Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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13/03/2019 (Nº 67) CONSÓRCIOS PÚBLICOS DE SANEAMENTO: UMA ANÁLISE DA POLÍTICA GOVERNAMENTAL IMPLEMENTADA NO ESTADO DO PIAUÍ- 2005-2016
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CONSÓRCIOS PÚBLICOS DE SANEAMENTO: UMA ANÁLISE DA POLÍTICA GOVERNAMENTAL IMPLEMENTADA NO ESTADO DO PIAUÍ- 2005-2016



João Soares da Silva Filho

Economista, mestre e doutorando em Desenvolvimento e Meio Ambiente pelo PRODEMA/UFPI/Université Sorbonne Nouvelle, professor do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Piauí e Bolsista da CAPES/PDSE– Processo nº 99999.006584/2015-02. jfilho@ufpi.edu.br



Jaíra Maria Alcobaça Gomes

Economista, doutora em Economia Aplicada pela Esalq/USP, professora do PRODEMA/UFPI e do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Piauí. jaira@ufpi.edu.br



RESUMO

O saneamento básico configura-se uma condição elementar para o desenvolvimento humano que as sociedades atuais têm buscado, dado o seu caráter multisetorial, que engloba questões diversas, tais como a saúde, os recursos hídricos, a organização social, a política. Essa última questão é tratado no artigo que apresenta um retrato da engenharia e implementação dos consórcios públicos do setor de saneamento, tomando, por estudo de caso, uma experiência de associação interfederativa no estado do Piauí, no nordeste do Brasil, em que se busca realizar uma análise de política que compreenda o seu processo de elaboração, os atores envolvidos e as suas motivações. Objetiva analisar a capacidade de articulação, planejamento e execução dos governos federal, estadual e municipal, através da implantação do Consórcio Regional de Saneamento do Sul do Piauí (CORESA Sul do PI), implementado sob a égide da Lei de Consórcios Públicos (Lei Federal nº 11.107/2005). A análise do ciclo da política pública foi realizada a partir do levantamento bibliográfico nas questões do saneamento, sob os aspectos de formulação de suas políticas e da sustentabilidade e das metodologias de análise de política. A análise documental se deu através da legislação obtida junto ao portal da Presidência da República e do Ministério das Cidades (MCidades). Na superintendência do Consórcio foram disponibilizados os seus Estatutos e Regimentos. Os dados secundários de demografia e da caracterização socioeconômica foram obtidos em bases de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD); o agente repassador, a Caixa Econômica Federal, forneceu os dados financeiros. Coresa Sul do PI tem o objetivo de prestar serviços de saneamento ambiental com qualidade e transparência. Constatou-se poucos avanços práticos no cumprimento dos objetivos propostos. Com execução parcial das obras e dos recursos financeiros. Percebeu-se, ainda, a sujeição da iniciativa a vieses políticos e uma estrutura administrativa que limita as condições de gerenciamento. Tais condições podem desacreditar a experiência tanto pelos gestores municipais, quanto pela população local, o que fragiliza o modelo solidário que se busca instituir e a melhoria das suas condições de vida.

Palavras chave: Política pública, Análise de política, Cooperação interfederativa, Consórcios Públicos, Intermunicipalidades, Coresa Sul do PI.

ABSTRACT

Basic sanitation is an elementary condition for human development that today's societies have sought, given its multisectoral character, which encompasses diverse issues, such as health, water resources, social organization, and politics. This last issue is dealt with in the article that presents a picture of the engineering and implementation of the public consortia of the sanitation sector, taking, by case study, an experience of interfederative association in the state of Piauí, in the northeast of Brazil, in which it is sought to carry out a policy analysis that understands its process of elaboration, the actors involved and their motivations. It aims to analyze the capacity of articulation, planning and execution of the federal, state and municipal governments, through the implementation of the Regional Consortium of Sanitation of the South of Piauí (CORESA Sul do PI), implemented under the aegis of the Public Consortia Law 11,107 / 2005). The analysis of the public policy cycle was carried out based on a bibliographical survey on sanitation issues, under the aspects of policy formulation and sustainability and of policy analysis methodologies. The documentary analysis took place through legislation obtained from the portal of the Presidency of the Republic and the Ministry of Cities (MCidades). The Statutes and Regiments were made available to the Consortium's superintendence. Secondary data on demography and socioeconomic characterization were obtained from databases of the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE) and the United Nations Development Program (UNDP); the broker agent, Caixa Econômica Federal, provided the financial data. Coresa Sul del PI aims to provide environmental sanitation services with quality and transparency. There were few practical advances in achieving the proposed objectives. With partial execution of works and financial resources. It was also perceived the subjection of the initiative to political biases and an administrative structure that limits the conditions of management. Such conditions may discredit the experience both by the municipal managers and by the local population, which weakens the solidarity model that seeks to institute and improve their living conditions.

