à medida que são capazes de dar subsídios à produção e distribuição dos diferentes tipos de soro existentes no país, à avaliação da localização dos pólos de aplicação de soro, aos programas de prevenção de casos, à diminuição da gravidade dos casos, à diminuição do número de óbitos, ao treinamento dos profissionais, ao mapeamento desses animais e à intervenção no ambiente (BOCHNER, 2003).

 

http://www.agenciario.com/imagens/metropolitana/novaiguacu/mp2_gr.gif

 

Fonte: www.agenciario.com

Figura 1: Mapa mostrando o município de Nova Iguaçu e cidades vizinhas.

 

Portanto o objetivo do presente trabalho foi informar as ocorrências de acidentes com animais peçonhentos no Município de Nova Iguaçu, evidenciando os índices de acidentes ocorrentes no município.

 

METODOLOGIA

 

            O estudo foi realizado através da Secretária Municipal de Saúde do Município de Nova Iguaçu, onde foi disponibilizado os relatórios de notificações dos casos de acidentes com animais peçonhentos. Estes foram digitalizados e quantificados usando o programa excel para a confecção de gráficos. Os dados disponibilizados se referem aos anos de 2008, 2011, 2012, 2013 e 2014 até o mês de abril.

 

RESULTADOS E DISCUSSÕES

 

Acidentes com animais peçonhentos constituem casos sérios de acidentes que podem levar a morte ou deixar sequelas. No município de Nova Iguaçu pode-se observar que o número de casos variou nos últimos anos, podendo destacar três casos em 2012, menor número apresentado e no ano seguinte dezesseis casos de acidentes com animais peçonhentos (Gráfico 1). Esses números diferem dos apresentados pelo SINAN (2015) em seu site, que não apresenta nenhuma notificação para os anos de 2008, 2009, 2012 e 2013, apresentando 2 casos notificados em 2010, 4 casos em 2011 e 13 casos em 2014. Isso reflete na necessidade de uma melhor comunicação entre os municípios e o SINAN. Em 2010 a Organização Mundial da Saúde (OMS) indicou que os envenenamentos por animais peçonhentos constituem nova classe de doenças negligenciadas. A maioria dos óbitos é evitável, pois ocorre pela deficiência na distribuição do antiveneno específico, pelo retardo na sua administração ou pelo uso incorreto do produto. Os acidentes afetam quase exclusivamente pessoas pobres e desprovidas de poder político das áreas rurais de países tropicais com baixa renda per capita (SOUZA, 2010). A falta de conhecimento e instrução da população agrava ainda mais este quadro. Além disso, os animais peçonhentos envolvem muito fascínio e medo o que contribui para a propagação de conceitos errôneos, além dos vinculados, principalmente, pela mídia, manuais de primeiros socorros e até livros didáticos (GUIMARÃES, 2010; SANDRIN et al., 2005).

 

Gráfico 1

 

No ano 2008 observa-se a prevalência de casos com serpentes (cinco acidentes) e apenas um caso de acidente com aranha (Gráfico 2). Embora relativamente negligenciados, os envenenamentos humanos provocados por picadas de serpentes são um importante problema de saúde pública, especialmente em regiões tropicais do mundo. Como a maior parte destas regiões corresponde às nações subdesenvolvidas e os acidentes ocorrem na sua maioria em áreas rurais remotas, os dados epidemiológicos são geralmente escassos e subestimam a verdadeira situação (MISE et al., 2012).

Enquanto no ano de 2011 podemos observar além do aumento no número de casos de acidentes com serpentes (oito acidentes) e aranhas (quatro acidentes), um acidente com abelhas e outro com lacraia (Gráfico 3). Historicamente as relações entre os homens e as serpentes sempre foram críticas. Interpretações erradas de fatos corriqueiros observados a partir do comportamento natural destes animais alimentaram o imaginário popular de lendas, crendices e de histórias bizarras e sem fundamento prejudicando inclusive, procedimentos naturais de prevenção de acidentes e de primeiros socorros. As serpentes, como outros animais peçonhentos, fazem parte do meio ambiente e participam da cadeia alimentar como predadores e presas. Seu repertório de táticas defensivas foi desenvolvido ao longo da evolução para driblar seus inimigos naturais e se protegerem (PUORTO, 2012).

