Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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27/11/2016 (Nº 58) EXPLORAÇÃO E DEGRADAÇÃO DO MEIO AMBIENTE BRASILEIRO: BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O CERRADO DA REGIÃO CENTRO-OESTE
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EXPLORAÇÃO E DEGRADAÇÃO DO MEIO AMBIENTE BRASILEIRO: BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O CERRADO DA REGIÃO CENTRO-OESTE

Flávio Reis dos Santos

Pós-Doutor e Doutor em Educação pela Universidade Federal de São Carlos

Professor do Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Sociedade da Universidade Estadual de Goiás

reisdossantos.flavio@gmail.com

Abadia Pereira Maia

Mestranda do Programa de Pós-Graduaçãoem Ambiente e Sociedade da Universidade Estadual de Goiás

Bolsista do Programa de Bolsa Stricto Sensu da Universidade Estadual de Goiás

abamarisa@hotmail.com

RESUMO

O objetivo deste artigo é discutir as transformações produzidas pelo sistema capitalista que alteraram sistematicamente o meio ambiente e a qualidade de vida na sociedade brasileira contemporânea, pois o desmedido crescimento das atividades produtivas, aceleração do processo de urbanização e industrialização exigem permanentemente o aumento da produção e da produtividade para atender as demandas de consumo. Decidimos desenvolver uma pesquisa bibliográfica, visto que os livros, artigos científicos e demais publicações colocam o investigador em contato direto com o que foi pesquisado e publicado acerca da temática, permitindo-lhe a devida manipulação das informações colhidas para reafirmar a análise de suas investigações. Contatamos que o processo de ocupação, exploração e urbanização do espaço brasileiro produziu mudanças substanciais na sociedade e se caracterizou pela inexistência de condições e recursos materiais para atender as necessidades básicas dos diferentes contingentes populacionais.Os discursos em defesa do meio ambiente difundidos no mundo pelo capitalismotêm o propósito de promover a manutenção e continuidade da frenética produção de mercadorias para assegurar a apropriação e acúmulo de riquezas, reafirmando a ideologia burguesa.

Palavras-Chave: Meio Ambiente, Urbanização, Industrialização, Qualidade de Vida, Cerrado.

EXPLORATION AND DETERIORATION BRAZILIAN ENVIRONMENT: BRIEF CONSIDERATIONS ON THE SAVANNA OF THE MIDWEST REGION

ABSTRACT

The purposeofthisarticleistodiscussthechangesproducedbythecapitalist system thatsystematicallyalteredtheenvironmentandqualityoflife in contemporarybraziliansociety, as theunconscionablegrowthofproductiveactivities, accelerationoftheprocessofurbanizationandindustrializationrequirepermanentlyincreasedproductionandproductivitytomeetthedemandsofconsumption. Wedecidedtodevelop a bibliographicalresearch, sincethe books, scientificarticlesandotherpublicationsputtheresearcher in directcontactwithwhatwasresearchedandpublishedaboutthesubject, allowingyoutheproperhandlingofinformationcollectedtoreaffirmtheirresearchanalysis.Contacttheprocessofoccupation, explorationandurbanizationofthebrazilianspaceproducedsubstantialchanges in societyandwascharacterisedbythelackofconditionsand material resourcestomeetthebasicneedsofdifferentpopulation quotas. The speeches in defenseoftheenvironment spread worldwidebycapitalismhavethepurposeofpromotingthemaintenanceandcontinuityofthefrenziedproductionofgoodstoensuretheappropriationandaccumulationofwealth, reaffirmingbourgeoisideology.

Keywords: Environment, Urbanization, Industrialization, Qualityof Life, Cerrado.

Introdução

No transcorrer dos últimos séculos, as ações humanas têm destruído sistematicamente o meio ambiente de nosso planeta, primeiramente, na ansiosa e ilimitada busca por metais e pedras preciosas, depois pela intensificação da exploração do solo, da água e do ar em decorrência da massificação da produção agrícola para atender as crescentes demandas de consumo do impiedoso mercado capitalista. É fato que a produção intensiva e extensiva por si mesma, destrói as condições de produção em escala mundial.

