Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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27/11/2016 (Nº 58) O PENSAMENTO COMPLEXO EM PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL INSERIDOS NO ÂMBITO DO LICENCIAMENTO.
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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL

O PENSAMENTO COMPLEXO EM PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL INSERIDOS NO ÂMBITO DO LICENCIAMENTO

Daniel Araujo

Maria Eloisa Farias

 

RESUMO

Os Programas de Educação Ambiental usualmente estão presentes nos Planos Básicos Ambientais de empreendimentos passíveis de licenciamento ambiental. Estes Programas, por sua vez, são executados em contextos permeados por diferentes interesses, seja do empreendedor que pretende licenciar seu empreendimento, seja pela população atingida pelos impactos ambientais. Frente a este cenário entende-se que os Programas de Educação Ambiental podem ser mais efetivos ao ter suas ações embasadas em princípios da Complexidade e do Pensamento Complexo. Assim este artigo buscou identificar a presença de características relacionadas à Complexidade e ao Pensamento Complexo em Programa de Educação Ambiental protocolado junto a um processo de licenciamento ambiental na superintendência estadual do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) no Estado do Rio Grande do Sul/Brasil. Esta identificação foi realizada por meio da Análise de Conteúdo. Após a análise foi possível perceber a existência de características relacionadas à Complexidade e ao Pensamento Complexo no Programa analisado.

 

Palavras-chave: Educação Ambiental. Licenciamento Ambiental. Complexidade. Pensamento Complexo

 

ABSTRACT

The Environmental Education Programs are usually present in the Basic Environmental Plans of projects subject to environmental licensing. These programs, in turn, run in contexts permeated by different interests, being either the entrepreneur who intends to license his enterprise, whether the people affected by environmental impacts. Facing this scenario means that environmental education programs can be more effective by having their actions based on principles of complexity and complex thinking. So this paper aims to identify the presence of characteristics related to Complexity and Complex Thinking in Environmental Education Program filed in a licensing process at the Local Brazilian Institute of Environment and Renewable Natural Resources (IBAMA) in Rio Grande do Sul state / Brazil. This identification was performed through content analysis. After the analysis, it was revealed the existence of characteristics related to Complexity and Complex Thinking in the analyzed program

Keywords: Environmental education. Environmental Licensing. Complexity. Complex Thinking.

 

 

INTRODUÇÃO

Desde a década de 70 percebe-se um processo contínuo de institucionalização da Educação Ambiental brasileira em diferentes espaços educadores, dentre eles a Educação Ambiental desenvolvida no âmbito do Licenciamento Ambiental.

Destaca-se que empreendimentos passíveis de licenciamento estão imersos em um cenário ambivalente no qual diferentes atores da sociedade apresentam interesses e sentimentos distintos em relação aos mesmos. Percebe-se assim que a missão de garantir o desenvolvimento de programas de educação ambiental, de caráter crítico e transformador, no âmbito do licenciamento, é complexa e desafiadora.

Frente a este cenário entende-se que os Programas de Educação Ambiental propostos no âmbito do Licenciamento Ambiental podem ser mais efetivos ao ter suas ações embasadas em princípios da Complexidade e do Pensamento Complexo. Ao ter este entendimento geram-se algumas inquietações e reflexões, tornando-se possível lançar a seguinte pergunta: há Programas de Educação Ambiental, inseridos no âmbito do Licenciamento Ambiental, detentores de características relacionadas à Complexidade e ao Pensamento Complexo?

Partindo-se desta questão torna-se possível definir o objetivo deste artigo, o qual pretende identificar a presença de características relacionadas à Complexidade e ao Pensamento Complexo em Programa de Educação Ambiental (PEA)protocolado junto a um processo de licenciamento ambiental na superintendência estadual do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) no Estado do Rio Grande do Sul/Brasil.

 

EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO ÂMBITO DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL

Ao longo da história da Educação Ambiental brasileira percebe-se um processo contínuo de sua institucionalização em diferentes espaços educadores. Esta diversificação de espaços foi responsável pelo surgimento de novos objetivos, metodologias e desafios relacionados a este emergente campo da educação.

Esta diversidade de educações ambientais também é defendida por Sauvé (2008). Segundo esta autora

quando se aborda o campo da educação ambiental, podemos nos dar conta de que, apesar de sua preocupação comum com o meio ambiente e do reconhecimento do papel central da educação para a melhoria da relação com este último, os diferentes autores (pesquisadores, professores, pedagogos, animadores, associações, organismos, etc.) adotam diferentes discursos sobre a educação ambiental e propõem diversas maneiras de conceber e de praticar a ação educativa neste campo(SAUVÉ, 2008, p. 17).

 

Neste processo histórico de diversificação também é possível perceber a inserção e legitimação da Educação Ambiental em processos de licenciamento ambiental. O surgimento desta nova realidade compreende uma consequência da Lei 9795/99 (Política Nacional de Educação Ambiental - PNEA) (BRASIL, 1999), a qual exige a implementação de Programas de Educação Ambiental alinhados ao processo de licenciamento ambiental de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras.

Destaca-se que o licenciamento ambiental e, consequentemente, a educação ambiental inserida no mesmo, situa-se em um contexto permeado por conflitos socioambientais. Isto deve-se ao fato de que o licenciamento legaliza e legitima a exploração de recursos naturais e o uso do espaço correspondente, causando conflitos e impactos em relação aos demais grupos ou setores sociais presentes no território em questão.

Neste contexto entende-se que os processos educativos propostos para o licenciamento ambiental devem promover a mediação junto aos grupos sociais impactados, contribuindo para que os sujeitos envolvidos no processo educativo sejam capazes de desvelar a realidade vivida, em todos os seus aspectos, incluindo as contradições, as causas da desigualdade, da vulnerabilidade socioambiental e dos riscos a que estão sendo submetidos, motivando-os a reagir e a participar como sujeitos políticos dos espaços públicos de decisão (LAYRARGUES, 2009).

Percebe-se nesta caracterização que a missão de garantir o desenvolvimento de programas de educação ambiental, de caráter crítico e transformador, no âmbito do licenciamento, é complexa e desafiadora para os profissionais responsáveis pela elaboração, execução e avaliação de tais programas.