Key words: Public Policy, Policy Analysis, Interfederative Cooperation, Public Consortium, Intermunicipalities, Coresa Sul do PI.

1. INTRODUÇÃO

O avanço do debate sobre o meio ambiente e suas múltiplas dimensões acentuou-se no final do século XX, trazendo à tona questões imprescindíveis, cujo problemática e busca de soluções se expandem à atualidade, ainda sem respostas e encaminhamentos definitivos. É o que ocorre com o saneamento.

As suas condições – ou (in)disponibilidade – a repercutem nas dimensões econômica, institucional e ambiental, fazendo com que o seu alcance, na quantidade e qualidade adequados, sejam essenciais para a promoção do desenvolvimento sustentável tão destacados no escopo das políticas públicas.

Por saneamento ambiental, o Governo brasileiro entende

o conjunto de ações socioeconômicas que têm como objetivo alcançar níveis crescentes de salubridade ambiental, por intermédio de: abastecimento de água potável; coleta e disposição sanitária de resíduos líquidos, sólidos e gasosos; promoção da disciplina sanitária do uso e ocupação do solo; drenagem; controle de vetores e reservatórios de doenças transmissíveis, melhorias sanitárias domiciliares, educação sanitária e ambiental e demais serviços especializados com a finalidade de proteger e melhorar a condição de vida, tanto nos centros urbanos quanto nas comunidades rurais. (Brasil, 202, p. 6).

As condições de saneamento são reconhecidas pelo Ministério da Saúde (MS) brasileiro como um dos determinantes sociais de saúde. Por determinantes entende-se:

fatores sociais, econômicos, culturais, étnico-raciais, psicológicos, comportamentais e ambientais que influenciam o processo saúde-doença. Por exemplo: habitação, saneamento, condições de trabalho, serviços de saúde e educação, incluindo também a trama de redes sociais e comunitárias.” (Brasil, 2012. p. 21).

A forma como as políticas de saneamento fora desenhada e executada pelo poder público explica a situação de déficit de cobertura e consequências diretas sobre as condições de saúde da população e a qualidade do ambiente.

Na década de 1980 os níveis de cobertura considerados aceitáveis para o meio urbano pela Organização Mundial de Saúde (OMS), eram de 90% de abastecimento de água e 70% de esgotamento sanitário (Justo, 2004). Desde então, diferentes organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e os governos centrais têm estabelecido protocolos na busca de alcançar níveis desejáveis de atendimento das populações por tais serviços.

Nos anos 2000, são pactuados os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, que previam metas cujas metas previam que até 2015 as nações deveriam promover em 50% a redução da proporção da população sem acesso permanente e sustentável à água potável e ao esgotamento sanitário (Brasil, 2014)

O histórico das ações do Estado na implementação dos diversos planos de saneamento nacionais mostra uma tendência à centralização até o final do século XX. Segundo Justo (2004), no final dos anos de 1960, a maioria dos sistemas de saneamento básico eram geridas pelas prefeituras municipais. Com a implementação do Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), em 1968, iniciou-se o processo de concentração de recursos e de gestão pela União, sob o argumento de viabilização de grandes investimentos no setor.

O PLANASA estimulou a criação das companhas estaduais, instituídas juridicamente como sociedades de economia mistas, forçando os munícipios a fazer concessão à estas para a operacionalização dos serviços. Dessa forma, segundo Sousa e Costa (2013, p. 591),

Apesar de os municípios deterem a titularidade para a exploração dos serviços, as companhias assumiram os investimentos e custos fixos pertinentes à instalação e operação dos sistemas urbanos de abastecimento de água e esgotamento sanitário, assim como recrutaram e formaram a força de trabalho do setor.