 

Gráfico 2

 

Gráfico 3

 

O ano de 2012 teve a menor incidência de casos deste estudo sendo apenas um caso de acidente com serpente, um com abelhas e ainda outro com lacraia (Gráfico 4). Já o ano de 2013 observamos um crescimento no número de acidente com abelhas, e casos os quais não foram especificados os tipos de acidentes ocorridos. O que pode mostrar um despreparo ou até mesmo descaso ao preencher fichas de notificação de casos de acidentes com animais peçonhentos (Gráfico 5).

Segundo MELLO et al. (2003), as abelhas tem preferido, de fato, como locais mais freqüentes de instalação de colônias, as construções humanas, assim pode refletir um certo grau de sinantropia, mostrando uma adaptação desses insetos às condições impostas pela cidade. Essa pode ser uma das razões dos crescentes números de acidentes com abelhas.

A adoção do SINAN (Sistema de Informações de Agravos de Notificação) em 1995, pela Coordenação Nacional de Controle de Zoonoses e Animais Peçonhentos (CNCZAP), gerou uma reação negativa por parte dos municípios e estados, os quais se mostraram resistentes à adoção do novo sistema, acabando por não enviar seus dados a essa coordenação, gerando uma visível quebra de continuidade, passando de 34.218 casos de acidentes por animais peçonhentos registrados em 1995, para 19.624 em 1996, 5.744 em 1997 e 7.119 em 1998 (CARVALHO, 1997).

Gráfico 4

 

Gráfico 5

No ano de 2014 além dos quatro casos de acidentes com serpentes e possível observar um número maior que dos anos anteriores de acidentes com lacraias (dois casos) (Gráfico 6). As lacraias são animais terrestres, de hábitos noturnos, passando a maior parte do dia escondida sob entulhos úmidos, folhas e cascas de árvores, sendo ocasionalmente encontradas dentro das casas. Alimentam-se basicamente de larvas de besouros, minhocas, vermes, entre outros, que são capturados vivos, imobilizados e inoculados por peçonha (KNYSAK et al., 1994). No Brasil, existem cerca de dez espécies cuja picada é temida, sendo as principais a Scolopendra viridicornis, S. subspinipes, Otostigmus scabricauda, Cryptops iheringi e Octocryptops ferrugineus. A S. viridicornis é a mais comum no Brasil. A grande maioria dos casos de acidentes com lacraias ocorre dentro do domicílio (BARROSO et al., 2001).

            Discordando de MISE et al. (2012), porém concordando com CARVALHO & NOGUEIRA (1998) observa-se que mais da metade dos casos de acidentes com animais peçonhentos ocorridos no município de Nova Iguaçu se deram em área urbana (Gráfico 7).

 

Gráfico 6

Gráfico 7

 

 

CONCLUSÕES

 

            Acidentes com animais peçonhentos constituem um grave problema de saúde pública no município de Nova Iguaçu. Visto isso, um sistema de notificação eficiente é de vital importância para a monitoração e assim prevenção dos casos. Com essa pesquisa podemos perceber que há grande deficiência nas notificações, já que informações importantes sobre os acidentes, como tempo decorrido entre o acidente e o atendimento, soroterapia utilizada, local da picada, entre outros, são muitas vezes ignorados. Informações dessa natureza são importantes à medida que são capazes de dar subsídios à produção e distribuição dos diferentes tipos de soro existentes no país à avaliação da localização dos pólos de aplicação de soro, aos programas de prevenção de casos, à diminuição da gravidade dos casos, à diminuição do número de óbitos, ao treinamento dos profissionais, ao mapeamento desses animais e à intervenção no ambiente.

            O número de acidentes pode ser atribuído aos impactos antrópicos no ambiente e a crescente expansão das áreas urbanas no município. É preciso cada vez mais trabalhos de educação ambiental para o esclarecimento, não só das dúvidas da população quanto aos acidente, mais também da importância desses animais para os ecossistemas. Faz-se necessário também pesquisas sobre a biologia, ecologia e distribuição desses animais no município para melhor monitoração de possíveis acidentes.

