Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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03/06/2016 (Nº 56) A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E O SEU CAMINHO INTERDISCIPLINAR: A NECESSIDADE DE UM CONSTANTE PROCESSO DE REFLEXÃO
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A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E O SEU CAMINHO INTERDISCIPLINAR: A NECESSIDADE DE UM CONSTANTE PROCESSO DE REFLEXÃO

 

Sofia Barros Correia¹: Graduada em Ciências Ambientais pela Universidade Federal de Pernambuco, Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal de Sergipe e Doutoranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal de Pernambuco. Email: sofiabarroscorreia@gmail.com.

 

Carlos Frederico R. da Costa Santos²: Graduado em DesignGráfico pela Universidade Tiradentes e Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal de Sergipe; Email: fredesigner2@gmail.com.  

 

 

Resumo

 

As propostas e discursos referentes à Educação Ambiental são diretamente vinculados às concepções e formações discursivas da interdisciplinaridade. Portanto, são necessárias reflexões críticas aprofundadas e contínuas a respeito destes dois temas, devidamente relacionados, para que aspectos semânticos, epistemológicos, teórico-metodológicos, político-sociais e institucionais não sejam negligenciados quando estas palavras se tornam práticas. Este artigo trata, sucintamente, dos aspectos anteriormente citados no intuito de contribuir e fortalecer as práticas da Educação Ambiental fundadas em ideais de justiça socioambiental e de desenvolvimento sustentável como constructos sociais, a partir da apropriação, manejo e gestão racionais e democráticas dos recursos naturais, como a proposta pelo professor Enrique Leff. 

 

INTRODUÇÃO

 

 As formas como os seres humanos se relacionam com as questões ambientais estão em processo de transformação: mudanças climáticas, aumento do nível dos oceanos, desmatamentos e desertificação, desperdício de recursos naturais, poluição (ar, água e solo), epidemias e crescimento populacional, são fenômenos, até certo ponto naturais, que exercem pressão direta na forma como se sobrevive, no presente, e como se projeta o futuro da humanidade. Hoje, é de caráter emergencial o manejo, a gestão e a apropriaçãodos recursos naturais de maneira racional, planejada e democrática,o que podemos chamar de uso sustentável desses recursos. Por outro lado, o que é possível, como forma de aproveitamento sustentável destes recursos, está calcada em uma racionalidade econômica, à mercê das condições de expansão econômica e das demandas do mercado (LEFF, 2002). 

Então, de acordo com Leff (2009), é preciso a construção de uma racionalidade e saber ambientais para que impulsione transformações relevantes nas formas de relacionamento humano-natureza, que implicam nae dão suporte à elaboração de práticas interdisciplinares para a construção e ensino de conhecimentos, estes não somente de caráter científico.

Neste ínterim, estes conhecimentos e saberes, além de proporcionarem uma estrutura epistemológica e conceitual para sistemas explicativos dos fenômenos socioambientais complexos, também favoreceriam, segundo o autor, na realização de um desenvolvimento sustentável de cunho sociopolítico igualitário e efetivo no que concerne à manutenção adequada dos ecossistemas planetários.

Neste sentido, a Educação Ambiental (EA) surgiu como resposta à preocupação da sociedade com o futuro da qualidade de vida no planeta e tem a dimensão ambiental como cerne de suas práticas educativas. Porém, são diversas as vertentes ideológicas que sustentam os discursos relacionados as suas práticas, e dividem-se de acordo com interesses político-sociaisdivergentes, ou seja, não é consenso o estabelecimento de um desenvolvimento sustentável que suscite justiça socioambiental.

A EA ganhou status de assunto oficial das Nações Unidas, durante a Conferência de Estocolmo em 1972. Segundo Reigota (2004), foi nesta conferência que surgiu como proposta um modelo de educação para amenizar os problemas ambientais. No entanto, sua implantação como programas em EA, no Brasil, e sua complexa forma transversal de trabalhar as disciplinas escolares precisam ser discutidas e apontadas suas fragilidades para que esta prática educativa esteja em permanente aperfeiçoamento.

