Não podemos pensar em desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades sociais e em qualidade de vida sem discutirmos meio ambiente. - Carlos Moraes Queiros
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 88 · Setembro-Novembro/2024
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O POTENCIAL ASSOCIADO DAS FONTES RENOVÁVEIS E Saccharomyces cerevisiae PARA PRODUÇÃO DE BIOETANOL
Larissa Pires Mueller (laripiresmueller@gmail.com)1, Débora Tavares Sarabia (deborasarabia@hotmail.com)1, Maria do Socorro Mascarenhas Santos (maria_mascarenhas@outlook.com)2, Claudia Andrea Lima Cardoso (claudia@uems.br)3,Margareth Batistote (margareth@uems.br)3
1 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais, Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul 2 Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais, Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul 3 Docente no Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais, Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
Resumo: Este estudo traz a comparação entre as fontes renováveis utilizadas na produção de etanol e seu efeito genotóxico nas leveduras. O sorgo e a cana apresentaram características similares. O maior acúmulo de etanol foi no caldo de sorgo a 30°C com a levedura FT-858 que apresentou a menor taxa de genotoxicidade. Palavra-chave: substratos sacarinos, fermentação, energias renováveis.
Abstract: This study compares the renewable sources used in the production of ethanol and its genotoxic effect in yeast. Sorghum and sugar cane presented similar characteristics. The highest accumulation of ethanol was in the sorghum broth at 30 ºC with the FT-858 yeast that presented lower genotoxicity rate. Keywords: saccharine substrates, fermentation, renewable energy.
INTRODUÇÃO Fonte Renovável A discussão a respeito do uso de combustíveis fósseis tem movimentado nações, organizações governamentais, empresas, pesquisadores e ambientalistas do mundo todo, pois sua utilização gera gases que contribuem efetivamente para o aumento do efeito estufa, o que influencia de forma direta nas alterações ambientais. Desta maneira a busca por fontes renováveis de energia recebe grandes incentivos, uma vez que são naturais e possuem alta capacidade de se regenerar (MASSON et al., 2015; DOS REIS e DA SILVA, 2017). Neste contexto destacam-se os biocombustíveis que são exemplos de energia renovável que, nos últimos tempos, têm contribuído de forma expressiva na matriz energética mundial com o intuito de suprir a crescente demanda global (AZHAR et al., 2017). A sua cadeia comercial de produção está pautada basicamente, no uso de biomassas de origem vegetal que são as precursoras de compostos passíveis de transformações, tais como, milho, plantas oleaginosas, cana-de-açúcar, entre outras (CHAVES e GOMES, 2014). Deste modo, o principal desafio está em aumentar a oferta deste biocombustível, buscando novas fontes e otimizando os processos para sua produção (JAMBO et al., 2016). A busca por reduzir a emissão de gases tóxicos de efeito estufa, aliado ao aumento e a oscilação dos preços do petróleo tem incentivado países a buscarem fontes renováveis alternativas para a sua matriz energética (MARTINS et al., 2018). Neste contexto, o Brasil possui papel de destaque no desenvolvimento de biocombustíveis e desponta como maior produtor de cana-de-açúcar e o segundo maior produtor de etanol do mundo, a partir desta matéria-prima (MONCADA et al., 2018). O etanol pode ser empregado como combustível para veículos de duas maneiras, o etanol hidratado, que é utilizado de forma direta nos tanques, e o etanol anidro que é misturado com a gasolina em um percentual que varia de 18 a 27,5% (JUNQUEIRA et al., 2017). Ademais, a produção e consumo de bioetanol no Brasil vem recebendo incentivos através de políticas públicas. Em meados de 1970 os veículos não possuíam a tecnologia “flex fuel”, ou seja, parte da frota era movida a álcool e a outra a gasolina. Em 1975 o Programa Nacional do Álcool (Proálcool) foi criado pelo governo por meio do Decreto nº 76.593 motivado pela elevação dos preços do petróleo, que simbolizou um avanço no desenvolvimento econômico e social do Brasil, visto que, nesta época a cana-de-açúcar representava retrocesso e estava ligada a um modelo econômico arcaico. O programa com o objetivo de reduzir a importação de petróleo e otimizar a produção do etanol, financiava os setores industriais para instalar e modernizar as destilarias (CRUZ et al., 2016). O Brasil participou da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima-COP21, onde se comprometeu em atender a redução total das emissões dos gases responsáveis pelo efeito estufa visando minimizar o aquecimento global. Tal acordo propôs reduzir em 37% até 2025, e em 43% até 2030 levando este país a contribuir de forma eficaz em políticas públicas de incentivo a produção de etanol, as quais representam importantes avanços econômicos e ambientais (BRASIL, 2019). Para contribuir com esses objetivos, em 2018 o Ministério de Minas e Energia criou o programa RenovaBio para incentivar a produção de combustíveis renováveis, promover a redução de emissões de CO2 e colocar em evidência a eficiência energética brasileira (BRASIL, 2019).
