Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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27/11/2016 (Nº 58) A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A EDUCAÇÃO NUTRICIONAL COMO PRÁTICAS EDUCATIVAS NA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
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A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A EDUCAÇÃO NUTRICIONAL COMO PRÁTICAS EDUCATIVAS NA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL

 

Lubienska Cristina Lucas Jaquiê Ribeiro1 , Rosimar J. de Aragão2 , Roselaine Matheus Torres2, Rosemary Cristina Dorigan Basseto2,  Hadassa Letícia de Oliveira3, Jeniffer da Silva Pereira3 e Juliana Gonçalves4

 

1 Professora Doutora da Universidade Estadual de Campinas

2 Equipe Gestora e Pedagógica da EMEI Theresa Veronesi D’Andrea

3 Graduanda em Tecnologia na Universidade Estadual de Campinas

4 Mestranda em Tecnologia na Universidade Estadual de Campinas

Rua Sumatra, 423, Residencial Ilha de Bali, CEP: 13482-870, Tel: (19) 988011856, Limeira, SP

(lubi@ft.unicamp.br, rosi_arabor@hotmail.com, roselaine_matheustorres@hotmail.com, rosebass1@yahoo.com.br, haddyoliveira@gmail.com, jeniffer.silvap@hotmail.com, julianamovel@gmail.com)

 

Resumo

O desenvolvimento do trabalho com a Educação Ambiental (EA) na escola pode trazer inúmeras transformações para esse contexto, pois nesse ambiente, de convívio social, acontecem as principais relações entre as crianças. A integração da EA com a Educação Nutricional (EN) desperta o prazer e o interesse por uma vida saudável. Sendo assim, o trabalho desenvolvido teve como objetivo apresentar aos alunos da educação infantil, informações sobre alimentação saudável e propiciar a mudanças nos hábitos alimentares dos mesmos. O trabalho foi realizado a partir de atividades pedagógicas lúdicas, atividades expositivas e construção de uma horta para plantio de alimentos. Os resultados obtidos mostraram que a EA e a EN, quando trabalhadas em conjunto, é eficaz na transformação de hábitos e quando acontece no meio escolar também propicia mudanças fora desse ambiente.

Palavras chaves: Educação Ambiental. Educação Nutrição. Qualidade de Vida. Educação. Educação Infantil.

 

1. Introdução

A ciência que estuda a composição dos alimentos e as necessidades nutricionais individuais de cada pessoa é a Nutrição. Essa ciência estabelece uma relação entre os alimentos ingeridos, e as necessidades individuais para manutenção dos processos biológicos, e o bem-estar do indivíduo, a fim de evitar doenças relacionadas a má alimentação. A nutrição adequada é fundamental para o desenvolvimento físico e mental de cada indivíduo e existe na atualidade uma grande preocupação com a qualidade de vida e o bem-estar do ser humano. Sendo assim, conhecer as questões a cerca da natureza sociocultural, são fundamentais para compreender a relação entre o homem e sua alimentação de modo a preservar sua saúde.

Trabalhar a alimentação, conceito que vai além da utilização dos alimentos pelo organismo, da quantificação de nutrientes e calorias, mas que envolve um conjunto de práticas cercada de significados, é um caminho para direcionar não somente “o que se come”, mas “como se come” à práticas alimentares saudáveis, que principalmente para as crianças, relaciona-se diretamente a significados, sensações e gostos. O ato de comer é determinado por múltiplos fatores, novidades, curiosidades, saberes, tradição, economia, entre outros, chegando até mesmo aos cuidados.

O comportamento alimentar da criança inicialmente é determinado pela família e mais tarde pelas interações psicossociais e culturais. Nessa faixa etária elas consomem somente os alimentos que gostam preferencialmente os de elevada quantidade de carboidratos, açúcar, gordura e sal, e a baixa ingestão de frutas, vegetais e fibras, dependendo da cultura alimentar e do grupo social que fazem parte (RAMOS & STEIN, 2000). É na infância que se inicia os hábitos e comportamentos, principalmente os alimentares. A criança começa a formar os seus padrões de alimentação como a escolha e quantidade de alimentos, ambiente para as refeições e horários. Este é o momento ideal para as aplicações de práticas a promoção à saúde, pois os ensinamentos adquiridos a acompanhará em todas as fases da vida (YOKOTA et al., 2010).

