Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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27/09/2019 (Nº 69) AVALIAÇÃO DE SISTEMAS AGROFLORESTAIS NO LITORAL CEARENSE
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AVALIAÇÃO DE SISTEMAS AGROFLORESTAIS NO LITORAL CEARENSE



Narciso Ferreira Mota1, Edson Vicente da Silva2, Yumê Remígio Mota2

1Doutorado em Desenvolvimento e meio Ambiente, Universidade Federal do Ceará.

2Departamento de Geografia, Universidade Federal do Ceará.



Resumo: As pesquisas sobre modelos de sistemas agroflorestais e de experiências agroecológicas realizadas por agricultores familiares no Nordeste do Brasil são poucas e precisam de maior divulgação. Esta pesquisa fez uma análise comparativa de dois Sistemas Agroflorestais (SAF’s) criados por agricultores familiares no litoral cearense, em Pindoretama e Trairi, a partir da visão da Agroecologia. Os sistemas agroflorestais (SAF’s) desenvolvem uma maior segurança alimentar ao mesmo tempo que propiciam a conservação do meio ambiente e uma melhor produtividade agrícola e florestal. O método MESMIS foi utilizado para avaliar e comparar os atributos de sustentabilidade (Produtividade, Equidade, Resiliência, Adaptabilidade e Auto-gestão) das Agroflorestas de forma participativa, pois as avaliações foram realizadas por técnicos e agricultores, através de um processo de construção do conhecimento agroecológico que promoveu reuniões e oficinas participativas nas comunidades com grupos de agricultoras/es, que fizeram um inventário de áreas possíveis para implantação de um roçado, de uma horta e das matas remanescentes dentro do perímetro escolhido. A certificação orgânica foi um dos fatores importantes que contribuíram para o sucesso dos SAF junto com agricultores familiares, pois permitiu variar a quantidade de produtos comercializados e garantir melhor preço com a obtenção de selo orgânico.

Palavras-chave: Agrofloresta. Desenvolvimento Sustentável. Litoral Cearense.



Abstract: Research on models of agroforestry systems and agroecological experiments carried out by family farmers in the Northeast of Brazil are few and need further dissemination. This research made an analysis of Agroforestry Systems (SAFs) created by family farmers on the coast of Ceará, in Pindoretama and Trairi, from the perspective of Agroecology. Agroforestry systems (SAFs) develop greater food security while promoting environmental conservation and improved agricultural and forestry productivity. The MESMIS method was used to evaluate and compare the sustainability attributes (Productivity, Equity, Resilience, Adaptability and Self-management) of the agroforestry in a participatory way, since the evaluations were carried out by technicians and farmers, through process of construction of the agroecological knowledge promoted meetings and workshops in the communities with groups of farmers, who made an inventory of possible areas for the implantation of a vegetable garden and the remaining forests within the chosen perimeter. The organic certification was one of the important factors that contributed to the success of the SAF along with family farmers, since it allowed to vary the quantity of products commercialized and to guarantee better price with the obtaining of organic seal.

Key words: Agroforestry. Sustainable Development. Ceará’s Coast.



1 INTRODUÇÃO



A maioria dos agroecossistemas desenvolvidos na região semiárida do nordeste brasileiro não apresentam sustentabilidade econômica e socioambiental, seja através da agricultura tradicional ou da agricultura moderna. As queimadas e os desmatamentos sucessivos ao longo de quase trezentos anos e mais recentemente o uso de agrotóxicos tem produzido intensa degradação socioambiental, agravando os processos de desertificação em grandes áreas dos litorais e sertões nordestinos, contribuindo para o êxodo rural e para diminuir a qualidade de vida das populações campesinas.

Nesse sentido, verifica-se a necessidade da instituição de uma agricultura efetivamente sustentável na convivência com o semiárido, que atenda o imperativo socioambiental a partir da incorporação dos princípios da Agroecologia, entendida como enfoque científico orientado a promoção de agroecossistemas mais orgânicos e sustentáveis.

Sabe-se ainda que alguns sistemas agroflorestais – SAF’s estão se apresentando como uma manifestação concreta de estilos de agricultura com maior nível de sustentabilidade quando comparado com o modelo de agricultura convencional. Estes sistemas constituem uma importante ferramenta no combate a pobreza rural, na segurança alimentar, na conservação dos recursos naturais e estão cada vez mais presentes nos programas locais de desenvolvimento promovidos por diferentes entidades (PALUDO; COSTABEBER, 2012).

Atualmente existem poucas pesquisas sobre modelos de sistemas agroflorestais no semiárido brasileiro, bem como de experiências realizadas por agricultores familiares, havendo a necessidade de um número bem maior de estudos em diferentes condições edafoclimáticas da caatinga e no semiárido para a criação de uma política pública capaz de incentivar novas experiências; considerando ainda, a urgência da temática por causa das condições de degradação já citadas anteriormente e também por causa das mudanças climáticas com aquecimento global, que poderá inviabilizar algumas culturas agrícolas no semiárido e com isto ameaçarem o modo de vida das comunidades rurais, caso não haja a mudanças nos sistemas de produção e consumo.

O reconhecimento das áreas de agricultura e de florestas como ambientes que a priori são antagônicos entre si, para o senso comum, faz-se necessário para elaborar ações de planejamento e gestão ambiental de modo a perceber possibilidades de integrações entre estes dois ecossistemas, visando a construção dos Sistemas Agroflorestais (SAF’s).

Esta pesquisa se propõe fazer uma análise comparativa de dois Sistemas Agroflorestais (SAF’s) desenvolvidos por agricultores familiares, observando o desenvolvimento socioeconômico e agroambiental de caráter sustentável para os agricultores e suas comunidades a partir da visão holística e sistêmica da Geoecologia das Paisagens e da Agroecologia, utilizou para isto o método MESMIS no qual agricultores e técnicos mensuram com notas os indicadores e atributos socioeconômicos e agroambientais, o que é uma forma mais participativa de análise e avaliação dos SAF’s.