A degradação ambiental que assola a humanidade na contemporaneidade é consequência do ininterrupto e desenfreado sistema produtivo capitalista, que tem provocado uma série de problemas sociais e ambientais. Arlete Rodrigues (2011) alerta para a necessidade urgente em se compreender a perversidade do processo produtivo capitalista para que possamos deslindar:

[...] as causas e agentes da poluição do ar, do solo e das águas, bem como do desmatamento e das perdas da biodiversidade e da sociodiversidade. Instrumentais analíticos [podem contribuir] para a compreensão de que a crise não é do modo de produção, mas sim, provocada por ele (RODRIGUES, 2011, p. 4).

Os verdadeiros culpados pela catástrofe ambiental – capitalistas burgueses, proprietários dos meios de produção – têm procurado transferir a responsabilidade pela destruição do planeta para os consumidores e para os países periféricos do capital. Para que tenhamos ideia clara e objetiva da destruição dos recursos e riquezas naturais, empreendida pelos países capitalistas centrais, basta tomarmos como exemplo a intervenção armada realizada pelos Estados Unidos da América em parceria com a Inglaterra ao território iraquiano, considerado a seara do Oriente Próximo, que em poucos anos foi transformado em catástrofe ecológica.

De acordo com as análises de Arlete Rodrigues (2011), o solo fértil e arável foi transformado em pântano desértico, o país que exportava boa parte de sua produção agrícola passou a importar mais de 80% de tudo que consome na atualidade. A sistemática destruição do meio natural e a ampliada acumulação de poder para os países capitalistas ricos, aos quais se destinam anualmente mais de um trilhão de dólares, expressam “o lado amedrontador da lógica absurda [e destrutiva] do capital” (RODRIGUES, 2011, p. 5).

Diante de tal contexto, reafirmamos a necessidade em compreender como a ideologia dominante impõe o mito do “desenvolvimento sustentável”, orientado pelo deslocamento da análise da produção para a análise do consumo, pela ocultação da existência e luta de classes sociais e pela promoção de uma “matriz ideológica combinada com a precarização das relações de trabalho” (RODRIGUES, 2011, p. 7).

Entendemos que se faz imprescindível discutir tais questões na perspectiva de apreender os seus impactos e buscar alternativas para minimizá-los. Nesta direção, definimos os seguintes objetivos para empreender este estudo: 1) Discutir sobreas transformações produzidas pelo sistema produtivo capitalista que alteraram sistematicamente o meio ambiente e a qualidade de vida na sociedade contemporânea; 2) Contextualizar o processo de modernização brasileira orientada pelo binômio:industrialização-urbanização; 3) Apontar os aspectos que contribuíram para a ocupação, exploração e instalação do agronegócio no Cerrado da Região Centro-Oeste do Brasil.

Na perspectiva de alcançar tais objetivos, optamos por desenvolver uma pesquisa bibliográfica, visto que os livros, artigos científicos e demais publicações colocam o “pesquisador em contato direto com tudo aquilo foi escrito sobre o assunto” permitindo-lhe a devida manipulação das informações colhidas para reafirmar a análise de suas investigações (MARCONI; LAKATOS, 2001, p. 44).

Empregamos uma abordagem histórica para realização da pesquisa, pois entendemos que o exame dos acontecimentos, processos e instituições do passado possibilitam verificar as suas repercussões e influências na sociedade contemporânea. Partimos do princípio de que as formas atuais de vida social, econômica, política, ambiental, bem como as instituições, os hábitos e os costumes que têm origem no passado constituem fontes fundamentais para compreender a sua natureza e função (ANDRADE, 1999, p. 115).