As ações da nutrição educacional são heterogenias, mas sempre com o foco de levar informações a população sobre os benefícios e malefícios dos alimentos. Para que ocorra um processo educativo satisfatório é necessário considerar as questões culturais, econômicas, valores, desejos, crenças que vai proporcionar a troca de experiências e o melhor entendimento das necessidades que possuem (CASTRO et al., 2007). Essas ações buscam desenvolver habilidades, conhecimentos e destrezas para o cuidado com a saúde, consolidando aquilo que contribui para uma maior qualidade de vida e desenvolvimento do ser humano (YOKOTA et al., 2010).

Considerando que a influência da família é definitiva na formação dos padrões de alimentação das crianças, muitas vezes a falta de conhecimento pode levar a uma formação deficitária desses padrões. Nesse caso, a escola pode intervir com ensinamentos que favoreçam essa formação. Mas como essa intervenção pode ser realizada?

Ao buscar por pressupostos legais, a LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional no Brasil (LDB), o Art. 29 diz:

Art. 29.  A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.

E segundo o Art. 1º

Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.

Dessa forma, a criação de um ambiente propício para descobertas e que possibilite a criança construir seus próprios conhecimentos, é a base para o seu desenvolvimento global considerando todas as suas dimensões (MOURA, 2011). Como parte importante do desenvolvimento global na infância, encontra-se a formação dos hábitos alimentares, que se forem bem direcionados por meio de processos educativos, são efetivos para mudanças em padrões alimentares incorretos, contribuindo no comportamento alimentar na vida adulta.

[...]quanto mais cedo os hábitos saudáveis forem ensinados, melhor será a manutenção futura, sem a sensação de ser um castigo (ANGELIS, 2003).

Atrelado a isso, no contexto da Educação Ambiental (EA), um dos focos de intervenção socioeducativas, é a questão da sustentabilidade alimentar. Considerando que a construção da educação, tendo o princípio ambiental como norteador, provoca um diálogo entre os saberes, e que sobretudo em crianças, através das interações em ambientes abertos que facilitem um contato estético e epidérmico com a natureza, foge-se da prática pedagógica na qual os alunos são meros espectadores e passam a ter ação participativa e relação direta com o meio que o cerca (SILVA & MAGALHÃES, 2010).

Nesse processo formativo a escola pode usar da aplicação de mais uma lei, a LEI No 9.795, DE 27 DE ABRIL DE 1999, que dispõe sobre a Educação Ambiental, que institui a Política Nacional de EA e da outras providências. No Art. 10 tem-se:

Art. 10. A educação ambiental será desenvolvida como uma prática educativa integrada, contínua e permanente em todos os níveis e modalidades do ensino formal.

Sendo assim, a escola através de sua educação formal, associada a EA como prática educativa integrada pode ajudar as famílias na formação dos padrões de alimentação das crianças. A EA tem como compromisso realizar mudanças de valores, comportamentos, sentimentos e atitudes, de forma permanente, continuada e para todos. Uma educação que se propõe a fomentar processos continuados que possibilitem o respeito à diversidade biológica, cultural, étnica, juntamente com o fortalecimento da resistência da sociedade a um modelo devastador das relações de seres humanos entre si e destes com o meio ambiente. Essa EA é chamada de crítica, e é vista como sinônimo de outras denominações que aparecem com frequência em textos e discursos (transformadora, popular, emancipatória e dialógica), estando muito próxima também de certas abordagens da denominada ecopedagogia. A sua marca principal está em afirmar que, por ser uma prática social como tudo aquilo que se refere à criação humana na história, a EA necessita vincular os processos ecológicos aos sociais na leitura do mundo, na forma de intervir na realidade e de existir na natureza. Reconhece, portanto, que nos relacionamos na natureza por mediações que são sociais, ou seja, por meio de dimensões que criamos na própria dinâmica de nossa espécie e que nos formam ao longo da vida (cultura, educação, classe social, instituições, família, gênero, etnia, nacionalidade). Somos sínteses singulares de relações, unidade complexa que envolve estrutura biológica, criação simbólica e ação transformadora da natureza (SECAD, 2007).

Assim como a EA, a inserção da Educação Nutricional no âmbito escolar, é almejada como tema transversal. Junto com a EA a EN pode ser uma ferramenta transformadora dentro da escola de educação infantil para não só formar o cidadão, mas formar seus padrões alimentares que proporcionará uma vida mais saudável para eles e seus parentes mais próximos.

