A
PSICOLOGIA TRANSPESSOAL COMO BASE TEÓRICA EM PROJETOS
SOCIOAMBIENTAIS: UM ESTUDO DE CASO SOBRE A EDUCAÇÃO
AMBIENTAL TRANSPESSOAL (EAT)
Luciana
A. Farias1,
Juliana Rodrigues2
1Departamento
de Ciências Ambientais, Universidade Federal de São
Paulo (lufarias2@yahoo.com.br)
2
Departamento de Ciências Exatas
e da Terra, Universidade Federal de São Paulo
(julianerodriguesniz@gmail.com)
Resumo:
Denominada por alguns como a quarta força da psicologia, no
Brasil a Psicologia Transpessoal é considerada uma abordagem
ainda em processo de consolidação e que para seu
desenvolvimento futuro deverá contar com a contribuição
de estudiosos que queiram investir em pesquisas com esta temática.
Dentro dessa perspectiva, o objetivo do presente trabalho é
apresentar os resultados obtidos em um estudo de caso a respeito da
utilização da Educação Ambiental
Transpessoal (EAT), cuja pretensão é se constituir como
uma trajetória possível de autoconhecimento, educação
socioemocional e a reconexão com o meio ambiente. Este estudo
teve um caráter qualitativo exploratório na forma de um
estudo de caso. O referencial metodológico adotado foi a
Psicologia Transpessoal, a Fenomenologia e a Transdisciplinaridade
(levando em consideração seus três pilares:
complexidade, níveis de realidade e a lógica do
terceiro incluído). Já os métodos adotados foram
oficinas corporais e a pintura livre, adaptado do método de
Susan Bello. Como resultado, pode-se constatar que as oficinas
ofereceram o espaço propício para o acesso ao universo
simbólico dos indivíduos de forma a oferecer uma
oportunidade de se trabalhar a reconexão com o meio ambiente a
partir da reconexão consigo próprio, constituindo
também um caminho de autoconhecimento e reeducação
socioemocional.
Palavras-chave:
Psicologia
Transpessoal; Educação Ambiental Transpessoal; Pintura
Livre.
Abstract:
Known
by some as the fourth force of psychology, Transpersonal Psychology
in Brazil is considered an approach still in the process of
consolidation and that for its future development should count on the
contribution of scholars who want to invest in research on this
subject. In this perspective, the objective of this paper is to
present the results obtained in a case study about the use of
Transpersonal Environmental Education (TEE), which aim is to
constitute a possible trajectory of self-knowledge, social-emotional
education and reconnection with environment. This study had an
exploratory qualitative character in the form of a case study.
The
methodological framework adopted was Transpersonal Psychology,
Phenomenology and Transdisciplinarity (taking into account its three
pillars: complexity, levels of reality and the logic of the included
middle). The methods adopted were body workshops and free painting,
adapted of the Susan Bello method´s. As a result, it can be
seen that the workshops offered the right space for access to the
symbolic universe of individuals in order to offer an opportunity to
work reconnection with the environment from the reconnection with
itself, also constituting a path of self-knowledge and
social-emotional reeducation.
Key
words:
Transpersonal Psychology; Transpersonal Environmental Education; Free
Painting.
Introdução
O
que é ser humano? O que nos diferencia dos demais mamíferos
ou animais? Antonio Damásio em seu livro A Estranha Ordem das
Coisas, diz que nós seres humanos nos diferenciamos de outras
espécies porque temos a capacidade de criar uma diversidade de
objetos, práticas e ideias conhecida coletivamente como
cultura (Damásio, 2018). Todavia, estudos conduzidos com o
macaco-prego da espécie Sapajus
libidinosus, têm constatado o
uso de ferramentas por esses animais, o que implicaria em
conhecimento, aprendizado e transmissão de práticas
culturais (Falótico, 2017). Portanto, não seriam os
seres humanos os únicos seres vivos a terem cultura e a
transmitirem a seus descendentes. Então, talvez, outros dirão
que é pelo fato de termos “consciência”, ou
seja, diferentemente dos animais podemos nos olharmos no espelho e
termos ciência que a imagem que aparece é apenas um
reflexo da nossa individualidade. Nos aproximaríamos do que
Osho (2003) em seu livro Consciência diz: é
sermos comandante do navio, no sentido de estarmos presentes,
salientando que o “que somos” tem de ser constante em
nossa consciência (pág. 3).
Mas a verdade é que essas questões não são
de simples resposta e há muito são pesquisadas na
psicologia com o objetivo de refletir a respeito do que é ser
humano, nossos comportamentos, quem somos, de onde viemos e o que
viria a ser consciência (Simão, 2010).