Este cenário complexo e desafiador torna-se evidente nas palavras de Loureiro (2009, p. 21). Segundo este autor, a Educação Ambiental inserida no âmbito do licenciamento deve atuar fundamentalmente na gestão dos conflitos ocasionados por um empreendimento, objetivando garantir:

 (1) a apropriação pública de informações pertinentes; (2) a produção de conhecimentos que permitam o posicionamento responsável e qualificado dos agentes sociais envolvidos e; (3) a ampla participação e mobilização dos grupos afetados em todas as etapas do licenciamento e nas instâncias públicas decisórias.

 

Ainda segundo Loureiro (2009) o educador ambiental, a fim de garantir o pleno atendimento aos objetivos da Educação Ambiental no âmbito do licenciamento, deve estar habilitado a:

a) analisar criticamente o contexto político, cultural e econômico e as institucionalidades que legitimam os processos decisórios; b) reconhecer os limites e possibilidades de utilização dos instrumentos de gestão ambiental; c) agir para superar a visão fragmentada da realidade socioambiental, por meio de processos críticos e dialógicos; d) respeitar as culturas existentes na base territorial afetada; e) fortalecer a organização e mobilização dos grupos territorializados no exercício de sua autonomia e; f) agir eticamente no processo de construção de novas relações sociais na natureza(LOUREIRO, 2009, p. 45).

 

Ao relacionar as exigências da Educação Ambiental inserida no âmbito do licenciamento com o perfil profissional desejado em um Educador Ambiental percebe-se que este profissional compreende um personagem que transita em um cenário complexo, demandando assim competências e habilidades que o habilitem a atuar e conceber a complexidade da realidade antropossocial.

Esta demanda por competências e habilidades torna-se evidente nas palavras de Morin (2011), em que,

a incapacidade de conceber a complexidade da realidade antropossocial, em sua microdimensão (o ser individual) e em sua macrodimensão (o conjunto da humanidade planetária) conduz a infinitas tragédias (MORIN, 2011, p. 13).

 

Pode-se entender neste momento que as tragédias assinaladas por Morin compreendem Programas de Educação Ambiental desvinculados da realidade (ou complexidade) na qual estão sendo planejados ou executados. Salienta-se que este mergulho na complexidade enquanto parte dela, e não apenas como um mero observador externo, representa um fenômeno capaz de evitar a execução de uma educação ambiental dissociada da realidade (JUNIOR, 2011).

Este distanciamento da realidade socioambiental gera Programas de Educação Ambiental dissociados da dinâmica socioambiental do território, dos conflitos e formas de organização social existentes, dos modos de produção e garantia de sobrevivência dos grupos sociais, das culturas e saberes que definem relações e sentidos dados à natureza (LOUREIRO, 2010).

Ainda segundo Loureiro (2010), os Programas de Educação Ambiental que apresentam as características listadas anteriormente podem ser caracterizados como

 

atividades cumpridas por formalidade e força de exigência legal, que, fruto desses equívocos, geram desperdício de recursos aplicados e desrespeito às premissas e diretrizes da educação ambiental, à situação dos grupos afetados e à necessidade premente de mudança da realidade socioambiental frente à grave crise civilizatória (LOUREIRO, 2010, p. 19).

 

A reflexão desta perspectiva de educação ambiental torna-se crítica ao perceber, problematizando e complexificando, os antagonismos e complementaridades da realidade em suas múltiplas determinações materiais, epistemológicas, culturais, entre outras, instrumentalizando para uma prática de transformação desta realidade, a partir de uma nova percepção que se reflete em uma prática diferenciada, a qual envolveria teoria, prática, ação e reflexão na práxis dialógica (GUIMARÃES, 2011).

Segundo Guimarães (2011, p. 27) é através da práxis de uma educação ambiental crítica, promotora de um movimento coletivo conjunto, que a Educação e seus educadores podem contribuir de fato na superação dessa grave crise ambiental que o planeta atravessa.

Práxis é, portanto, um conceito central para a educação e, particularmente, para a educação ambiental, uma vez que conhecer, agir e se perceber no ambiente deixa de ser um ato teórico-cognitivo e torna-se um processo que se inicia nas impressões genéricas e intuitivas e que vai se tornando complexo e concreto na práxis (LOUREIRO, 2006).

A práxis supõe a complexidade, isto é, acaso, imprevisto, iniciativa, decisão, consciência das derivas e transformações. Segundo Morin (2011, p. 81) não há de um lado um campo da complexidade (compreendendo o pensamento e a reflexão) e de outro lado o campo das coisas simples, que seria o da ação. Segundo este autor a ação compreende o reino concreto da complexidade.

Neste cenário uma visão simplificadora teria todas as chances de ser mutiladora da realidade na qual o educador ambiental, inserido no âmbito do licenciamento, poderia atuar. Assim a complexidade compreenderia o ponto de partida para uma ação educativa mais rica e menos mutiladora.

Entretanto esta jornada pela complexidade compreende um grande desafio que se intensifica em um mundo contemporâneo já que a sociedade se encontra em uma era planetária. Esta ausência de fronteiras fica evidente ao se refletir sobre um impacto ambiental, o qual não é delimitado por fronteiras humanas (limites entre cidades ou países, por exemplo), mas sim pela abrangência dos efeitos percebidos no ambiente natural. Segundo Morin, Almeida e Carvalho (2013)

os problemas mundiais agem sobre os processos locais que retroagem por sua vez sobre os processos mundiais. Responder a este desafio contextualizando-o em escala mundial, quer dizer globalizando-o, tornou-se algo absolutamente essencial, apesar de sua extrema dificuldade (MORIN, ALMEIDA e CARVALHO, 2013, p. 65)

 

COMPLEXIDADE E PENSAMENTO COMPLEXO

Ao longo da seção anterior percebeu-se que a Educação Ambiental no âmbito do licenciamento surgiu como um processo necessário para minimizar os impactos ambientais gerados por empreendimentos que atualmente encontram-se em processo de instalação e operação no Brasil, os quais muitas vezes promovem a exploração de algum recurso natural.

