Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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10/09/2018 (Nº 61) A DISCIPLINA DE QUÍMICA PARA O CURSO DE ENGENHARIA AMBIENTAL – UMA NOVA VISÃO
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A DISCIPLINA DE QUÍMICA PARA O CURSO DE ENGENHARIA AMBIENTAL – UMA NOVA VISÃO

 Lisandra Ferreira de Lima1, Admilson Lopes Vieira2, Alessandra Dutra3

1 Doutora em Engenharia Química, Departamento de Engenharia Química, Universidade Tecnológica Federal do Paraná, campus Londrina, Av. Pioneiros, 3131, Londrina, PR, lisandra@utfpr.edu.br

2 Doutor em Engenharia Química, Departamento de Engenharia Química, Universidade Tecnológica Federal do Paraná, campus Londrina, Av. Pioneiros, 3131, Londrina, PR, lopesvieira@utfpr.edu.br

2 Doutora em Linguística, Coordenadora do Mestrado Profissional em Ciências Humanas, Sociais e da Natureza, Universidade Tecnológica Federal do Paraná, campus Londrina, Av. Pioneiros, 3131, Londrina, PR, alessandradutra@utfpr.edu.br

 

RESUMO – Um dos grandes desafios de qualquer curso de Engenharia,principalmente nos anos iniciais, é o de conseguirmanter o aluno estimulado e, consequentemente, diminuir a evasão escolar. Este trabalho toma por objetivo compartilhar umavivência dereconstrução da metodologiadidática de ensino utilizada na disciplinade Química,ofertada no 1º semestredagraduação em Engenharia Ambiental,devido aos bons resultados obtidos. A metodologia foi concebida a partir do conteúdo programático da disciplina,masministrada em parte com base na Aprendizagem Significativa de Ausubel,como meio facilitador daassimilação de conteúdos e de significação do conhecimento.Esta nova roupagem envolveu o conhecimento de Química aplicado aos conceitos de Química Ambiental e obteve como principal resposta maior interesse por parte dos alunos, tendose refletido nadiminuição de índices de desistência e de reprovação, primeiramentesuperiores a 40%e depois inferiores a 16%.

Palavras-chave: Metodologia do Ensino, Química, Engenharia Ambiental.

 

CHEMISTRY FOR THE ENVIRONMENTAL ENGINEERING - A NEW VISION

ABSTRACTThe great challenges of all engineering course, especially in the first years, is to retain the student stimulated and, consequently, to reduce high school dropout.The objective of this work is to share the experience of reconstruction of didactic teaching methodology used in the course of the Chemistry for the Environmental Engineering degree due to the good results. from the syllabus of the course, using meaningful learning as a means facilitating the assimilation of content and meaning of knowledge, this new package involved the chemistry of knowledge applied to the concepts of Environmental Chemistry and obtained main response the greater interest of students which could be reflected in the replaced dropout rates and failure higher than 40% to less than 16%.
Keywords: Teaching Methodology, Chemistry, Environmental Engineering.
 

INTRODUÇÃO

 

Por que tantos alunos abandonam os cursos de Engenharia Ambiental? Essa e outras perguntas relacionadas ecoam, por vezes, nos corredores das instituições de ensino.Discussões acerca da qualidade da aprendizagem do aluno, do formato do curso ou o modo como as disciplinas são ofertadassão frequentes e motivo de preocupação nas universidades.

O processo de aprendizagem em cursos de Engenharia tem se tornado, ao longo da história, cada vez mais passivo. Esse fato gera um estranhamento, se avaliarmos a etimologia da palavra engenheiro. Elatem origem no latimingenium, derivada da raiz do verbo gignere, que significa gerar, produzir, ou seja, o que cuida do funcionamento do “engenho”(RASTEIRO, 2012), tomando esta última com o significado de capacidade de criar.

A construção cartesiana, que estrutura a maior parte dos projetos pedagógicos dos cursos dessa área, fracionando o todo sem conseguir alcançar a realidade, é tomada como um dos fatores que contribui a essa passividade. A construção de cada disciplina segue a temática individualizada de cada docente, sem integração de uma com outra, dificultando a contextualização do conhecimento.As disciplinas que formam a base dos cursos de Engenhariasão normalmente consideradas difíceis pelos alunos e 80% de toda evasão que ocorre, acontece no primeiro ano de curso. (GRUPO ABRIL, 2013).