Dentro
dessa perspectiva, a psicologia, em sua trajetória de evolução
e consolidação como uma nova ciência, após
se libertar da filosofia, pode ser dividida em quatro grandes
correntes denominadas forças, conforme reflete Simão
(2010): 1ª Força: o Behaviorismo ou Psicologia
Comportamental; 2ª Força: a Psicanálise; 3ª
Força: a Psicologia Humanista e a 4ª Força: a
Psicologia Transpessoal. Sendo esta última, a base teórica
do presente trabalho.
Segundo
Davis (2003), a Psicologia Transpessoal
seria um campo da psicologia que integraria diferentes conceitos
psicológicos, teorias e métodos, bem como o polêmico
assunto espiritualidade e as práticas espirituais. Utilizando
tanto métodos quantitativos quanto qualitativos, também
traria em seus conceitos centrais a não-dualidade, a
autotranscendência, o desenvolvimento humano ideal e a saúde
mental, o que necessariamente passaria por reflexões a
respeito do que seria consciência.
A
palavra consciência também é muito recorrente na
temática socioambiental. E é dentro desse contexto que
se introduz a Educação Ambiental Transpessoal (EAT)
(Farias, 2016), inspirada na perspectiva da Psicologia Transpessoal,
na Ecologia Profunda de Naess (1989), na Ecologia Integral (Wilber,
2008) e na corrente Epistemologias Ecológicas (Carvalho,
2014), as quais buscam demarcar uma virada ontológica na
direção de uma compreensão do ambiente como
alteridade e existência livre da sua redução ao
campo das representações humanas, na tentativa de
superar as dualidades modernas - tais como natureza e cultura,
sujeito e sociedade, corpo e mente, artifício e natureza,
sujeito e objeto (Carvalho, 2014). A EAT foca e aprofunda suas ações
nas questões subjetivas e afetivas, onde as palavras
consciência e autotranscendência ganham novas dimensões
e se relacionam com a Psicologia Transpessoal, buscando a reconexão
com o meio ambiente, a partir da reconexão consigo próprio.
Todavia, apesar da proposta ser atraente e fundamental, esta
suscitaria uma reflexão importante: como concretizar isso em
uma sociedade aprisionada na racionalidade instrumental, cuja
formação desde o início é ancorada na
fragmentação e memorização de conteúdos,
desconectada de tudo e de todos? Quebrar esse paradigma hegemônico
em nossa sociedade não é uma tarefa fácil e
pressupõe que haja indivíduos no mínimo
sensibilizados, principalmente se pensarmos que o nosso cérebro
tem necessidade de automatismos, de hábitos que tranquilizem e
mesmo de ritos, conforme reflete Trocmé-Fabre (2004, pág.
5). É que precisamos de indivíduos predispostos ao que
esta autora denomina de evitar com “vigilância os
múltiplos riscos de fechamento no que existe, no determinado,
no já visto, no pronto-para-pensar, pronto-para-dizer, no
pronto-para-fazer e mesmo no pronto para crer”.
Nesse
sentido, fica evidente que existe a necessidade de se ampliar e
avaliar novas possibilidades teóricas e metodológicas
para práticas e pesquisas em educação ambiental
que visem superar estes obstáculos, bem como também
compreender o fenômeno da experiência ecoestética
/ multissensorial / intercorporal em uma perspectiva de que somos
todos corpos engajados no/com/como mundo, conforme reflete Iared &
Oliveira (2017).
Por
fim, estudos já vêm evidenciando que a autopercepção
e o autoconhecimento são também aspectos importantes na
promoção da saúde mental (Jenaabadi, 2015;
Behjati e col., 2011). Sendo que ambos também podem se
constituir em um incentivo à reflexão em torno do
tratamento e relacionamento que o ser humano estabelece com a
natureza, enxergando, a partir do processo de autopercepção
e autoquestionamento, uma oportunidade possível para a
transformação não somente de si mesmo, mas
também das próprias representações e
ações frente ao meio ambiente.
Dentro
dessa perspectiva, o objetivo do presente trabalho é
apresentar os resultados obtidos em um estudo de caso a respeito da
utilização da Psicologia Transpessoal, da fenomenologia
e da transdisciplinaridade como bases teóricas em projetos
socioambientais, por meio da Educação Ambiental
Transpessoal (EAT), cuja pretensão é se constituir como
uma trajetória possível de autoconhecimento, educação
socioemocional e a reconexão com o meio ambiente.
Percurso Metodológico
Este
estudo teve um caráter qualitativo exploratório na
forma de um estudo de caso, buscando levantar informações
sobre um determinado objeto, de forma a mapear as condições
de manifestação desse objeto (Severino, 2007). Sendo
que o referencial teórico adotado foi a Psicologia
Transpessoal, mais especificamente as reflexões Junguianas, a
Fenomenologia e a Transdisciplinaridade levando em consideração
seus três pilares: complexidade, níveis de realidade e a
lógica do terceiro incluído.