Concentramos as nossas leituras, análises e reflexões nos seguintes textos: Cidade Brasileira: 1870 a 1930 (ABREU, 2001); Global ChangeandtheEcologyofCities (GRIMM et al., 2008); Concepciones de laNaturalezaen América Latina(GUDYNAS, 1999); A Influência das Áreas Verdes na Qualidade de Vida Urbana (LONDE; MENDES, 2014); Ocupação e Urbanização dos Cerrados: Desafios para a Sustentabilidade (MOYSES; SILVA, 2008); A Urbanização e os Desafios Conceituais do Ecossistema: Uma Contribuição à Aplicabilidade do Desenvolvimento Sustentável para o Município de Criciúma (OLIVEIRA; MILIOLI, 2013); Saúde Ambiental: Uma Proposta Interdisciplinar (RAMOS, 2013); A Matriz Discursiva sobre o Meio Ambiente: Produção do Espaço Urbano (RODRIGUES, 2011).

Capitalismo, Degradação Ambiental e Qualidade de Vida

Temos a lamentar que a estreita visão economicista capitalista do meio natural, considerado apenas e tão somente a partir dos recursos que possuem potenciais valores econômicos para o mercado de consumo. A sustentabilidade ambiental orientada pelas premissas capitalistas neoliberais procura garantir a preponderância da exploração produtiva da extensa propriedade sobre a natureza, o que pode permitir ao capitalista uma gestão econômica mais eficaz e eficiente dos recursos e riquezas naturais. Eduardo Gudynas (1999) argumenta que na concepção defendida pelos capitalistas neoliberais a propriedade para além dos meios e dos recursos naturais:

[...]pode existir sobre um ecossistema (com a alocação de propriedades sobre seções de ecossistemas de rios e cursos de água) e na forma mais extrema, sobre variedades genéticas de espécies vivas (patentes sobre micro-organismos). Nesse caso, sequer o ser vivo completo tem importância, apenas algumas de suas partes, alguns de seus aspectos genéticos, em especial aqueles que podem ser comercializados e, portanto, regulados por meio de patentes e outros direitos de propriedade. A concentração da propriedade e a gestão em nível dos genes é um exemplo da extrema fragmentação da vida (GUDYNAS, 1999, p. 108).

Na apreensão de Eduardo Gudynas (1999) o conceito de natureza em si passou a ser empregado para justificar os processos de dominação e exploração capitalistas, reduzindo todas as coisas às suas características essencialmente naturais para que pudessem pacificamente (ou não) ser conquistadas. A ganância humana se ocupou da conquista do meio ambiente natural historicamente, simplesmente porque a natureza é o nome utilizado para aquilo que se conquista em determinado tempo, lugar ou direção.

Gudynas(1999) afirma ainda, que a apartação conceitual entre o homem e o meio ambiente e a sua substituição pelo termo natureza lhe possibilitou exercer pleno domínio e exploração sobre a mesma. A ideologia capitalista de progresso não permite que haja outro tipo desenvolvimento, distinto, alternativo, contrário ao atual sistema capitalista de produção. Portanto, “determinados conceitos de natureza legitimam uma maneira particular de conceber o desenvolvimento, uma vez que anula as capacidades para buscar novas opções, tanto no plano do desenvolvimento quanto nas relações com o meio ambiente” (GUDYNAS, 1999, p. 119).

Rafaela Ramos (2013, p. 74), por sua vez, infere que o processo de desenvolvimento socioeconômico capitalista – em que pese a evolução técnica e científica, o avanço da produção industrial, a concentração populacional no meio urbano, a exploração permanente dos recursos naturais tem causados prejuízos irreparáveis para a biodiversidade, para os diversos ecossistemas e para a qualidade de vida da humanidade – têm aprofundando a complexidade dos problemas ambientais e de saúde pública e dificultado a sua compreensão, “visto que envolve [grande diversidade de] fenômenos físicos, biológicos, ecológicos e sociais.

Tal complexidade no entendimento de Ramos (2013, p. 75) requer abordagens diferenciadas que possibilitem o entendimento da atual dinâmica socioecológica orientada por conhecimentos de áreas distintas, tendo em vista entender e propor ações inovadoras para a promoção da saúde ambiental, capaz de exprimir “uma integração entre a saúde humana e a dos ecossistemas, de maneira interdependente”, na qual a transformação do ambiente seja tomada como fator determinante para a saúde ambiental, na medida em que “as questões ambientais [devem ser encaradas] como questões de risco para a qualidade da vida humana”.

