É
PRECISO MUDAR A PRODUÇÃO MUNDIAL DE ALIMENTO, ALERTA
IPCC
BY
CIENCIAECLIMA
ELTON
ALISSON, AGÊNCIA FAPESP – O modelo de produção
agropecuária extensivo praticado nas últimas décadas
para atender à demanda global por alimentos tem causado um
aumento das taxas de uso e ocupação da terra em escala
sem precedentes. Esses processos têm contribuído para a
perda de biodiversidade e de ecossistemas, degradação
de solo e aumento das emissões de gases
de efeito estufa,
constata o relatório especial divulgado nesta quinta-feira
(08/8) pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas (IPCC,
na sigla em inglês) da Organização das Nações
Unidas (ONU), elaborado por 107 cientistas, de 52 países.
Entre
as medidas propostas no texto para melhorar a gestão do uso da
terra estão reduzir o desmatamento de florestas tropicais,
replantar vegetação nativa para sequestrar e retirar
dióxido de carbono (CO2) da atmosfera e compatibilizar o
aumento da produção de alimentos com a sustentabilidade
ambiental.
Um sumário
para os formuladores de políticas do
relatório especial sobre mudanças climáticas e
uso da terra do IPCC também foi lançado ao fim de um
encontro de cientistas em Genebra, na Suíça, após
ter sido aprovado por 195 países.
Elaborado
ao longo dos dois últimos anos, o documento avaliou como o uso
da terra contribui para as mudanças
climáticas e,
reciprocamente, como as alterações climáticas
afetam a terra. Para isso, foi feita uma revisão de mais de 7
mil artigos científicos publicados sobre o tema.
“Esse
relatório é diferente dos demais já publicados
pelo IPCC porque foca pouco na redução das emissões
de gases de efeito estufa e muito mais nos impactos das
transformações que têm ocorrido nos ecossistemas
terrestres no clima”, disse à Agência
FAPESP Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da
Universidade de São Paulo (IF-USP), membro da coordenação
do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas
Globais (PFPMCG) e
um dos coautores do segundo capítulo do relatório .
Outros
autores brasileiros da publicação são Humberto
Barbosa, pesquisador do Laboratório de Análise e
Processamento de Imagens de Satélites (LAPIS) da Universidade
Federal de Alagoas (UFAL), Luís Gustavo Barioni,
pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária, e
Regina Rodrigues, professora da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC).
De
acordo com o relatório, desde 1961, 5,3 milhões de
quilômetros quadrados (km2)
de terra – o equivalente a cerca de dois terços da área
da Austrália – foram convertidos para o uso agrícola
no mundo. A partir desse mesmo ano, o uso de fertilizantes
inorgânicos aumentou nove vezes e o uso de água para
agricultura de irrigação duplicou.
O
consumo de carne mais do que dobrou em todo o mundo também
desde 1961 e, consequentemente, aumentou 1,7 vez as emissões
de metano pelo gado. As emissões de óxido nitroso para
a atmosfera, em função da aplicação de
fertilizantes nitrogenados em pastagem, também mais do que
duplicaram.
“Estamos
vendo que está ocorrendo um crescimento enorme das emissões
de gases de efeito
estufa por
atividades agropecuárias”, disse Artaxo.
Estima-se
que 23% do total das emissões humanas de gases de efeito
estufa no período entre 2003 e 2012 derivam da agricultura,
silvicultura (produção de madeira) e outros tipos de
uso da terra, e que as emissões de CO2 pelo desmatamento
diminuíram no início dos anos 1960 e se estabilizaram
em altos níveis entre 2008 e 2017.
A
redução das emissões de gases de efeito estufa
da agropecuária, juntamente com todos os outros setores
econômicos, será essencial para que o aquecimento global
seja mantido abaixo dos 2 oC, aponta o relatório.
“Terrenos
já em uso poderiam alimentar o mundo em um clima em mutação
e fornecer biomassa para energia renovável. Mas é
necessária uma ação precoce, de longo alcance,
em várias áreas e a implementação de
medidas de conservação e de restauração
de ecossistemas e biodiversidade”, disse Hans-Otto Pörtner,
copresidente do grupo de trabalho II do IPCC, em comunicado da
instituição.
Efeito
sinérgico
Segundo
o relatório, quando a terra é degradada, ela se torna
menos produtiva, restringindo o que pode ser cultivado e reduzindo a
capacidade do solo de absorver carbono.
Esse
processo exacerba a mudança climática. Reciprocamente,
esse fenômeno agrava a degradação do solo por
meio do aumento do nível do mar, da intensidade de chuvas, de
inundações e de períodos de seca, entre outros
eventos climáticos extremos.