Essa dificuldade pode estar também relacionada ao fato de as disciplinas parecerem, de certa forma,sem sentido para o aluno. Isso ocorre por eles ainda não compreenderem a relação entre os conceitos básicos e o curso escolhido, aliando-se aos motivos também a falta de maturidade emocional e o despreparo científico de muitos dos alunos ingressantes.

No entanto, um dos problemas mais relevantes ainda não foi citado: parte dos estudantes que chega ao ensino superiorainda não aprendeu a aprender (COLL, 1994).Isso não quer dizer queo aluno não seja capaz de tornar-se, de certa forma,autodidata, mas de poder apropriar-se de um aprendizado criativo em termos de formas possíveis de cognição, trata-se de ser capaz de realizar uma análise mais profunda e reflexiva sobre qualquer assunto. Essa habilidadefará realmente falta na prática cotidiana de um engenheiro.

Apesar da aplicação de formas diferenciadas de ensino nem sempre serem vistas com bons olhos pelos estudantes, tendo em vista a resistência à mudança inerente ao ser humano (MOREIRA, 2016), os alunos da atualidade são cercadosa todo o momentopor informações impactantes e atrativas, pela utilização ampla e irrestrita da internet e pelouso das mídias. Muitas vezes, o conteúdo disposto de forma mais tradicional fomenta a desmotivaçãoe, a partir do momento em que o aluno não se vê como parte integrante do processo, pode se tornar desatento e procurar outras atividades mais interessantes para desenvolver no momento.

Com base nessas reflexões, passamos a discorrer sobre a teoria preconizada por Ausubel (1968) que tem como alicerce o conceito de conhecimento prévio do aluno e a necessidade de haver disponibilidade para aprender.Moreira (1997) aprofundou os efeitos dessa teoria,denominada Aprendizagem Significativa,avaliando que, além da necessidade de aprender, ou seja, de dar significado ao novo conteúdo, o aluno deve ser capaz de adquirir uma visão crítica sobre o assunto aprendido.

Segundo este autor, para que tal processo seja possível, métodos ortodoxos, como por exemplo, a narrativa, não são úteis, visto que técnicas menos interativas favorecem a aprendizagem mecanicista. De forma sucinta, acredita-se que a aprendizagem só aconteça de forma significativa se houver vontade de aprender e se o conteúdo estiver ancorado em estruturas cognitivas.

A vontade de aprender nasce da descoberta da utilização do conhecimento. Ninguém se interessa por algo,se não conhece sua utilidade real. O conteúdo tornado significativo contribui para a compreensão sobre o assunto, para entender que sua forma de aplicação e sua utilidade são relevantes. A teoria da aprendizagem significativa valoriza o que o aluno já conhece e mostra que não haverá aprendizagem igual para todos, mas o processo é homogêneo, ou seja, baseado no que cada um já conhece (subsunçores). Para cada ser em desenvolvimento haverá uma nova compreensão sobre o assunto, com a incorporação de novos conhecimentos e uma visão própria sobre o conteúdo abordado.

Para que o curso pratique a aprendizagem significativa, Moreira (1998) enfatiza a importância da interação dos novos conceitos com os conteúdos já existentes (subsunçores), servindo de base para a atribuição de novos significados que também se modificam. Essa mudança progressiva vai tornando o subsunçor mais elaborado, mais diferenciado, capaz de servir de âncora para a aquisição de novos conhecimentos. Este processo Ausubel (1968) chama de diferenciação progressiva.

Outro processo importante para a Aprendizagem Significativa é o estabelecimento de relações entre idéias (MOREIRA, 2017) que podem ser conceitos, proposições que já se encontram na estrutura cognitiva. Conceitos estáveis e com certo grau de diferenciação são relacionados com outros, passando a adquirir novos significados, o que leva a uma reorganização da estrutura cognitiva. Esse processo é conhecido por reconciliação integrativa.

Segundo Ausubel (1982), a maior incidência de aprendizagem significativa é do tipo subordinada, ou seja, quando a nova ideia aprendida se encontra hierarquicamente anteriorda ideia preexistente. A estrutura cognitiva do sujeito responde a uma organização hierárquica, na qual os conceitos conectam-se entre si mediante relações de subordinação, dos mais gerais aos mais específicos.

O processo de aprendizagem não é simples nem padronizado, mas estudos a esse respeito garantem que, ao conseguir ancorar o novo conteúdo a conhecimentos pré-existentes, haverá um aprendizado (vertical e horizontal). À medida que esses novos conceitos vão se relacionando com os demais, já apreendidos pelo estudante,há uma alteração da percepção e um conhecimento mais complexo vai se estabelecendo, agora interligando o que já era conhecido com o que se acaba de descobrir. Isso possibilita o desenvolvimento de uma postura mais crítica, uma vez que se conhece o suficiente para discussões mais profundas.