A concentração populacional nas cidades tem aumentado constantemente, contribuindo para o crescimento do consumo de água, de energia elétrica, de alimentos animais e vegetais, produção de lixo, emissão de gases do efeito estufa e, portanto, para a degradação do meio ambiente de uma forma geral. Grimm et al. (2008) apontam que uma série de transformações ambientais associadas ao uso e cobertura da terra, ciclos climáticos, biogeoquímicos ehidrossistêmicosafetam e são afetados pelos ecossistemas urbanos em decorrência da drenagem, impermeabilização, compactação e esterilização do solo, alteração do ciclo da água por meio da dissecação da cidade, desvio de grandes volumes de água, esgotos tóxicosque exterminam a vida aquática, poluição do ar e da água, dejetos humanos e rejeitos industriais etc.

Segundo Grimm et al. (2008) o aumento da temperatura local provoca o aumentoda temperatura global e como a maioria das cidades são pontos quentes – as chamadas ilhas de calor urbano –, afetam o clima em âmbito local quanto regional, bem como os recursos hídricos, a qualidade do ar, a saúde humana, a biodiversidade e o funcionamento de ecossistemas, reduzindo a diversidade de espécies nativas em nível local, regional e global. Obviamente, que os seres humanos também sofrem com a degradação ambiental, que interfere na estrutura e nas relações sociais, transforma hábitos e costumes alimentares, provoca doenças das mais diversas ordens.

Os autores apontam também ànecessidade de se perceber as questões ambientais, ecossistêmicas e humanas de forma holística e intensificar esforços para conservação e preservação dos habitats naturais e seminaturais ainda existentes e resistentes em nosso planeta.A ecologia urbana pode minimizar os problemas causados pela urbanização-industrialização e interligar os habitantes das cidades com o meio ambiente biogeofísico, uma vez que ela integra a teoria e métodos das ciências naturais e sociais para estudar os processos dos ecossistemas urbanos (GRIMM et al., 2008).

Izis Oliveira e Geraldo Milioli (2013) reiteram as afirmações de Grimm et al. ao exprimir que a qualidade de vida, os recursos naturais e a biodiversidade têm sido sistematicamente prejudicadas pelo processo de industrialização-urbanização no mundo contemporâneo. Oliveira e Milioi (2013, p. 153) inferem que o homem ao degradar os ecossistemas está degradando a si mesmo, visto que os ecossistemas constituem fenômenos de integração natural entre os seres humanos, os animais irracionais e os vegetais e, caracterizam-se por serem sistemas abertos, que assim como “as cidades e os indivíduos age e retroage em seu ambiente porque são ecologicamente dependentes”.

Nesse contexto, para suportar a atual crise ambiental, “o ecossistema urbano tem que ser saudável, sem resíduos, autorregulável, autorrenovável, resiliente e flexível como qualquer ecossistema natural” (OLIVEIRA; MILIOLI, 2013, p. 153). Para empreender tal transformação, os centros urbanos precisam dar início a:

[...] transição para despertar um mundo mais humano, o qual viria com a apreciação ecológica para os fluxos de energia e para os materiais que apoiam a vida no planeta, principalmente para a reabilitação da biodiversidade ecológica, para a utilização da bioarquitetura e para a reinvenção do ecodesign. A proposta é dar visibilidade às escolhas sustentáveis e/ou ecológicas da bioarquitetura, baseada nas energias naturais, na reciclagem e reutilização de águas e materiais e no desenho de produtos e objetos construídos com materiais e funções ecologicamente corretos (OLIVEIRA; MILIOLI, 2013, p. 153).

A degradação social e ambiental, decorrência da desmedida e inescrupulosa ação humana, as crises climáticas e hídricas, consequência do aquecimento global, as transformações do clima que incidem sobre o meio ambiente e, especialmente, sobre os centros urbanos ensejam o seu ajustamento às novas ordens que se impõe para que possam preservar a sua existência, apesar de permanecerem amplamente “dependentes dos combustíveis fósseis, responsáveis pela produção de gases de efeito estufa, da degradação ambiental e da alteração climática, o mundo está em transição” (OLIVEIRA; MILIOLI, 2013, p. 161).