Na primeira década dos anos 2000, observa-se uma retomada das políticas de saneamento a partir da reorganização de um aparato institucional orquestrado pela criação do Ministério das Cidades (MCidades) e da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. Daí deriva um novo marco legal, que que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico a partir da lei nº 11.445/2007, de 5 de janeiro de 2007. O novo arcabouço para o setor, vai visar o planejamento, a regulação e a fiscalização dos serviços, indicando o protagonismo do controle social (Brasil, 2007).

No entanto, segundo Borba (2014, p. 433-434),

Os esforços tanto do âmbito federal como estadual estão longe de garantir o direito ao saneamento básico no Brasil e os desafios se colocam em diversas dimensões, principalmente a política-ideológica, como também institucional, de financiamento, de gestão, da matriz tecnológica, da participação e controle social, dentre outras. Também a tradição tecno-burocrática da formulação e implementação de políticas públicas no Brasil, o patrimonialismo, as fragilidades do aparato estatal, a corrupção e o recuo dos movimentos sociais contestatórios ocorridos na última década vêm influenciando no avanço de um projeto político-social vinculado aos princípios da universalidade e da igualdade.

Os consórcios públicos de saneamento revelam-se um importante mecanismo utilizado pelos municípios que, agregados, potencializam as suas capacidades de prestação desse serviço público, através de ganhos de escala.

Em todo o território nacional, no ano de 2011, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a partir da pesquisa “Perfil dos municípios brasileiros 2011”, aponta que 2.903 municípios integram algum tipo de consórcio intermunicipal, o que corresponde a 52,17% do total de entes municipais federados. A pesquisa detectou as principais áreas: saúde (2.288); meio ambiente (704); turismo (456); saneamento básico (426); desenvolvimento urbano (402); educação (280); cultura (248); habitação (241); assistência e desenvolvimento social (232); transporte (211); emprego e trabalho (143) (IBGE, 2012).

O Consórcio Regional de Saneamento do Sul do Piauí (Coresa Sul do PI) começou a ser estruturado no ano de 2005, induzido pelo Programa de Modernização do Setor Saneamento (PMSS) da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental (SNSA), do Ministério das Cidades. Concebido a partir da recém-criada Lei de Consórcios Públicos, Lei Federal nº 11.107/2005 (Brasil, 2005), buscou a efetivação de uma política de compartilhamento de responsabilidades nos três níveis federados para a superação de um problema secular de restrição hídrica e de esgotamento sanitário no sul do estado do Piauí.

1.1. A Análise de Política

A organização da Sociedade pode ser realizada de algumas formas. Ao longo do tempo foram destacadas a coerção e a política para tornar mais harmônico o convívio dos indivíduos e a manutenção do regramento definido. A política é apresentada como a forma mais eficiente de se obter bons resultados, com conflitos e custos menores ao conjunto Rua (1998).

A política é um instrumento utilizado pelo Estado com o fim de organizar a sociedade – complexa em seus componentes e no seu ambiente – e alcançar uma situação de ordem. Ela se faz através da coerção e a política

Serafim e Dias (2012) afirmam que a concretização da política se realiza pelas políticas públicas e introduzem um modelo crítico de observação desse processo, que vai integrar tanto a formulação da Agenda quanto a formulação da própria Política: é a análise de política. A adoção desse modelo tem se expandido nos meios acadêmico e da própria gestão, favorecendo a consolidação de elementos que devem ser considerados na sua análise.

A semântica da frase, por vezes, faz com que a análise de política seja confundida com a avaliação de políticas públicas. Nesse sentido, Serafim e Dias (2012) reafirmam as diferenças significativas das duas abordagens. A avaliação de políticas interessa-se em quali-quantificar os resultados de uma política, através de elementos como a eficiência, a efetividade e a efetividade de programas e ações, por exemplo. Essas aferições se dizem neutras, no sentido positivista de uma análise ex-ante e ex-post.

