Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
Início Cadastre-se! Procurar Área de autores Contato Apresentação(4) Normas de Publicação(1) Dicas e Curiosidades(7) Reflexão(3) Para Sensibilizar(1) Dinâmicas e Recursos Pedagógicos(6) Dúvidas(4) Entrevistas(4) Saber do Fazer(1) Culinária(1) Arte e Ambiente(1) Divulgação de Eventos(4) O que fazer para melhorar o meio ambiente(3) Sugestões bibliográficas(1) Educação(1) Você sabia que...(2) Reportagem(3) Educação e temas emergentes(1) Ações e projetos inspiradores(25) O Eco das Vozes(1) Do Linear ao Complexo(1) A Natureza Inspira(1) Notícias(21)   |  Números  
Plantas medicinais
13/03/2019 (Nº 67) ESPAÇOS ABANDONADOS DÃO LUGAR A HORTAS COMUNITÁRIAS COM PLANTAS MEDICINAIS
Link permanente: http://revistaea.org/artigo.php?idartigo=3556 
  

ESPAÇOS ABANDONADOS DÃO LUGAR A HORTAS COMUNITÁRIAS COM PLANTAS MEDICINAIS



Do médico ao vizinho, pessoas dedicadas transformam espaços abandonados em hortas comunitárias e cultivam alimentos e plantas medicinais

AB Aline Brito* MM Mariana Machado - Especial para o Correio

Arruda, mastruz, boldo e erva-cidreira são algumas das centenas de plantas que, além de enfeitarem jardins, têm propriedades medicinais. O uso delas não é novidade, mas nem todo mundo as encontra com facilidade. Para ajudar, alguns moradores do Distrito Federal criam formas de cultivar mudas que são distribuídas a quem quiser. É o caso do médico Marcos Trajano, que aproveitou um terreno não utilizado da Unidade Básica de Saúde (UBS) no Lago Norte para criar uma grande horta.

A ideia de transformar o local em um canteiro de plantas alimentícias não convencionais e plantas medicinais surgiu a partir do conhecimento de Marcos na área. Especialista em medicina antroposófica — campo que usa plantas, minerais e animais para a saúde do ser humano — o médico elaborou um projeto para além dos meios convencionais de tratamento de doenças.

As práticas integrativas de saúde que une meditação, fitoterapia — estudo das plantas medicinais e suas aplicações na cura das doenças —, constelação familiar e medicina antroposófica para alcançar o bem-estar. “Para além da cura de doenças, o projeto visa criar um espaço de cooperação e transformar a UBS em um local de convivência, diminuindo o isolamento social”, explica Marcos.

No plantio, estão reunidas mais de 100 espécies de plantas catalogadas e outras incontáveis que ainda não foram listadas. “O ambiente também serve como um jardim sensorial, para aproximar as pessoas da natureza e proporcionar momentos de paz”, disse o médico. “Ensinamos aqui como conviver com as plantas, pois um ser humano que não consegue se relacionar com a natureza não consegue também ter um bom relacionamento com outros humanos”, afirma.

Cerca de 400 pessoas passaram pelo projeto e auxiliaram no cultivo das plantas. O agente de saúde Antônio Moreira do Nascimento, 66 anos, é um dos participantes que ajudou na construção do espaço. Cearense, ele cresceu em meio às plantas e hoje aplica os conhecimentos adquiridos desde a infância e aprende sobre novas plantas e formas de utilização. “Durante minha infância, o meu lápis era um cabo de enxada. Fui criado na roça, plantando, colhendo e vivendo disso. Hoje, eu posso aprender coisas novas sobre as plantas e levar isso para a minha casa e a saúde da minha família”, conta Antônio.



O ambiente e a interação entre os participantes funciona como uma escola para a educação em saúde. Os conhecimentos adquiridos durante a plantação são propagados, tornando mais acessíveis as informações sobre esse tipo de medicina alternativa. “Eu trouxe para o projeto experiências que tive com meus avôs e bisavôs. Com o que aprendo aqui, consigo melhorar minha qualidade de vida, me manter mais saudável e levar bem-estar para meus amigos e familiares”, acrescenta o agente de saúde.

Mais do que parece

Na plantação localizada na Unidade Básica de Saúde, estão espécies frutíferas, flores anestésicas e árvores alimentícias. A mandioqueira, por exemplo, tem diversas funções que auxiliam na alimentação dos seres humanos. Além da mandioca (aipim ou macaxeira, como é conhecida em outras regiões do país), raiz da planta que é amplamente consumida, as folhas da árvore podem ser utilizadas como fonte de nutrientes. “As folhas podem ser torradas e depois moídas para fazer uma farinha que é muito eficaz contra a desnutrição”, explica Marcos.

