Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Relatos de Experiências
11/03/2017 (Nº 59) O REAPROVEITAMENTO DE ÁGUA NA ESCOLA COMO FERRAMENTA PARA A FORMAÇÃO DO SUJEITO ECOLÓGICO
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O REAPROVEITAMENTO DE ÁGUA NA ESCOLA COMO FERRAMENTA PARA A FORMAÇÃO DO SUJEITO ECOLÓGICO

 

 

Mestre Michelle Abadia Cirilo; Professora da Educação Básica; Endereço: Rua JAV 04, Cond. Paineiras, casa 25-B, Jardim Gardênia, Goiânia, Goiás, CEP 74. 394-100; (62) 98143-8179, michellecirilo@gmail.com

 

Doutora Juliana Simião Ferreira; Docente do Programa de Mestrado Profissional em Ensino de Ciências da Universidade Estadual de Goiás; Endereço: BR 153, Km 98, Arco Verde, Anápolis, Goiás; (62) 98144-0089; julianalimno@gmail.com

 

 

RESUMO

 

O foco de uma educação dentro do novo paradigma ambiental tende a compreender, para além de um ecossistema natural, um espaço de relações socioambientais. Nesse contexto, as práticas educativas devem apontar para propostas pedagógicas centradas na mudança de hábitos, atitudes e práticas sociais. Diante disso, desenvolvemos um projeto de reutilização de água com 35 alunos do 6º ano do ensino fundamental de uma escola da rede pública municipal com o objetivo de ampliar a consciência socioambiental, contribuindo para a formação de sujeitos ecológicos. Esse projeto foi desenvolvido porque os alunos ficaram incomodados com a quantidade de água que era eliminada pelos aparelhos de ar condicionados instalados na escola. Ao levarem essa problemática para a sala de aula, os alunos foram instigados a pesquisarem possíveis soluções para a situação. Dentre as ideias apresentadas, elencou-se a construção de coletores como uma solução viável. Assim, foi realizada a medição da água liberada por um aparelho de ar condicionado e, calculado o valor diário de água acumulada. Posteriormente foi construído um coletor utilizando um tambor de 200 litros. Cada aparelho liberou 3,6 litros de água por hora, o que gerou um total de 36 litros de água por dia. Como a escola possui 27 aparelhos, o valor diário de água eliminada é de 972 litros. A água coletada foi reutilizada na horta e na limpeza da escola, diminuindo, assim, o consumo médio mensal de água da instituição. No final do projeto, os alunos confeccionaram folders explicativos que foram distribuídos para a comunidade escolar. Pelo envolvimento dos alunos e pelas discussões transcorridas em sala de aula, concluímos que o projeto contribuiu para a ampliação da consciência socioambiental dos participantes. Acreditamos que não basta apenas formular ideias para a construção de um novo ideal do comportamental humano, é necessário também um estudo aplicativo dessas ideias para que se concretize uma real solução dos problemas ambientais. A reorientação da educação, nesse sentido, envolve ensinamentos e instruções que não somente aumentam o conhecimento do estudante, mas incentivam o desenvolvimento de habilidades e valores que os orientarão e os motivarão para estilos de vida sustentáveis.

 

Palavras-chave: Desenvolvimento sustentável, Projeto escolar, Ensino fundamental.

INTRODUÇÃO

 

Notamos que o discurso ambiental contemporâneo enaltece uma visão conservadora dos recursos naturais, preservando-os da ação devastadora humana. Assim se constrói a imagem de uma relação antagônica e excludente, onde de um lado estaria a Natureza e do outro a Humanidade, a Cultura, as relações sociais (CARVALHO, 2007). Essa concepção é refletida na escola que, por ser uma instituição social, vivencia as características e os problemas do sistema em que ela está inserida.

O foco de uma educação dentro do novo paradigma ambiental, portanto, tenderia a compreender, para além de um ecossistema natural, um espaço de relações socioambientais historicamente configurados e dinamicamente movidos pelas tensões e conflitos sociais (CARVALHO, 2001). Nesse contexto, as práticas educativas devem apontar para propostas pedagógicas centradas na mudança de hábitos, atitudes e práticas sociais, desenvolvimento de competências, capacidade de avaliação e participação dos alunos.A reorientação da educação, nesse sentido, envolve ensinamentos e instruções que não somente aumentam o conhecimento do estudante, mas incentivam o desenvolvimento de habilidades e valores que os orientarão e os motivarão para estilos de vida sustentáveis (LEGAN, 2007).