Este cenário de exploração dos recursos naturais tem como um de seus alicerces a perspectiva antropocêntrica da modernidade e o cientificismo mecanicista da ciência moderna (cartesiana). Tanto a perspectiva antropocêntrica quanto o cientificismo mecanicista podem ser compreendidos como paradigmas que promovem a separação dos seres humanos em relação à natureza (GUIMARÃES, 2011, p. 19).

Com base no que foi dito torna-se evidente a importância da promoção de uma reforma de pensamento que represente o oposto ao que é preconizado por paradigmas simplificadores, promovendo assim a apreensão da complexidade do real.

Percebe-se assim a importância da disseminação, do fortalecimento e da adoção de um paradigma capaz de contrapor este cenário fragmentador da realidade. Sugere-se assim a complexidade.

A fim de promover uma melhor compreensão da complexidade e das relações existentes entre esta e a educação ambiental no âmbito do licenciamento discutir-se-á as suas características.

Inicialmente Demo (2011, p. 13) defende que a complexidade é dinâmica, “não sendo sempre a mesma coisa, mas a mesma coisa em processo, em vir a ser”. Baseando-se nesta característica torna-se possível mudar a noção de estrutura (seja ela histórica, social, cultural, etc). Esta por sua vez já não é o que não muda, mas o que torna o movimento essencial e o identifica pelo modo de vir a ser.

Este movimento atinge inclusive os paradigmas existentes em uma sociedade. Esta influência pode ser compreendida por meio das palavras de Demo (2011, p. 15). Segundo Demo, inspirado por Khun, a ciência, para persistir na sociedade, precisa constituir paradigma. Surgem assim escolas, representantes, instituições, seguidores e tudo mais que existe à sombra deste paradigma, reconhecendo este como “teoria oficial”. Esta estrutura paradigmática, entretanto, não foge da invasão da dinâmica, também própria do conhecimento científico

Apesar do perfil dinâmico presente na complexidade indicar a existência de processos formalizáveis e controláveis também é possível perceber a existência de processos incontroláveis e não formalizáveis, pressupondo assim a existência de uma não linearidade (DEMO, 2011, p. 15). Cabe destacar que a linearidade não pode ser excluída da realidade. Exemplifica-se isso por meio da existência de artefatos tecnológicos, os quais apresentam rigidez entre as suas partes (linearidade) e, apenas por este motivo, são úteis e confiáveis.

No contexto da complexidade, a não linearidade pressupõe processo de mudança criativa, surpreendente e arriscada, e não apenas mudanças tranquilas, previsíveis e controláveis.

A terceira característica referente à complexidade apresentada por Demo (2011, p. 17) diz respeito à capacidade reconstrutiva. Por meio desta característica a complexidade, ao existir, vai se reconfigurando conforme o fluxo do tempo e as circunstâncias encontradas. Em sua obra Demo (2011, p. 18) utiliza exemplos concretos para ilustrar esta capacidade reconstrutiva. Um destes exemplos diz respeito ao processo evolutivo das espécies, o qual jamais poderia ser linear. Demo defende que não foi por replicação que a vida surgiu da matéria, mas por um processo de caráter reconstrutivo.

Esta dimensão reconstrutiva da complexidade também apresenta relação direta com a aprendizagem, a qual não representa mero crescimento cumulativo de conhecimento, mas conhecimento qualitativamente diferenciado (em constante reconstrução).

Demo (2011, p. 23) também exalta que a complexidade se caracteriza como um processo dialético evolutivo. Esta característica está diretamente relacionada a capacidade de aprendizado, a qual baseia-se em habilidades reconstrutivas e seletivas permeada por um fenômeno crítico consciente.

A irreversibilidade também compreende uma característica inerente à complexidade. Esta irreversibilidade refere-se, em um primeiro momento, ao aspecto temporal no qual, com o passar do tempo, nada se repete, por mais que possa parecer (DEMO, 2011, p. 24).

Em um segundo momento a irreversibilidade representa o caráter evolutivo, sempre avançando sem um ponto final definido. Demo (2011, p. 25) ilustra esta situação ao afirmar que nenhum cálculo pode antecipar com exatidão o devir, pela simples razão de que não é possível se apoiar em uma “série histórica” sob o risco de se acreditar que haverá a manutenção inalterada dos dados adotados na análise.

A sexta característica relacionada à complexidade aponta para a intensidade (ou extensão) de fenômenos complexos (DEMO, 2011, p. 25). Esta característica diz respeito à existência de dimensões produtivas imprevisíveis e incontroláveis. Demo exemplifica que os componentes existentes entre o bater das asas de uma borboleta na China e a ocorrência de um ciclone nos Estados Unidos atuam ora como causa e ora como efeito.

A sétima e última característica apontada por Demo (2011, p. 28) diz respeito à ambiguidade/ambivalência. Entende-se que a ambiguidade se refere à estrutura, no sentido da composição também desencontrada de seus componentes. Com isso salvaguarda-se a dialética de algo que é, ao mesmo tempo, relativamente unitário (forma um todo) e naturalmente aberto (ultrapassa seus limites). Ainda segundo Demo (2011, p. 28) estruturas ambíguas não facultam incrustações rígidas, inamovíveis e replicativas de si mesmas, predominando assim a abertura a novos desafios não contidos no que está dado, até por que nunca é possível estabelecer o que já está dado e o que poderia dar-se.

A ambivalência defendida por Demo (2011, p. 30) diz respeito à existência de valores conflitantes, estabelecendo-se entre eles campos contrários de força que promovem novos conhecimentos. Esta afirmação encontra respaldo nas palavras de Demo (2011, p. 31) quando este autor afirma que o conhecimento é intrinsecamente constituído de certezas ambivalentes, ou de ambivalências certas, razão pela qual se mantém inovador. Para Demo, nada seria mais conservador no conhecimento do que produção de incertezas, sendo a desconstrução a alma do conhecimento inovador.