O jambu, popularmente conhecido como agrião-do-Pará, é outra planta cultivada na área verde da UBS. Uma erva com pequenas flores amarelas, vezes usada como ornamental, esconde poderes medicinais. As folhas e inflorescência são empregadas para tratamento de males da boca e garganta, além de tuberculose e litíase pulmonar — pedras no pulmão. As folhas e flores quando mastigadas dão uma sensação de formigamento nos lábios e na língua devido a ação anestésica local. É usada para dor de dente e como estimulante de apetite. O chá da planta é empregado também contra anemia, escorbuto, dispepsia e como estimulante das atividades do estômago.

Outras mais conhecidas, como o boldo, pode ser colhido e levado para a casa por quem visita o local. O arbusto é aliado do fígado, estimulando o fluxo de bile. As folhas consumidas em forma de chá têm efeito diurético, laxante, antibiótico e anti-inflamatório e auxilia na digestão. O boldo ainda apresenta uma substância denominada ascaridol, que é um vermífugo natural.

Mas o médico Marcos Trajano alerta: é preciso saber usar e nunca deixar de procurar também os profissionais de saúde. “As plantas medicinais tanto podem curar como matar. Nosso projeto não é para distribuição e, sim, para aprendizagem”, enfatiza. Ele explica ainda que, apesar de chamar o projeto de farmácia viva, não basta chegar colhendo o que quiser. “Você não pega um galhinho, faz um chá e sai tomando desavisadamente. A ideia é aprender a usar essas plantas da forma correta para evitar intoxicação.”

A horta no beco

Na QNM 36 de Ceilândia, a copeira aposentada Onilda Maria de Araújo, 71, decidiu dar nova cara para o beco ao lado de casa. Em 2012, Dona Nilda, como é conhecida, viu-se vizinha de um ponto de descarte de entulho. “As pessoas jogavam de tudo: sofá velho, cama, lixo. Era muito difícil, porque eu não gosto de sujeira e aquilo ali atraía insetos e ratos.” Foi quando veio a ideia de transformar o lugar em uma horta comunitária.

Com arames e alguns tocos de madeira, criou uma pequena cerca com porta e a plantação começou. Sete anos depois, ela exibe orgulhosa os grandes pés de couve, romã, acerola e batata. São tantas variedades que, de cabeça, Dona Nilda não recorda de todas, mas uma coisa ela garante: é tudo orgânico. Ela explica ainda que a portinha de acesso não é proibição para ninguém. É só chamar que ela distribui mudas e frutas a quem quiser. “Isso aqui não é para mim, é para todo mundo que precisar”, afirma.

Em meio ao grande jardim, há também as plantas com propriedades medicinais. Arruda, algodão e palma são apenas alguns exemplos. A vizinhança já conhece e indica até para quem é de fora. “Tem uma mulher que mora em Samambaia e já veio aqui umas três vezes buscar mastruz. A sogra dela quebrou a bacia e ela me pediu para fazer um chá”, recorda. O mastruz é usado para, entre outras coisas, combater prisão de ventre e problemas digestivos. “Teve também uma moça do Lago Sul que estava procurando por hortas e indicaram que ela viesse aqui. Estava atrás de ora-pro-nóbis para o marido, que está com câncer, e eu dei algumas mudas. É assim, só vir aqui e pedir”, relata.

A ora-pro-nóbis é, aliás, uma das queridinhas de Dona Nilda. A planta com folhas em formato de lâmina é rica em cálcio, fósforo e ferro. O cultivo começou inclusive por sugestão de um médico. “Quando meu neto mais novo nasceu, tinha uma grande dificuldade de se alimentar. Só tomava um tipo de leite muito caro e a única carne que conseguia comer era de rã”, recorda a avó. “O pediatra então disse que estava tratando uma menininha com as mesmas características que tinha começado a consumir as folhas para enriquecer alimentação.”

Nilda foi atrás e conseguiu uma muda que cresceu com facilidade na horta. “Não sei se foi realmente essa a solução, mas acredito que tenha ajudado um pouco. Meu netinho hoje está com seis meses, esperto e bem melhor. A garotinha também”, comemora. Natural do interior de Minas Gerais, ela tem enraizado no coração o amor pelo cultivo à terra. “Vim morar em Brasília aos 6 anos, mas ainda tenho viva a memória da minha mãe fazendo pratos com a ora-pro-nóbis que ela plantava”.

* Estagiária sob supervisão de Mariana Niederauer

Fonte: encurtador.com.br/avHY4

Ilustrações: Silvana Santos