A metodologia mecanicista trata de conteúdos de forma estanque e a ligação de conceitos diferentes exige um esforço mais acentuado do aprendiz. De forma geral, aparentemente, o aprendizado é até superior, pois perguntas objetivas (onde, como, por que) já possuem respostas razoavelmente prontas. No entanto, ao se pedir análise, ponderação, avaliação de problemas, resultados mais rasos são esperados, se a aprendizagem não ocorreu significativamente(ANDERSON et al., 2001).

Como já se afirmou, aAprendizagem Significativa acredita que, para aprender um novo conceito, há a necessidade de se organizar e conectar essa nova ideia a uma base anterior de ideias já existentes (subsunçores), transformando sua estrutura cognitiva. Em todo processo de aprendizagem - desde colocar-se em pé, no caso de um bebê, como para a resolução de exercícios muito complexos na engenharia - deverá haver formação de novos canais sinápticos em nosso cérebro, assim sendo, a repetição do processo é de extrema importância para a aprendizagem. Assim, dos conceitos desenvolvidos na disciplina, os mais inovadores e com menor significado para os discentes devem ser aquelesmais abordadosrepetidamente e por diferentes maneiras.

A proposta deste estudofoi realizar uma reconstrução filosófica acerca da disciplina introdutória de Química do curso de Engenharia Ambiental, visto que a roupagem anteriordesencadeava altos índices de desistência e reprovação. Por entender que a escola não pode ser um agente passivo na sociedade do conhecimento e por perceber que o aprendizado precisa se adequar àera digital tentou-se uma forma diferenciada de ensino, inspirada por princípios da aprendizagem significativa de Ausubel (1968) e da aprendizagem significativa crítica de Moreira (2017).

A proposta baseou-se prioritariamente em duas principais alterações estruturais na disciplina: (i)tornar a disciplina mais atraente do ponto de vista psicológico e (ii)realizar uma avaliação diagnóstica no 1º dia de aula, para avaliar os conhecimentos prévios dos alunos, ou seja, seus subsunçores. Do ponto de vista didático, para realizar a primeira alteração, foram utilizados exemplos relacionados ao meio ambiente (Química Ambiental), uma vez que o público era de Engenharia Ambiental, e recursos didáticos mais integradores que a narrativa (seminários, atividades práticas relacionadas e aprendizagem por problemas) para a segunda.

Sinteticamente, o objetivo central foi o de propor a aprendizagem significativa dos conteúdos da disciplina de Química ancorados em aplicações práticas da Química Ambiental. Esta, segundo Mozeto e Jardim (2002), “estuda os processos químicos que ocorrem na natureza, sejam eles naturais ou causados pelo homem”. Essa definição a torna uma ciência interdisciplinar e uma interessante reflexão acerca dos inúmeros motivos para isso pode ser encontrada em Lima (2006).

Acredita-se que essa abordagem facilite a compreensão dos aprendizes e, consequentemente, os torne mais afiadosem relação ao conteúdo tratado. Mesmo que as dificuldades operacionais durante a disciplina se mantenham presentes, o esperado é que o interesse aumentado contribua positivamente para o aprendizado, visto que, conforme a teoria de Ausubel (1968),para que haja aprendizado é essencial que haja vontade em aprender.

 

Contextualização da prática pedagógica

 

A disciplina de Química ministrada para o curso de Engenharia Ambiental da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) é semestral, com carga horária de 90 horas, correspondendo a 6 horas/aulas semanais, sendo dividida em 4 h/a teóricas e 2h/a práticas.Essa propostaocorre no segundo semestre do curso e é o primeiro contato com a ciência química nessa graduação.Sua ementa é constituída pelos temas: Termodinâmica Química, Equilíbrio Químico, Eletroquímica e Corrosão, Cinética Química, Ligações Químicas, O Estado Sólido, Atividades de Laboratório.

Desde que o curso de Engenharia Ambiental foi criado, em 2008, a disciplinapossuía uma abordagem mais relacionada com a físico-química teórica, o quenão instigava os alunos ao estudo desta ciência, resultando em um índice razoavelmente alto de reprovação, atingindo valores próximos a 50%.Por não existir na grade curricular do curso a disciplina de Química Ambiental, a proposta foi trazer alguns dos temas ministrados nessa disciplina àmedida que os conteúdos básicos fossem sendo estudados.