Ao analisar as características da complexidade percebe-se que a mesma tem o potencial de afetar os esquemas lógicos de reflexão de diferentes comunidades (seja ela científica ou não), obrigando-as a realizar uma redefinição epistemológica (MORIN, CIURANA e MOTTA, 2007, p. 50). Percebe-se assim a importância de um pensamento capaz de conduzir a sociedade através de uma realidade dinâmica, reconstrutiva, dialética, evolutiva, ambígua e ambivalente. Sugere-se assim o Pensamento Complexo, o qual pode ser percebido como um caminho alternativo aos paradigmas simplificadores e dualistas presentes nas diferentes dimensões da sociedade e do indivíduo.

Percebe-se assim que a reforma do pensamento, entendida aqui como um caminho para a promoção do entendimento acerca da complexidade, atende a uma necessidade-chave: formar cidadãos capazes de enfrentar os problemas do seu tempo (sejam estes problemas ambientais ou não). Entretanto, segundo Morin, Almeida e Carvalho (2013, p. 64), o desafio da complexidade se intensifica no mundo contemporâneo por este encontrar-se em uma era planetária, na qual os problemas fundamentais ultrapassam seus contextos locais.

Nesta situação desafiadora entende-se que a reforma de pensamento compreende uma necessidade histórica tendo em vista que a complexidade dos problemas atuais desarma o indivíduo, tornando necessário um rearmamento intelectual, instruindo-o para pensar e compreender a complexidade.

Guimarães (2004, p. 128) cita que a compreensão complexa da realidade, a qual pode ser alcançada por meio de uma reflexão crítica, promove o rompimento de amarras paradigmáticas responsáveis pela limitação compreensiva da realidade. Ainda segundo Guimarães:

 

A reflexão crítica não se fia na estabilidade das certezas, do já conhecido; não se acomoda na visão simplificadora e reducionista da realidade, mas vai buscar os nexos contidos nas interações e inter-relações... A reflexão crítica se abre para o novo, para as incertezas que, tornando-se referências, relativizam as verdades, complexificando-as. (GUIMARÃES, 2004, p. 129)

 

Baseando-se nos parágrafos iniciais desta seção e inspirando-se nas palavras de Morin e Moigne (2000, p. 136) percebe-se a existência de um desafio amplo e premente: a necessidade de um pensamento que reúna é cada vez maior porque os problemas são cada vez mais interdependentes e cada vez mais globais, e ao mesmo tempo porque sofre-se cada vez mais do excesso de parcelarização e de compartimentalização dos saberes (MORIN e MOIGNE, 2000, p. 136).

Ainda segundo Morin e Moigne (2000, p. 136) este Pensamento Complexo deverá levar a marca da desordem e da desintegração, relativizar a ordem e a desordem e operar uma reorganização profunda dos princípios que comandam a inteligibilidade.

Percebe-se assim que o Pensamento Complexo possui estreita relação com a complexidade. Isto fica evidente nas palavras de Morin, o qual afirma que a complexidade emerge, como obscurecimento, desordem, incerteza, antinomia. Isto significa que a desordem, o obscurecimento, a incerteza, a antinomia, fecundam um novo tipo de compreensão e de explicação, o do Pensamento Complexo. (MORIN, 1977, p. 344).

Trata-se, portanto, não de procurar leis ou um novo sistema, mas um método que permita ao mesmo tempo reunir e tratar a incerteza, um método que determine um refundamento conceitual, um método que permita o desenvolvimento de um Pensamento Complexo(MORIN e MOIGNE, 2000, p. 137).

Frente à perspectiva complexa percebe-se a contrariedade em apresentar uma definição fechada e unívoca referente ao Pensamento Complexo (entendido aqui como um método). Este entendimento baseia-se nas palavras de Morin, Ciurama e Motta (2007, p. 24). Segundo estes autores:

 

na perspectiva complexa, a teoria é composta de traços permanentes, e o método, para ser posto em funcionamento, precisa de estratégia, iniciativa, invenção, arte. Estabelece-se uma relação recursiva entre método e teoria. O método, gerado pela teoria, regenera a própria teoria (MORIN, CIURANA e MOTTA, 2007, p. 24)

 

Ao tentar apresentar uma definição fechada para o Pensamento Complexo, além de lidar com a contradição, corre-se o risco de contribuir para a tragédia de qualquer escrita, a qual reside na tensão entre seu inacabamento e a necessidade de se colocar um ponto final. Segundo Morin, Ciurama e Motta (2007, p. 40)

 

o Pensamento Complexo reconhece simultaneamente a impossibilidade e a necessidade de uma totalização, de uma unificação, de uma síntese. Deve, portanto,tender tragicamente à totalização, à unificação, à síntese, ao mesmo tempo em que luta contra a pretensão dessa totalidade, dessa unidade, dessa síntese, com a consciência plena e irremediável do inacabamento de todo conhecimento,  pensamento e obra.

 

Apesar da dificuldade relacionada à proposição de um conceito referente ao Pensamento Complexo é possível encontrar enunciados que exaltam suas características ou seus objetivos. Um exemplo pode ser percebido nas palavras de Loureiro (2006). Este autor exalta que

o Pensamento Complexo busca fundamentalmente superar os paradigmas simplificadores que operam a disjunção ser humano/natureza ou que reduzem o ser humano à natureza de modo indistinto (LOUREIRO, 2006, p. 146).

 

Esta visão integradora também pode ser percebida nas palavras de Petraglia (2013). Para esta autora

 o Pensamento Complexo é um tipo de pensamento que não separa, mas une e busca as relações existentes entre os diversos aspectos da vida (PETRAGLIA, 2013, p. 18).

 

Morin, obviamente, também apresenta propostas de delimitação do Pensamento Complexo. Para Morin (2003, p. 30)

 

oPensamento Complexo é essencialmente aquele que trata com a incerteza e consegue conceber a organização. Apto a unir,contratualizar, globalizar, mas ao mesmo tempo a reconhecer o singular, o individual e o concreto.

 

Morin também defende que o Pensamento Complexo é um estilo de pensamento e de aproximação à realidade (MORIN, CIURANA e MOTTA, 2007, p. 31).