Os dois Sistemas Agroflorestais estão na comunidade de Coqueiro do Alagamar no município de Pindoretama (SAF 1) e o outro no assentamento Várzea do Mundaú no município de Trairi (SAF 2), que são situados nas áreas de litoral do estado do Ceará. Cabe aqui ressaltar que aproximadamente 92% do território cearense está em área de influência semiárida (CEARÁ, 2010). O sentido é oferecer possibilidades de planejamento e gestão que possam ser incorporadas nos Planos Diretores Municipais e desenvolvimento comunitários.

Uma das intenções principais deste trabalho é perceber aspectos positivos, negativos e interessantes que ocorrem com os Sistemas Agroflorestais e com os agricultores que os manejam, através de comparações entre os sistemas mais antigos, já consolidados com mais de dez anos e os sistemas mais novos, implementados há poucos anos, para que através destas comparações possa ser feitas sugestões e indicações de modelos de SAF’s mais adequados a realidade do pequeno agricultor e com isto contribuir para que a agricultura familiar possa melhor se aproximar da filosofia e das práticas da agroecologia.

Dentre os objetivos da pesquisa, tem-se o de avaliar de forma participativa o desempenho socioeconômico e agroambiental dos dois agroecossistemas através do método MESMIS e seus atributos e indicadores, para evidenciar fragilidades e sugerir melhorias que contenham propostas conjuntas dos conhecimentos científicos e populares, para otimizar a produção agrícola de alimentos sadios, a conservação paisagística/ambiental e a preservação florestal.



1.1 Localização geográfica



As duas áreas de estudo dos Sistemas Agroflorestais pesquisadas neste trabalho estão localizadas em Pindoretama e Trairí, conforme descrição abaixo.



1.1.1 Litoral de Pindoretama: Compartimentação Geoambiental e Sistemas de Produção



O município de Pindoretama foi criado em 1987, seu nome significa na língua Tupi: Terra das palmeiras, localiza-se no setor nordeste do estado do Ceará, em latitude 4º 01' 37" e longitude 38º 18' 18", fica a 45 Km da capital cearense. Tem como características ambientais um clima Tropical Quente Semiárido Brando e Tropical Quente Sub úmido, com pluviosidade média anual de 930,7 mm, a temperatura variando entre 26°C a 28°C e o período chuvoso vai de janeiro a maio. Nos componentes ambientais possui um relevo com Tabuleiros Pré-Litorâneos Dissecados em Interflúvios Tabulares, seus solos são compostos principalmente de Areias Quartzosas Distróficas, a vegetação característica é o Complexo Vegetacional da Zona Litorânea e o município comporta três bacias hidrográficas costeiras que são as bacias dos rios: Mal Cozinhado, do Caponga Funda e do Caponga da Roseira. O município é composto por 5 distritos que são: Pindoretama, Capim de Roça, Caponguinha, Ema e Pratiús. No distrito de Pratiús localiza-se a comunidade do Coqueiro do Alagamar.

A comunidade do Coqueiro do Alagamar, no município de Pindoretama-CE, insere-se dentro dessa realidade do pequeno produtor rural do interior cearense, tem sérias limitações em relação ao desenvolvimento do potencial produtivo local. A dificuldade de organização comunitária dos agricultores que praticam a agricultura familiar é uma importante limitação para o aprimoramento do sistema produtivo local. Na parte Leste do município encontra-se a comunidade dos Canindés no Coqueiro do Alagamar. Esta localização faz desta área um importante corredor ecológico, entre os Riachos Caponga Roseira, conforme figura 1, abaixo:



Figura 1: Coqueiro do Alagamar no município de Pindoretama, Ceará.

Fonte: IPECE (2014).

Grande parte da população do distrito vive dignamente quanto à alimentação, porém não apresenta recursos sociais suficientes em relação à saúde, saneamento básico, habitação, educação, transporte e lazer. Podem-se relacionar ainda atividades extrativistas, como a retirada de areia dos leitos dos rios para a construção civil e de madeira para servir como lenha, carvão e construção de cercas. Em relação aos impactos ambientais causados pelos cultivos, podem-se destacar a monocultura da cana-de-açúcar que degrada o solo e polui o ar, devido às constantes queimadas, além de serem utilizadas técnicas tradicionais de limpeza do terreno com a derrubada e a queima da mata nativa.



1.1.2 Litoral de Trairi: compartimentação geoambiental e sistemas de produção

O centro do município de Trairi fica localizado no setor norte do estado do Ceará, em UTM latitude 3º 16' 40" e longitude 39º 16' 08". Situado a 105 km da Capital Fortaleza. Possui clima Tropical Quente Semi-árido Brando, com pluviosidade média de 1.588,8 mm, suas temperaturas variam 26° a 28° °C com período chuvoso de janeiro a abril (IPECE, 2016).

Dentre as principais características geoambientais do município de Trairí, destaca-se um relevo caracterizado por Tabuleiros Pré-Litorâneos e Planície Litorânea. Os solos predominantes são Areias Quartzosas Distróficas, Latossolo Vermelho-Amarelo, Podzólico Vermelho-Amarelo, Regossolo, Solonchak e Solonetz Solodizado. A vegetação característica constitui-se de Complexo Vegetacional da Zona Litorânea e Floresta Perenifólia Paludosa Marítima. As Bacias Hidrográficas correspondem aos rios Mundaú e Curu. Possui seis distritos municipais denominados de Trairi, Córrego Fundo, Canaã, Flecheiras, Gualdrapas e Mundaú (IPECE, 2016).