A EA encontra-se preconizada na Constituição Federal (BRASIL, 1988), Art. 225, inciso VI, como dever do Estado a sua inclusão em todos os níveis e modalidades de ensino. A Política Nacional de EA, conforme Lei Nº 9795/99, vem fortalecer a constituição instituindo a prática educativa integrada, contínua e permanente em todos os níveis e modalidades do ensino formal (BRASIL, 2005).

Em acordo com a Constituição, em 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) foram aprovados pelo Conselho Nacional de Educação e constituem-se como um subsídio na elaboração de projetos educativos, no que tange aos procedimentos, atitudes e valores para o convívio escolar, bem como temas sociais urgentes, de abrangência nacional, denominados como temas transversais: meio ambiente, ética, pluralidade cultural, orientação sexual, trabalho e consumo. As escolas e/ou comunidades possuem liberdade para eleger outros temas de relevância para suas realidades (BRASIL, 1997).

Devido à abrangência dos temas transversais e objetivos propostos pelos documentos oficiais às escolas públicas e particulares brasileiras, fica difícil avaliar a adequação desses programas de EA às realidades escolares, além de se tratar de uma tarefa complexa verificar em que medida os alunos vão incorporando e consolidando determinados valores, atitudes e hábitos relacionados a determinadas práticas da EA.

Outro desafio para a EA é a realização da interdisciplinaridade no processo educativo, já que além de existir uma polissemia em torno do termo, ela ainda não foi totalmente incorporada pelas instituições encarregadas da produção dos conhecimentos científicos. Porém, Leff (2000) identifica um avanço na compreensão:

 

Da concepção de uma educação ambientalfundada na articulação interdisciplinar das ciências naturais e sociais, se avançoupara uma visão da complexidade ambiental aberta a diversas interpretações doambiente e a um diálogo de saberes(p.22).

 

Esta concepção de EA se funda na construção da racionalidade ambiental que é alimentada por um saber ambiental que, por sua vez, se estabelece e se delineia nas relações de poder que permeiam os processos de apropriação social da cultura e da natureza (LEFF, 2010).

Analisado porLeff (2002), o saber ambiental está em processo de construção, pois em muitos campos do conhecimento ainda não se constitui como algo acabado que seja capaz integrar-se a pesquisas interdisciplinares ou desagregar-se em conteúdos curriculares, para que este saber seja incorporado a novos programas de formação ambiental.

Portanto, assim como o saber ambiental, a EA e a interdisciplinaridade, seus arcabouços teórico-metodológicos e práticos estão em um processo de construção e aperfeiçoamento, o que demanda reflexões críticas constantes para que a Educação Ambiental não esteja fadada àreprodução acrítica, ao automatismo, ao autoritarismo,à desesperança, à frustração e até mesmo ao conformismo.

O presente artigo tem como escopoa discussão sobre Educação Ambiental e Interdisciplinaridade, sobre suas relações epistemológicas, teórico-metodológicas e práticas, em que as contribuições das obras do professor Enrique Leff serão seu fio condutor.

 

 

REFERENCIAL TEÓRICO

 

A Educação Ambiental, sua repercussão mundial e brasileira

 

Desde a década de 1970, depois da Conferência de Estocolmo sobre Meio Ambiente Humano de 1972 e, sobretudo, a partir da Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental, celebrada em Tbilisi em 1977, iniciou-se um amplo processo mundial orientado a formar uma nova consciência sobre o valor da natureza e a reorientar a produção de conhecimento guiado pelos métodos da interdisciplinaridade e no princípio de complexidade (DIAS, 1992).

 

A complexidade ambiental não somente implica aprender fatos novos (de uma maior complexidade), mas prepara uma pedagogia, através de uma nova racionalidade que significa a reapropriação do conhecimento do ser do mundo e do ser no mundo; do saber e da identidade que são forjados e incorporados ao ser e cada individuo e cada cultura (LEFF, 2010, p.57).