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BARROSO, E.; HIDAKA, A. S. V.; SANTOS, A. X.; FRANÇA, J. M.; SOUSA, A. M. B.; VALENTE, J. R.; MAGALHÃES, A. F. A. & PARDAL, P. P. O. Acidentes por centopéia notificados pelo “Centro de Informações Toxicológicas de Belém”, num período de dois anos. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 34(6): 527-530, 2001.

 

BOCHNER, R. Acidentes por animais peçonhentos: aspectos históricos, epidemiológicos, ambientais e socioeconômicos. Tese de Doutorado. Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca. Rio de Janeiro. 2003.

 

CARVALHO, D. M. Grandes sistemas nacionais de informação em saúde: Revisão e discussão da situação atual. Informe Epidemiológico do SUS, 4:7-46. 1997.

 

CARVALHO, M. A. & NOGUEIRA, F. Serpentes da área urbana de Cuiabá, Mato Grosso: aspectos ecológicos e acidentes ofídicos associados. Cad. Saúde Pública, 14(4):753-763, 1998.

 

FREITAS, M. A. Guia Ilustrado dos Animais Venenosos e Peçonhentos no Brasil. Pelotas: USEB, 2011.

 

GUIMARÃES, L. A. F. Acidentes por animais peçonhentos: Identifi cação dos erros conceituais nos livros didáticos dos ensinos fundamental e médio. Dissertação de Doutorado. Brasília: Instituto de Ciências Biológicas da UnB. 2010.

 

IBGE. Censo 2010. Disponível em: . Acesso em: 24 ago. 2014.

 

KNYSAK, I.; MARTINS, R.; BERTIM, C. R. & WEN, F. H. Lacraias de Importância Médica no Estado de São Paulo. In : KNYSAK, I.; MARTINS, R.; BERTIM, C. R. & WEN, F. H. (eds) Biologia e Aspectos Epidemiológicos - Documento Técnico. São Paulo, SP, Brasil NIVE/CVE, p. 4, 1994.

 

MACHADO, J. P.; OLIVEIRA, R. M. & SOUZA-SANTOS, R. Análise espacial da ocorrência de dengue e condições de vida na cidade de Nova Iguaçu, Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Cad. Saúde Pública, 25(5) p:1025-1034, Rio de Janeiro, 2009.

 

MELLO, M. H. S.; SILVA, E. A. & NATAL, D. Abelhas Africanizadas em área metropolitana do Brasil: abrigos e influências climáticas. Rev. Saúde Pública 37, 2003.

 

MISE, Y. F.; CARVALHO, F. M. & LIRA-DA-SILVA, R. M. Envenenamentos Ofídicos na Bahia, Brasil (2000-2006). Gaz. méd. Bahia; 82(Supl. 1):85-89. 2012.

 

MINISTÉRIO DA SAÚDE / FNS (FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE). Guia de Vigilância Epidemiológica. Brasília: MS/FNS. 1998.

 

ROCHA, R. T.; LELES, P. S. S. & OLIVEIRA NETO, S. N. Arborização de vias públicas em Nova Iguaçu, RJ: o caso dos bairros Rancho Novo e Centro. R. Árvore, v.28, n.4, p.599-607, Viçosa-MG. 2004.

 

PUORTO, G. Divulgação Científica Sobre Animais Peçonhentos no Brasil. Gazeta Médica da Bahia. 82 (Supl. 1): 33-39. 2012.

 

SANDRIN, M.F; PUORTO, G. & NARDI, R. Serpentes e acidentes ofídicos: um estudo sobre erros conceituais em livros didáticos. Investigações em Ensino de Ciências 10: 281-298, 2005.

 

SINAN. Sistema Nacional de Notificação. Disponível em: http://dtr2004.saude.gov.br/sinanweb/tabnet/dh?sinannet/animaisp/bases/animaisbrnet.def  Acesso em 14/03/2015.

 

SOUZA, W. (Org.). Doenças negligenciadas. Academia Brasileira de Ciências. Rio de Janeiro: 2010.

Ilustrações: Silvana Santos