No distrito de Mundaú encontra-se o Assentamento Várzea do Mundaú, conforme mostra a figura 2, ele tem data da criação em 25 de junho de 1995 e está situado a uma distância de 42 Km da sede municipal de Trairi e distância à capital do Estado igual a 137 km.

Figura 2: Localização do Assentamento Várzea do Mundaú no Munícipio de Trairí, no Ceará.

Fonte: Mota, Yumê (2018).

Sistemas produtivos: A agropecuária corresponde a aproximadamente 6,47% do PIB do município, com um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) em 2010 de 0,606 e uma população de 51.420 pessoas em 2010, que cerca de 35% (13.270) são extremamente pobres (com rendimento domiciliar per capita mensal de até R$ 70,00) – 2010 e que destes 14.086 habitam em áreas rurais. Mesmo assim o município é grande produtor de coco, castanha de caju e mandioca (IPECE, 2016).



2 REFERENCIAL TEÓRICO

A condução adequada da pesquisa precisa qualificar os fundamentos teóricos que orientarão as etapas a serem desenvolvida na elaboração dos trabalhos, e que são fundamentais para se atingir os objetivos traçados e colaborar com objetivos pretendidos na fase inicial da investigação proposta.

2.1 Geoecologia da Paisagem

Como o espaço mais estratégico de trabalho com a geoecologia são os territórios e suas delimitações mais características são as bacias hidrográficas, pois segundo Silva e Rodriguez (2014): a Geoecologia das Paisagens, através de seus fundamentos teóricos e metodológicos, incorpora uma visão sistêmica, e assim, pode analisar e compreender o conjunto de paisagens naturais e culturais que constituem uma bacia hidrográfica, destacando as etapas de analise, diagnóstico, planejamento e gestão das unidades espaciais identificadas e de todo o conjunto hidrográfico resultante de suas inter-relações.

Existe também um aspecto muito importante desta ciência que é a noção de paisagem cultural, pois leva em consideração não apenas aspectos físicos e geográficos do espaço pesquisado, mas identifica interações das pessoas com estes espaços e suas relações de uso, dependência, afinidades e valore subjetivos atribuídos aquelas paisagens, conforme registra o texto. O planejamento ambiental busca focar o imaginário coletivo e os aspectos simbólicos da relação das comunidades locais com as cavernas da província. A partir dessa análise, sabem-se quais os valores que esses ambientes têm para a população da região, entendendo-se, portanto, quais os reais interesses no seu uso, apresentando então proposta de ações de manejo voltado na sustentabilidade socioambiental (FREIRE; DA SILVA, 2014).



2.2 Agroecologia: uma agricultura sustentável

A agroecologia surge como questionamento ao modelo produtivo predatório da agricultura convencional, revalorizando os conhecimentos tradicionais de cultivo da terra e manejo dos recursos naturais e incorporando-os dentro do campo do conhecimento científico ou ampliando-os com respaldo científico. A palavra “agroecologia” foi publicada primeiramente em 1928 pelo agrônomo russo Bensin, para descrever o uso de métodos ecológicos na produção agrícola comercial. Este termo passou a ser empregado em estudos sobre a incidência de pragas nos cultivos. As pesquisas em agroecologia têm seu início dentro do campo agronômico, mas já com influências da ecologia, da geografia e da antropologia. (WENZEL et al, 2009).

Altieri (1989) lembra que o uso contemporâneo da agroecologia data dos anos 1970, mas a ciência e prática da agroecologia têm a idade da própria agricultura. Ele argumenta que todo o desenvolvimento da agricultura se fez, relacionando-se com fatores ambientais e sociais onde se manejava muitas vezes muitos elementos além da cultura alvo, com o objetivo de garantir a produção através de seu equilíbrio com o ecossistema.

Primavesi (1992) define sua proposta de agricultura sustentável, abordando a necessidade de observar a produção através de horizontes econômicos, ambientais e sociais: sua perspectiva é de uma atividade economicamente viável, socialmente justa e ecologicamente correta. Propõe, assim, um novo paradigma agrícola que tenta conciliar a necessidade da sobrevivência humana, de modo socialmente justo, sem a exploração entre as classes e dos recursos naturais, de modo que estes últimos atendam às necessidades das atuais e futuras gerações. Este conceito traz consigo uma nova visão de temporalidade e até mesmo de sociedade, onde não são colocadas apenas as necessidades presentes como também as futuras, envolvendo um período de tempo que abrange não apenas um ano ou um mandato político, mas, sim, o tempo de vida de várias gerações humanas.

A partir dessa definição de sustentabilidade, fica mais fácil explicar a agroecologia. Esta, segundo Altieri (1989), é a ciência ou disciplina científica que apresenta uma série de princípios, conceitos e metodologias para estudar, analisar, dirigir, desenhar e avaliar agroecossistemas, com o propósito de permitir a implantação e o desenvolvimento de estilos de agricultura com maiores níveis de sustentabilidade. Ela bebe também de fontes antropológicas para realizar o resgate de práticas e conceitos tradicionais esquecidos durante os processos de desenvolvimento e expansão da agricultura produzida pela “Revolução Verde”.

A união entre os saberes tradicionais e as tecnologias ecológicas de manejo de solo se estabelece, portanto, através da experimentação constante, através de uma forte base empírica, reforçada pela percepção e pelo estudo dos processos e ciclos naturais, que permitem seu desenvolvimento. A agroecologia trabalha em torno de três eixos principais: 1-) A percepção e compreensão dos sistemas naturais; 2-) O resgate de saberes e práticas tradicionais; 3-) E a criação de novas tecnologias, saberes e práticas junto às comunidades.



