Não podemos pensar em desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades sociais e em qualidade de vida sem discutirmos meio ambiente. - Carlos Moraes Queiros
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 88 · Setembro-Novembro/2024
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CIÊNCIA SE FAZ TODO DIA: RELATO DE EXPERIÊNCIA EM POPULARIZAÇÃO DA CIÊNCIA NO CONTEXTO DA SEMANA NACIONAL DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
Kerla Joeline Lima Monteiro¹,², Ranieri Flávio Viana de Sousa², Brenda Bulsara Costa Evangelista², Hérida Jeyne de Oliveira Amaral2, Filipe Aníbal Carvalho-Costa¹,²*, Elaine Ferreira do Nascimento²*#
1 Laboratório de Epidemiologia e Sistemática Molecular, Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Pavilhão Leônidas Deane, sala 308, Avenida Brasil, 4365, Manguinhos, Rio de Janeiro, Brasil. Cep: 21040-900. 2 Escritório Técnico Regional - Fundação Oswaldo Cruz, Piauí. Rua Magalhães Filho, nº 519, Centro/Norte, Teresina, Piauí, Brasil. Cep: 64017-280. *Os autores contribuíram igualmente para o trabalho. #Autora correspondente: Elaine Ferreira do Nascimento (negraelaine@gmail.com). Endereço: Escritório Técnico Regional - Fundação Oswaldo Cruz, Piauí. Rua Magalhães Filho, nº 519, Centro/Norte, Teresina, Piauí, Brasil. Cep: 64017-280.
RESUMO As atividades da SNCT - 2018 foram realizadas pela equipe da Fiocruz-Piauí, através de estratégias de popularização da ciência em escolas públicas de Teresina. O trabalho descreve o impacto dessa ação junto às crianças. Assim, os alunos puderam absorver conhecimentos e compartilhá-los com familiares e amigos. Palavras-chave: Semana Nacional de Ciência e Tecnologia,Popularização da Ciência, Crianças.
ABSTRACT The activities of the NSTW - 2018 were carried out by the team of Fiocruz - Piauí, through strategies of popularization of science in public schools in Teresina. The paper describes the impact of this action on children. Thus, the students were able to absorb knowledge and share them with family and friends. Keywords: Brazilian National Science and Technology Week. Popularization of Science. Children.
INTRODUÇÃO Por que popularizar a ciência? Para responder, devemos partir do princípio que a ciência se faz todos os dias e deve estar disponível para todos. Além disso, a ciência envolve o direito de acesso ao conhecimento, ou seja, integra o exercício da cidadania (REIS, 2013). A partir de um consenso construído ao longo do tempo, pode-se inferir que o conceito de “popularização da ciência” modifica a dinamicidade das relações entre Ciência e Sociedade. Esse processo tem a capacidade de transformar o conhecimento dos cidadãos e o mundo que os cerca (LOZANO, 2005; BARTELMEBS&DA SILVA, 2016). A promoção da saúde e a educação estão associadas e ambas têm a finalidade de melhorar a qualidade de vida na esfera individual e coletiva (CARVALHO, 2015; MELO, 1981). Seguindo esse caminho, a popularização da ciência se constitui como instrumento útil para viabilizar a promoção da saúde, na medida em que socializa o conhecimento e possibilita a mudança de atitudes (CARNEIRO et al., 2012). Ao se trabalhar a popularização da ciência com crianças em um ambiente ruralhá inúmeros desafios (ausência de recursos e de acesso à informação, distância geográfica e vulnerabilidades sanitárias, socioeconômicas, ambientais e sociais). O ambiente escolar e as práticas pedagógicas oferecem um cenário favorável à popularização da ciência e promoção da saúde, pois permite retratar diversas situações sociais e ambientais da comunidade. Esse ambiente proporciona, por exemplo, a realização de ações de educação em saúde, permitindo uma interface com o sistema de atenção básica e até mesmo o encaminhamento para serviço de saúde especializado (HORTA, et al., 2017; CASEMIRO, et al., 2014). Nesse sentido, popularizar a ciência é diferente de divulgar. Quando se populariza, se faz junto com o outro, respeitando os limites e estimulando as potencialidades de cada um (WARTHA et al., 2015). Segundo Casemiroet al. (2014), indivíduos mais saudáveis estão ligados a bons níveis de educação. Desta forma, percebe-se a importância de envolver os sujeitos na atmosfera da popularização da ciência em busca do exercício da cidadania, da defesa da saúde pública e, como consequência, a melhoria da qualidade de vida. Nos últimos anos houve o desenvolvimento de políticas de incentivo à divulgação e popularização científica no país, tanto através da criação de centros e museus quanto através