Outra definição proposta por Morin encontra-se no volume 2 de seu livro intitulado de O Método – a vida da vida. Nesta obra Morin defende o seguinte:

 

É a viagem em busca de um modo de pensamento capaz de respeitar a multidimensionalidade, a riqueza, o mistério do real; e de saber que as determinações – cerebral, cultural, social, histórica – que impõem a todo o pensamento, co-dererminam sempre o objeto de conhecimento. É isto que designo por Pensamento Complexo(MORIN, 1989, p. 14)

 

Percebe-se, ao listar possíveis definições para o Pensamento Complexo, a existência de palavras-chave que se relacionam diretamente com características propostas por Morin, Ciurana e Motta(2007).

Uma destas características, segundo Morin, Ciurana e Motta(2007, p. 52) reside no fato de que o discurso sobre a complexidade é um discurso que se generaliza cada vez mais a partir de diferentes vias, já que existem múltiplas vias de entrada a ela.

Ainda segundo Morin, Ciurana e Motta(2007, p. 52) uma segunda característica que pode ser vinculada ao Pensamento Complexo diz respeito ao fato de que este trata-se de um espaço mental no qual não se obstaculiza, mas se revela e desvela a incerteza. Ou seja, no Pensamento Complexo reside a afirmação de que a certeza generalizada é um mito.

A terceira característica apresentada por Morin, Ciurana e Motta(2007, p. 53) enfatiza que o Pensamento Complexo reconhece o movimento e a imprecisão, se enraizando no reconhecimento da ausência de fundamento do conhecimento.

Outra característica relacionada ao Pensamento Complexo exalta o fato de que um pensamento nunca está completo. Reforça esta característica a existência de um dos axiomas da complexidade: a impossibilidade, inclusive teórica, de uma onisciência (MORIN, CIURANA e MOTTA, 2007, p. 54).

A quinta característica apresentada por Morin, Ciurana e Motta(2007, p. 55) diz que o Pensamento Complexo defende a extinção de falsas clarezas, as quais residem em pessoas que creem em um processo linear e cumulativo de construção de conhecimentos. Apresenta-se assim a ideia de que se deve reaprender a aprender com a plena consciência de que todo o conhecimento traz em si mesmo, e de forma ineliminável, a marca da incerteza.

A última característica apresentada por Morin, Ciurana e Motta(2007, p. 56) diz que o Pensamento Complexo não despreza o simples. Neste sentido haveria inclusive a necessidade de integrar processos de disjunção (necessários para diferenciar e analisar), de reificação (inseparáveis da constituição de objetos ideais) e de abstração (para a tradução do real em termos ideais).

Ao apresentar e analisar um conjunto de definições e características relacionadas ao Pensamento Complexo confirma-se a dificuldade já citada neste capítulo de defini-lo de uma maneira finalizada e unívoca. Ou seja, assim como o ser humano é complexo, o seu pensamento (e o entendimento sobre o mesmo) também o será.

Partindo-se do apanhado teórico construído nesta seção torna-se possível justificar a importância do Pensamento Complexo como fio condutor da práxis de educadores ambientais que atuam no âmbito do licenciamento ambiental.

 

 

 

MÉTODO DA INVESTIGAÇÃO

Com o propósito de atingir o objetivo proposto neste artigo adotou-se dois caminhos metodológicos: pesquisa documental e análise de conteúdo.

A pesquisa documental caracteriza-se pela fonte de coleta de dados, a qual restringe-se a documentos, escritos ou não, constituindo o que se denomina de fontes primárias(MARCONI e LAKATOS, 2013, p. 48).

A pesquisa documental foi destinada à análise dos Programas de Educação Ambiental protocolados junto aos processos de licenciamento ambiental da Superintendência do IBAMA no Estado do Rio Grande do Sul.

Pensando em obter acesso aos programas de educação ambiental realizou-se reunião junto aos analistas ambientais que atuam no Núcleo de Licenciamento Ambiental (NLA) do IBAMA-RS.

Nesta reunião ocorreu a apresentação dos objetivos da pesquisa e as necessidades do pesquisador em relação à obtenção de documentos para análise. Após a realização da reunião o NLA enviou uma lista com empreendimentos que estavam em processo de licenciamento sob sua responsabilidade.

De posse desta lista realizou-se, junto ao site do IBAMA que disponibiliza arquivos digitais relacionados aos processos de licenciamento, o inventariamento dos seus respectivos programas de educação ambiental.

 Durante o processo de inventariamento realizou-se a coleta das seguintes informações: nome do empreendimento atendido pelo PEA, empreendedor responsável pelo empreendimento, empresa consultora responsável pelo PEA, data de elaboração do PEA, técnico responsável pelo PEA, existência de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) referente ao PEA e link do PEA (caso o mesmo esteja disponível na internet).

A coleta das informações listadas no parágrafo anterior buscou atender às orientações propostas por Cellard (2012, p. 299). Segundo este autor torna-se fundamental compreender o contexto global no qual o documento foi produzido, identificando assim as pessoas, grupos sociais, locais e fatos aos quais os documentos fazem alusão.

Cellard (2012, p. 300) também exalta a importância de se conhecer a identidade dos autores, promovendo assim uma avaliação mais assertiva dos documentos analisados.

Após o inventariamento adotaram-se os métodos e técnicas relacionados à Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011).

Segundo Bardin (2011, p. 37) a Análise de Conteúdo compreende um conjunto de técnicas de análise das comunicações onde se utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo de mensagens.

Ainda segundo esta autora pode-se delimitar cinco etapas metodológicas relacionadas à Análise de Conteúdo, as quais foram empregadas nesta pesquisa. São elas: organização da análise, codificação, categorização, inferência e informatização da análise das comunicações.

Durante a organização da análise realizou-se a escolha do documento que foi submetido à Análise de Conteúdo. O principal critério adotado neste processo de escolha compreendeu a existência de documentos (PEAs) capazes de atender aos objetivos da pesquisa e fornecer informações sobre o problema levantado.

Após a demarcação da amostra tornou-se possível proceder a constituição do corpus, o qual compreendeu o conjunto de documentos que foram submetidos aos procedimentos analíticos.

Após as atividades relacionadas ao processo de organização da análise passou-se a realizar as ações pertinentes ao processo de codificação. Segundo Bardin (2011, p. 131), a codificação corresponde a uma transformação, efetuada segundo regras precisas – dos dados brutos do texto, transformação esta que, por recorte, agregação e enumeração, permite atingir uma representação do conteúdo ou da sua expressão.