Já a análise de política busca uma reflexão sobre os atores envolvidos na política e quais os valores e interesses envolvidos. Serafim e Dias (2012, p. 127) afirmam que

A Análise de Política pode ser entendida como um conjunto de observações, de caráter descritivo, explicativo e normativo, acerca das políticas públicas, que corresponde, respectivamente, às perguntas a respeito de “o que/como é?”, “por que é assim?” e “como deveria ser?”.

Ainda segundo os autores, a análise de políticas carrega uma dimensão ideológica acentuada e não nega tal situação. Ao contrário, considera esse exercício de especulação deveras importante num momento de que a aparente neutralidade promove uma “assepsia ideológica” nas reflexões teóricas (SERAFIM; DIAS, 2012).

É relevante não ignorar a ampla participação de atores sociais, considerando a sua heterogeneidade, uma vez que a sociedade se caracteriza por forte disparidade social e os seus interesses da sociedade civil deve ser acolhida e valorizada.

Operacionalmente, busca-se apresentar todo o processo da idealização até a sua efetiva aplicação. Considera-se, portanto, o ciclo da política (policy cycle), que se realiza pelos seguintes estágios: a) Identificação de problemas; b) Conformação da agenda; c) Formulação; d) Implementação; e, e) Avaliação da política. (SERAFIM; DIAS, 2012).

Dagnino et al. (2002), ao abordar a metodologia de análise de políticas públicas, defendem um distanciamento que permita ao analista de políticas detectar o que está por trás da sua implementação. Para eles, O analista das políticas públicas deve situar-se fora do mundo do dia-a-dia da política (politics) de maneira a poder indagar acerca de algumas das grandes questões relacionadas à função do Estado na sociedade contemporânea e à distribuição de poder entre diferentes grupos sociais.

A análise deve explorar: a) funcionamento da estrutura administrativa (institucional); b) do processo de decisão; e c) das relações entre Estado e sociedade. Tais elementos explicariam as reais relações políticas (policy e politics). (Dagnino et al., 2002).

Dessa forma, pretende-se investigar a questão ambiental, através do saneamento básico, que carece de maiores reflexões, particularmente no âmbito das políticas públicas que buscam avançar na solução desse problema. O Piauí é um lócus privilegiado para essa investigação dada o seu pioneirismo na política de associação municipal para tal intento.

2. MÉTODOS

2.1. A região de estudo

O Coresa Sul do PI é uma associação interfederativa formada pelo Estado do Piauí e 34 dos 36 municípios dos territórios de desenvolvimento Tabuleiros do Alto Parnaíba e Chapada das Mangabeiras, na sua região sul (BRASIL 2015a, 2015b), circunscrevendo uma área de 84.623,90km2, que corresponde a 34,6% da área do Estado (IBGE, 2014).

Mapa 1 - Área de abrangência do Coresa sul do PI. Piauí - 2010

Fonte: CARVALHO (2019)

Os municípios do Coresa Sul do PI situam-se numa região economicamente dinâmica do Estado, o Cerrado piauiense, que responde por parte significativa da composição do Produto Interno Bruto (PIB) piauiense, em virtude do crescimento do conjunto de atividades ligadas ao agronegócio nas últimas décadas (SEPLAN, 2013).

2.2. Técnicas da pesquisa

Esta pesquisa buscou realizar uma análise de política da experiência de associação interfederativa no estado do Piauí, utilizando o método do ciclo da política (policy cycle), apresentado por Serafim e Dias (2012)

Para a compreensão da problemática e embasamento analítico, realizou-se uma investigação bibliográfica sobre as políticas de saneamento à luz dos instrumentos de associação interfederativa e da sustentabilidade. A pesquisa amparou-se autores como Borba (2014), Justo (2004), Rua (1998), Sousa e Costa (2013), Ministério da Saúde (Brasil 2012) e Ministério das Cidades (Brasil 2006a e 2006b).

A pesquisa documental buscou alcançar a política de Saneamento e a lei de Consórcios públicos, a partir do portal da Presidência da República e do Ministério das Cidades (MCidades). Do Coresa Sul do PI, obteve-se o seu Estatuto e Regimento junto à Superintendência do Consórcio.