A
Fenomenologia parte do pressuposto que a análise da
experiência será feita tal como se manifesta, ou seja, o
sentido do que está sendo observado também tem um
caráter subjetivo, ainda que grupos sociais possam dar
sentidos parecidos para um determinado fenômeno ou objeto
(Bello, 2006). Isso dialoga com Jung, que em seu livro O homem e seus
símbolos (2008), traz importantes reflexões a respeito
do inconsciente individual e coletivo, dos arquétipos e
símbolos, os quais vão ser fundamentais para as
discussões a respeito do material produzido nas oficinas de
pintura livre. Por sua vez, a transdisciplinaridade levando em
consideração os seus pilares, particularmente a lógica
do terceiro incluído, nos ajuda a superar a lógica
binária e fragmentadora do pensamento cartesiano, na qual o
conhecimento se separa do sujeito e adquire a conotação
de uma neutralidade irreal, permitindo integrar as várias
dimensões do ser humano e do conhecimento, o que nas palavras
de Nicolescu (1999, pág. 46) significa:
A
transdisciplinaridade, como o prefixo “trans” indica, diz
respeito àquilo que está ao mesmo tempo “entre”
as disciplinas, “através” das diferentes
disciplinas e “além” de qualquer disciplina. Seu
objetivo é a compreensão do mundo presente, para o qual
um dos imperativos é a unidade do conhecimento.
As
vivências foram realizadas no mês de maio de 2018, com a
duração de quatro horas cada uma, a partir de
experiências de sensopercepção corporal e pintura
livre por meio de uma adaptação do método
Inteligências Autênticas Múltiplas Inatas
(I.am.I): criativa, emocional, intuitiva, imaginativa,
simbólica, espiritual, visual e cinestésica, de Susan
Bello (2014). Os símbolos trazidos à tona por meio da
pintura, caracterizam-se como um potencial latente da consciência
que começa a tomar forma material e, que ao longo de uma série
de pinturas, vão montando uma narrativa, a história do
indivíduo, constituindo-se em sua Jornada Simbólica.
Levando
também em consideração a integração
do corpo e mente conforme propõe o movimento “virada
corporal”, que rejeita as tradicionais teorias cognitivas
de que aprendemos somente pela transmissão de representações
(Iared & Oliveira, 2017), foram realizados quatro encontros, nos
quais as participantes foram alertadas para não faltarem à
oficina seguinte, pois a cada edição outros níveis
do inconsciente iam sendo acessados. De um total de dez vagas,
participaram ao todo, sete mulheres, com a idade média de 42
anos, sendo que somente três participaram de todas as oficinas
(duas estudantes e uma pessoa da comunidade externa à
universidade), e todas assinaram Termo de Livre Consentimento para
participar da pesquisa, bem como Termo de Autorização
do Uso de Imagem. O espaço, bem como o material adotado nos
trabalhos, foram previamente preparados, conforme exemplificados na
Figura 1.
Após
uma rápida apresentação da proposta, foi
realizada a aplicação do questionário inicial, o
qual continha as seguintes questões: 1) evocação
livre de cinco palavras a partir do termo indutor “Meio
Ambiente” com a solicitação para que escrevessem
uma frase com as palavras evocadas; 2) por que decidiu participar da
oficina; 3) qual era a expectativa com relação às
oficinas.
Figura
1
--(A)
organização dos materiais a serem utilizados nas
oficinas; (B) preparação prévia do espaço;
(C) atividade relaxante realizada após atividade corporal; (D)
realização da pintura livre.
A
seguir, um resumo de como foram conduzidas as oficinas:
OFICINA
I – AUTOPERCEPÇÃO E RECONHECIMENTO DA PRÓPRIA
RELAÇÃO COM O MEIO AMBIENTE - foi
criada uma atmosfera apropriada primeiramente por meio de algumas
reflexões a respeito da questão socioambiental e
questionamentos às participantes: 1) Já parei para
refletir em como represento e me relaciono com o meio ambiente? 2)
Como, no curso da minha trajetória pessoal, se processou o
interesse pelo ambiental? 3) Quais as vias pelas quais se deu esse
interesse, racional ou emocional? 4) Quais as consequências
desse interesse sobre a minha experiência passada e/ou atual?
Em
seguida foi realizada a primeira experiência de sensopercepção
corporal por meio do reconhecimento do próprio corpo e
posterior dinâmica Quem Sou Eu (Que buscava
direcionar o olhar das participantes para o próprio interior).
A partir dessa dinâmica, as participantes foram convidadas ao
recolhimento por meio de relaxamento focado na respiração
como forma de preparo para a primeira sessão de pintura livre.