2.3 Sistemas Agroflorestais (SAF’s)

Um sistema agroflorestal pode ser definido como uma forma de uso da terra e manejo dos recursos naturais em que é feito o consórcio de espécies lenhosas perenes, como arvores arbustos e palmeiras, com cultivos agrícolas ou criação animal em uma mesma área, várias disposições de espaço e tempo (NAIR, 1993) Seja de maneira simultânea ou em uma sequência temporal (Montagnini, 1992). Esta definição foi apresentada pelo Centro Agroflorestal Mundial, ou Centro Internacional de Pesquisa em Sistemas Agroflorestais – ICRAF, durante sua fundação em 1977, em Nairobi – Quênia.

Para Nair (1989) e Young (1990) o consorcio cultural dos SAFs apresenta mutuo benefício aos elementos inseridos deliberadamente ao sistema ou alguma vantagem comparativa em relação a outros sistemas produtivos, como resultado de interações ecológicas e econômicas da introdução ou preservação das espécies arbóreas associadas as culturas e/ou animais. Os sistemas agroflorestais (SAFs) são os sistemas produtivos que mais se aproximam ao ecossistema de mata natural. Por isso, proporcionam uma maior segurança do ponto de vista da conservação do meio ambiente e uma melhor bioprodutividade (PENEIREIRO, 2008). Estes sistemas podem apresentar várias disposições em espaço e tempo, e deve utilizar práticas de manejo compatíveis com o produtor.

É de fundamental importância ressaltar que o Código Florestal permite a implantação de sistemas agroflorestais e manejo sustentável em pequenas propriedades na área da reserva legal. Esta área deve ser minimamente de 80% de uma propriedade agrícola na Amazônia Legal, 35% de uma propriedade agrícola do Cerrado e 20% da área de uma propriedade para as localidades / ecossistemas (ABDO; VALERI; MARTINS, 2008).

Os SAF’s são classificados de acordo com a disposição das espécies no campo e podem ser classificados por sua estrutura, finalidade, função, arranjo dos componentes, dentre outros aspectos (Muller, Bezerra, 2010). Abaixo as classificações destes autores:

Quanto a divisão temporal, podemos ter os SAF’s sequenciais desenvolvidos com um intervalo de tempo entre a colheita de uma cultura e o plantio da cultura seguinte; os SAF’s de cultivos simultâneos podem ser tanto coincidentes, quando são cultivadas culturas com a mesma época de plantio e colheita, como concomitantes, culturas que possuem uma mesma época de plantio e diferentes épocas de colheita; o SAF é o sobreposto em que o plantio de uma cultura é feita antes da colheita da cultura anterior; e há ainda o modelo de SAF interpolado, onde são cultivadas culturas de ciclo curto durante o ciclo de uma cultura perene.

Os SAF’s por suas estruturas são divididos em:

a) Silviagrícola - combina árvores com espécies agrícolas; b) Silvipastoril - combina árvores com pasto e animais; e, c) Agrossilvipastoril – combina o sistema silviagrícola com o silvipastoril. Outro ponto fundamental dos Sistemas Agroflorestais é o manejo agroecológico através das práticas agroflorestais. As podas são um dos mais importantes tipos de manejos dos agroecossistemas, em alguns modelos de sistemas agroflorestais elas fornecem nutrientes (principalmente as podas de espécies leguminosas) e aumentam a incidência de radiação solar, contribuindo para evitar a competição entre plantas, além de proporcionar cobertura para os solos e as raízes, sendo as vezes, a poda, a própria colheita.



2.4 Método MESMIS

O desenvolvimento adequado da Agroecologia e dos Sistemas Agroflorestais requer uma constante percepção e avaliação para melhor direcionar sua evolução rumo a sustentabilidade. A mensuração do grau de sustentabilidade dos agroecossistemas é considerada crucial para que se encontrem soluções mais adequadas aos problemas observados, o que vem sendo feito a partir de diversas abordagens. (COSTA, 2010B; SULVARÁN; RIECHE & VARGAS, 2014). Por esta razão foi escolhido o método MESMIS para fazer estas avaliações dos Sistemas Agroflorestais.

O MESMIS (Marco para Evaluación de Sistemas de Manejo de Recursos Naturales Incorporando Indicadores de Sustentabilidad) foi criado em 1995 por um grupo interdis­ciplinar e multi-institucional do México, com o intuito de traduzir princípios gerais de sustentabilidade em definições operacionais, indicadores e práticas no contexto da gestão de recursos naturais em comunidades camponesas (LÓPEZ-RIDAURA; MASERA & ASTIER, 2002).

É um método que de forma cíclica, participativa e multiescalar, busca identificar alterações antrópicas sobre um sistema com base em padrões de sustentabilidade. O método é aplicável em sistemas de produção agrícola, florestal e/ou pecuária, e procura apontar de forma holística, os limites e possibilidades de sustentabilidade do sistema sob as perspectivas econômica, social (incluindo cultural e política) e ambiental (Masera; Astier & López-Ridaura, 2000).



3 METODOLOGIA

Para analisar os SAF’s foi utilizado o método MESMIS e a ciência da Geoecologia das Paisagens, posto que sua primeira e a segunda fase do método são o terreno de estudo desta ciência, que foi utilizada para analisar e caracterizar os agroecossistemas e depois identificar os pontos críticos, com seus problemas limites e possibilidades.

O método MESMIS é composto por ciclos de avaliações de seis passos. Primeira­mente é feita a caracterização do sistema analisado, identificando os aspectos do sistema de manejo e seu contexto socioeconômico e ambiental. Depois é feita uma análise dos pontos críticos do agroecossistema de forma a identificar os fatores limitantes e favoráveis à sustentabilidade. O terceiro passo é a determinação de critérios de diagnóstico associados aos atributos da sustentabilidade (produtividade, estabilidade, resiliência, confiabilidade, adaptabili­dade, equidade e autogestão). A partir dos critérios de diagnóstico, são determinados os indicadores de sustentabilidade. O quarto passo refere-se à medição e ao monitoramento dos indicadores ao longo do tempo; no quinto passo é feita a integração e a apresentação dos resultados e, por fim, após a análise crítica do sistema, são feitas as conclusões e re­comendações consideradas importantes para melhoria da sustentabilidade do sistema de manejo. Esse último passo fecha o ciclo, ao mesmo tempo que inicia outro, ao começar nova avaliação do sistema (MESMIS, 2014).