A descrição espacial realizou-se por meio de publicações eletrônicas da Secretaria do Planejamento do Estado do Piauí (SEPLAN-PI) e do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

Os dados secundários sobre demografia e condições socioeconômicas foram obtidos no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e no Atlas de Desenvolvimento Humano, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD); particularmente dados de censos demográficos 2000 e 2010, e de estimativa da população. Os dados dos contratos e as movimentações de desembolso de recursos foram cedidos pela Caixa Econômica Federal (CEF).

. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Caracterização socioeconômica dos municípios do Coresa Sul do PI

Segundo estimativas do IBGE para o ano de 2015 (Tabela 1), os municípios que integram o Coresa Sul do PI têm uma população de 273.626 pessoas, o que representa 8,54% dos habitantes piauiense, que somam 3.204.028 pessoas. (IBGE, 2015).

Na região abrangida pelo Consórcio, predominam municípios com populações de até 10.000 habitantes (23). Os municípios mais populosos são Corrente, com 26.084 habitantes, Bom Jesus, com 24.327 habitantes e Uruçuí, que possui 21.011 habitantes (IBGE, 2015). A sua economia é forte e díspar. Convivem nessa região o agronegócio moderno e a agropecuária de subsistência. Os rendimentos são módicos e as desigualdades socioeconômicas significativas (Tabela 2).

Estima-se que os municípios do Consórcio teriam uma renda média per capita da ordem de R$ 258,89 no ano censitário de 2010. Esse valor representa 50,76% do salário mínimo que vigorava naquele ano, que era de R$ 510,00. Em 14 municípios, o percentual da população pobre é superior a 50%. A discrepância torna-se mais visível quando se observa que quatro desses municípios figuram dentre as vinte maiores economias do Estado naquele ano: Bom Jesus (R$ 501,14 [4ª]), Guadalupe (R$ 426,79 [6ª]), Corrente (R$ 378,39 [13ª]) e Uruçuí (R$ 364,39 [18ª]). Porém, mesmo esses municípios possuem rendas mensais per capita inferiores ao salário mínimo à época. (PNUD, 2013).

3.2 A Institucionalização do Consórcio: da identificação do problema à formulação da política

A identificação do problema pode ser entendida como externa, uma vez que a sua gênese se faz no âmbito federal. O Programa de Modernização do Setor Saneamento (PMSS), desenvolvido pelo Ministério das Cidades (MCidades), surge com o objetivo de estimular a reestruturação institucional e a melhoria da eficiência dos serviços públicos de saneamento, aperfeiçoando a gestão e buscando a ampliação da cobertura, com sustentabilidade financeira e qualidade dos serviços (Brasil, 2006a).

No caso do Piauí, houve a imposição do MCidades em que a concessão de novos investimentos aos municípios teria que incorporar o Governo do Estado, então responsável pelo serviço, tornando-se co-patrocinador do investimento, através de contrapartidas.

A agenda começa a ser executada a partir da assinatura de Acordo de Cooperação Técnica com o MCidades para assistência técnica do PMSS à reestruturação dos serviços de saneamento ambiental do Estado.

Dele surge a formulação de um novo modelo de gestão dos serviços de água e esgotos, que iniciaria com a elaboração do estudo de cenários e de viabilidade técnica, logística e financeira de modelos alternativos de gestão dos serviços, a partir de dados dos sistemas de água de todas as sedes municipais piauienses (Brasil, 2006a).

Foram sugeridos a limitação da área de atuação da companhia Águas e Esgotos do Piauí S/A (Agespisa) à Capital, aos municípios maiores e circunvizinhos; a divisão do restante do território estadual em 4 macrorregiões, com a criação de 4 consórcios regionais de saneamento (norte, leste, sul e sudeste), possibilitando a cooperação dos municípios de cada região entre si e com o estado; e a prestação dos serviços no nível local realizada diretamente pelas prefeituras municipais.

A partir dos estudos de viabilidade, propôs-se a criação do Coresa Sul do PI, que viria a ser o primeiro consórcio público de saneamento do Brasil, implementado sob a Lei de Consórcios Públicos nº 11.107/2005. Um consórcio verticalizado, com a participação e liderança do Governo no Estado.