Um dos problemas socioambientais que aflige a população mundial é a escassez de água. De acordo com Mota, Oliveira e Inada (2011), a problemática da água está inserida em um amplo contexto em vários fatores afetam a perda da eficiência no seu ciclo hidrológico, contribuindo para a sua escassez. As causas são problemas diversos, como a crescente urbanização sem planejamento da infraestrutura urbana, no qual a ausência de abastecimento de água e saneamento acarretam também, por consequência, agravos à saúde pública.O crescimento da população e a demanda por recursos naturais não são proporcionais. No caso da água, há, portanto, um crescimento exponencial do consumo de água em relação ao crescimento demográfico, que se deve à importância dada ao uso da água no desenvolvimento das atividades humanas, cuja demanda é, atualmente, crescente nos mais variados segmentos (BERTOLASI, 2010).

Outro problema ambiental enfrentado nas regiões tropicais é o uso dos aparelhos de ar condicionado para conforto térmico, que promove a geração de água resultante da condensação, que na maioria das vezes é desperdiçada. Desta forma, o aproveitamento desta água depende da coleta eficiente de cada sistema de drenagem dos aparelhos que podem ser direcionados para um sistema de coleta e armazenamento (MOTA, OLIVEIRA e INADA, 2011). Em ações para o desenvolvimento do bem estar da população, a prefeitura da cidade onde a escola está inserida instalou aparelhos de ar condicionado em todas as escolas da rede pública de ensino. Apesar da melhora da qualidade de vida dos alunos, esses aparelhos apresentam um desperdício considerável de água. Nesse sentido, desenvolvemos um projeto de coleta e reutilização da água dos aparelhos de ar condicionados instalados em uma dessas escolas água com alunos do ensino fundamental com o objetivo de ampliar a consciência socioambiental da comunidade escolar e contribuir para o desenvolvimento sustentável da região.

 

 

METODOLOGIA

 

O projeto foi desenvolvido com 35 alunos do 6ºano do ensino fundamental. Após a instalação dos aparelhos de ar condicionados na escola, os alunos ficaram incomodados com a quantidade de água que pingava dos aparelhos, chegando a escorrer pelo pátio da escola. Essa problemática foi levada pelos alunos para as aulas de Ciências, onde a professora solicitou que eles pesquisassem possíveis alternativas para a situação. Essas pesquisas foram expostas numa roda de conversa aonde se chegou a um consenso que a instalação de coletores resolveria o problema.

Deste modo, foi realizada a medição da água liberada por um aparelho de ar condicionado e, calculado o valor diário de água acumulada. Cada aparelho liberou 3,6 litros de água por hora, o que gerou um total de 36 litros de água por dia. Como a escola possui 27 aparelhos, o valor diário de água eliminada é de 972 litros. Depois foi construído um coletor, com a ajuda de um funcionário da escola, utilizando um tambor de 200 litros, uma mangueira, uma torneira e um suporte de madeira. Esse coletor foi acoplado ao aparelho de ar condicionado. A água coletada foi reutilizada na horta e na limpeza da escola, diminuindo, assim, o consumo médio mensal de água da instituição. No final do projeto, os alunos confeccionaram folders explicativos que foram distribuídos para a comunidade escolar.

 

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

O homem revolucionou o seu modo de vida com novas descobertas e tecnologias por meio de sua integração e relação com o meio ambiente. Contudo, ao longo do tempo, o homem foi perdendo essa noção de integração, adotando medidas ditas insustentáveis, relacionadas ao esgotamento de recursos ambientais, à poluição e ao contínuo processo de degradação ambiental (KONDRAT e MACIEL, 2013). De acordo com Sato (2001), não basta apenas formular ideias para a construção de um novo ideal do comportamental humano, é necessário também um estudo aplicativo dessas ideias para que se concretize uma real solução dos problemas ambientais. Desse modo, a sociedade não necessita apenas de consciência, ela precisa também de práticas que ajudem a solucionar os diversos problemas existentes.