É importante salientar que o curso de Engenharia Ambiental foi regulamentado em 2 de dezembro de 1994, pela portaria 1693/94 do Ministério da Educação (MEC)(BRASIL, 1994), com a regulamentação das disciplinas de formação profissional. A Química Ambiental não faz parte da listagem das disciplinas impostas pelo Ministério da Educação, não sendo, portanto, uma disciplina obrigatória no curso.

 

 

METODOLOGIA

 

Proposta de Aplicação

 

A proposta foi aplicada àdisciplina no1º semestre letivo do ano de 2011e as alterações foram baseadas em Tardivo, Rezende e Queiróz (2006),tanto sobre o conteúdo das aulas teóricas quanto das aulas práticas.

A metodologia de trabalho na disciplina foi sistematizada em aulas teóricas, nas quaisocorreuo desenvolvimento dos conceitos básicos sobre o assunto, em seguida foi feita a aplicação do plano de aulas, concluído com uma apresentação de seminário com tema relacionado ao conteúdo em análise.

A Tabela 1apresenta de forma esquemática a ementa do curso e a forma com que foram tratados os conteúdos da disciplina de Química Ambiental.

 

Tabela 1– Planejamento organizacional da disciplina e suas aplicabilidades

Conteúdo

Programático

Programação de

Conteúdo Regular

Programação inter-relacionada com a Química Ambiental

Ligações Químicas

Fundamentos de estrutura atômica;

Modelo Atômico;

Noções de Mecânica Quântica;

Ligação Química

·  Noções de Química nuclear: Funcionamento de usinas nucleares;

·  Tratamento de lixo tóxico.

O estado sólido

Classificação de sólidos: Condutores, Semicondutores e Isolantes

·  Substâncias tensoativas;

·  Troca iônica do solo.

Termodinâmica Química

 

 

 

 

Comportamento de gases ideais e reais;

Formas de energia;

1ª e 2ª Lei da Termodinâmica aplicada ao comportamento ideal e a sistemas fechados;

Noções de Transformações energéticas;

Noções de Equilíbrio de fases;

·  Pressão atmosférica e efeito estufa;

·  Curvas de aquecimento – combustíveis alternativos;

·  Descongelamento das calotas polares

 

Equilíbrio Químico.

Espontaneidade da reação e energia Livre de Gibbs;

Potencial Químico;

Variação da energia Livre de Gibbs;

-Equilíbrio Químico;

Efeitos da Temp. e da Pressão no equilíbrio;

Equilíbrio ácido-base- soluções tampões;

Princípios de Le Chatelier

·  Chuva ácida e ph em meios aquáticos;

·  pH em sistemas aquáticos;

Eletroquímica e Corrosão.

 

Eletroquímica e Corrosão.

Noções de Oxidação e Redução;

Reações de Oxi-redução;

Células Galvânicas e eletrolíticas;

Potenciais e Equação de Nerst

 

·  Energias alternativas: baterias automotivas;

·  Descarte de pilhas usadas

Cinética Química.

Velocidade de Reação e lei das velocidades;

Ordens de reação;

Relação da velocidade com a temperatura;

Estudo de catalisadores

·  Camada de ozônio;

·  Influência dos catalisadores na combustão de combustíveis

Fonte: os próprios autores

 

As aulas práticas também foram remodeladas para facilitar a visualização de assuntos ambientais frente aos conceitos de química. Foram realizados experimentos,como análise de DQO, corrosão de metais quando aquecidos no ar, dureza e acidez da água, caracterização de solos de várias origens, estudo da interação entre os metais, alémde preparo e padronização de soluções.

Quanto à atividade de apresentação de seminários, seisgrupos foram formados na primeira semana de aula e, conforme o conteúdo era trabalhado,os temas do seminário foram sendo definidos, exigindo-se uma aplicação real para a área ambiental. A proposta para cada grupo era bem definida e tinha como etapas: pesquisa do assunto, apresentação do conteúdo e a apresentação de questionamentos a respeito do tema para possibilitar a discussão com todos os integrantes da disciplina.

 

RESULTADOS

 

A disciplina iniciou-se com 32 alunos matriculados. Destes, 31,25% cursavam a disciplina pela primeira vez; 43,75% pela segunda vez e 25% pela terceira vez. Por essa constituição diferenciada, foi possível realizar, ao final do curso, uma dinâmica de grupo para analisar a disciplina do ponto de vistaprogramático e didático. Os alunos foram encorajados a levantar os pontos fortes e fracos da disciplina, tendo havido uma interação muito satisfatória neste dia.