Os SAF’s foram analisados em função cinco atributos preconizados pelo método MESMIS e seus indicadores relativos aos três pilares da agroecologia que são o econômico, ecológico e o social, conforme quadro abaixo.

Quadro 1: Atributos, critérios e indicadores do Método MESMIS.

ATRIBUTOS

CRITÉRIOS

INDICADORES

Produtividade

Eficiência

Custo / benefício e ou renda bruta.

Estabilidade/

Resiliência

Diversidade

Espécies (vegetais e animais) e manejos.

Conservação cursos

Perda da terra por especulação imobiliária.

Qualidade solo/água.

Fragilidade e Sistema

Dependência econômica para aquisição de insumos.

Capacidade produtiva sob estresse.

Adaptabilidade

Processo aprendizagem

Capacitação, formação e reuniões na comunidade.

Adaptação local ao SAF.

Capacidade de inovação

Geração conhecimento/produtivo

Equidade

Distribuição
renda

Por gênero e geração para as famílias e os investimentos sociais.

Autogestão

Autossuficiência

Grau de dependência e auto- financiamento.

Organização

Gerenciamento e tomada decisões dos agricultores.

Fonte: Masera; Astier & López-Ridaura, 2000

Conforme o método MESMIS, este trabalho fez uma análise de alguns atributos da sustentabilidade de dois agroecossistemas, o SAF número 1,com menor tempo de implantação, na comunidade Coqueiro do Alagamar no município de Pindoretama e o SAF número 2, mais antigo, que localiza-se no Assentamento Várzea do Mundaú, no município de Trairí, ambos no Estado do Ceará, junto com a percepção dos técnicos da ONG CETRA (Centro de Estudo e Assessoria ao Trabalhador) junto com os agricultores das comunidades. Para isto utilizou-se de alguns indicadores agroecológicos e socioeconômicos que foram trabalhados na forma de questionários semiestruturados aplicados durante reuniões e em transectos com técnicos da ONG junto com agricultores para identificar limitações, problemas e oportunidades relativos aos dois SAF’s. Nesta etapa de caracterização correspondente as fases 1 e 2 do método MESMIS, utilizou-se a Geoecologia das Paisagens para caracterizar os locais dos Sistemas Agroflorestais.



DESCRIÇÃO DO SAF Nº 1 EM PINDORETAMA

Observou-se a disposição dos elementos da paisagem sob os enfoques estruturais e funcionais, o solo e a tipologia do terreno é bastante homogênea em qualquer área apontada, a vegetação nativa divide espaço com plantios de capim, na área escolhida para implantação da horta do SAF 1 havia uma cerca viva de sabiá (Mimosa caesalpiniaefolia), que segundo alguns agricultores: poderia inviabilizar o plantio das hortaliças por causar sombreamento e soltarem muita “sujeira”, as folhas.

Na etapa de análise do potencial da paisagem, a comunidade estudou tipos de integração da natureza com os manejos dos cultivos, suas funções e valores econômicos quando questionaram a intervenção (poda, desmatamento, etc) sobre a cerca viva composta de árvores de sabiá, decidiram mantê-la com sistemas de podas e usar as sementes para replantio da espécie em área junto da horta, para produção de estacas, lenha e carvão, além de fornecer matéria orgânica para compostagem que foi usada como adubo para as hortaliças, foi avaliada a produtividade do agroecossistema de coentro (Coriandrum sativum) e cebolinha (Allium fistulosum) e sabiá (Mimosa caesalpiniaefolia), no período de um ano.

O enfoque relacionado à organização estrutural-funcional para otimização das paisagens, contou com as famílias organizadas em mutirões, que fizeram a intervenção na área escolhida e implantaram o SAF 1, o mais básico, planejado para incentivar a comunidade a buscar uma soberania alimentar. Mas ao final de um ano somente as famílias do Sr. Adonias e do Sr. Ronaldo continuaram na atividade produtiva.

A produção e produtividade foram avaliadas no período de 12 meses, nos 28 canteiros de 10m2 cada, que eram irrigados com sistema de microaspersão e gotejamento, recebiam adubação de composto orgânico produzido na própria comunidade, com esterco de aves e de gado bovino misturados com a serapilheira das folhas de sabiá (Mimosa caesalpiniaefolia). As sementes de coentro (Coriandrum sativum) eram convencionais, disponíveis no mercado (com agrotóxicos) no início, mas após o sexto mês o sistema tornou-se autossuficiente em produzir suas próprias sementes. Os perfilhos de cebolinha (Allium schoenoprasum) foram adquiridos na Ceasa (Central de Abastecimento S.A.) e em hortas próximas e o solo coberto com palhas de coqueiro para diminuir a irradiação solar sobre as sementes conforme figura 3, abaixo.

Figura 3: Horta do SAF 1.

Fonte: Autoria própria.

As culturas de coentro (Coriandrum sativum) e cebolinha (Allium schoenoprasum) foram escolhidas para avaliação por ocuparem mais de noventa por cento da área cultivada com horta e o plantio de sabiá correspondeu a parte florestal avaliada. A área plantada com sabiá foi de 1000m2, com plantas no espaçamento de 1m x 2m, num total de 500 árvores, para produção de estacas, a serem colhidas no quarto ano após o plantio, que ocorreu em 2014 e 2015. A produtividade do coentro e da cebolinha foi medida a cada dois meses, em kg por m2 e avaliada também a renda da comercialização feita com a comunidade e com os programas de governamentais, tais como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).