Transformação Socioespacial Brasileira: Industrialização e Urbanização

A industrialização de alguns segmentos produtivos no Brasil foi inaugurada nos anos finais do século XIX, adentrou ao século XX e ganhou força com o projeto de industrialização e urbanização do Presidente Getúlio Vargas, a partir da década de 1930, estendendo-se à primeira metade da década de 1940. Desde o processo de invasão, conquista e exploração das terras brasileiras, empreendido pelos portugueses no século XVI, o nosso país teve por característica principal a sua essência rural, concentrada na extração e/ou na produção de uma determinada monocultura agrícola (pau-brasil, cana-de-açúcar, algodão, borracha, café).

A preocupação e os esforços implementados por Getúlio Vargas para instalar e expandir a indústria de base e, por consequência, a urbanização brasileira, produziram diversos problemas que ultrapassaram a percepção e compreensão política, social e econômica dos tecnocratas responsáveis pela materialização de tal projeto como o surto migratório campo-cidade que esvaziou o meio rural e provocou em curto espaço de tempo o inchaço das cidades e, portanto, resultou em excedente de mão de obra nas atividades urbanas e falta da mesma no meio rural.

Maurício Abreu (2001) argumenta que a transição do “Brasil Rural” para o “Brasil Urbano e Industrial” entre os anos de 1870 a 1930, transformou significativamente diversas localidades e regiões do país, alterando hábitos e costumes, marcando o início de uma nova forma de vida e sociedade orientada pelo desenvolvimento técnico e científico dos modos de produção.

O aumento da concentração de pessoas nas cidades resultou na preocupação com as condições insalubres no meio urbano, ou seja, a partir de considerações dos aspectos de ordem higiênica, as cidades passaram a ser diagnosticadas, avaliadas e criticadas na perspectiva de passar por transformações significativas para melhorar as suas condições higiênicas e sanitárias. As questões “de ordem higiênica sofreram, nesse período, uma evolução bastante significativa: do higienismo passou-se ao sanitarismo” (ABREU, 2001, p. 2).

O meio urbano passou a ser encarado como uma máquina, constituída por um conjunto de peças e engrenagens fundamentais para o seu perfeito funcionamento, em que a sua fluidez transformou-se no “grande motor da reflexão e os conceitos de rede e de sistema impuseram-se como norteadores da intervenção dos engenheiros sobre o espaço urbano. A ordem era permitir a livre circulação dos fluxos e controlar o funcionamento dos fixos, ou pontos nodais” (ABREU, 2001, p. 3).

Inúmeros projetos e propostas para melhorar as condições de vida da população e existência da cidade passaram a ser elaborados e implementados, focalizados nas questões de saneamento e infraestrutura básica como abastecimento de água, rede de esgoto sanitário, calçamento de vias e iluminação públicas, modernização portuária, principal via de escoamento da produção regional. Segundo Maurício Abreu (2001) a cidade passou a consubstanciar questão técnica e estética e a partir da implantação dos planos setoriais de intervenção assentados no tripé sanitarismo-circulação-estética, efetivou-se o planejamento urbano no país.

Os planos integrados de desenvolvimento urbano das cidades brasileiras tornaram-se marca registrada do Governo Getúlio Vargas e promoveram uma verdadeira eliminação das tradições e culturas que caracterizaram as populações brasileiras, na medida em que procurou afirmar que o desenvolvimento urbano e industrial representava o progresso e o avanço do país em direção a um futuro melhor, negligenciou a importância da cultura produzida no meio rural que construiu e constituiu a nação brasileira, apontando que o campo representava o passado, o atraso, o retrocesso.

O objetivo proposto pelo Governo Vargas era de caminhar em busca da edificação de uma nova concepção de cidade para o país ajustada às demandas funcionais do denominado progresso almejado pelos tecnocratas varguistas. Progresso orientado pelo “total desprezo pelo passado e fé exacerbada no futuro, o ataque às heranças materiais dos tempos anteriores, ainda que potencializado em momentos posteriores, teve então início” (ABREU, 2001, p. 3-4).