Apesar de ter acontecido de forma a que os alunos pudessem se exprimir de maneira livre seu ponto de vista, alguns questionamentos foram direcionados, como:

 

a) Houve vantagem nesta nova abordagem quanto à aprendizagem dos conteúdos propostos?

b) O que melhorou a respeito das aulas teóricas?

c) O que melhorou a respeito das aulas práticas?

d) Qual o conteúdo mais difícil de assimilar?

e) O que ainda precisa ser remodelado?

 

As três primeiras questões foram especialmente dirigidas aos 68,75% de alunos matriculados que já haviam cursado a disciplina e as outras duas foram dirigidas a todos os alunos.

A Tabela 2, a seguir, mostra os pontos abordados e as respostas da maioria dos alunos presentes. Vale a ressalva de que esses valores são aproximados, uma vez que não foi elaborado um questionário escrito. Este foi substituído por umaanálise de grupo sobre as alterações sofridas na disciplina e cada aluno expunha sua opinião individualmente, sem obrigatoriedade de responder a todas as perguntas no momento de fala, podendo ser questionado por outro aluno, que contra-argumentavacom o colega ou o apoiava.

A análise grupal foi realizada com 78% dos alunos – 25 alunos - presentes no dia em que a discussão foi proposta.

 

Tabela 2- Questionamentos e respostas da análise grupal

Questões Abordadas

Resposta da apresentada pelos alunos

Houve vantagem dessa abordagem sobre a anteriormente adotada?

A grande maioria (18 alunos) gostou e se declarou muito mais interessado, inclusive, pelo curso.

Qual o conteúdo mais difícil de assimilar?

A parte da disciplina que trata das ligações químicas, pela grande necessidade de abstração. Foi apontada por 12 alunos.

O que melhorou a respeito das aulas teóricas?

A maior aplicabilidade dos conceitos teóricos em fatos reais

O que melhorou a respeito das aulas práticas?

Práticas mais aplicadas à Engenharia Ambiental

O que ainda precisa ser remodelado?

Tornar a disciplina ainda mais aplicada, principalmente na primeira parte, foi a resposta de 12 alunos.

Fonte: os próprios autores

 

Os assuntos mais citados, quanto ao conteúdo de maior dificuldade de assimilação, estão descritos no Gráfico 1 a seguir. Este resultado já era esperado, uma vez que estes conteúdos foram aplicados de forma mais mecanicista. A disciplina não foi pautada 100% em aprendizagem significativa e, por algumas vezes, a aula aconteceu de forma tradicional.

 

 

Gráfico 1- Temas com maior dificuldade de assimilação na disciplina.

Fonte: autores

 

Ao responder sobre quais assuntos deveriam ter mais ênfase no decorrer da disciplina, cerca de 60% dos alunos citaram tópicos de Química Geral (fundamentos). As aulas práticas que abordaram principalmente cálculo de soluções e de equilíbrio, com reagentes voltados para área ambiental, foi o que provocou maior entusiasmo,sendo questões antes desprezadas.

As atividades práticas, como a análise da dureza da água, filtração de efluente, titulação de soluções, tornaram os cálculos mais aplicados e de fácil compreensão. Os alunos não citaram diversos conteúdos fundamentais, mesmo aqueles estreitamente relacionados ao tema ambiental, por exemplo: radioatividade, química de processos nucleares, termoquímica, fontes alternativas de energia, eletroquímica, cinética e velocidade de reação.

Um resultado esperado foi a citação de diversos tópicos de Química Ambiental que não foram tratados na prática, como DBO (demanda bioquímica de oxigênio), tratamento de resíduos, tratamento de lixo urbano e poluição de uma maneira em geral. Isso mostra a necessidade de ministrar conteúdos da Química Ambiental como parte da linha teórica da disciplina e, também, na forma de seminários.

A proposta de apresentação do seminário foi também, por sua vez, diferenciada. Os alunos que o preparavam traziam artigos relacionados ao assunto para serem tratados com os demais colegas. Tal fato auxiliou muito a fomentar discussões, exigiu mais dedicação na preparação e domínio sobre o assunto. Essas discussões foram alimentadas pela curiosidade e dúvidas dos alunos por dois motivos: eram assuntos aplicados ao tema ambiental e os alunos estavam no início do curso. Isso contribuiu de forma significativa para com a consolidação do conhecimento, pois o aprendizado deixava de ocorrer apenas de forma passiva, como é convencional.