Assim, percebemos que apenas as aulas expositivas acerca da problemática ambiental envolvendo a água não foram suficientes para que os alunos participantes do projeto agissem ativamente no sentido de solucionar o problema que enfrentavam na sua realidade cotidiana. Segundo Correia (2014), o currículo escolar centra-se em fatos, conceitos e simples generalizações, em que o papel do professor se resume a um transmissor de conhecimento factual. De acordo com o autor, há a ideia errônea de que a simples abordagem dos assuntos ambientais é suficiente para o desenvolvimento de atitudes e comportamentos favoráveis ao ambiente. Carvalho (2013) esclarece que essas práticas simplistas devem ser repensadas, no intuito de ceder lugar àquelas que considerem as complexidades e o conflito de interesses que envolvem e permeiam a relação sociedade e natureza.

Para se formar cidadãos ativos, aptos a participar de ações de conservação e recuperação do meio ambiente, são necessários conhecimentos científicos ligados aos numerosos e complexos processos ambientais. Assim, uma educação científica que tenha como base a relação com a sociedade e o meio ambiente, e que visa desenvolver valores estéticos e de sensibilidade na população, popularizando o conhecimento científico pelo seu uso social como modo elaborado de resolver problemas humanos, torna-se uma exigência para o mundo atual (KONDRAT e MACIEL, 2013; CHASSOT, 2003; SANTOS, 2007).

Dentro desta perspectiva, o uso racional da água pode ser definido como as práticas, técnicas e tecnologias que propiciam a melhoria da eficiência do seu uso, sendo que a procura por tecnologia de reaproveitamento da água tem crescido nos últimos anos. Empresas e pessoas físicas estão cada vez mais preocupadas com questões ambientais, procuram formas de reciclar a água utilizada em seus prédios ou ainda de coletar água da chuva para aproveitamento em limpeza, jardinagem e esgoto (MOTA, OLIVEIRA e INADA, 2011). Acreditamos ter contribuído para a formação da consciência socioecológica da comunidade escolar, no sentido de fazê-los compreender os impactos ambientais na sociedade, nesse caso a instalação dos aparelhos de ar condicionado, propondo uma alternativa para esse impacto, no caso o desperdício de água.

Chaves (2006), ao desenvolver um projeto sobre a coleta seletiva em escolas da rede pública do Estado de Goiás, esclarece que a Coleta Seletiva não deve ser a coleta pela coleta, mas deve ser um compromisso firmado pelos vários segmentos da sociedade, estimulando a diminuição da produção de lixo. Assim, tão importante quanto coletar e reutilizar a água dos aparelhos de ar condicionado é a conscientização da necessidade de reduzir o consumo de água pela população. Uma questão central na perspectiva do desenvolvimento sustentável reside na sua pretensão de tornar-se um referencial para aplicações práticas (PIRES, 2003).

Para Carvalho (2013), como ocorre com outros ideais que os indivíduos tomam como modelo para si, nem sempre é possível realizá-los cem por cento na vida diária. Mas, que o importante é observar que, na medida em que instituições e pessoas tentam viver de acordo com preocupações ecológicas, aí se encontra vigente, em alguma medida, o sujeito ecológico como modelo de identificação pessoal e reconhecimento social. Mas nem todo mundo está a ponto de adotar uma orientação ecológica em suas vidas. Para a autora, ser ecológico é uma opção, não uma imposição ou uma verdade autoevidente, e aí entra o papel da escola e do educador que é um formador de opinião na batalha das ideias que atravessa nossa sociedade todo o tempo.

Assim, embora a formação do sujeito ecológico tenha lugar em todas as experiências que nos formam durante a vida, a escola toma parte entre estas experiências como um elo muito importante deste ambiente-mundo em que vivemos. Ao interferir no processo de aprendizagem e nas percepções e representações sobre a relação entre indivíduos e ambiente nas condutas cotidianas que afetam a qualidade de vida, a educação promove os instrumentos para a construção de uma visão crítica, reforçando práticas que explicitam a necessidade de problematizar e agir em relação aos problemas socioambientais, tendo como horizonte, a partir de uma compreensão dos conflitos, partilhar de uma ética preocupada com a justiça ambiental (JACOBI, 2005).