DESCRIÇÃO SAF Nº 2 TRAIRI

No Assentamento Várzea do Mundaú, município de Trairi encontra-se a família do Sr. Zé Júlio que ao participar das discussões políticas e sociais do assentamento, capacitou-se em cursos de Agroecologia e iniciou um SAF no ano de 2005 com a área de 1 ha, onde cultivou feijão (Vigna ungulata), milho (Zea maiz), mandioca (Manioth esculenta), cajueiros (Anacardium ocidentale), maxixe (Cucumis anguria), melancia (Citullus lanatus) e também utilizou a área para criação de abelhas (Apis mellifera), onde instalou um apiário com cerca de 20 colmeias.

Inicialmente o Sr. Zé Júlio realizou um raleamento das plantas nativas principalmente, as arbóreas, em seu terreno para implantar os cultivos tradicionais de região, que garantiu a segurança alimentar de sua família, o que possibilitou mais uma fonte de renda. Atualmente a área também é ocupada com cerca de dois hectares de plantas de sabiá com quatro anos e que serão cortadas para produção de estacas daqui a dois anos.

Nesse hectare já havia uma grande parte do terreno ocupado com mata nativa do Complexo Vegetacional Litorâneo. Na implantação do SAF, fizeram a retirada de algumas espécies arbóreas e a carpina seletiva da área para o plantio do roçado de mandioca (Manihot esculenta) com milho (Zea mays) e feijão (Phaseolus vulgaris). Ela fez podas mais drásticas nas árvores com copas mais desenvolvidas, para que houvesse maior luminosidade solar no terreno, então ele cortou vários ramos e os utilizou para fazer cobertura do solo conforme mostra a figura 4.

Figura 4: Área de SAF 2 com solo recoberto.

Fonte: Autoria própria.

Com a adição da matéria orgânica no solo depositada a cada ano pela queda natural das folhas e também pela poda dos galhos, ele percebeu um aumento significativo da produtividade das culturas de feijão e milho e mandioca, ocasionado pelo aumento da fertilidade dos solos e por outros benefícios nos ecossistemas que os SAF’s proporcionam. O Sr. Zé Júlio contou que conseguiu duplicar a produção ao longo desses 10 anos, tanto a produção de feijão como a de milho, na mesma área que usava tradicionalmente.

Um dos itens importantes que contribuem para o sucesso dos SAF junto com agricultores familiares é a certificação orgânica, pois permite aumentar a quantidade de produtos comercializados e em alguns casos também melhora o preço, pois eleva em 30% o valor do produto com selo orgânico quando este é adquirido pela prefeitura para a merenda escolar através dos programas dos Governos Federal e Municipal, PPA e PNAE.



4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Os resultados da pesquisa são descritos e discutidos de acordo com os cinco atributos de sustentabilidade avaliados e ao final são mostrados os gráficos que resumem melhor a percepção dos agroecossistemas segundo o método MESMIS com seus indicadores e atributos.

No atributo Produtividade os dois SAF’s apresentarem os seguintes resultados:

A-) Produção e Produtividade do Agroecossistema;

O SAF 1 produziu em um ano (de julho de 2014 a junho de 2015) um total de 5.400 kg de coentro e 6.200 Kg de cebolinha, totalizando 11.600Kg de cheiro verde (coentro e cebolinha) que foram comercializados desta forma: (30%) na comunidade e na sede do município, outra parte, (70%) vendidos para a Prefeitura Municipal de Pindoretama via PNAE. O sistema conduzido apresentou uma produtividade média do coentro de 3,75 Kg.m-2 e da cebolinha de 4,3 kg.m-2. Pode-se verificar que com este modelo de SAF, a produtividade das hortaliças foi maior que a média nacional, que segundo a Ematerce (Empresa de Assistência Técnica do Estado do Ceara), era de 2,14 Kg.m-2 para o coentro e de 3,4 Kg.m-2. Das 500 plantas de sabiá (Mimosa caesalpiniaefolia) cultivadas será obtido com a venda das estacas no quarto ano, tempo que atingem diâmetro propício à comercialização, um valor de: 500 estacas a R$ 5,00, que dará renda bruta de R$ 2.500,00 que dividido pelos quatro anos resulta em R$ 625,00 por ano. Os custos de produção do sabiá (Mimosa caesalpiniaefolia) estão integrados no SAF. Para que se tenha uma percepção detalhada da movimentação econômica, os custos de produção e a rentabilidade do agroecossistemas são descritos na tabela 1:

Tabela 1: Relação econômica de custo/benefício anual do SAF 1.

Custo anual da produção

Materiais

Quantidade

Unidade

R$

Esterco

672

Saca

6.720,00

Energia elétrica

15

R$ / mês

330,00

Cultivo

180

Diária (R$ 40,00)

7.200,00

Sementes

72

Kg

1.440,00

Total



15.690,00

Valor de Renda da Produção (R$ ).

Cebolinha

6.200

Kg

18.600,00

Estacas de Sabiá

125

Unid.

625,00

Coentro

5.400

Kg

16.200,00

Total



35.425,00

Saldo anual (Renda – Custo)

19.735,00

Fonte: Elaboração do autor.



Este saldo anual dividido paras duas famílias que trabalham no SAF dá uma média de R$ 9.867,50 ao ano, ou seja, proporciona uma renda líquida por mês de R$ 822,30 para cada família. Ao observar estes números percebe-se a importância do SAF como gerador de renda.