Segundo Rosseau (2004) “a primeira educação é a mais importante” , pois ela serve como instrumento para o desenvolvimento da criança não somente nos aspectos físico e cognitivos, mas também representa a etapa em que ocorre o desenvolvimento de seus sentidos por meio do seu contato com a natureza e as coisas, onde germinam seus erros e vícios e onde se estabelece as bases para a formação de um adulto autônomo, que entenda as relações que se estabelecem em seu meio, e a ordem das coisas em que esta inserido( MARTINS & DALBOSCO,1984).

Esse estudo teve como objetivo apresentar aos alunos da Educação Infantil, informações sobre alimentação saudável e assim propiciou a mudança nos hábitos alimentares dos mesmos.   O trabalho foi realizado a partir de atividades pedagógicas lúdicas, atividades expositivas e construção de uma horta para plantio de alimentos.

 

2. Método

A metodologia desta pesquisa está apoiada em bases qualitativas, que considera a existência de uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, ela é descritiva e utiliza o método indutivo, no qual o processo é o foco principal. Segundo Ludke e André (1986) essa metodologia envolve a aquisição de dados descritivos, obtidos por meio de contato direto com os objetos da pesquisa, destacando a observação etnográfica, que estuda os processos da interação social: os conhecimentos, as ideias, técnicas, habilidades, normas de comportamento e hábitos adquiridos na vida social de um povo. É na pesquisa qualitativa que se descobre quais dados são importantes para a EA, identificando questões e a extensão total de respostas em uma dada população.

Para a realização da pesquisa, foi utilizado procedimentos descritivos e a pesquisa-ação-participativa, que segundo Thiollent (1992) é uma pesquisa social, com base empírica, concebida e realizada em estreita associação com uma ação e no qual os pesquisadores e participantes representativos da situação estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo. Com base no conhecimento empírico e pesquisa de campo sabe-se que uma determinada ação provoca uma reação, sem que, contudo, se saiba qual o mecanismo que leva da ação à reação. Sendo o conhecimento empírico adquirido de forma ingênua, através da mera observação e com base em deduções simples, é por vezes passível de erro.

O público alvo foram os alunos do Maternal IIA, B e C, da 1ª Etapa A, B, e C e 2ª Etapa A e B, matriculados no ano de 2015 na EMEI Theresa Veronesi D’Andrea, localizada no município de Limeira – SP (Figura 1). As crianças tinham de três a seis anos de idade. Para a pesquisa, foi utilizado o grupo todo de amostragem, totalizando 132 alunos, sendo esta portanto a população trabalhada. Foi tomado o cuidado de realizar reuniões e esclarecer aos responsáveis pela população participante sobre as atividades que seriam trabalhadas atendendo assim, as exigências éticas da pesquisa. De livre e esclarecido consentimento eles assinaram um termo.

 

 

Figura 1. EMEI Theresa Veronesi D’Andrea.

Fonte: Ecoedu, 2016.

 

 

O aporte teórico que batizou o planejamento e desenvolvimento das aulas tem estreita ligação com a teoria de Jean Piaget e com a teoria de Vygotsky. Na teoria de Jean Piaget as práticas pedagógicas são construídas envoltas dos objetivos citados, entre eles o cognitivo e o social. A arquitetura dessa proposta prevê que quando deparado com uma resistência, é preciso enfrentá-la, vencê-la, precisando que o indivíduo modifique seus esquemas ou estruturas mentais, a chamada pelo autor de acomodação. Na teoria de Vygotsky, o desenvolvimento cognitivo se dá a partir de sua interação com outros indivíduos e com o meio, trocando experiências e ideias, sendo a aprendizagem uma experiência social medida pela interação entre a linguagem e a ação. A aprendizagem acontece dentro da zona de desenvolvimento proximal, caracterizada pela distância entre o que o indivíduo já sabe (o real) daquilo que ele tem potencial de aprender. Essa aprendizagem, como já dito, se dá a partir das relações com o outro.