Segundo Carvalho (2013), não importa se a escolha seja pela modalidade de projetos temáticos, palavras geradoras, currículo interdisciplinar ou outro caminho metodológico que se seja útil para pôr fim a uma interrogação significativa da realidade. Mas ao levar a cabo uma interrogação significativa da realidade, a escola estará promovendo experiências e provocando o pensamento crítico sobre os muitos modos possíveis de habitar, viver e conviver no mundo numa perspectiva social e ambientalmente responsável. Nesse sentido, o papel dos educadores é essencial para impulsionar as transformações de uma educação que assume um compromisso com a formação de uma visão crítica, de valores e de uma ética para a construção de uma sociedade ambientalmente sustentável.

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Esperamos inicialmente que esse projeto contribua para a formação de sujeitos ecológicos, que compreendam o meio ambiente inserido numa sociedade e influenciado por ela. Que ele possibilite futuras discussões acerca da possibilidade de um desenvolvimento sustentável.

Geralmente, a água do ar condicionado fica pingando nas calçadas, podendo gerar danos às pessoas que ali passam e também para as estruturas onde ocorre o gotejamento. Esperamos, assim, que a coleta da água eliminada nos aparelhos de ar condicionado seja eficiente e contribua para o reaproveitamento e, consequentemente, diminuição do consumo de água da escolaa longo prazo. Este reaproveitamento é simples e barato de fazer, colaborando com o desenvolvimento ecológico do planeta, e ainda oferecendo economia para as instituições que o praticam. 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BERTOLASI, N. A. Gestão dos processos de tratamento de águas utilizadas em sistemas prediais de ar condicionado. Monografia (MBA em Gerenciamento de Facilidades). Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Programa de Educação Continuada em Engenharia, 2010.

 

CARVALHO, I. C. M. Educação Ambiental: a formação do sujeito ecológico. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2007.

 

CARVALHO, I. C. M. O sujeito ecológico: a formação de novas identidades na escola. In: Pernambuco, Marta; Paiva, Irene. (Org.). Práticas coletivas na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2013.

 

CARVALHO, I. C. M. Qual educação ambiental: Elementos para um debate sobre educação ambiental popular e extensão rural.  Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto Alegre, v.2, n.2, abr/jun, 2001.

 

CHASSOT, A. Alfabetização científica: uma possibilidade para a inclusão social. Revista Brasileira de Educação, n. 22, Jan/Fev/Mar/Abr, 2003.

 

CHAVES, S. I. Os desafios do desenvolvimento sustentável e o papel da educação ambiental. In: Oliveira, A. F. (Org.). Cidades sustentáveis: políticas públicas para o desenvolvimento. Goiânia: Ed. da UCG, 2006.

 

CORREIA, M. M. Concepções de futuras professoras do ensino básico acerca do ambiente, da educação ambiental e das estratégias didáticas em educação ambiental. Ensaio, Belo Horizonte, v.16, n. 1, p. 15-29, jan/abr, 2014.

 

JACOBI, P. R. Educação Ambiental: o desafio da construção de um pensamento crítico, complexo e reflexivo. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 2, p. 233-250, maio/ago. 2005.

 

KONDRAT, H.; MACIEL, M. D. Educação ambiental para a escola básica: contribuições para o desenvolvimento da cidadania e da sustentabilidade. Revista Brasileira de Educação, v. 18, n. 55, out./dez. 2013.

 

MOTA, T. R.; OLIVEIRA, D. M.; INADA, P. Reutilização da água dos aparelhos de ar condicionado em uma escola de ensino médio no município de Umuarama-PR. VIIII EPCC – Encontro Internacional de Produção Científica Cesumar - Centro Universitário de Maringá: CESUMAR, Maringá. Anais, 2010.

 

LEGAN, L. A escola sustentável: Ecoalfabetizando pelo ambiente. 2. ed. São Paulo: Imprensa Oficial, 2007.

 

PIRES, M. O. A perspectiva do desenvolvimento sustentável. In: Políticas ambientais no Brasil: análises, instrumentos e experiências. São Paulo: Peirópolis, 2003.

 

SANTOS, W. L. P. Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios. Revista Brasileira de Educação, v. 12, n. 36 set./dez. 2007.

 

SATO, M. Debatendo os desafios da educação ambiental. In I Congresso de Educação Ambiental Pró Mar de Dentro. Rio Grande: Mestrado em Educação Ambiental, FURG e Pró Mar de Dentro, 2001.

Ilustrações: Silvana Santos