Biocombustível A produção de biocombustíveis no Brasil a partir de fontes renováveis marca um cenário promissor, pois este país possui características edafoclimáticas e grande extensão territorial, fatores que colaboram para a produção de diversas culturas com potencial tecnológico para a produção de energia limpa e transformação em produtos e subprodutos a serem utilizados em diversos seguimentos industriais (SANTOS, DO NASCIMENTO e ALVES, 2018). Um bom exemplo está na produção de etanol a partir da cana-de-açúcar, uma cultura susceptível ao processo de transformação em grande escala, capaz de produzir este combustível renovável a preços competitivos minimizando os impactos ao meio ambiente (DELLA-BIANCA et al., 2013). É notório que se trata de um produto sustentável, pois durante o seu processo de produção, embora muito gás carbônico seja liberado na atmosfera grande parte é absorvido através da fotossíntese durante o desenvolvimento da cana-de-açúcar, que realiza de forma eficiente o resgate de CO2 atmosférico, incorporando-o em sua fitomassa (RONQUIM, 2007; MOITINHO et al., 2013). A sua produção libera menor quantidade de gases de efeito estufa se comparado com os combustíveis fósseis. Projeções apresentam que o etanol diminui em 89% a emissão de gases na atmosfera, o que torna este biocombustível ecologicamente correto (NOVA CANA, 2019). A cana-de-açúcar é uma fonte renovável que possui características tecnológicas e econômicas que as torna uma cultura com elevado rendimento e menores custos de produção se comparada a outras matérias primas (BRASSOLATTI et al., 2016). Dentre as propriedades importantes o alto teor de açúcares fermentescíveis, a adaptação ao clima tropical e subtropical e a possibilidade de ser utilizada por períodos consecutivos, garantem a sua participação na matriz energética (ALVES e PAIXÃO, 2018). O bioetanol produzido desta biomassa, tem se mostrado um importante produto biotecnológico aliado as questões ambientais (SUHAIMI et al., 2012). Contudo, faz-se necessário aumentar a produção de combustível, visando atender a demanda de crescimento da sociedade e dos diferentes seguimentos industriais. Outra cultura que tem se apresentado como alternativa viável para contribuir na produção de etanol é o sorgo sacarino (Sorghum bicolor (L.) Moench), esta matéria prima é da mesma família e gênero que a cana-de-açúcar e desta forma compartilham características tecnológicas importantes como o armazenamento de açúcares em seus colmos, possui mecanismos eficientes de tolerância a estresses abióticos e ciclo fenológico mais rápido que o da cana-de-açúcar (DA SILVA, 2015). Uma outra importância da utilização do sorgo na produção de etanol seria seu uso como complemento na entressafra da cana, bem como pode ser processado com os mesmos equipamentos e apresenta uma ótima relação custo-benefício (LUCENA et al., 2013). Esta cultura apresenta grande potencial para produção de biocombustível por possuir compostos passíveis de fermentação a serem transformados em etanol tais como açúcares, amido e material lignocelulósico (QUILHO, 2011). De acordo com os dados da União da Indústria de cana-de-açúcar- Unica da safra de 2017/2018 foi produzido 27. 859 mil m3 de bioetanol no Brasil (UNICA, 2019). A Companhia Nacional de Abastecimento-Conab estima que a produção brasileira deva alcançar na safra de 2019 um total de 33,58 bilhões de litros deste biocombustível (CONAB, 2019). Visto isso, ganhos econômicos no custo final do etanol são importantes e estes acréscimos podem ser obtidos através dos substratos sacarinos de fermentação direta e da otimização do processo e do rendimento fermentativo. Uma das formas de alcançar tais objetivos é a utilização de linhagens de leveduras selecionadas ou personalizadas que estão adaptadas às condições hostis das fermentações industriais, possibilitando maior eficiência na produção de etanol (DELLA-BIANCA et al., 2013).