O SAF 2 é composto de quatro subsistemas produtivos geradores de renda para a família, que são o roçado (feijão, milho e mandioca), o sistema arbóreo com sabiá e cajueiros e a apicultura, com a criação de vinte colmeias de abelhas africanizadas (Apis mellifera), que produzem uma média anual de 300 litros de mel por ano, dos quais 20 litros são utilizados para a alimentação da família e o restante é comercializado ao preço de R$ 30,00 o litro e gera uma renda anual aproximada de R$ 8.400,00 que dividido pelo tempo de dias/ano trabalhados na atividade gera uma das melhores produtividades do sistema, conforme tabela 2, abaixo.



Tabela 2: Tempo de trabalho, quantidade produzida e renda nos subsistemas do SAF 2 de
Várzea do Mundaú (2016).


Feijão / Milho / Mandioca Kg

Castanha

kg

Sabiá / Estacas

Mel

L

Diária/ano

50

20

12

36

Produção

60/ 120/ 600 (Kg)

700 (Kg)

800 (unid.)

350 (L)

Renda (R$)

1.000,00

1.400,00

3.200,00

9.000,00

Fonte: Elaboração do autor.



O Sistema Agroflorestal 2 gera um total de R$ 14.600,00 de renda bruta por ano que dividido ao longo dos doze meses dá um valor de R$ 1.216,00 por mês, o que demonstra uma boa renda para a agricultura familiar.

B-) Quanto ao atributo Equidade, usando como indicador: o benefício para as famílias e os investimentos sociais e produtivos. Foram descritos pelos agricultores, a possibilidade de trabalhar em casa, nos seus quintais, de não mais precisar vender sua mão de obra para os “patrões”, eles serão de agora em diante, seus próprios patrões, pois agora viviam e tiravam sua renda da terra, naquela atividade que gostavam trabalhar.

O investimento social mais festejado foi a mobilização dos participantes da associação em prol de finalizar a construção de um templo religioso na comunidade e que também é local de reuniões da associação, recursos da horta contribuíram para esta construção. Mas a mobilização da comunidade para integrar o grupo no programa PNAE fazendo comercialização talvez seja o melhor investimento social e produtivo, pois as crianças da escola da comunidade agora consomem na merenda alimentos agroecológicos, livres de agrotóxicos e produzidos pela própria comunidade.

No SAF 2 o atributo Equidade também foi avaliado como ótimo pelos técnicos e pelos agricultores envolvidos na pesquisa, pois toda a família participa das atividades produtivas no sistema, desde o planejamento, produção, comercialização e a renda é distribuída de forma equitativa. A família faz trocas e também vende produtos ecológicos dos parceiros da vizinhança e muitos da comunidade já adquirem os produtos orgânicos da família.

C-) No atributo Estabilidade (socioeconômica e agroambiental):

No SAF 1, um dos indicadores foi a dependência de recursos econômicos para aquisição de insumos, onde o sistema adquiriu maior autonomia na produção das próprias sementes, sendo que nos dois últimos meses já iniciou a venda delas. Outro indicador é a especulação imobiliária que pressionou por duas vezes a mudança de local da horta, o que diminuiu muito a estabilidade do sistema.

No SAF 2 a nota para o atributo Estabilidade do sistema foi maior por causa da segurança fundiária, a família planta no seu próprio lote do assentamento, utiliza atualmente 3 hectares e ainda tem possibilidade de expandir sua área produtiva. Há uma dependência mínima de recursos externos para alimentação humana e do gado, o agricultor produz e utiliza sementes crioulas, cultiva arvores nativa e comercializa nas feiras locais, isto confere o alto grau de Estabilidade no SAF.

A Estabilidade do ecossistema foi identificada pelos agricultores principalmente pelo componente arbóreo nos dois Sistemas Agroflorestais.

No SAF 1 a barreira de arvores de sabiá que margeava a lateral leste do terreno e que no início era vista com um empecilho ao cultivo das hortaliças, atualmente é aceita, utilizada e indicada pelos agricultores como fundamental para o equilíbrio térmico, fertilização do solo, cerca viva para controle biológico e aumento da biodiversidade local. Já no indicador número de cultivos há uma baixa na nota do atributo Estabilidade por causa da diversidade mínima de cultivos agrícolas, onde o coentro e a cebolinha dominam mais de 90% da área agrícola e apena o sabiá faz parte do componente arbóreo.

O SAF 2 também foi avaliado por agricultores e técnicos com uma ótima Estabilidade ambiental e econômica, por sua variedade de componentes arbóreos que além de gerar todos os benefícios ambientais citados antes para o SAF anterior, por sua disposição de forma ampla e sistemática na área conferem uma maior produção de matéria orgânica e de cobertura do solo. Também por acarretam uma maior produção agrícola de frutos (caju e castanha), de estacas e mourões (sabia) e de lenha da vegetação nativa através das podas, este SAF tem uma maior nota no atributo em questão.

Para o atributo Resiliência que utilizou o indicador capacidade de produção em situação de seca.

O SAF 1 foi capaz de sustentar a produção com uma pequena variação de 20% a menos na quantidade por diminuição das águas, enquanto outras hortas vizinhas pararam totalmente de produzir nos meses finais do ano. Os próprios agricultores atribuíram isto a incorporação de composto orgânico, a cobertura do solo com folhas e a proteção da cerca viva de sabiá, pois isto deixou o solo mais úmido e fez com que a horta resistisse as estiagens.

O SAF 2 também apresenta um ótimo desempenho nas avaliações do atributo resiliência, pois manteve a produtividade durante anos de grandes estiagens e durante os 15 anos aumentou a produtividade de grãos e de frutos, o que consolida a noção de resiliência deste Sistema Agroflorestal.