de maior ênfase sobre o assunto em jornais e revistas (MOREIRA et al., 2012). Um dos desdobramentos desse processo é a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT), evento anual que ocorre simultaneamente em todo território brasileiro, sendo vivenciado nas mais diversas instituições de ensino e pesquisa. A SNCT foi estabelecida por decreto em 09 de junho de 2004 e é realizada, desde então, no mês de outubro. Promovido pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), através do Departamento de Difusão e Popularização da Ciência e Tecnologia, o evento preconiza: “Aproximar a Ciência e Tecnologia da população, promovendo eventos que congregam centenas de instituições a fim de realizarem atividades de divulgação científica em todo o País. A ideia é criar uma linguagem acessível à população, por meios inovadores que estimulem a curiosidade e motivem a população a discutir as implicações sociais da Ciência, além de aprofundarem seus conhecimentos sobre o tema” (MCTIC, 2016). O Escritório Regional da Fundação Oswaldo Cruz no Piauí (Fiocruz-Piauí) participou da SNCT em 2018. Em nível nacional, o tema foi Ciência para a Redução das Desigualdades, alinhado ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 10 (ODS 10): reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles. Neste sentido, o trabalho tem como objetivo relatar uma experiência em popularização da ciência, sob os olhares da equipe e das crianças, com o lema “Fiocruz Piauí vai à escola: o conhecimento é de todos nós”. MATERIAIS E MÉTODOS A SNCT - 2018 aconteceu entre os dias 16 a 18 de outubro. Durante essa semana a Fiocruz-Piauí coordenou várias atividades para 342 crianças e adolescentes com idades entre 06 e 17 anos, de duas escolas da zona rural de Teresina. As atividades relatadas contaram com a colaboração da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e possibilitaram, posteriormente, a participação de 125 crianças do ensino fundamental (primeiro ao quinto ano) da Escola Municipal Manoel Nogueira Lima. A escola localiza-se no Km 24 da BR-316, no povoado Chapadinha Sul e recebe alunos de comunidades rurais produtivas próximas, apoiadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). As áreas do Assentamento 17 de Abril e do Acampamento 8 de Março possuem 80 e 150 famílias, respectivamente. O Assentamento tem a titularidade da terra regularizada e ambos são caracterizados pela falta de saneamento básico e vulnerabilidade econômica e socioambiental. A equipe deslocou-se para a escola no primeiro dia com o intuito de proporcionar um dia de cientista para cada estudante. O trabalho baseou-se em práticas relacionadas à promoção da saúde e popularização da ciência. Foi realizada também uma apresentação musical pelo Grupo Ciência Cantada (integrado por alunos de pós-graduação do Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz e da Fiocruz-Piauí, além de alunos de graduação da UFPI). A realização das atividades consistiu na distribuição de três tipos de kits (kit cientista, kit higiene e kit diversão), um par de chinelos, um certificado de cientista mirim, copos e toalhas e uma blusa da SNCT - 2018. O kit cientista era composto de uma Revista Científica Mirim, lápis, apontador, borracha, bloco de notas e lápis de cor. A revista científica foi idealizada para que as crianças produzissem um artigo científico como forma de entender o ambiente da pesquisa científica e mostrar que ciência se faz todo dia. Em colaboração com o curso de Odontologia da UFPI, foram realizadas também atividades relacionadas ao tema “A saúde começa pela boca – Aprendendo a fazer a higiene bucal”. Esta prática foi realizada por meio do kit Higiene. O resumo das atividades pode ser observado no fluxograma abaixo (Figura 1). Figura 1: Atividades realizadas com escolares do 1º ao 5º ano na escola municipal Manoel Nogueira Lima durante a SNCT/2018.
A Revista Científica Mirim O veículo escolhido para fazer ciência foi a Revista Científica Mirim (Figura 2). Esta revista teve como objetivo socializar o conhecimento sobre ciência. O material foi estruturado em duas partes: i) uma história com o título – “A turminha dos cientistas mirins em: ciência se faz todo dia” e ii) exercícios com respostas em formato de imagens, elaborados considerando os elementos (seções) que compõem um manuscrito científico (introdução, material e métodos, resultados, discussão, conclusão, agradecimentos e referências bibliográficas).
Figura 2: Revista Científica Mirim Ciência se faz todo dia (CAPA).