 

A EA revê, a priori, as relações econômicas e culturais entre o homem e a natureza, ela surge como caminho para discussões,disseminação de conhecimentos e para práticas que têm como lastro estas questões. É intrínseco à EA a busca por soluções norteadas pelo ideal do desenvolvimento sustentável:

 

A EA é uma proposta educativa que nasce em um momento histórico de alta complexidade. Faz parte de uma tentativa de responder aos sinais de falência de todo um modo de vida, o qual já não sustenta as promessas de felicidade, afluência, progresso e desenvolvimento (CARVALHO, 2012, p. 156).

 

As conferências e congressos mundiais estão voltados para a conscientização / sensibilização da sociedade em relação às questões ambientaise para o estabelecimento de compromissos entre as nações. Estes tambémfomentam soluções para os principais problemas ligados à degradação ambiental e à qualidade de vida no planeta.

O Quadro 1 mostra alguns eventos realizados ao longo das últimas décadas voltados para EA e desenvolvimento sustentável:

 

Quadro 1 – Eventos voltados para EA e desenvolvimento sustentável.

EVENTO

CARACTERÍSTICA

Conferência de Estocolmo (1972)

Marco inicial para conscientizar a sociedade e atender às necessidades sociais sem comprometer gerações futuras.

Carta de Belgrado (1975)

Surgimento de novos conceitos, habilidades, valores e atitudes visando a melhoria da qualidade ambiental.

Conferência de Tbilisi (1977)

Objetivos da educação ambiental e estratégias para seu desenvolvimento

Congresso Internacional de Moscou (1987)

Difundir a educação ambiental por intermédio do desenvolvimento de currículo e de materiais didáticos.

Conferência Jomtien (1990)

Reforço do compromisso de educar todo o cidadão do planeta.

Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio/1992)

Tratado de educação ambiental para a sociedade sustentável e responsabilidade global.

Cúpula das Américas (1994, 1996, 1998, 2001, 2004, 2005, 2009 e 2012)

Desenvolver uma visão compartilhada para o desenvolvimento da America Latina buscando soluções aos problemas comuns.

Conferência Tessalônica (1997)

Educação e conscientização pública para sustentabilidade.

Rio + 20 (2012)

Renovação dos compromissos com desenvolvimento sustentável.

 

 

Odesenvolvimento da política ambiental brasileira pode ser explicado através de grandesacontecimentos internacionais, ocorridos a partir da segunda metade do século XX, queincentivaram o curso das políticas ambientais no mundo e, consequentemente, noBrasil, onde a EA aparece na legislação desde 1973, como atribuição da primeira Secretaria Especial do meio Ambiente (SEMA). Mas é principalmente nas décadas de 80 e 90, com avanço das discussões sobre a questão e crise ambiental, que a EA cresce e se torna mais conhecida (CARVALHO, 2012).

Segundo a Constituição da República 1988 (cap. VI), todos os indivíduos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Cabe ao poder público e à coletividade defendê-lo e preservá-lo. O manejo ecológico consciente das espécies e ecossistemas, a proteção da fauna e flora, a recuperação do meio ambiente degradado, são algumas das condutas que podem assegurar o direito a um ambiente equilibrado. O controle da produção e comercialização de bens, assim como o emprego de técnicas que promovam a melhoria daqualidade de vida, em seus diversos níveis de manifestação. Por isso, a Constituição destaca a necessidade de promover o desenvolvimento de um processo de conscientização pública, em relação aos cuidados com o meio ambiente, nos diversos níveis de ensino e na sociedade como um todo.