Saccharomyces cerevisiae No Brasil o etanol, é produzido a partir do caldo de cana-de-açúcar e extraído através de moenda ou difusor, sendo submetido ao tratamento físico-químico para clarificação e correção de pH e posteriormente segue para as dornas de fermentação, nas quais são adicionadas as leveduras Saccharomyces cerevisiae que irão realizar a fermentação (GONÇALVES et al., 2015). O processo fermentativo proporciona um ambiente desfavorável e distante da condição fisiológica ideal para estes microrganismos, pois vários fatores de estresse se intercalam e induzem respostas celulares adaptativas que visam manter a integridade celular (MARTINS et al., 2017). No entanto, as pressões seletivas que ocorrem nas dornas de fermentação, como alta temperatura, pressão osmótica, variações no pH, reciclos de células e alto teor alcóolico, induzem respostas celulares que podem interferir no rendimento final do etanol (AMORIM et al., 2011). No processo de fermentação utilizado nas usinas o vinho possui em média 7,0 a 11% (v v-1) de etanol, dependendo do rendimento do processo e dos seus ajustes. Neste sentido, mesmo que o etanol seja resultado do metabolismo das leveduras, em concentrações mais elevadas este composto pode afetar a fisiologia e causar danos nos mecanismos celulares (AMORIM et al., 2011). A via de inibição do etanol em leveduras engloba diversos mecanismos, tais como alterações do transporte e captação da glicose, na permeabilidade da membrana plasmática, inibição de enzimas e redução da viabilidade (SILVA, BATISTOTE, CEREDA, 2013). O acúmulo de etanol no meio fermentativo apresenta-se como um forte agente estressor para a levedura que pode interferir no processo. Assim, para precaver disfunções celulares induzidas e adquirir cepas tolerantes a elevadas concentrações etanólicas e por consequência manter o processo fermentativo eficiente faz-se necessário novas alternativas como o uso de leveduras resistentes ao estresse causado pelo etanol (FIEDUREK, SKOWRONEK, e GROMADA, 2011). Diante do exposto, o estudo visa comparar as características tecnológicas das fontes renováveis sorgo e cana com potencial para produção de bioetanol, bem como analisar o efeito genotóxico do etanol nas leveduras Fleischmann® (FLE) e FT-858.
MATERIAL E MÉTODOS Avaliar as características tecnológicas de substratos sacarinos Realizar um estudo comparativo entre os substratos sacarinos cana e sorgo, passíveis de fermentação direta em relação aos seus principais parâmetros a serem utilizados no processo fermentativo. A pesquisa foi realizada de forma qualitativa exploratória, através de pesquisa bibliográfica, em site, revista e artigos.
Microrganismos utilizados As leveduras utilizadas para este estudo foram Saccharomyces cerevisiae FT-858, obtida da empresa Fermentec localizada em Piracicaba, SP e a levedura Fleischmann® adquirida de forma comercial.
Desenvolvimento do estudo e condições experimentais Este estudo foi desenvolvido no laboratório de Biotecnologia, Bioquímica e Biotransformação do Centro de Estudos em Recursos Naturais-CERNA da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul-UEMS/Dourados-MS. O pré inóculo consistiu em meio YPD 2% contendo 1,0% (p v-1) de extrato de levedo, 1,0% (p v-1) de peptona, 2,0% (p v-1) de glicose, esterilizados em autoclave a 120 ºC por 20 minutos, no qual foram inoculadas 0,10 gramas das leveduras liofilizadas, incubadas a 30 °C por 10 horas a 250 rpm. Após este período as células foram coletadas por centrifugação, ressuspendidas e lavadas com solução salina (NaCl 0,85%) estéril. Para a realização do experimento fermentativo o caldo de cana foi calibrado com o auxílio de refratômetro na concentração de 22 ºBrix em frascos Erlenmeyers de 125 mL contendo 50 mL do substrato e esterilizados a 120 ºC por 20 minutos. A biomassa obtida foi inoculada no meio fermentativo na presença de álcool etílico absoluto PA 99,5% nas proporções de 5% e 10% e incubadas a 30 ºC por 10 horas a 250 rpm. Após o período de incubação alíquotas de 100 µl das amostras foram retiradas e lavadas com água ultrapura gelada por duas vezes consecutivas, ressuspendidas em tampão Sorbitol-S e estas foram armazenadas em freezer até o momento do uso.