Às participantes foi proposto que expressassem por meio da
pintura o que entendiam por Meio Ambiente. Esse momento foi onde as
participantes também narraram a própria história,
localizando e relacionando as raízes mais remotas da própria
vinculação ou não com a questão
socioambiental, se existia ou não uma sensibilidade para com a
natureza, presente na própria experiência de vida. Era
preciso trazer à consciência a forma como se
relacionavam com o Meio Ambiente de modo a desconstruir uma forma de
representação para se construir uma ressignificação
do sentido.
OFICINA
II – AUTOPERCEPÇÃO E CONSUMO: CONHECENDO AS
BASES EMOCIONAIS DOS PRÓPRIOS IMPULSOS - foi
realizada a segunda experiência sensopercepção
corporal por meio do reconhecimento do próprio corpo
Refletindo Sobre o Automatismo, na qual as participantes tinham que
caminhar percebendo suas tendências de posicionamento
corporal. Durante nossa vida vamos aprendendo a interagir com o
mundo e formarmos hábitos que carregamos ao longo de nossa
vida. É possível, com esforço, mudar um hábito
e o primeiro passo para a mudança é tomar consciência
desse hábito. Em seguida as participantes foram convidadas a
tomar uma decisão a partir de uma dinâmica baseada na
Teoria Perspectivas (Serpa & Avila, 2004), na qual os ganhos ou
perdas em relação a uma determinada questão
eram avaliados não pelo seu valor objetivo, mas por um valor
subjetivo e pessoal. A partir dessa dinâmica, as participantes
foram convidadas ao recolhimento por meio de relaxamento focado na
respiração como forma de preparo para a segunda sessão
de pintura livre, sendo proposto que expressassem por meio da
pintura qual a emoção básica que as incentivava
ao consumo.
OFICINA
III – AUTOPERCEPÇÃO E EMPATIA: O INÍCIO
DA PERCEPÇÃO DO OUTRO E DO NÃO HUMANO –
uma
outra questão surge se refletirmos a respeito do ponto
colocado a partir das novas epistemologias ambientais: como promover
uma transformação socioambiental, na qual a visão
utilitarista em relação ao meio ambiente seja
ressignificada e o sentido da alteridade seja estimulado, sem que
essa experiência fique reduzida ao campo das representações
humanas? Talvez a empatia seja a chave para acessar esse processo de
ressignificação e transformação, pois ao
nos questionarmos a respeito dos valores que atribuímos ao
outro que não é humano, por meio do exercício
da empatia, poderemos dar início ao desenvolvimento do
respeito pela outridade desse outro, seja ele quem for. Dentro dessa
perspectiva, foi realizada a terceira experiência
sensopercepção corporal por meio do diálogo com
o outro. A partir dessa experiência, as participantes foram
convidadas a realizar a Dinâmica da Empatia, na qual tocavam
delicadamente a ponta dos dedos da parceira, olhando nos olhos. Em
seguida, ocorreu recolhimento por meio de relaxamento e meditação
dos Cinco Elementos (que foca na energia da terra, fogo, água,
ar e o espaço) como forma de preparo para a primeira sessão
de pintura livre. Às participantes foi proposto que
expressassem por meio da pintura o que entendem por “Alteridade”
ou Interdependência.
OFICINA
IV – AUTOPERCEPÇÃO E FECHAMENTO DE CICLOS - foi
criada novamente uma atmosfera apropriada por meio, primeiramente,
de uma rápida troca de impressões das participantes em
relação às oficinas anteriores. As reflexões
iniciais realizadas na primeira oficina a respeito da questão
socioambiental e questionamentos às participantes foram
colocadas novamente, estabelecendo uma roda de conversa. Em seguida
foi realizada a quarta experiência de sensopercepção
corporal por meio do reconhecimento do próprio corpo e
posterior dinâmica Quem Sou Eu. Sendo que se repetiu a mesma
dinâmica da primeira oficina com o objetivo de se observar
possíveis mudanças na autopercepção das
participantes. A partir dessa dinâmica, as participantes foram
convidadas ao recolhimento por meio de relaxamento focado na
respiração como forma de preparo para a última
sessão de pintura livre. Às participantes foi
novamente proposto que expressassem por meio da pintura o que
entendiam por Meio Ambiente.
Foi
realizada uma rodada final de conversa com a reaplicação
do questionário contendo algumas adaptações: 1)
evocação livre de cinco palavras a partir do termo
indutor “Meio Ambiente” com a solicitação
para que escrevessem uma frase com as palavras evocadas; 2) o que a
oficina representou para você. Por fim, as rodas de conversas e
reflexões a respeito das pinturas foram gravadas e
posteriormente analisadas, bem como também foi utilizada
para a análise dos dados qualitativos a análise de
conteúdo, a qual, de acordo com Bardin (1994, p.38), é:
Um
conjunto de técnicas de análise de comunicações,
que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de
descrição do conteúdo das mensagens, indicadores
(quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de
produção/recepção (variáveis
inferidas) dessas mensagens.