A Lei n°. 9795 de 27/04/1999, institui a Política Nacional de Educação Ambiental: o Art. 1° dispõe sobre o processo pelo qual o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente. Neste artigo consta que o meio ambiente é um bem de uso comum ao povo, essencial à qualidade de vida e a sua sustentabilidade. OArt. 5º, desta mesma lei, aborda a importância da compreensão integrada do meio ambiente e de suas complexas relações, e ainda, traz a questão da democratização das informações, do estímulo e do fortalecimento de uma consciência crítica da problemática ambiental, com ênfase no fortalecimento da cidadania (BRASIL, 1999).

Logo, conclui-se que legalmente a EA está amparada por um conteúdo que defende tanto o cuidado com o meio ambiente quanto a execução da mesma como processos democráticos, calcados num ideal de justiça socioambiental a ser alcançado.

 

Educação e os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs

 

O surgimento da educação escolar relaciona-se com o advento das escolas e das políticas educacionais exercidas pelos Estados e pelo Governo. O conceito de educação escolar surge para distingui-la do processo de educação, uma vez que este não ocorre, necessariamente, institucionalizado. A distinção entre os termos surge com a concepçãode que a escola é um espaço de transmissão de conhecimentos.

Segundo Gomes (2007), nas décadas de 1960 e 1970 a escola passou a ser enxergada como um local de transmissão de ideologias, valores, preceitos e ideias que em muito contribuíam para manter o modelo de sociedade que privilegiava uma elite, chamada “classe dominante”.

O questionamento acerca da contribuição da escola às questões e mudanças sociais levou, afinal, à reformulação do modelo curricular tradicional, a partir da década de 1990, quando também foi redigida a Declaração Mundial sobre Educação para Todos. Alguns países saíram à frente, como a Espanha e o Canadá. O governo brasileiro optou por um modelo inspirado na reforma educacional da Espanha(CARNEIRO e ABAURRE, 2007).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDE), elaborada no então Ministério da Educação e do Desporto (MEC), sancionada em 20 de dezembro de 1996, traz inovações na amplitude dos processos educativos, tratando não apenas da aquisição de conhecimentos, mas dos processos formativos do cidadão. Desta forma, a LDB, ao introduzir estes novos elementos, abre espaço para um processo de formação mais participativo, levando em consideração as inter-relações decorrentes dos processos sociais e culturais (BRASIL, 1996).

A LDE apresentava à comunidade escolar os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que são diretrizes elaboradas pelo Governo Federal com a finalidade principal de orientar os educadores por meio da normatização de alguns fatores fundamentais concernentes à cada disciplina. Os PCNs abrangem tanto a rede pública, como a rede privada de ensino e é compatível com o nível de escolaridade dos alunos. Mesmo que não sejam obrigatórios, servem como orientação para professores, coordenadores e diretores, que podem adaptá-los às peculiaridades locais.

Em vez da tradicional transferência dos conteúdos para acúmulo de conhecimento, corrente no ensino, a nova Lei, relativa aosPCNs, focalizou a construção do conhecimento na busca pela cidadania. Nestes, estão inclusos além das áreas de interesses comuns à escola, os temas transversais: ética, saúde, meio ambiente, orientação sexual, pluralidade cultural, educação e trabalho. Esses temas transversais superam o conceito de disciplina, já o objetivo é permear toda prática educativa, interligando e atravessando as diversas matérias. Segundo CARNEIRO eABAURRE (2007), esta é uma dinâmica contrária à que conhecemos na abordagem tradicional dos conteúdos: os temas transversais não são disciplinas, portanto, requerem maleabilidade, ao invés do caráter rígido dos conteúdos tradicionais.

Dentro dos PCNs, o tema de Meio Ambiente foi integrado a diversas áreas, numa relação de transversalidade, de modo que impregne toda a prática educativa e, ao mesmo tempo, crie uma visão global e abrangente da questão ambiental, com seus aspectos físicos e histórico-sociais, assim como as articulações entre a escala local e planetária dos problemas ambientais em questão.