Quantificação de etanol A concentração do etanol foi determinada no cromatógrafo a gás CG 3900 com detector de ionização de chama (Varian), utilizando uma coluna capilar de sílica fundida de 30m de comprimento (ZB-5). A condição cromatográfica empregada foi: volume de injeção 1μL, razão de split 1:20 e temperatura do forno de 90 ºC. As temperaturas do injetor e do detector foram de 240 ºC. As amostras foram filtradas em ultrafiltro de 0,22μm (BATISTOTE et al., 2010).
Teste do cometa O teste foi realizado em lâminas revestidas com agarose de ponto de fusão normal 1% (NMP) e secas em temperatura ambiente, a segunda camada foi em agarose NMP 0,5% solidificada em gelo. Foi utilizado 0,5 µl de células previamente ressuspendidas em tampão S (Sorbitol 1M e KH2PO4 25mM). Em Eppendorf foi adicionado 70 µl de agarose de baixo ponto de fusão em 0,5% (LMP) e 2 mg mL-1 da enzima Liticase (Sigma-Aldrich). Em seguida, a mistura reacional foi colocada sobre as lâminas previamente revestidas e foram recobertas por lamínulas e incubadas a 30 ºC durante 1 hora e 30 minutos. Após este período, as lâminas foram colocadas a baixa temperatura (4 ºC) para inativação da enzima, assim as lamínulas foram retiras e as lâminas foram emergidas em agarose NMP 0,5%. Posteriormente as lâminas foram submetidas a solução de lise gelada (NaOH 30mM, NaCl 1M, N-lauroylsarcosine 0,1%, DMSO 100mM, Triton-X100 1%) por 1 hora na ausência de luz. As lâminas foram imersas no tampão de corrida em cuba eletroforética por 30 min, 25V, 300 mA. Foram neutralizadas em tampão Tris-HCl 400 mM, pH 7,0 durante 15 min, lavadas e secas à temperatura ambiente. Foram fixadas em solução (ácido acético 15%, sulfato de zinco 5% e glicerol 5%) logo depois, coradas com nitrato de prata. Em seguida, as lâminas foram lavadas com água destilada e submersas por 5 min em ácido acético 1%. Para as análises foram contadas 100 células por lâmina, selecionadas aleatoriamente e não sobrepostas, estas foram observadas em microscópio óptico comum, fotografadas no aumento de 100x, de acordo com o nível de dano que houve no DNA classificados em 0, 1, 2, 3 e 4, refletindo no tamanho da cauda formada pelo arraste do material genético danificado. Os experimentos descritos foram realizados em triplicata.
Análises estatísticas Os resultados foram analisados com o software Excel 2016 com média seguida de desvio padrão e os gráficos plotados no Origin 8.
RESULTADOS E DISCUSSÃO Na avaliação dos principais açúcares presentes nos substratos sacarinos analisados, foi observado que os valores dos parâmetros avaliados diferiram entre os substratos analisados a partir de fontes renováveis. Além disso, uma maior concentração de sacarose entre 14-22% foi encontrada no caldo de cana em relação ao sorgo sacarino 8-13%. O teor de frutose foi maior no caldo sorgo sacarino 0,5-15%, já para a glicose foi de 0,5-2% e 0,2-1% para sorgo e cana respectivamente. O valor de Brix presente no caldo de cana variou entre 18-25 e o de sorgo foi de 15-19, o pH da cana foi de aproximadamente 5,3 e o do sorgo 4,9 (Figura 1). Nas análises químicas realizadas por Masson et al. (2015), tais como pH e Brix em substratos fermentescíveis, foi evidenciado valores de Brix superiores a 15% e de pH variando entre 4,8-5,5 tanto para o caldo de sorgo quanto para cana, os quais são parâmetros importantes a serem considerados para um processo eficiente. Em nossos estudos tais parâmetros se mostraram muito próximos aos evidenciados pelos autores. O teor de carboidratos presentes nos caldos de cana e sorgo são indispensáveis para uma eficiente produção de etanol. Estudo realizado por Machado (2011), evidenciou um teor de açúcares solúveis totais entre 15 e 21% para o sorgo, valores próximos aos da cana. Entretanto, a cana apresenta majoritariamente a sacarose e o sorgo um percentual maior de glicose e frutose, essas variações das fontes de carbono afetam o processo de produção, de modo que a maior disponibilidade de açúcares redutores- AR no caldo de sorgo potencializa a produção de etanol, porém pode aumentar-se a contaminação nas dornas, uma vez que a glicose é o principal açúcar utilizado eficientemente pelas bactérias.