De outra parte, o Estado Varguista procurou impor vigilância e controle ao espaço urbano, porém não conseguiu manter as rédeas curtas no processo de industrialização-urbanização, que tomou proporções inimagináveis para a época. As cidades começaram a verticalizarem-se, o que exigiu a elaboração dos primeiros códigos de zoneamento urbano, acessível aos estratos de classe alta e média. A grande massa populacional se viu obrigada a se encaminhar para regiões periféricas e insalubres, originando as favelas, mocambos e loteamentos irregulares sob o ponto de vista legal.

Os governos que sucederam a Era Vargas mantiveram-se empenhados em seguir com o projeto desenvolvimentista do país entre os anos de 1946 a 1964, especialmente, durante o mandato de Juscelino Kubitschek (1956-1961) – impulsionado pelo lema “50 anos em 5” –, que promoveu a instalação de indústrias de automóveis, construção naval, cimento, eletrodomésticos, papel e celulose etc.

O regime autoritário civil-militar instaurado em 1964, por meio de uma série de acordos bilaterais e multilaterais com instituições econômico-financeiros internacionais, sobretudo, norte-americanas deu continuidade à denominada “modernização” do Brasil, atraindo investimentos estrangeiros para impulsionar a industrialização em território nacional. A adoção desse modelo de desenvolvimento, assentado na contração de empréstimos milionários, levou o país ao denominado “milagre econômico” que caracterizou o período 1968-1973, produzindo novo surto migratório do meio rural para os grandes centros urbanos.

Ocupação e Exploração do Cerrado Brasileiro

Nos trilhos da modernização e do desenvolvimentismo econômico, movimentado pela ditadura civil-militar brasileira, o Cerrado da Região Centro-Oeste não escapou de sofrer intensa ocupação, exploração e destruição de seu ambiente natural. Diversos fatores favoreceram o processo de ocupação da Região Centro-Oeste, iniciado com a exploração de minérios, pecuária extensiva, implementação de ferrovias, estradas e infraestruturas, construção de Goiânia e de Brasília, desmembramento do Estado do Mato Grosso que resultou na criação do Estado do Mato Grosso do Sul (1977); depois subdivisão do Estado de Goiás e consequente criação do Estado de Tocantins (1989) e, mais recentemente,a produção agrícolaconcentrada em monoculturas para a exportação (commodities), desenvolvidas em intermináveis latifúndios, propriedades tanto de pessoas físicas quanto de grande conglomerados internacionais.

A região do Cerrado é considerada uma das principais áreas de ecossistemas tropicais da Terra e responsável pela concentração de uma rica biodiversidade que vem sendo sistematicamente reduzida, tanto pelo crescimento e concentração populacional em áreas urbanas quanto pelo aumento das atividades agrícolas para a exportação. O Centro-Oeste representa a região brasileira mais sofreu transformações nos últimos anos, sofrendo acelerado e desordenado processo de urbanização; também apresenta significativos índices de crescimento econômico nas últimas décadas, resultado do esforço e das concessões e isenções fiscais efetuadas pelos Governos Estaduais e Governo Federal para promover a instalação de grandes empresas nacionais e internacionais no Cerrado.

A mecanização, maquinação, automação das atividades produtivas agrícolas epecuárias, produziu a substancial transformação das relações de trabalho no meio rural, eliminando quase que por completo o modelo produtivo concentrado na subsistência por um modelo que passou a contemplar a produção de mercadorias para o mercado externo e, por outro lado, “desmantelou a incipiente produção agrícola familiar, liberando para asa cidades uma leva significativa de migrantes. Tudo isso repercutiu de forma intensa nas principais cidades do Centro-Oeste” (MOYSÉS; SILVA, 2008, p. 198).