Todo o cenário da história foi ambientado para que as crianças pudessem identificar características em comum com suas casas. A construção da linguagem, os hábitos de vida e os personagens partiram desse mesmo pressuposto e foram elementos importantes para caracterizar o assunto proposto. A revista abordou o tema das verminoses focando na ancilostomíase, parasitose também conhecida como Amarelão, predominante em algumas comunidades rurais do Piauí (MONTEIRO et al., 2018). Tópicos relacionados aos fatores epidemiológicos associados à infecção, modo de transmissão, ciclo de vida do helminto, controle, prevenção e tratamento da ancilostomíase foram inseridos no texto. Outra estratégia utilizada para compor a história foi ressaltar que a ciência se faz todos os dias, e que todos podem ser cientistas. Neste tópico trabalhou-se a postura investigativa, a linguagem e a identificação científica. Tudo isso numa perspectiva lúdica na qual todo o investimento de tempo, técnicas e ferramentas de aprendizagem utilizadas para fazer ciência, garantiram “o ser” criança. Avaliando as atividades O desdobramento das atividades foi avaliado após um mês através de um encontro com as turmas participantes. O instrumento de coleta de dados foi o inquérito oral em grupo, que constituiu um conjunto de perguntas e respostas feitas em voz alta ao mesmo tempo para todos os escolares em sala de aula, com a presença das professoras. A avaliação em grupo ocorreu através de um roteiro contendo perguntas abertas gravadas que duraram em média 10 minutos. As perguntas abordaram temas trabalhados durante as atividades. Ao se expressarem, os alunos tornaram possível captar as impressões e concepções sobre ciência, saúde e ambiente internalizadas com as atividades. A dinâmica devolutiva foi complementada com anotações oriundas de processos de observação por parte da equipe que executou a atividade. Para esse tipo de abordagem (coleta de dados através das respostas faladas) foram necessárias no mínimo três pessoas: a que dinamiza, a pessoa que grava e a que relata e observa. Os resultados obtidos através das respostas foram analisados a partir da técnica de análise de conteúdo, modalidade temática de Bardin (2011). Esse método analisa e descreve os resultados referentes à aprendizagem de conteúdos importantes para ampliar as concepções sobre saúde, a partir de atividades realizadas. Nesse tipo de análise, o texto sofre desmembramentos em unidades e em seguida reagrupamentos em categorias de análise. Para o melhor entendimento dos dados, três etapas desse processo foram descritas por Bardin: i) pré-análise: faz a transcrição do que foi falado e destaca os temas que predominaram durante esse momento; ii) exploração do material: transforma os dados brutos do texto e sistematiza em categorias e iii) tratamento dos resultados: a partir da inferência e interpretação. Desdobramentos dos conhecimentos adquiridos: um relato sob o olhar das crianças Os registros revelaram que houve aprendizado por parte das crianças sobre como fazer ciência, através de um eixo condutor que foi a presença da ancilostomíase na comunidade, dentro de um cenário vivenciado por elas. Ao relatarem a troca com os familiares e amigos do que tinham aprendido no evento, as crianças demonstraram sua atuação como agentes multiplicadores do conhecimento. CONSIDERAÇÕES FINAIS A popularização da ciência é um instrumento metodológico que busca socializar e ao mesmo tempo empoderar indivíduos e grupos, no caso crianças, através do exercício da cidadania, com o conhecimento científico, processo que visa à melhoria da qualidade de vida de pessoas. Essa experiência teve a finalidade de promover interações acerca de realidades que impactam a vida de pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade social, estimulando a criatividade e construindo uma legião de novos “curiosos” sobre a nossa sociedade.
BARDIN, L. Análise de conteúdo 4ªed. Lisboa: Edições, v. 70, p. 1977, 2011. BARTELMEBS, R. C.; DA SILVA, J. A. REDE DE DIVULGAÇÃO E POPULARIZAÇÃO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA & INOVAÇÃO (CT&I) NO EXTREMO SUL GAÚCHO. Extensão em Foco, n. 12, 2016. CARVALHO, F. F. B. A saúde vai à escola: a promoção da saúde em práticas pedagógicas. Physis - Revista de Saúde Coletiva, v. 25, n. 4, p. 1207-1227, 2015. CASEMIRO, J. P.; CARVALHO, A. B. F., VELLOZO, F. M. S. Promover saúde na escola: reflexões a partir de uma revisão sobre saúde escolar na América Latina. Ciência & Saúde Coletiva, v. 19, n.3, p. 829-840, 2014. LOZANO, M. Programas y experiencias en popularización de la ciencia y la tecnología: panorámica des delos países del Convenio Andrés Bello. Convenio Andrés Bello, 2005. MELO, J. A. C. Educação sanitária: uma visão crítica. Educação e Saúde. p. 28-43, 1981. MONTEIRO, K. J. L.; et al. Focal persistence of soil-transmitted helminthiases in impoverished areas in the State of Piaui, Northeastern Brazil. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, v. 60, 2018. MOREIRA, T. M. Popularização da ciência e gêneros discursivos: uma possibilidade de ensino em Língua Portuguesa. Revista Linguagem & Ensino, v. 13, n. 2, p. 259-272, 2012. REIS, P. Da discussão à ação sócio-política sobre controvérsias sócio-científicas: uma questão de cidadania. Ensino de Ciências e Tecnologia em Revista, p. 1-10, 2013. WARTHA, E. J.; et al. "Divulgação e Popularização Científica no Projeto “Ciência sobre rodas” como espaço educativo." Revista de Ensino de Ciências e Matemática. v.6, n.3, p.113-131, 2015. |