A fim de realizar a codificação definiu-se as unidades de registro e de contexto de forma a permitir que estas atendessem aos objetivos da pesquisa.

A unidade de registro definida para esta pesquisa foi o tema. Segundo Bardin (2011, p. 135) o tema compreende uma afirmação sobre um assunto (frase) por influência da qual pode ser afetado um vasto conjunto de formulações singulares.

Por sua vez a unidade de contexto, que permitiu compreender a significação exata da unidade de registro, compreendeu o parágrafo no qual a unidade de registro (frase) estava inserida. Salienta-se, entretanto, que a unidade de contexto foi adotada apenas quando a unidade de registro não permitia, por si só, a compreensão do seu significado.

Visando atender o objetivo deste artigo buscou-se encontrar, nos Programas de Educação Ambiental analisados, evidências de características relacionadas à Complexidade e ao Pensamento Complexo. Para isso criou-se um sistema de categorias baseado nas características destes dois corpos teóricos.

Em Bardin (2011, p. 147) a categorização compreende uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto por diferenciação e, em seguida, por reagrupamento, adotando-se critérios previamente definidos.

A seguir apresenta-se a categoria e subcategorias que foram adotadas durante a análise do Programa de Educação Ambiental. Salienta-se que as subcategorias primáriasforam elaboradasa priori com base nas características da complexidade (DEMO, 2011) e do Pensamento Complexo(MORIN, CIURANA e MOTTA, 2007). Estas, por sua vez, foram agrupadas em subcategorias semânticas (secundárias), as quais tiveram a intenção de representar a integração entre as características da complexidade e do Pensamento Complexo às características esperadas em um projeto de educação ambiental desenvolvido no âmbito do licenciamento.

De acordo com Bardin(2011, p. 149) a categorização realizada a priori pressupõe um sistema de categorias que resulta da classificação analógica e progressiva dos elementos analisados.

Partiu-se então da categoria intitulada de “Características da Complexidade e do Pensamento Complexo”. Esta categoria, por sua vez, foi composta por dez subcategorias primárias. Estas categorias primárias foram analisadas à luz de orientações metodológicas presentes em documentos que versam sobre a Educação Ambiental no âmbito do licenciamento. Assim foi possível geraronze subcategorias secundárias (Quadro 1).

Destaca-se neste momento que esta categorização compreendeu simplesmente uma das inúmeras vias possíveis para correlacionar as características da Complexidade/Pensamento Complexoao que se espera da Educação Ambiental no âmbito do licenciamento. Desta maneira entende-se que o agrupamento proposto não pode ser visto como algo acabado, mas sim como conjuntos que, em suas proximidades e distanciamentos, possuem afinidades.


Quadro 1. Categoria e subcategorias (primárias e secundárias) adotadas na Análise de Conteúdo

Categoria

Subcategorias primárias

Descrição

Relação com EA

Subcategoria secundária

Características da complexidade e do Pensamento Complexo

Generalista (MORIN, 2007, p. 52)

O discurso sobre a complexidade é um discurso que se generaliza cada vez mais a partir de diferentes vias, já que existem múltiplas vias de entrada a ela. Diferentes autores, da matemática à sociologia, utilizam o termo de forma às vezes bastante diversa.

Diversificação dos espaços educadores e o consequente surgimento de diferentes objetivos e definições da Educação Ambiental (SAUVÉ, 2008, p. 17)

Reconhece a existência de diferentes educações ambientais, não se baseando apenas em definições legais.

Propõe a utilização de diferentes espaços educadores;

Incerto (MORIN, 2007, p. 52)

Este trata-se de um espaço mental no qual não se obstaculiza, mas se revela e desvela a incerteza. Ou seja, no Pensamento Complexo reside a afirmação de que a certeza generalizada é um mito.

 Educar é reconhecer que diferentes saberes são válidos. A validade de nosso ponto de vista se afirma no enfrentamento respeitoso de ideias e posicionamentos, no diálogo, na explicitação de conflitos e busca de novas realidades (LOUREIRO, 2009, p. 35)

Apresenta ações de educação ambiental baseadas em um diagnóstico socioambiental e nossa saberes locais.

Incompleto (em constante construção) (MORIN, 2007, p. 54)

Exalta o fato de que um pensamento nunca está completo, pois é articulante e multidimensional. A ambiguidade do Pensamento Complexo é dar conta das articulações entre domínios disciplinares fraturados pelo pensamento desagregador (um dos principais aspectos do pensamento simplificador).

Perceber a inter-relação das múltiplas dimensões do conhecimento interveniente no processo decisório sobre acesso e uso dos recursos ambientais (IBAMA, 2002, p. 11).

Propõe o diálogo entre as diferentes áreas disciplinares.

Complexificador (MORIN, 2007, p. 56)

O Pensamento Complexo não despreza o simples, mas critica a simplificação. Isso significa que, diferentemente dos pensamentos simplificadores, que partem de um ponto inicial (elemento) e conduzem a um ponto terminal (princípio), o pensamento daquilo que é complexo é um pensamento rotativo, espiral. O Pensamento Complexo deve realizar a rotação da parte para o todo, do todo para a parte.

Agir para superar a visão fragmentada da realidade socioambiental, por meio de processos críticos e dialógicos (LOUREIRO, 2009, p. 45).

Propõe o trânsito contínuo entre diferentes níveis de complexidade (partes-todo e todos-parte).

Reconstrutiva (DEMO, 2011, p. 17)

A complexidade, ao existir, vai se reconfigurando conforme o fluxo do tempo e as circunstâncias encontradas. Esta dimensão reconstrutiva da complexidade também apresenta relação direta com a aprendizagem, a qual não representa mero crescimento cumulativo de conhecimento, mas conhecimento qualitativamente diferenciado (em constante reconstrução).

Enfatiza a educação enquanto processo permanente, cotidiano e coletivo pelo qual agimos e refletimos, transformando a realidade de vida (LOUREIRO, 2004, p. 81)

Preocupa-se com a continuidade e auto sustentação dos processos de educação ambiental.