De acordo com osPCNs Meio Ambiente (BRASIL, 1998, p. 197), o ensino desse tema deve contribuir para que os alunos, ao final do ensino fundamental, sejam capazes de: identificar-se como parte integrante da natureza e sentir-se afetivamente ligados a ela, percebendo os processos pessoais como elementos fundamentais para uma atuação criativa, responsável e respeitosa em relação ao meio ambiente; perceber, apreciar e valorizar a diversidade natural e sociocultural, adotando posturas de respeito aos diferentes aspectos e formas do patrimônio natural, étnico e cultural;

O aluno deverá aprender a observar e analisar os fatos e as situações de modo crítico, reconhecendo a necessidade e as oportunidades de atuar de modo propositivo, para garantir um meio ambiente saudável e a boa qualidade de vida;Adotar posturas na escola, em casa e em sua comunidade que os levem a interações construtivas, justas e ambientalmente sustentáveis;Compreender que os problemas ambientais interferem na qualidade de vida das pessoas, tanto num nível local quanto no nível global (BRASIL, 1998).

Também serão capazes de perceber, os diversos fenômenos naturais, encadeamentos e relações de causa/efeito que condicionam a vida no espaço (geográfico) e no tempo (histórico), utilizando essa percepção para posicionar-se criticamente diante das condições ambientais de seu meio;Compreender a necessidade e dominar alguns procedimentos de conservação e manejo dos recursos naturais, aplicando-os no dia-a-dia(BRASIL, 1998).

Para Barreto e Gomes (2012):

 

Através dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) tornou-se importante discutir, na escola e em sala de aula, a problemática e o entendimento das consequências de alterações no ambiente produzidas pela mão humana. Dessa forma, o debate na escola pode incluir políticas e perspectivas e buscar soluções para situações de sobrevivência, como a falta de saneamento básico, poluição, a escassez de água, que trazem danos a população, entre outros(p. 174-175).

 

A nova proposta pedagógica, os PCNs, evidenciaas questões ambientais, contemplando as realidades locais e institui formas de introdução de EA nos currículos.Dentre várias formas possíveis de se trabalhar a Educação Ambiental, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), a interdisciplinaridade é essencial ao desenvolvimento de temas ligados ao Meio Ambiente, sendo necessário ir além das fronteiras disciplinarese das discussões descontextualizadas sobre a construção e aplicação dos conhecimentos em questão.

 

 

 

 

Educação Ambiental e Interdisciplinaridade

 

A EA deve destacar-se como uma prática educativa integrada e integradora, ocorrendo em diversas competências, podendo assim contribuir com o sistema educativo em geral e com a formação de cidadãos mais cientes do papel que têm na sociedade (TRIVELATO e SILVA, 2011).

Trivelato e Silva (2011), ao falarem sobre interdisciplinaridade, ressaltam que:

 

É necessário que cada profissional de ensino, mesmo especialista em determinada área do conhecimento, seja um dos agentes da interdisciplinaridade que o tema meio ambiente exige. Essa interdisciplinaridade deve ser buscada por meio de uma estruturação institucional da escola que reflita na organização curricular. (p.21)

 

Uma deficiência da EA na educação formal brasileira é sua redução, na maioria dos casos, aos temas “prioritários da comunidade ou temas transversais”. A EA se tornou um tema como “educação no trânsito”, “educação sexual” ou a “educação para saúde”. Desta forma, negligencia-se a trama de conexões presentes entre os diversos temas que abordam o sócio-ambiente em que vivemos e, consequentemente, o trabalho interdisciplinar(LUZZI, 2010).