D-) No atributo Adaptabilidade, o indicador: variedade de cursos, capacitações e reuniões com a comunidade, onde nos problemas técnicos, a participação da comunidade em cursos contribuiu para resolver ou adaptar as mudanças. A comunidade do Coqueiro do Alagamar participou de vários momentos de capacitações e de reuniões com técnicos, estudantes e professores da universidade, onde planejaram e implantaram o SAF 1 que é uma inovação técnica e cultural na área agroambiental, que contribuiu para melhorar a geração de renda também a alimentação dos estudantes da escola da comunidade, além de melhorar a nota do atributo adaptabilidade.

Já nos conflitos socioambientais as reuniões possibilitaram gerar conhecimentos mútuos para inovar em práticas conciliadoras, entre os participantes.

No SAF 2 este atributo Adaptabilidade foi bem avaliado, pois seguiu praticamente os mesmos passos de participação em cursos e intercâmbios com técnicos e agricultores para percepção de outras possibilidades de inovação tecnológicas propiciadas pela Agroecologia, tais como os SAF’s, apicultura e a socioeconomia solidaria, depois fizeram a implantação de apiário e SAF no lote, sempre renovando os conhecimentos em novas capacitações, que influenciam nos conflitos socioambientais, através de reuniões onde possibilitaram gerar conhecimentos mútuos para inovar em práticas conciliadoras, entre os participantes, o que confere um melhor nota (3) no atributo Adaptabilidade.

E-) No atributo Autogestão, que é regulação do ecossistema socioeconômico e que utiliza o indicador: gerenciamento e tomada de decisões dos agricultores. No SAF 1 a comunidade e o grupo de agricultores interagiram em reuniões mensais, para se capacitarem em vários temas oferecidos pelos técnicos e depois realizaram o planejamento e a condução técnica e administrativa do SAF, desde indicando novas áreas locais a serem utilizadas, distribuindo pequenas porcentagens da renda para construções coletivas, aumentaram as interações com a escola local, com órgãos da prefeitura municipal e com programas federais e aumentando a participação em projetos da Universidade Federal do Ceará.

No SAF 2 o envolvimento dos participantes da comunidade nos projetos de SAF’s foi maior que na comunidade anterior, mas o nível de autofinanciamento foi menor por causa da dependência de financiamentos governamentais, mas ambos indicadores estão bem administrados e avaliados pelas famílias dos agricultores e suas comuns idades, o que faz da auto-gestão um atributo muito bem avaliado nos dois SAF’s.

Tem-se representado abaixo nas figuras 5,6 e 7, os gráficos de cada SAF e um gráfico comparativo de sustentabilidade dos dois SAF’s, com suas respectivas notas dos SAF’s por Atributos.

Figura 5: Gráfico de sustentabilidade do SAF 1.

Fonte: Autoria própria.

O gráfico mostra que os atributos de produtividade, equidade e auto-gestão estão com notas máximas segundo avaliações dos técnicos e dos agricultores envolvidos no trabalho, mas que nos atributos Adaptabilidade e Resiliência ainda existem situações a serem melhoradas conforme discussões anteriores.

Figura 6: Gráfico de sustentabilidade SAF 2.

Fonte: Autoria própria.

Segundo avaliação participativa dos agricultores e técnicos envolvidos no trabalho, o SAF 2 teve notas máximas nos atributos Auto-gestão, Produtividade, equidade e Resiliência, somente no atributo Adaptabilidade ele ficou com nota menor pois ainda precisa resolver alguns conflitos que estão além da capacidade de adaptação da comunidade. Mas na comparação entre os dois sistemas, o SAF 2 teve uma melhor avaliação da sustentabilidade que será mostrada no gráfico da figura 7, logo abaixo.

Figura 7: Gráfico comparativo dos SAF’s 1 e 2.

Fonte: Autoria própria.

Na comparação dos gráficos de sustentabilidade verificou-se que pelas notas atribuídas aos agroecossistemas pelos técnicos e agricultores, o SAF 2 apresenta uma maior resiliência e estabilidade do que o SAF 1 por causa dos resultados dos indicadores discutidos anteriormente. Nos outros Atributos os dois agroecossistemas foram avaliados com notas iguais.

Avaliados os problemas, limitações e possibilidades enfrentados pelos agricultores sob os pontos de vista social, econômicos e ecológicos. Pode-se antecipar alternativas e possibilidades para viabilizar novas formas de manejo e ou redesenhar uma ideia, um sistema produtivo ou mesmo uma paisagem, de forma tornar o SAF mais eficiente, otimizando os recursos naturais e facilitando o trabalho dos agricultores familiares para conferir um melhor gerenciamento das horas trabalhadas.

Visa-se assim melhorar o processo de utilização e ocupação do solo, garantindo melhor conservação das florestas e de seus serviços ambientais proporcionados pela atividade agroecológica e ao bem-estar de todos os seres que dela sobrevivem e que nela convivem em equilíbrio.



5 CONCLUSÕES

Ao avaliar os gráficos e suas descrições pode-se concluir que para uma melhor geração de renda para as famílias que vivem da agricultura o mais importante é fazer uma boa autogestão das condições disponíveis, pois mesmo em trabalhando em áreas de tamanhos diferentes, as duas famílias conseguiram uma boa produtividade nos seus Sistemas Agroflorestais.

Mas para incrementar a biodiversidade local e gerar uma maior resiliência e melhor estabilidade econômica e socioambiental no ecossistema é necessário que os agricultores possam dispor de uma área de SAF compatível com as possibilidades de produzir a maior parte da alimentação das suas famílias e que ainda possa gerar um excedente para comercializar, isto requer uma área mínima de 2 a 3 hectares.

A conclusão final é que este método de avaliação é muito importante para estimular a percepção de agricultores e técnico sobre dificuldades e potencialidades dos agroecossistemas e influenciar nas tomadas de decisões para construir Sistemas Agroflorestais cada vez melhores nas dimensões econômicas, ecológicas e sociais.



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Ilustrações: Silvana Santos