O seu Protocolo de Intenções foi assinado pelo chefe do poder executivo estadual e pelos 36 chefes do poder executivo municipal da macrorregião Sul, que corresponde aos territórios de desenvolvimento Tabuleiros do Alto Parnaíba e Chapada das Mangabeiras (SEPLAN, 2013).

Aprovadas as leis de ratificação do Protocolo de Intenções tanto nas instâncias legislativas estadual (Lei Ordinária nº 5.501/2005) e dos 30 municípios, com a sanção pelos respectivos chefes do Poder Executivo, o Coresa Sul do PI foi instalado em 17 de fevereiro de 2006, na cidade de Bom Jesus, com a realização da Assembleia Estatuinte, em que compareceram o governador do Estado e os prefeitos dos 30 municípios consorciados.

No ano de 2008, outros quatro municípios signatários (Baixa Grande do Ribeiro, Bertolínia Jerumenha e Ribeiro Gonçalves) incorporam-se ao Coresa Sul do PI, após a ratificação pelas suas câmaras legislativas. Assim, o Consórcio passou a ter o número de 35 membros. Os municípios de Eliseu Martins e São Gonçalo do Gurguéia não ratificaram o Protocolo de Intenções e, portanto, não se tornaram associados (Brasil, 2006b).

3.3 Os resultados Econômicos e Financeiros: a implementação e a avaliação da política de consorciamento

O Coresa Sul do PI dá início à sua implementação com a expectativa de um aporte inicial da ordem de R$ 33.653.514,67. Desse montante, R$ 31.573.160,35 seriam de recursos federais oriundos do orçamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e do MCidades e a contrapartida de R$ 2.080.354,32 pelos consorciados; tais recursos serviriam para implantação de sistemas de abastecimento de água, construção da sede do Consórcio e aquisição de laboratório móvel (Nunes, 2007).

Os recursos para intervenções nos sistemas de abastecimento de água nos municípios estão sob a responsabilidade da Caixa Econômica Federal (CEF) - Gerência de Filial Desenvolvimento Urbano e Rural-Teresina/PI (GIDUR/TE).

À GIDUR/TE foram destinados a execução financeira de dois contratos: o primeiro deles é Contrato nº 0218090-94, de 10 de setembro de 2007, que previa inicialmente a aplicação de R$ 28.179.000,00, com R$ 1.674.000,00 de contrapartida do Governo do Estado, beneficiando 27 municípios. No andamento da operação, o MCidades reduziu esses valores para R$ 26.770.050,00 de repasse e R$ 1.408.950,00 da contrapartida estadual força da Portaria MCidades nº 656/2010 (DINIZ; MELO, 2013, 2014 2016).

O segundo, Contrato nº 0320640-08, foi assinado em 31 de dezembro de 2010, no valor de R$ 6.000.000,00 a serem investidos nos municípios de Baixa Grande do Ribeiro, Bertolínia, Jerumenha, Ribeiro Gonçalves e Cristalândia do Piauí. Em não tendo sido realizada qualquer execução, o contrato foi cancelado. Daí, considera-se para a análise apenas o primeiro e mais vultoso contrato (DINIZ; MELO, 2013, 2014 2016).

O primeiro contrato foi prorrogado várias vezes, sem que resultados concretos pudessem ser obtidos. No ano de 2016 menos da metade (41,91%) das execuções físicas foram realizadas, com a liberação de R$ 11.809.751,33. A GIDUR/TE afirma que as obras estavam paradas desde 2014. Nenhuma obra foi iniciada nos municípios de Barreiras do Piauí, Corrente, Gilbués, Parnaguá, Porto Alegre do Piauí e Santa Filomena (DINIZ; MELO, 2013, 2014 2016).

A superintendência do Consórcio realizou um balanço em 2012, que revelou obras em andamento somente nos municípios de Alvorada do Gurgueia, Sebastião Barros e Cristalândia do Piauí. Os municípios de Júlio Borges e Morro Cabeça no Tempo tiveram suas obras concluídas porque os seus projetos já figuravam na Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e foram realizados com recursos do Orçamento Geral da União, através de emenda parlamentar (Nunes, [2013?]).