Como
destacou Barbosa, a perda da produtividade das terras
(desertificação) também tem como consequência
a migração de pessoas das áreas rurais para
centros urbanos. “No relatório, o número de
pessoas cuja subsistência depende de terras degradadas foi
estimado em 1,5 bilhão de pessoas no mundo. Provavelmente, a
maioria vive na pobreza, nos países em desenvolvimento. Esses
grupos sociais, incluindo mulheres e jovens, com opções
de adaptação limitadas, são especialmente
vulneráveis à degradação da terra e à
mudança climática”, disse.
A
exacerbação da degradação da terra pelas
mudanças climáticas tem ocorrido, notadamente, em áreas
costeiras de baixa altitude, deltas de rios, terras secas e em áreas
de permafrost –
o tipo de solo encontrado nas regiões polares –, apontou
o relatório.
O
número de pessoas que moram em áreas que sofrem de
desertificação no mundo aumentou em quase 300% desde
1961, atingindo, aproximadamente, 500 milhões de pessoas.
As
populações mais afetadas estão no sul e no leste
da Ásia, na região do deserto do Saara, que inclui o
norte da África e o Oriente Médio. Outras regiões
de terra seca, como no semiárido brasileiro, também têm
sofrido desertificação.
“Há
uma tendência de achar que no Brasil, por exemplo, não
há formação de desertos. Mas o desmatamento da
Caatinga e a degradação do solo desse bioma fizeram com
que já tenhamos áreas desérticas no semiárido
brasileiro, onde a terra é improdutiva, embora registre chuva
anual superior a 300 ou 400 milímetros”, disse Barbosa,
que coordenou o capítulo sobre degradação da
terra.
O
relatório estabelece opções para combater a
degradação do solo e prevenir ou adaptar-se a mudanças
climáticas adicionais. Também examina possíveis
impactos de diferentes níveis de aquecimento global.
Segundo
a publicação, há um aumento nos riscos de
escassez de água, seca, danos causados por incêndios,
degradação do permafrost e
instabilidade do sistema alimentar, mesmo para o aquecimento global
em torno de 1,5 °C.
Altos
riscos relacionados à degradação do permafrost e
à instabilidade do sistema alimentar são identificados
a 2 °C de aquecimento global.
“Em
suma, o que o relatório aponta é que o mundo tem de
tomar muito cuidado em relação a como aloca o uso da
terra, pois isso será crítico para as mudanças
climáticas”, avaliou Artaxo.
Segurança
alimentar
O
relatório destaca que as mudanças climáticas
estão afetando todos os quatro pilares da segurança
alimentar: disponibilidade (produção e rendimento),
acesso (preços e capacidade de obtenção de
alimentos), utilização (nutrição e
culinária) e estabilidade (interrupções na
disponibilidade).
A
segurança alimentar será cada vez mais afetada pela
mudança climática devido a quedas na produtividade dos
solos – especialmente nos trópicos –, aumento de
preços dos produtos, redução na qualidade de
nutrientes e interrupções na cadeia de fornecimento.
Os
efeitos desses impactos irão variar nos diferentes países,
podendo ser mais drásticos nos de baixa renda da África,
Ásia, América Latina e Caribe, aponta a publicação.
O
relatório registra que cerca de um terço dos alimentos
produzidos é perdido ou desperdiçado. Causas de perda
de alimentos e resíduos diferem substancialmente entre países
desenvolvidos e em desenvolvimento, bem como entre regiões.
Reduzir
essa perda e desperdício diminuiria as emissões de
gases de efeito estufa e melhoraria a segurança alimentar,
indica a publicação.
O
relatório conclui que existem maneiras de gerenciar riscos e
reduzir vulnerabilidades na terra e no sistema alimentar.
Um
foco geral na sustentabilidade, juntamente com ações
antecipadas, oferece as melhores chances de enfrentar as mudanças
climáticas. Isso implicaria baixo crescimento populacional e
redução das desigualdades, melhor nutrição
e menor desperdício de alimentos.
Esses
resultados poderiam permitir um sistema alimentar mais resiliente,
tornar mais terra disponível para bioenergia e, ao mesmo
tempo, proteger florestas e ecossistemas naturais. No entanto, sem
uma ação antecipada nessas áreas, mais terra
seria necessária para a bioenergia, levando a decisões
desafiadoras sobre o futuro uso da terra e a segurança
alimentar, pondera o relatório.
Um
dos estudos que embasaram a publicação foi o
relatório Bioenergy
& Sustainability: bridging the gaps,
produzido por pesquisadores do BIOEN e dos programas BIOTA e PFPMCG
para o Comitê Científico para Problemas do Ambiente
(Scope, na sigla em inglês), agência intergovernamental
associada à Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco).
Lançada
em 2015, a publicação fez uma análise de
diversas questões relacionadas com a produção e
o uso de bioenergia e sustentabilidade no mundo.
Fonte: Agência
FAPESP
HTTP://encurtador.com.br/btCZ3
" data-layout="standard"
data-action="like" data-show-faces="true" data-share="true">