Os principais centros urbanos da região central do Brasil – Goiânia e Brasília – considerados espaços em que a qualidade de vida transita de boa para ótima com significativo potencial de consumo destoa completamente da realidade vivida nos espaços metropolitanos, bem como nas mais diversas localidades do interior do Estado de Goiás – por exemplo – em que é possível verificar a ocorrência de inúmeras contradições que expressam uma realidade socioespacial bastante fragmentada e segregada, decorrência do processo de desigualdades sociais que tem se manifestado nas mais diversas cidades do Cerrado, especialmente, naquelas “que se beneficiaram dos dividendos proporcionados pela produção de commodities” – cana-de-açúcar, algodão, soja, milho, feijão, arroz, tomate, abacaxi etc. (MOYSÉS; SILVA, 2008, p. 198).

A expansão das propriedades e atuação das empresas internacionais (Monsanto, NexSteppe, Grupo GSA, Sementes Selecta, Perdigão Agroindustrial, Kowalski Alimentos, Siol Alimentos, dentre outras) no Cerrado goiano tem contribuído enormemente para a redução acelerada da biodiversidade dos ecossistemas locais, para o êxodo rural e consequente agravamento das condições econômicas e sociais nas cidades.

O crescimento dos problemas ambientais derivados do processo produtivo empreendido pelo agronegócio nas regiões de Cerrado, como o plantio sem sustentabilidade, desmatamentos, queimadas, uso intensivo de fertilizantes químicos e agrotóxicos tem provocadoo surgimento de voçorocas, assoreamento dos cursos de água e envenenamento dos ecossistemas.

Não é demasiado ressaltar, que o Cerrado abastece várias bacias hidrográficas brasileiras que estão ameaçadas pela utilização indiscriminada de pivôs para a irrigação do processo produtivo agrícola, colocando em risco as fontes perenes de águasprofundas e causando o desaparecimento de várias nascentes.

Moysés e Silva (2008, p. 202) afirmam que o perverso processo de preparo da terra para “ampliar a produção de grãos e de carne está exaurindo as potencialidades naturais do solo do Cerrado e tornando o acesso à água cada vez mais difícil, na medida em que o lençol freático vai ficando mais profundo”. Se, de uma parte, a modernização do processo produtivo resultou no rápido desenvolvimento econômico e, por consequência, crescimento urbano de diversas áreas do Centro-Oeste, de outra parte, trouxe:

[...] problemas de natureza social que foram desaguar nas médias e grandes cidades. A combinação de fatores tecnológicos aliados às experiências em agricultura de exportação e os investimentos públicos produziram, de fato, um novo modelo que resultou num processo de esvaziamento do campo e concentrou nas cidades o excedente rural que fora expulso (MOYSÉS; SILVA, 2008, p. 209).

Esse nefasto processo de desenvolvimento econômico do Cerrado brasileiro foi envolvido por uma dinâmica expressiva e contraditória, caracterizada pela transformação de um espaço territorial pouco ocupado e explorado com uma economia precária e deficiente para um frenético processo de tecnologização produtiva voltada para a exportação e acelerado crescimento urbano, decorrente de intensa migração de trabalhadores rurais vinculados às atividades laborais de natureza tradicional, agora privados de meios e recursos de produção para a manutenção de sua existência.

Esse excessivo e desordenado processo de ocupação, exploração e urbanização do espaço que marcou a década de 1960 se estendeu e se aprofundou nos cinquenta anos seguintesse expressa pela inexistência de condições e recursos materiais para atender as necessidades básicas dos contingentes populacionais que migraram para as mais diversas cidades brasileiras, o que tem produzido por consequência, enorme quantidade de problemas sociais, econômicos e ambientais como o subemprego, desemprego, crescimento da violência e criminalidade, favelização, degradação e destruição dos ambientes naturais, poluição do solo, da água e do ar, dentre outros.

É importante salientar que a intensificação do processo de urbanização demandou e demanda, permanentemente, o aumento da produção para atender ao consumo, fundamental para a acumulação de riquezas daqueles que se encontram no cume da pirâmide na sociedade capitalista. Reiteramos que a industrialização-urbanização assentada na produção e consumo em demasia afeta diretamente a qualidade de vida da população, na medida em que o processo produtivo em si, destrói boa parte do ambiente natural. Não podemos deixar de ressaltar que a ideologia burguesa capitalista inculca nas pessoas uma falsa necessidade de consumo constante e crescente, que de uma forma ou de outra apressa e acentua a destruição da natureza e coloca em risco a existência da humanidade e de todas as espécies animais e vegetais do planeta.