Leff (2000) aponta que a interdisciplinaridade é praticada pelos sujeitos, nos espaços de formação ambiental, como um tipo de princípio que é suprido e suprimido pela introdução curricular de temas ambientais diversos. O autor argumenta que, por conta das diversas formas que a interdisciplinaridade pode ser compreendida e praticada, é necessária uma orientação crítica sobre seus princípios epistemológicos e teórico-metodológicos no sentido de impulsionar sua prática efetiva e expõe o que está por traz desta polissemia:

 

As formações ideológicas nas quais se desenvolvem os métodos da interdisciplinaridade ambiental tendem a “naturalizar” os processos políticos de dominação e a ocultar os processos de reapropriação da natureza que estabelecem as estratégias dominantes da globalização econômica. Dessa maneira, pretende-se explicar e resolver a problemática ambiental através de uma visão funcional da sociedade, inserida como um subsistema dentro do ecossistema global do planeta, ocultando os interesses em jogo no conflito pela apropriação da natureza na legalidade dos direitos individuais e na unidade do saber sobre uma realidade uniforme (LEFF, 2000,p.28-29).

 

 

Leff, então, propõe uma concepção de interdisciplinaridade que norteie a produção deconhecimentos, que seja um caminho para a autonomia e diversidade culturais, pela apropriação coletiva dos recursos naturais, por uma produção sustentável de bens e pela divisão justa de riqueza para a melhoria da qualidade de vida das populações humanas. A interdisciplinaridade, de uma prática restrita ao manejo de disciplinas de ensino do conhecimento científico, passa então a se abrir para um diálogo de saberes que compõe o saber ambiental.

O saber ambiental demanda a complexidade nas abordagens interdisciplinares e a construção de uma racionalidade que acolhe a interdisciplinaridade como método integrador e transformador daquilo que já existe como: paradigmas de conhecimentos, práticas de articulação entre ciências, tecnologias e saberes populares. Então Leff afirma que: “A interdisciplinaridade não é só uma prática teórico-metodológica,senão um conjunto de práticas sociais que intervêm na construção doambiente como um real complexo” (LEFF, 2000, p.36).

Segundo Severino (1989), a interdisciplinaridade na atividade de ensino, é algo esperado, desejado e buscado, mas ainda não alcançado. Todos os investimentos que pesquisadores, pensadores, educadores, profissionais e especialistas de todos os campos de pensamento e ação fazem, no sentido de uma prática concreta da interdisciplinaridade, representa um esforço significativo rumo a um ensino contextualizado.

Desta forma, a prática da EA pode ser tratada tanto como uma simples prática de ensino dos conhecimentos científicos para a discussão de temas relacionados ao meio ambiente, de forma alheia aos contextos político-econômicos que moldam a produção e reprodução dos conhecimentos institucionalizados e que reafirmam a racionalidade econômica e suas formas de apropriação da natureza, quanto pode ser encarada como um processo político de emancipação cultural fundado no diálogo de saberes entre as diversas instâncias e atores sociais para a prática de uma racionalidade ambiental.

Neste processo, a interdisciplinaridade significa um caminho policromático em que as escolas podem assumir seus pressupostos epistemológicos e teórico-metodológicos da interdisciplinaridade, estes adequados a suas realidades, objetivos educativos e à construção de um real coletivo particular deste universo. Logo, a EA e a interdisciplinaridade não devem ser encarados como conhecimentos prescritos, totalitários ou homogeneizantes das realidades escolares.

Por fim, no que concerne ao desenvolvimento sustentável, em consonância com as ideias acima expostas, é um ideal de um processo de múltiplos processos, de múltiplas ordens materiais do real, de múltiplas dimensões humanas que nortearão múltiplas formas de apropriação, gestão e manejo racional dos recursos naturais (LEFF, 2002).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A Educação Ambiental e a interdisciplinaridade são conceitos que estão presentes em discursos de diversas ordens político-sociais e, por isso, requerem esclarecimentos em torno dos aspectos semânticos, discursivos, epistemológicos, políticos e institucionais para que as reflexões e práticas das mesmas sejam coerentes, consistentes e, portanto, efetivas no desenvolvimento de suas propostas e metas relacionadas aos processos educativos e às práticas sociais.

 

 

REFERÊNCIAS

 

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TRIVELATO, S.F. ; SILVA, R.L.F. Ensino de Ciências. São Paulo: CENGAGE Learning, 2011.

 

Ilustrações: Silvana Santos