Resultados e Discussão
Resultados
A
questão
socioambiental, com toda a sua complexidade, tornou-se um dos temas
mais discutidos no cenário global. Todavia, as pesquisas
apontam ainda para um predomínio de pensamento
conservacionista e naturalista (Farias, 2017). A Educação
Ambiental no Brasil se concentrou por muitos anos em relacionar o
meio ambiente somente aos aspectos biológicos, sem considerar
as outras dimensões. Dentro dessa perspectiva, a primeira
questão do questionário buscou levantar as
representações iniciais das participantes com relação
ao Meio Ambiente e a partir dessas percepções,
estabelecer uma reflexão com as questões propostas na
primeira oficina. De
uma forma geral, o predomínio das respostas foi uma visão
ingênua e fragmentada, embora essa representação
mais geral e naturalista já fosse esperada. A seguir, dois
exemplos representativos das respostas dadas:
“O
meio ambiente, entro no meu jardim, onde o meu cuidado me dá o
aconchego necessário para que a minha respiração
conserve a minha paz interior
(T.A.P.B.).”
“O
meio ambiente está em constante mudança, buscando
sempre o equilíbrio, vivemos em interação
constante uns com os outros, cuidando para manter o todo
(J.R.).”
Por
outro lado, a segunda questão buscou saber o motivo das
participantes terem decidido participar da oficina e de uma forma
geral, as respostas direcionaram-se no sentido de que o nome da
proposta chamou a atenção: Educação
Ambiental Transpessoal. Afirmaram sentir curiosidade pelo fato da
palavra “Transpessoal” estar associada à Educação
Ambiental, pois não entendiam exatamente o que aquilo
significava, bem como pela proposta utilizar a pintura livre como
forma de trabalhar a questão socioambiental. Esse retorno foi
importante, pois algumas reflexões conduzidas a partir de
trabalhos anteriores na Educação Ambiental levaram à
decisão em se adjetivar uma proposta de Educação
Ambiental com a expressão “Transpessoal”, por dois
motivos principais: 1) pelo fato de que no Brasil há uma
representação social com relação à
Educação Ambiental fortemente associada com reciclagem
e ao ensino de ecologia, conforme apontado em estudo realizado pelo
Ministério da Educação (Brasil, 2007).
Esperava-se que a adjetivação da expressão com o
termo “Transpessoal” provocasse um estranhamento que
favorecesse a ressignificação dessa representação;
2) introduzir e fortalecer a reflexão a respeito da Psicologia
Transpessoal na temática socioambiental como um caminho
possível de reconexão com o meio ambiente, a partir da
reconexão consigo próprio.
Já
a Terceira questão buscou levantar as expectativas com relação
ao trabalho que iria ser desenvolvido. De um modo geral, a busca pelo
autoconhecimento esteve presente nas respostas, conforme exemplo a
seguir:
“Expandir
meu autoconhecimento e entender melhor meu relacionamento com o meio
ambiente
(J.R.).”
Importante
destacar que, ao longo das oficinas, as participantes traziam
símbolos em suas pinturas que remetiam à temática
ambiental e a partir destes, iam refletindo a respeito da própria
história por meio do acesso ao inconsciente, estabelecendo uma
relação entre a representação de Meio
Ambiente que traziam e a expressão da própria estrutura
psíquica e emocional (Figura 2). Isso ia surgindo quando da
reflexão e compartilhamentos a respeito da pintura.
Figura
2.
Pinturas livres realizadas pelas participantes ao longo das quatros
oficinas: (A) e (B) – primeira oficina; (C) e (D) –
segunda oficina; (E) e (F) – terceira oficina; (G) e (H) –
quarta oficina.
Após
a realização da última oficina, foi realizada
uma nova roda de conversa com objetivo de fazer uma reflexão
final a respeito do processo de cada uma das participantes, bem como
a aplicação do segundo questionário, conforme
destacado no percurso metodológico. Foi possível
perceber entre as participantes, de uma forma geral, uma reflexão
mais elaborada com relação à representação
de meio ambiente. No exemplo a seguir, foi possível constatar
ainda a integração entre indivíduo e meio
ambiente.
Frase
elaborada na primeira oficina por R.G – “A
natureza é a minha casa, onde é pura vida e
acolhimento.”
Frase
elaborada na última oficina por R.G – “Meio
Ambiente é a possibilidade de também me reconectar com
meu Self.”