Ambíguo/Ambivalente (DEMO, 2011, p.28)

Estruturas ambíguas não facultam incrustações rígidas, inamovíveis e replicativas de si mesmas, predominando assim a abertura a novos desafios não contidos no que está dado, até por que nunca é possível estabelecer o que já está dado e o que poderia dar-se. A ambivalência defendida por Demo (2011, p. 30) diz respeito à existência de valores conflitantes, estabelecendo-se entre eles campos contrários de força que promovem novos conhecimentos.

A educação ambiental no âmbito do licenciamento atua fundamentalmente na gestão dos conflitos ocasionados por um empreendimento (LOUREIRO, 2009, p. 21)

Propõe métodos para mediação de conflitos entre grupos sociais com modos diferenciados e conflitantes de apropriação, uso e significação do território.

Defende a extinção de falsas clarezas (MORIN, 2007, p. 55)

Defende a extinção de falsas clarezas, as quais residem em pessoas que creem em um processo linear e cumulativo de construção de conhecimentos. Apresenta-se assim a ideia de que se deve reaprender a aprender com a plena consciência de que todo o conhecimento traz em si mesmo, e de forma ineliminável, a marca da incerteza.

Analisar criticamente o contexto político, cultural e econômico e as institucionalidades que legitimam os processos decisórios sobre o acesso e uso dos recursos naturais (LOUREIRO, 2009, p. 45)

Propõe o uso de metodologias para contestação do real (certezas) visando a construção de um olhar crítico.

Irreversível (DEMO, 2011, p.24)

Esta irreversibilidade refere-se, em um primeiro momento, ao aspecto temporal no qual, com o passar do tempo, nada se repete, por mais que possa parecer (DEMO, 2011, p. 24). Em um segundo momento a irreversibilidade representa o caráter evolutivo, sempre avançando sem um ponto final definido. Demo (2011, p. 25) ilustra esta situação ao afirmar que nenhum cálculo pode antecipar com exatidão o devir, pela simples razão de que não é possível se apoiar em uma “série histórica” sob o risco de se acreditar que haverá a manutenção inalterada dos dados adotados na análise.

 Saber estruturar e executar um projeto de educação ambiental, bem como o seu processo de monitoramento e avaliação, para garantir que se cumpram finalidades e metas estabelecidas, significa saber também em qual contexto político-institucional, econômico e cultural isso está se dando e como um projeto no âmbito da gestão ambiental se movimenta e, até mesmo, pode alterar tais condições. (LOUREIRO, 2010, p. 17)

Propõe ações relacionadas à avaliação da evolução conceitual e atitudinal dos diferentes públicos-alvo.

Dialética-evolutiva (DEMO, 2011, p. 23)

Esta característica está diretamente relacionada a capacidade de aprendizado, a qual baseia-se em habilidades reconstrutivas e seletivas permeada por um fenômeno crítico consciente.

Aprender está para além de acumular conhecimentos. É conseguir racionalmente relacioná-los e contextualizá-los (LOUREIRO, 2009, p. 35).

Propõe ações que sejam embasadas por conhecimentos tradicionais existentes na comunidade afetada.

Fonte: a pesquisa

 


A última etapa da Análise de Conteúdo realizada neste artigo visou a atribuição de significado aos resultados obtidos nas etapas anteriores. Isto foi realizado por meio da inserção dos dados em matrizes, permitindo assim a análise das relações existentes entre o Programa de Educação Ambiental analisado e as características da Complexidade e do Pensamento Complexo.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Após a demarcação da amostra tornou-se possível proceder a constituição do corpus, o qual delimitou o documento que foi submetido aos procedimentos analíticos.

Neste artigo realizou-se a análise de Programa de Educação Ambiental (PEA) presente no Plano Básico Ambiental da Linha de Transmissão “Interligação Brasil-Uruguai 500MW”. Este PEA é composto por 24 páginas e apresenta os seguintes capítulos: justificativa, objetivos, indicadores, público-alvo, metodologia e descrição, inter-relação com outros programas, legislação vigente, cronograma físico, estimativa de custos, acompanhamento e avaliação e, por último, responsabilidades.

Após as atividades relacionadas ao processo de organização da análise passou-se a realizar as ações relacionadas ao processo de codificação. Segundo Bardin (2011, p. 131), a codificação corresponde a uma transformação, efetuada segundo regras precisas – dos dados brutos do texto, transformação esta que, por recorte, agregação e enumeração, permite atingir uma representação do conteúdo ou da sua expressão.

O Quadro 2 apresenta as Subcategorias Secundárias e as Unidades de Registro que foram encontradas ao longo do Programa de Educação Ambiental durante a etapa de codificação.

Quadro 2. Subcategorias secundárias e respectivas Unidades de Registro

Subcategoria secundária

Unidades de Registro

Reconhece a existência de diferentes educações ambientais;

Não foi encontrado

Propõe a utilização de diferentes espaços educadores;

“Educação formal: se concentrará em unidades públicas de ensino...” (p. 206).

“Tendo em vista que o Programa de Educação Ambiental trabalhará no âmbito da educação formal e não-formal...” (p. 212).

“As oficinas terão como objetivo promover espaços de diálogo e troca de experiências com a comunidade local e proprietários da AID e de seu entorno, além de trabalhar o processo de Gestão Ambiental das atividades da LT” (p. 215).

“Será realizado junto às comunidades localizadas no entorno do empreendimento. ” (p. 218)

“Para isso será oferecido um conjunto de ações, que comporão uma espécie de cardápio de ações que serão utilizadas de acordo com a dinâmica do curso em cada localidade, chamado de “cardápio de aprendizado”. (p. 218)

“As unidades demonstrativas deverão ser realizadas em espaços existentes nas comunidades”. (p. 220)

“Os recursos físicos limitam-se aos espaços necessários para a realização das Oficinas, as quais ocorrerão em unidades educacionais da rede pública, a serem identificadas em campo, e sedes das entidades civis, quando existirem”. (p. 225)

Apresenta ações de educação ambiental baseadas em um diagnóstico socioambiental e nos saberes locais

“O material educativo será elaborado de acordo com os temas e características locais analisadas e compiladas durante o Diagnóstico Socioambiental Participativo, quando foram levantados os principais problemas e demandas locais, como doenças de maior incidência, problemas ambientais ou características singulares positivas da região em questão”. (p. 213)

“A base metodológica do trabalho a ser executado será definida a partir da complexidade dos problemas ambientais a da multiplicidade de fatores ligados a eles, a fim de estimular um planejamento coletivo em que os atores sociais envolvidos sejam capazes de agir nesse contexto”. (p. 206)

“Esta oficina pertence à linha de educação não-formal e objetiva valorizar os saberes locais e potencializar as práticas produtivas já realizadas nos assentamentos rurais interceptados pelo empreendimento”. (p. 219)

Propõe o diálogo entre as diferentes áreas disciplinares.