Para o desenvolvimento da EA, foi utilizada vertente que encara a realidade como processo e não como algo estático, remete-nos a um tipo de pesquisa em que se estabelece uma integração entre o pesquisador, os sujeitos da pesquisa e o próprio meio ambiente, com propostas de modificação da realidade a partir de intervenções do pesquisador. Assim, professores/pesquisadores e alunos das escolas são sujeitos potenciais desse modo de ver e fazer a pesquisa. A abordagem interdisciplinar e a transdisciplinar da educação ambiental suscita uma compreensão da realidade de modo complexo, pois quanto mais descobrimos mais nos damos conta da nossa limitação. Para as atividades pedagógicas, construção da horta e importância dos alimentos buscou-se trabalhar os aspectos afetivo, social, cognitivo e perceptivo-motor.

Ao trabalhar o aspecto afetivo, buscou-se as condições necessárias para a criança: construir uma auto imagem positiva; sentir-se segura e aceita pelos colegas e adultos; expressar seus sentimentos e emoções; realizar escolhas, ter iniciativa e responsabilidade; ser independente, curiosa e criativa.

Quanto aos aspectos sociais procurou-se estabelecer trocas sociais com base na solidariedade; tornar-se progressivamente capaz de cooperar; compreender as normas de conduta dos grupos sociais dos quais participa e agir de acordo com as mesmas; construir normas e valores próprios, que possam torná-la moralmente autônoma.

No que concerne aos aspectos cognitivos buscou-se conhecer o meio físico e social que a cerca; estruturar progressivamente o seu pensamento e construir suas operações concretas; exercer e ampliar sua função simbólica em toda sua possibilidade. Já no aspecto perceptivo-motor foi preciso criar condições adequadas para que as crianças pudessem movimentar os pequenos e grandes membros, a fim de realizar movimentos simples e complexos.

Outro recurso utilizado foram os registros, tirados no início e final das aulas, ademais a avaliação feita pelas professoras. As aulas aconteceram dentro do espaço escolar (salas de aula, pátio, área externa) e por diversos momentos foram acompanhadas pelos professores como participantes ou como ouvintes. A participação dos professores possibilitou aos pesquisadores a obtenção de um feedback do trabalho realizado junto aos alunos. Esse retorno foi obtido por meio do preenchimento de um questionário por parte dos professores no qual expunham opinião sobre o desenvolvimento da aula e observações individuais dos alunos. Os registros deram conta de expor a evolução do conhecimento das crianças quanto aos conteúdos trabalhados.

Diante do exposto esta pesquisa trata de um estudo de caso de natureza quantitativa, envolvendo pesquisa-ação-participativa e procedimentos descritivos, realizados através de conhecimento empírico e pesquisa de campo.  

 

3. Resultados e Discussões

Tendo em vista que os hábitos alimentares das pessoas são fundamentados em alimentos que possuam significado social, cultural, afetivo e simbólico para os mesmos, através da construção da horta na escola, e do contato direcionado com a natureza, foi possível estimular nas crianças o sentimento de pertencimento e valorização do alimento cultivado, fazendo com que este, passasse a ter funções simbólicas e sociais, inserindo-se em seu comportamento alimentar.

Considerando que na sala de aula as articulações entre saberes e fazeres ocorrem frequentemente, foram utilizadas atividades pedagógicas diferenciadas que proporcionaram um trabalho lúdico e interativo. Isso chamou a atenção das crianças, pois o conteúdo ficou mais atrativo e a aprendizagem mais rica e consistente (Figura 2).

Partindo dos conteúdos existentes no Currículo da Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de Limeira, o Projeto Horta foi implantado com vistas a trazer para o contexto escolar práticas diferenciadas de educação ambiental que propiciassem uma mudança efetiva no comportamento das crianças. Uma das premissas era de que o trabalho deveria ser integrado e que permeassem o maior número de disciplinas possível, desse modo, os conteúdos de Educação Ambiental e de Educação Nutricional passaram a ser trabalhados integrados.

Estruturar e pensar dessa maneira exigiu um esforço teórico para além das amarras e fronteiras já estabelecidas entre os conteúdos, exigiu um engajamento da EMEI no desenvolvimento um trabalho mais coletivo. As crianças eram motivadas, em todas as atividades, a desenvolverem suas habilidades para que tivessem oportunidade de conhecer seus dons e descobrissem, cada uma a seu tempo e limitações, sua capacidade de aprender os conteúdos abordados. Importa ressaltar que, parte desses conteúdos eram transmitidos, anteriormente, somente de maneira expositiva considerando que uma vez informado, havia a aprendizagem. O trabalho na visão da EA mostrou ser possível romper com esse modelo e trouxe para o centro das descobertas o aluno despertando sua curiosidade e desejo de transformar o seu meio.