Considerações Finais

Precisamos considerar a natureza e as formas como os recursos naturais são utilizados como ponto de partida para realizar as nossas discussões e propostas para a mudança em nossa sociedade. Precisamos nos reconhecer não somente como pessoas que habitam no mundo, mas como indivíduos que fazem parte desse mundo, como sujeitos históricos que o transformam. A compreensão do meio ambiente “pode permitir que a natureza continue viva e que nela possam germinar novas opções de transformação para a América Latina” e para o mundo (GUDYNAS, 1999, p. 123).

As áreas verdes podem contribuir para a melhoria do meio ambiente, bem como para a melhoria da qualidade de vida da população por elas beneficiadas, pois além de aliviar tensões e estresses, restaura a saúde física e mental na medida em que colabora para a diminuição de ruídos, ameniza o calor e para a purificação do ar. Essas áreas podem ser utilizadas para a prática de atividades físicas que trazem benefícios e imunologia à saúde humana. Portanto, é preciso repensar o planejamento e transformar o meio urbano, por meio da implantação de políticas públicas que contemplem a criação de áreas verdes em âmbito municipal, estadual e federal (LONDE; MENDES, 2014).

Contudo, não podemos nos afastar em momento algum da compreensão de que a atual crise ambiental e/ou crise ecológica mundial é decorrência direta do impiedoso sistema capitalista de produção, que para assegurar a sua existência e desmedida explora incessantemente os recursos materiais e humanos, cria, constrói, edifica os meios e recursos para o seu funcionamento e reprodução em larga escala, sem se importar com os impactos e consequências negativas no que se remete à destruição dos recursos e riquezas naturais fundamentais para manter a existência das mais diversas espécies animais e vegetais do planeta Terra.

O meio ambiente constitui para a burguesia capitalista a temática central para mascarar a verdadeira face da crise, meticulosamente conduzida pelo staff tecnocrático dos organismos econômico-financeiros multilaterais internacionais como o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), Fundo Monetário Internacional (FMI), Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), dentre outros.

Os discursos em defesa do meio ambiente, propalados mundialmente por tais agências, têm o objetivo primeiro de promover “a continuidade da [frenética] produção de mercadorias e garantir a apropriação privada das riquezas”, reiterando a ideologia capitalista burguesa (RODRIGUES, 2011, p. 6).

Em nosso entendimento a construção e materialização da sustentabilidade implica o enfretamento a “desafios paradigmáticos e epistemológicos com mudanças de atitudes visando a sociedade como um todo”, sendo considerados os seus aspectos e relações sociais, econômicas, políticas, ambientais, “inter-relacionada a todas as dimensões humanas com base ecológica e sustentada por projeto democrático com justiça ambiental” (OLIVEIRA; MILIOLI, 2013, p. 161).

Referências

ABREU, Maurício de Almeida. Cidade brasileira: 1870 a 1930. Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2001. Disponível em: . Acesso em: 3 abr. 2016.

ANDRADE, Maria Margarida. Introdução à metodologia do trabalho científico. 4 ed. São Paulo: Atlas, 1999.

GRIMM, Nancy et al. Global changeandtheecologyofcities. Science, v. 319, 2008. Disponível em: . Acesso em: 8 abr. 2016.

GUDYNAS, Eduardo. Concepciones de la natureza en América Latina. Persona y Sociedade, n. 13, v. 1, Santiago, abr. 1999. Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2016.

LONDE, Patrícia Ribeiro; MENDES, Paulo Cezar. A influência das áreas verdes na qualidade de vida urbana. Hygeia, Revista Brasileira de Geografia Médica e da Saúde, n. 18, v. 10, 2014. Disponível em: . Acesso em: 8 abr. 2016.

MARCONI, Maria de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Metodologia do trabalho científico. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2001.

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Ilustrações: Silvana Santos