Também
foi perguntado às participantes, o que significou para elas
participar das oficinas. Ficou evidente pelas respostas dadas que o
trabalho realizado ofereceu uma oportunidade de se trabalhar uma
Educação Ambiental que superou dicotomias como
indivíduo – sociedade; intimidade – esfera
pública; interioridade – exterioridade; bem como levou
em consideração a formação humana
integrada a um contexto histórico e sociocultural,
considerando as inter-relações físicas,
emocionais, intelectuais, culturais, conforme preconizam as
Diretrizes Curriculares (Brasil, 2012), bem como a alteridade, ou
seja, de que somos todos corpos engajados no/com/como mundo e que
somos seres interdependentes. Exemplo de uma reflexão final de
uma das participantes:
“Esse
trabalho representou uma oportunidade não somente de aprender
mais a respeito da questão ambiental, como também
descobrir os meus medos, repressões, paixões, que estão
ocultos, reprimidos
(…) (V.O.D).”
Discussão
Cada
um se sente honesto e rigoroso. Acha que seus ilícitos não
são graves. O politicamente correto deve regular a vida dos
outros, não a minha (...). Gilles Lipovetsky (filósofo
francês - Em entrevista dada à Revista Prosa Verso e
Arte).
A
citação acima do filósofo do consumo,
Lipovetsky, nos convida a uma reflexão profunda a respeito da
nossa sociedade contemporânea e das consequências dessa
cultura na relação que estabelecemos com o meio
ambiente, fruto de um desenvolvimento sócio-histórico
relacionado à nossa trajetória nesse planeta.
Na
verdade, os seres humanos sempre impactaram o meio em que viveram.
Tanto impactaram, que o
filósofo científico Christopher Potter (2014) nos traz
uma importante reflexão em seu livro How To Make a Human Being
ao defender a ideia de que os seres humanos, na verdade, nunca
fizeram parte da natureza, mas pelo contrário, sempre fizeram
parte da tecnologia. Todavia,
se pararmos para estudar a história da relação
entre os seres humanos e a natureza, particularmente no período
denominado pré-história, veremos que o imaginário
predominante era a ideia de uma mãe-natureza, que a todos
acolhia e cuidava, ainda que a mesma se manifestasse de forma
irritada em alguns momentos, por meio de tempestades, tremores de
terra, entre outros eventos naturais. Existia, portanto, uma conexão
mais afetiva entre nossos ancestrais e a natureza e, por não
existirem concentrações humanas significativas, os
impactos produzidos eram totalmente absorvidos pelo sistema.
Contudo,
com o desenrolar da nossa trajetória humana no planeta, essa
relação vai mudando gradualmente. Começamos a
querer entender o que é a physis,
a natureza para os filósofos gregos antigos, para passar a
dominá-la, o que começa a acontecer no pragmático
período da soberania da Roma Antiga, com o seu urbanismo, com
suas redes de esgoto, aquedutos e estradas. Nessa época,
surgem os primeiros relatos do aumento do impacto ambiental devido
nossa ação sobre o meio: há escassez de árvores
na Grécia e poluição atmosférica em Roma
(Mendonça, 2005). Na Idade Média, passamos a adotar a
concepção de que éramos autorizados por “Deus”
a explorar indefinidamente a natureza, a partir de uma apropriação
cultural de passagens bíblicas, como por exemplo, em Gênesis:
Deus
os abençoou: ‘Frutificai e multiplicai-vos, enchei a
terra e submetei-a. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do
céu e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra…eis
que vos dou toda a erva que dá semente sobre a terra, e todas
as árvores frutíferas que contêm em si mesmas a
sua semente, para que vos sirvam de alimento (Bíblia, 1969,
Gênesis, 1: 28-30).
É
o ser humano superior à natureza. Mas foi na Idade Moderna,
principalmente a partir da Revolução Industrial
iniciada na Inglaterra (século XVIII) que passamos a produzir
não somente para sobreviver, mas para lucrar (Landes, 2005),
transformando definitivamente a nossa percepção da
natureza e a forma com que nos relacionamos com ela. No final do
século XIX e início do século XX, com o
taylorismo e o fordismo essa transformação se fortalece
e dissemina, uma vez que ambas as concepções permitiram
aumentar consideravelmente a produtividade, reduzindo os custos de
produção e baixando os preços das mercadorias,
com aumento significativo dos lucros, que era a partir desse momento
o objetivo principal a ser perseguido (Ramalho, 2010). Propaga-se de
forma mais acentuada e acelerada a visão utilitarista com
relação à natureza.
Em
decorrência dessa transformação cultural e
social, a sociedade que avança o século XXI vem
enfrentando muitos problemas socioambientais em uma crise
civilizatória de grande proporção, conforme
reflete Leff (2010), fato que torna a Educação
Ambiental uma prática urgente, de forma que esta proporcione
acima de tudo respeito pela vida, justiça ambiental, equidade,
diversidade, sustentabilidade, beleza e reconexão.