Dessa forma, aos poucos os alunos começaram a se sentir mais independentes, respeitar os amigos e demonstrar seus sentimentos e emoções em todos os momentos de aprendizagem. Nesse ponto o aspecto afetivo pode ser trabalhado de forma integral.

 

 

 

Figura 2. Estratégias utilizadas em sala de aula.

Fonte: Ecoedu, 2016.

 

Continuando o trabalho de EA integrado ao de EN, foram discutidos os grupos de alimentos da pirâmide alimentar, com a utilização de uma pirâmide 3D feita manualmente, na qual as crianças puderam interagir e conhecer os grupos de alimentos por meio do contato direto (Figura 3). Trabalhou-se também, a importância do consumo de alimentos saudáveis, associando a parte teórica das aulas ministradas com a parte prática baseada na construção da horta.

 

 

Figura 3. Pirâmide alimentar trabalhada com as crianças.

Fonte: Ecoedu, 2016.

 

 

A construção da horta, na escola, mostrou-se um recurso ideal para desenvolver o pensamento sistêmico e explorar os princípios da ecologia em ação, pois a sua formação contou com a participação direta dos alunos que realizaram o plantio e se responsabilizaram pela manutenção diária e pelo monitoramento do crescimento dos alimentos plantados. Uma vez, prontos para serem consumidos, os alimentos foram colhidos e preparados para degustação pelos próprios alunos.

Participaram da sessão de degustação todos os alunos, no entanto, somente cerca 80 % das crianças se permitiram experimentar os alimentos. Apesar desse índice, percebeu-se posteriormente que toda vez que aparecia um alimento semelhante ao cultivado e degustado pelos alunos na merenda escolar, havia especulação sobre a sua procedência. Quando os alunos eram esclarecidos de que os mesmos eram iguais ao da horta, o seu consumo era aceito. Importa ressaltar, que tais alimentos já compunham o cardápio regular da merenda escolar dos alunos, mas inferimos que o consumo era baixo por que os alunos não se viam como responsáveis por eles, isto é, a horta foi construída, cultivada e cuidada pelas crianças, logo os alimentos advindos dela tinham uma parte de cada aluno.

Neste ponto a questão do pertencimento ficou latente, pois uma vez inseridos como agentes transformadores do meio, as crianças se viram como responsáveis no fomento da ideia de que todos deveriam experimentar os alimentos e faziam menção a eles toda vez que o tema aparecia. Observou-se também que o interesse e a curiosidade dos alunos sobre o tema aumentou e serviu como estimulo para a adoção de hábitos de alimentos saudáveis.

O cultivo de vegetais, legumes dentre outros, e o próprio reconhecimento destes permitiram levar a criança para uma melhor compreensão da vida (Figura 4). Enquanto estão cuidando da horta é possível experimentar, investigar, compreender e se reconhecer no mundo. É um espaço mágico de troca de saberes, de vivencias que toca o coração e será importante para elas em suas vidas. A implantação da horta foi fundamental no processo de solidificação do conhecimento prévio adquirido em sala com relação a alimentação. Durante as atividades desenvolvidas na horta, as crianças adquiriram valores com as questões ambientais, o cuidado com a terra e com os alimentos. Era, a todo momento, estimulado o trabalho em equipe que com o tempo se mostrou fundamental para o sucesso das atividades realizadas.

Pode-se observar que mais de 50% das crianças conseguiram despertar o interesse da família em conhecer os alimentos manipulados e cultivados na escola. Os responsáveis pelas crianças relataram que as crianças pediam em casa pelos alimentos cultivados. Muitos foram até a escola pegar mudas para replantar em casa, visto que as crianças queriam fazer uso desses alimentos também em suas casas. Alimentos esses muitas vezes desconhecidos até então pelos responsáveis. As crianças mostraram ser capazes de estabelecer trocas sociais o que estimulou o aspecto social. Sendo capaz de estabelecer relações sociais de cooperação e reciprocidade no que se refere à adaptação ao meio físico e social.

 

 

Figura 4. As crianças e a horta.

Fonte: Ecoedu, 2016.