A Avaliação da política aponta para uma associação de causas que justificariam o seu insucesso. As mais destacadas foram os fatores econômicos, particularmente atribuídos ao Governo do estado e municípios. A falta de recursos de contrapartida e da transferência dos sistemas de saneamento administrados pela companhia estadual na região, bem como a falta de recursos dos municípios para arcar com despesas mínimas de manutenção da estrutura do Consórcio, inviabilizaram seriamente as ações.

A sede do Consórcio chegou a ser construída, mas embora tenha sido equipada a sua ocupação não se efetivou. O quadro de pessoal que deveria ser de 31 servidores jamais chegou a se constituir de fato, embora o Consórcio tenha realizado concurso público e aprovado 17 pessoas. (Nunes, [2013?]).

Para Nunes ([2013?]), a instituição financeira também tem sua parcela de responsabilidades uma vez que constantemente levantava questionamentos que paralisavam processos licitatórios, processos, impedindo a liberação de recursos. As constantes reformulações de projetos, geravam discordâncias entre as partes envolvidas: os agentes públicos e as empresas executoras.

Todo o Projeto do Coresa Sul do Piauí foi sendo abandonado paulatinamente, com o descumprimento de prazos, revisão de Contratos e desarticulação entre os entes federados.

A própria engenharia do Consórcio é considerada inapropriada, uma vez que foram verificados vários erros de projeto, com a necessidade de intensas intervenções e revisões para aprovação dos projetos junto aos repassadores de recurso, em particular à CEF. Os processos licitatórios de parte significativa dos projetos não foram atrativos para o setor privado, com algumas licitações foram dadas como vazias (Nunes, [2013?]).

Pode-se destacar ainda as questões políticas locais, uma vez que os recursos não chegavam diretamente aos municípios. Os seus gestores foram se desestimulando ao longo do processo, uma vez que não seriam eles próprios os executores das obras, o que certamente se converteria em capital político. Esse desestímulo alimentou o desgaste do Consórcio.

4. CONCLUSÕES

O Coresa Sul do PI foi apresentado, no ano de 2005, como um instrumento capaz de resolver o problema secular de restrição hídrica e de esgotamento sanitário. Uma década depois, O Consórcio é um arranjo institucional que não cumpriu os seus objetivos declarados de prestar serviços de saneamento ambiental com qualidade e transparência, uma vez que foi se fragilizando por um conjunto de situações e falta de ações efetivas para a sua consolidação.

A gênese do Coresa Sul do PI nega um dos pilares dos ideais do consorciamento, o voluntarismo. A sua formatação e implementação foi fruto de uma política federal de modernização do setor de saneamento que, apresentada ao Governo do Estado do Piauí e aos municípios da região, parecia ser a alternativa mais viável para a solução da dupla problemática: a ineficiência da agência de água e esgotos estadual e a universalização dos serviços ao conjunto dos municípios.

Assim, a legitimação e apropriação do Consórcio foi facilmente renegada, uma vez que os executivos municipais se reconheciam nas suas carências e necessidades, mas não criaram um ambiente de cooperação, elementar ao êxito do empreendimento.

Na execução das ações, os municípios tinham papéis menores, com agregação de pouco ou nenhum capital político, elemento relevante no contexto das municipalidades. Considerando a arena da política, não se pode ignorar que o papel secundário dos executivos municipais fora determinante para o desestímulo e desgaste do Coresa Sul do PI.

O Coresa Sul do PI caminha para o fim, uma vez que o contrato vincendo é uma mera formalidade para a devolução de recursos à União. Longe de cumprir as metas planejadas, a história do Consórcio apresenta um conjunto de incoerências que limitaram o seu avanço, trazendo consigo desperdício de recursos públicos e o descrédito tanto das Instituições municipais como das populações locais que, mais uma vez têm suas expectativas frustradas pela maneira equivocada de se planejar e implementar as políticas públicas, em modelos e cenários que são apresentados como viáveis mas que, em sendo aplicados, revelam-se insuficientes e equivocados, sendo danosos aos cofres públicos e à população.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005. Dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 7 abr. 2005. p. 1, c. 1. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/Lei/L11107.htm. Acesso em: 29 jun 2013.

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Ilustrações: Silvana Santos