Por
outro lado, que tipo de Educação Ambiental deve embasar
nossa prática para que tenhamos sucesso nesses objetivos
anteriormente descritos? Haja vista que a ciência e a
tecnologia nos deram uma nova forma de percepção e de
relação do e com o mundo e que atualmente, mais do que
nunca, está presente na nossa trajetória de
desenvolvimento humano, e devemos lembrar que nessa trajetória
vamos, pouco a pouco, construindo nosso sistema afetivo e cognitivo
de representações e sentidos, seja da “realidade”,
do meio ambiente, das pessoas, da cultura, do clima, dos hábitos
e dos fatos da civilização, entre outros, conforme
reflete Trocmé-Fabre (2004).
Na
Ecologia Profunda de Naess (1989) ou na Ecologia Integral de Wilber
(2008) temos, entre outras dimensões, o autoconhecimento
contemplado como uma dimensão a qual deveria ser trabalhada em
projetos de Educação Ambiental, com o objetivo de se
alcançar a tão desejada educação
integral. O que implicaria, necessariamente, no equilíbrio das
emoções. Todavia, ao estudarmos a trajetória
epistemológica dessa área no Brasil, constatamos uma
forte representação social disseminada, principalmente
nas escolas brasileiras, associando a palavra Ecologia como campo da
Biologia e Ensino de Ciências, favorecendo ainda uma
predominante visão naturalista e ingênua a respeito de
Meio Ambiente e Educação Ambiental no país
(Farias, 2017). Portanto, se entendermos a palavra como sendo
estruturante do pensamento e que este por sua vez antecede a ação,
podemos entender o porquê, na prática, dessa
representação favorecer, de uma forma geral, uma
Educação Ambiental mais naturalista e
comportamentalista, ainda que utilize como referencial teórico
a Ecologia Profunda ou a Ecologia Integral, o que nos leva à
necessidade de refletir a respeito do uso da palavra Ecologia frente
à experiência brasileira.
Por
outro lado, uma nova corrente de pesquisa em Educação
Ambiental, denominada Epistemologias Ecológicas, busca também
demarcar uma virada ontológica na direção de uma
compreensão do ambiente como alteridade e existência
livre da sua redução ao campo das representações
humanas, na tentativa de superar as dualidades modernas - tais como
natureza e cultura, sujeito e sociedade, corpo e mente, artifício
e natureza, sujeito e objeto (Carvalho, 2014).
Pensando
nessa problemática e objetivando dar um foco maior no
indivíduo e na sua autopercepção, surge a EAT, a
qual propõe a autopercepção e o autoconhecimento
como pontos de partida para a ressignificação do nosso
olhar em relação à natureza e a construção
do sujeito ecológico por meio do desenvolvimento de um maior
equilíbrio das emoções e educação
socioemocional (Farias, 2016). Dentro dessa perspectiva, ao propor
práticas e reflexões que estimulam o indivíduo a
se aprofundar na investigação de si mesmo e das
próprias motivações, favorece-se o equilíbrio
entre a razão e a emoção, entre o objetivo e o
subjetivo, aspectos de fundamental importância na promoção
do autoconhecimento como impulsionador no processo de despertar para
a autopercepção, uma reconexão com o aqui e o
agora, com o meio ambiente no qual a consciência da alteridade
esteja presente. Propondo, por meio da investigação de
si próprio, a compreensão de que não somente
ocupamos um lugar ou espaço “cheio de coisas”, mas
entendermos, conforme reflete Ingold (2011) que tudo é
relativo ao tentarmos demarcar fronteiras de onde começa e
termina a vida de tudo e de todos.
Dentro
desse contexto e ao juntarmos a essas reflexões aqui
colocadas, os pressupostos teóricos da Psicologia
Transpessoal, nos seus mais diversos representantes e da
Transdisciplinaridade pela ótica do terceiro incluído,
teremos uma Educação Ambiental integradora, a qual,
superando a fragmentação do conhecimento e de
representação de mundo a que estamos sujeitos,
facilitaria a reconexão com o meio ambiente a partir da nossa
autorealização como indivíduos e o nosso pleno
desenvolvimento como seres humanos, como diria Maslow. Neste sentido,
dos atributos da psique humana explorados por Maslow, é
importante destacarmos aquele que ele denominou de criatividade
primária, aquela que surge do inconsciente, pois este seria a
fonte de novas descobertas, mas também a herança que
traríamos de nossos antepassados. Já a criatividade
secundária é toda classe de produtividade, a realidade
na qual se concretizam as ideias. Nas palavras de Maslow: “[…]
as escolas devem ajudar as crianças a olharem dentro de si
mesmas, e deste autoconhecimento se deriva uma série de
valores” (Maslow, 1990 p.181).