 

Foi possível verificar que o conhecimento se dá por um processo de construção que ocorre dentro do indivíduo e não por um processo de interiorização de informações externas. As trocas que foram realizadas com o meio em que foram expostas fez com que algumas crianças passassem a conhecer objetivamente a nova realidade, e assim o conhecimento pode vir das trocas interativas, quando a criança agiu com a horta, interpretando-a e transformando-a de tal maneira a construir seus conhecimentos, incorporando assim suas estruturas cognitivas. Pode-se comprovar, conforme teoria de Piaget, que é agindo sobre os objetos que o sujeito estrutura e adquire o conhecimento, que pode ser físico, lógico-matemático e social.

A todo momento foi trabalhado o aspecto perceptivo-motor, pode-se observar que as crianças foram, através do plantio, se desenvolvendo e sendo cada vez mais capaz de coordenar seus movimentos, de modo a ampliar consideravelmente suas possibilidades de adaptação ao seu ambiente (Figura 5).

A horta foi estabelecida na escola e foi adotada por todos desta comunidade. Com o trabalho integrado da EA com a EM, as crianças viram-se como mediadoras e multiplicadoras da preservação e respeito ao meio ambiente, incentivando todos a participarem desse processo. Elas as crianças passaram a ser catalisadores dos processos de desenvolvimento local e sustentável e levaram os seus conhecimentos e experiências para fora dos muros escolares formando uma rede de aprendizado.

 

 

 

Figura 5. Aspecto perceptivo-motor trabalhado nas crianças.

Fonte: Ecoedu, 2016.

 

 

4. Conclusão

O trabalho com a horta restabelece a conexão das crianças com os fundamentos da alimentação vislumbrando na visão da EA a conexão com os fundamentos da vida. Através dela é possível integrar e tornar mais interessante praticamente todas as atividades que acontecem na escola. As crianças se tornam conscientes de que fazemos parte da teia da vida o que proporciona um senso de lugar e responsabilidade. Se dão conta de que estão inseridos em um ecossistema, numa paisagem, em um sistema social e uma cultura própria. Para as crianças, estar na horta é algo encantador, é um espaço em que podem travar contato com o meio ambiente e com os que estão ao seu redor de maneira efetiva e cheia de significados individuais.

A EA junto com a EN permitiu que as crianças compreendessem a importância de bons hábitos alimentares, seguindo na formação de cidadãos conscientes. O interesse e o empoderamento despertado nos alunos mostraram-se como os principais resultados, comprovando que juntos os temas se tornam práticas educacionais de grande relevância e que devem ser abordados, sim, desde a educação infantil.

A construção da horta como trabalho em equipe pode trabalhar os aspectos afetivo, social, cognitivo e perceptivo-motor desenvolvendo o indivíduo por completo. Dentre os benefícios oferecidos, além do convívio social, as atividades puderam proporcionar a responsabilidade e o crescimento individual da criança que ao passar adiante seus conhecimentos, pode confirmar que as importâncias aprendidas na escola podem ser aplicadas no seu dia-a-dia. As crianças puderam aprender a importância de uma boa alimentação atrelada a sua interação com o meio ambiente e o processo de desenvolvimento dos alimentos e seus cuidados. Tal processo foi identificado por eles como uma extensão da vida e pode ser associada com a vida dos demais seres e os cuidados que cada um desses merece para desenvolver-se em sua totalidade.

Através desta pesquisa pode-se confirmar que a união de conceitos e estratégias envolvidas na EA assegura um entendimento de mundo que ultrapassa os limites que tais conceitos poderiam alcançar individualmente, além de desenvolver indivíduos sociais e pensantes.

O espaço aberto proporcionado pela EMEI, ao possibilitar o uso da EA e da EN como práticas educativas na educação assume um papel cada vez mais desafiador. Mostra uma demanda emergente de novos saberes para empreender processos alimentares, sociais, ambientais e educativos cada vez mais complexos. O repensar as práticas educativas pode trazer múltiplas possibilidades para melhoria da educação no país.

 

 

Agradecimentos

 

À EMEI Theresa Veronesi D’Andrea por receber os pesquisadores, apoiar e permitir a implantação do nosso trabalho na Escola. Sem o esforço da equipe da instituição escolar nada teria acontecido.

 

Referências Bibliográficas

 

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Ilustrações: Silvana Santos