Vale a penajustificar a utilização dessa metodologia “mista” no curso: a aprendizagem significativa demanda mais tempo de aula devido ao tempo que pode levar até que o conhecimento se consolide. Todos os conteúdos precisavam ser inseridos e utilizá-la como base em todas as aulas inviabilizaria o cumprimento do programa da disciplina. Foi decidido então que conceitos iniciais sobre o assunto fossem propostos na forma de aula tradicional e as complexidades fossem tratadas de forma mais significativa.

Outra questão cuja resposta já era esperada diz respeito à parte mais atrativa do curso.Com mais de 80% de concordância, o grupo escolheu as aulas práticas, visto que estas são exemplos clássicos de aprendizagem significativa. É importante destacar que uma aula prática, quando não é bem elaborada, pode levar o processo ao fracasso. O ato de “fazer” apenas não leva à compreensão desejada. É preciso que o conteúdo discutido em sala seja contextualizado com a prática, que haja uma leitura prévia de como é a operacionalização da proposta e que questionamentos posteriores conduzam o aluno a uma reflexão crítica do que foi feito, por que motivo foi feito e como foi feito.

 

 

Gráfico 2 - Resposta dos discentes: preferências relativas às aulas teóricas.

Fonte: autores

 

A partir da resposta ao Gráfico 2, a pergunta que segue imediatamente é sobre o que se gostou nas aulas práticas.A aplicação da Engenharia Ambiental foi quase unânime. Eles relataram ainda que sentiram interesse por desenvolver a iniciação científica em algumas áreas abordadas durante as práticas, como tratamento de efluentes e resíduos sólidos. Na sequência, é mostrado o Gráfico 3 com as respostas dos alunos em relação às atividades práticas.

 

 

Gráfico 3 - Resposta dos discentes:preferências relativas às aulas práticas

Fonte: autores

 

A pergunta sobre o que ainda não havia sido adequado no curso de Química foi o último, e talvez o mais importante,questionamento para prosseguircom o projeto de alteração da disciplina. Essa questão gerou muito debate e as respostas mais frequentesestão organizadas no Gráfico 4.

 

 

Gráfico 4 - Resposta dos discentes: alterações no conteúdo da disciplina

Fonte: autores

 

Estas respostas devem servir de suporte para futuras alterações na oferta da disciplina para os próximos semestres.

 

CONCLUSÕES

 

A alteração na forma de ministrar a disciplina rendeu frutos extremamente positivos, tanto na quantidade de aprovados quanto na qualidade do aprendizado do aluno. O percentual de desistência da disciplina foi de 12,5% (4 alunos), de trancamento 3,1% (1 aluno) e de reprovação por nota de 3,1%, resultando em uma aprovação de cerca de 81% dos alunos matriculados. Todos os alunos que cursavam pela 2ª ou 3ª vez foram aprovados.O índice de 81% de aprovação é muito superior aos níveis atingidos até o momento, que não haviam ultrapassado 60%, podendo-se perceber um melhor aproveitamento da disciplina pelos alunos.

Outro fato relevante foi observado pela docente da disciplina subsequente, na área: Química Analítica.De acordo com ela, os alunos que participaram desta disciplina-piloto tiveram maior facilidade em assimilar os conteúdos da nova disciplina, corroborando a ideia inicial que o interesse do aluno contribuiu para uma melhor absorção dos conhecimentos, ou seja, estavam mais motivados para aprender.

Os alunos, de forma geral, não trazem do Ensino Médio bagagem suficiente para uma abordagem tão específica quanto à adotada anteriormente, o que gerava frustração e posterior desistência da disciplina. Com relação às aulas teóricas, verificou-se a necessidade de aumentar o caráter prático daexposição do conteúdo, utilizando recursos variados, como visitas a indústrias e aulas práticas de campo para complementação do conteúdo de forma mais atraente.Também, muitos livros didáticos já oferecem recursos computacionais, como, por exemplo,o de Atkins e Jones (2012), que traz um CD-ROM com arquivos em vídeo de reações diversas.

A experimentação de uma nova forma de tratar a disciplina de Química se apresentou como uma ferramenta valiosa.Demonstrou que sempre é possível transformar uma disciplina complexa com atitudes de integração, sem comprometer,ao contrário, muitas vezes melhorando, a qualidade de ensino e diminuindo a evasão.

 

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Ilustrações: Silvana Santos