Figura 1. Fluxograma dos substratos sacarinos de fermentação direta com potencial para produção de etanol. Fonte: Adaptado de Pacheco (2006)1; Da Silva e Faria (2006)2 e Gomes (2014)3. Fonte das imagens: Sorgo sacarino: <https://cropwatch.unl.edu/2018/2019-sorghum-symposium-jan-24>.Cana-de-açúcar: <https://www.infomoney.com.br/mercados/nareal/noticia/7383058/cana-acucar-floresta-clima>. Na avaliação da concentração de etanol a partir dos substratos sacarinos, foi observado diferenças no perfil de produção das leveduras analisadas. Na temperatura de 30°C em ambos os substratos, as linhagens apresentaram uma eficiente produção de etanol, contudo foi no caldo de sorgo o maior acúmulo de 9,6% (v v-1) deste metabólito pela levedura FT-858. Foi observado que na temperatura de 40°C ocorreu uma perda na produção de etanol nestes meios fermentativos, sendo que o menor acúmulo ocorreu em caldo de cana 6,3% (v v-1) pela levedura Fleischmann® (Figura 2). Possivelmente a levedura tenha sofrido ação do estresse térmico mostrando ser mais sensível e consequentemente produzindo menos etanol. Nos estudos de Santos et al. (2018) com a linhagem FT-858 em ambos substratos sacarinos, foi evidenciado que em 10 horas de fermentação a levedura apresentou maior acúmulo de etanol no caldo de cana-de-açúcar 7,5% (v v -1) e no caldo de sorgo 7,0% (v v -1). Já nos estudos de Silva Santos et al. 2018 foi relatado uma concentração de 9,0% (v v -1) em mosto a base de caldo de cana em 20 horas de fermentação a 30 ºC para a linhagem Fleischmann® e observaram queda na produção de etanol com o aumento da temperatura para 40 ºC. As alterações na produção de etanol podem estar relacionadas com as variações que ocorrem no ambiente fermentativo, como aumento da temperatura, variações de nutrientes disponíveis nos substratos sacarinos e elevado teor alcoólico (AMORIM et al., 2011). Estes podem interferir nos mecanismos celulares adaptativos das leveduras o que possivelmente traz um aumento na aptidão dessas linhagens e a possibilidade de sucesso em um nicho heterogêneo (WENGER et al., 2011).
Figura 2. Avaliação da concentração de etanol nos substratos sacarinos das linhagens Fleischmann® e FT-858 nas temperaturas de 30 °C (A) e 40 °C (B). Na análise de genotoxicidade do etanol, os dados mostram que nas concentrações analisadas ocorreu indução de danos ao DNA em ambas as leveduras. A linhagem Fleischmann® apresentou o maior percentual de danos no nível 3 nas concentrações de 5% e 10% de etanol, correspondendo a 35% e 38% respectivamente. A levedura FT-858 apresentou quantitativamente maiores danos do DNA no nível 1, no entanto na concentração de 10% de etanol mostrou o percentual de 32%. Estes resultados evidenciam que a maior concentração de etanol possivelmente tenha induzido a levedura Fleischmann® a uma desrepressão gênica ocasionando maiores lesões a nível de material genético sendo que esta levedura se mostrou mais susceptível a ação do etanol quando comparada a levedura FT-858 (Tabela 1). Os mecanismos de ativação e inibição de tolerância ao etanol são complexos e sabe-se que essas respostas são reguladas por um conjunto de genes, que levam a uma reprogramação das vias metabólicas (AUESUKAREE, 2017; STANLEY et al., 2010). Segundo Fiedurek, Skowronek e Gromada (2011), o acúmulo de etanol causa estresse às células das leveduras induzindo alterações fisiológicas e genéticas. Avaliar o efeito genotóxico através do ensaio cometa é de extrema importância, uma vez que os danos induzidos ao DNA que não são reparados durante o ciclo celular podem acarretar mutações que podem desencadear alterações nas proteínas e possivelmente modificações no perfil fisiológico (RIBEIRO e GAIVÃO, 2010). As leveduras selecionadas são isoladas do próprio processo como a Pedra-2, a Catanduva-1, a Barra Grande e a FT-858, elas possuem como características principais a persistência, dominância no processo e grande capacidade de bioconversão, tornando-as responsáveis pela maior quantidade de produção do etanol brasileiro (AMORIM, 2013). Neste estudo podemos observar que as leveduras analisadas mostraram alterações genéticas. Possivelmente a busca por respostas adaptativas possibilitam aprimorar a ação do estresse etanólico, o que é interessante para o processo fermentativo, uma vez que estes microrganismos são expostos constantemente a ação deste agente estressor. Contudo, isto pode favorecer a indução de genes responsáveis pela tolerância ao etanol, o que possibilitaria uma maior produção deste produto biotecnológico. Tabela 1. Ação genotóxica do etanol nas linhagens Fleischmann® e FT-858 e seus níveis de danos no ácido desoxirribonucleico-DNA.