“Desta forma, o PEA tem como premissas: o respeito à pluralidade e diversidade cultural; o incentivo ao fortalecimento das ações coletivas e organizadas; o diálogo entre os diversos saberes...”. (p. 202).

Propõe o trânsito contínuo entre diferentes níveis de complexidade (partes-todo e todo-partes).

Não foi encontrado

Preocupa-se com a continuidade e auto sustentação dos processos de educação ambiental.

“As UDs funcionam como demonstração da aplicação de instrumentos e práticas para serem replicadas posteriormente pelo grupo, através das associações e cooperativas já existentes ou que poderão ser criadas. Os grupos poderão ainda buscar possíveis parcerias governamentais ou com instituições não governamentais”. (p. 220)

Propõe métodos para mediação de conflitos entre grupos sociais com modos diferenciados e conflitantes de apropriação, uso e significação do território.

“O PEA tem como premissas: o respeito à pluralidade e diversidade cultural; o incentivo ao fortalecimento das ações coletivas e organizadas; o diálogo entre os diversos saberes; a compreensão contextualizada da problemática ambiental, a participação dos atores diretamente envolvidos com o empreendimento, contribuindo para o pensamento crítico e instituindo, dessa forma, o fortalecimento dos processos de engajamento dos cidadãos locais ambientalmente sensibilizados e informados, preocupados e intervenientes na defesa da qualidade do ambiente em que vivem.” (p. 202)

“Constitui-se como objetivo principal deste Programa desenvolver a prática da Educação Ambiental nos municípios atravessados pela LT, difundindo para as comunidades locais, sobretudo no entorno do empreendimento, novos conhecimentos e hábitos sustentáveis, levando em conta os pressupostos da participação coletiva e do respeito à diversidade social, cultural, política e biológica, de acordo com suas atividades produtivas e com o ambiente onde vivem...”(p. 203).

Propõe o uso de metodologias para contestação do real (certezas) visando a construção de um olhar crítico.

“A educação no processo de gestão ambiental pressupõe uma prática pedagógica na qual os atores sociais envolvidos no processo ensino-aprendizagem sejam os sujeitos da ação e não apenas receptores de informações ou normas de conduta, a partir de discursos e valores pré-estabelecidos. ” (p. 206).

Propõe ações relacionadas à avaliação da evolução conceitual e atitudinal dos diferentes públicos-alvo.

“Aferição de mudança de atitudes e valores do público por meio da análise de questionários semi-estruturados aplicados ao longo do Programa de Educação Ambiental”. (p. 204)

Propõe ações que sejam embasadas por conhecimentos tradicionais existentes na comunidade afetada.

“...as atividades e conteúdos do Programa foram estruturados de forma a possibilitar o diálogo com os repertórios político-culturaisdas comunidades locais, considerando seus saberes, valores e práticas de forma que as ações pedagógicas estejam em consonância com o contexto socioambiental da região”. (p. 206)

“Educação formal - se concentrará nas unidades públicas de ensino, abarcando as comunidades escolares no debate sobre o empreendimento a partir do diálogo entre educação e a memória socioambiental das comunidades do entorno”. (p. 206)

Fonte: a pesquisa

 

Após a realização da etapa de Codificação realizou-se a Interpretação Inferencial, a qual envolveu a análise qualitativa dos dados presentes no Quadro 2 e a atribuição de significados aos resultados obtidos.

Inicialmente destaca-se a ausência de evidências (registros) relacionados ao reconhecimento da existência de diferentes educações ambientais. Também não foram observadas evidências à proposição de ações capazes de promover o trânsito contínuo entre diferentes níveis de complexidade.

Posteriormente é importante destacar a grande quantidade de registros relacionados à execução de ações de Educação Ambiental em diferentes espaços educadores.

Percebeu-se também, ao longo da análise do Programa de Educação Ambiental, a existência de unidades de registro que relacionam as ações propostas aos dados obtidos em um diagnóstico socioambiental prévio.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a execução das ações descritas neste artigo percebeu-se evidências de características relacionadas à Complexidade e ao Pensamento Complexo no Programa de Educação Ambiental analisado. Ao apresentar esta afirmação entende-se que tanto o objetivo proposto foi atingido quanto o problema de pesquisa foi respondido.

Ressalta-se que em nenhum momento o Programa analisado fez menção à Complexidade e ao Pensamento Complexo. Infere-se assim que as evidências encontradas indicam a existência de uma relação implícita e passiva entre princípios que orientam a Educação Ambiental no âmbito do licenciamento e os princípios que podem ser extraídos destes dois corpos teóricos. Apesar disso entende-se que as evidências relacionadas à Complexidade e Pensamento Complexo encontradas ao longo da análise conferiram ao Programa de Educação Ambiental um nível diferenciado de maturidade.

Entende-se assim que a Complexidade e o Pensamento Complexo devem ser vistos como bases fundamentais para o fomento de Programas de Educação Ambiental capazes de responder ao cenário ambivalente percebido nos processos de licenciamento ambiental.

Destaca-se que empreendimentos passíveis de licenciamento estão imersos em um cenário ambivalente no qual diferentes atores da sociedade apresentam interesses e sentimentos distintos em relação aos mesmos. Percebe-se assim que a missão de garantir o desenvolvimento de programas de educação ambiental, de caráter crítico e transformador, no âmbito do licenciamento, é complexa e desafiadora.

 

REFERÊNCIAS

 

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Ilustrações: Silvana Santos