Fonte: autores. A análise das imagens em relação aos níveis de classificação dos danos causados ao DNA, mostrou diferenças tanto na forma como no tamanho dos cometas em relação as leveduras analisadas. Os danos foram classificados visualmente em níveis (0, 1, 2, 3 e 4), no qual 0 corresponde ao menor nível de lesão e 4 ao maior (Figura 3 A e B), sendo que as imagens da sequência A, representa os danos causados no DNA da levedura Fleischmann® e além disso, foi observado que nos níveis 3 e 4 houve maior tamanho da cauda do cometa. A sequência de imagens B representa os níveis de danos da levedura FT-858, na qual foi constatado maior cauda no nível 4. Os dados mostram elevada quantidade de DNA lesionado na levedura Fleischmann®, possivelmente isto esteja relacionado a susceptibilidade desta a ação da genotóxica do etanol. O teste do cometa alcalino é proposto em diversos estudos de toxicogenética devido as suas vantagens quando comparado a outros ensaios, como alta sensibilidade, rapidez, baixo custo relativo e a não necessidade de células em estágio de divisão. Ele é capaz de detectar quebras de fitas, ligações cruzadas e sítios álcali-lábeis no DNA nuclear de células individualizadas. Esta metodologia não consiste em detectar mutações e sim lesões genômicas, que ao passarem no processamento podem ou não resultar em mutação (MEZZALIRA, FUNCHAL e DANI, 2014). Estudos realizados por Rank et al. (2009), aplicando o ensaio cometa em Saccharomyces cerevisiae com o uso da enzima zymolase e exposição ao agente estressor H2O2 nas concentrações de 10 μM, 20 μM, 50 μM e 100 μM expostas por 10 minutos, evidenciaram que a concentração de 20 μM causou danos significativos no DNA. Neste sentido, nossos dados corroboram com a literatura, uma vez que a ação da enzima liticase foi eficaz na degradação da parede celular e o etanol induziu uma ação genotóxica nas leveduras analisadas. Nesta perspectiva, analisar os diferentes fatores de estresse em relação aos agentes da fermentação faz-se necessário para assegurar a produção de etanol, este importante produto oriundo de fontes renováveis e favorecer a sustentabilidade.
Figura 3. Análise das imagens dos níveis de danos do ácido de desoxirribonucleico-DNA classificados em (0,1, 2, 3, 4) das linhagens Fleischmann® (sequência A) e FT-858 (sequência B). Fonte: Autores.
CONCLUSÃO Os substratos sacarinos oriundos das fontes renováveis sorgo e cana, apresentaram similaridade em relação as características tecnológicas, mostrando um potencial para serem utilizadas na produção de bioetanol. A linhagem FT-858 apresentou maior performance fermentativa em ambos os substratos, entretanto foi no caldo de sorgo na temperatura de 30 ºC que se obteve maior acúmulo de etanol. Na avaliação do etanol como agente estressor, foi observado que as concentrações induziram ação genotóxica nas leveduras. A linhagem Fleischmann® apresentou maior nível de dano ao DNA mostrando ser mais sensível a ação genotóxica, contudo a FT-858 apresentou menor dano ao DNA sendo mais resistente ao agente estressor, tal fato viabiliza sua utilização na produção de etanol este importante produto biotecnológico.
Agradecimentos Os autores agradecem a Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (FUNDECT), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais (PGRN).
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