E
como acessar esse inconsciente e liberar esse potencial criativo?
Considerando
que metodologias participativas se constituem como possibilidades de
diálogo, espaços para troca de ideias e experiências,
bem como para a construção coletiva do conhecimento,
adotou-se na EAT a Pintura Livre, adaptada do método I.am.I de
Susan Bello (2014), como ferramenta principal para se trabalhar a
reconexão com o meio ambiente, a partir da conexão
consigo próprio.
Segundo
a autora Susan Bello, a pintura possibilita ao ego, bem como ao Eu
(Individualidade pessoal, ego )
mais profundo, a oportunidade de uma livre expressão, por meio
de uma Jornada Simbólica, que ao ser percorrida, ajuda no
desenvolvimento das nossas Inteligências Autênticas
Múltiplas Inatas (I.am.I): emocional, criativo, imaginativo,
intuitivo, visual, cinestésico, espiritual e simbólico
(Bello, 2014). Portanto, é um método fenomenológico,
pois todo o processo é conduzido a partir do processo de cada
participante e também transdisciplinar, pois o desenvolvimento
integral de um ser humano não pode ser limitado a caixinhas
disciplinares e perspectivas unilaterais.
Dentro
desta perspectiva, a proposta trazida pela EAT permitiu trabalhar a
ilusão da separatividade entre o ser humano e o meio ambiente,
ficando evidente que esta ilusão é uma
percepção/representação socialmente
construída e atualmente globalizada, e que para superá-la
não poderemos prescindir da busca do próprio indivíduo
por meio da autopercepção e do autoconhecimento.
Ampliando
essa questão, é importante ainda refletir que em tempos
de transdisciplinaridade em evidência, assuntos aparentemente
desconexos, entre os quais as interfaces não sejam tão
evidentes, podem apresentar, na verdade, intrincadas conexões,
esmaecendo fronteiras antes tão demarcadas. Este é o
caso da Educação Ambiental e a Saúde Mental,
entre as quais a EAT pode incorporar o papel de uma “sinapse”,
cujo conceito provém de um vocábulo grego que significa
união ou vínculo.
Vejamos,
a Educação Ambiental deveria abranger não
somente o conhecimento do mundo físico e natural, mas também
o profundo entendimento do ser humano e do meio em que vive, de modo
a favorecer o cuidado com a comunidade de vida, a integridade dos
ecossistemas, a justiça econômica, a equidade social,
étnica, racial e de gênero e o diálogo para a
convivência e a paz, segundo as Diretrizes Curriculares
(Brasil, 2012). E que a Organização Pan-Americana de
Saúde/Organização Mundial de Saúde
(OPAS/OMS), destacou no Dia Mundial da Saúde Mental, que o
conceito de saúde vai além da mera ausência de
doenças e que só é possível ter saúde
quando há completo bem-estar
físico, mental e social.
E para que isto seja possível é fundamental a
existência de um ambiente que respeite e proteja os direitos
básicos civis, ambientais, políticos, socioeconômicos
e culturais (ONUBR, 2016). A Educação Ambiental pode e
deve colaborar na promoção da saúde mental, mas
para que isso aconteça, não pode perder o foco
promovendo ações que visem somente a gestão
ambiental ou a mudanças de comportamento a partir de reflexões
superficiais. Nem tão pouco seja associada somente aos
aspectos naturais ou ecológicos do meio ambiente. Por isso a
importância de uma Educação Ambiental cujo foco
seja o indivíduo, como é o caso da EAT, que por meio da
sua proposta, favorece o questionamento ou a capacidade de abrir um
espaço interior de investigação, de se
autoperceber, de se autoquestionar, de se autoposicionar e de se
autoavaliar, conforme propõe Trocmé-Fabre (2004), em
seu livro A Árvore do Saber-Aprender: rumo a um referencial
cognitivo. Por fim, estudos já vêm evidenciando que a
autorpercepção e o autoconhecimento são aspectos
importantes na promoção da saúde mental
(Jenaabadi, 2015; Behjati e col., 2011), sendo que este também
pode se constituir num incentivo à reflexão em torno do
tratamento e relacionamento que o ser humano estabelece com a
natureza, enxergando, a partir do processo de autopercepção
e autoquestionamento, uma oportunidade possível para a
transformação não somente de si mesmo, mas
também das próprias representações e
ações frente ao meio ambiente.
Considerações Finais
Como
resultado, pode-se constatar que as oficinas ofereceram o espaço
propício para o acesso ao universo simbólico dos
indivíduos de forma a oferecer uma oportunidade de se
trabalhar a reconexão com o meio ambiente a partir da
reconexão consigo próprio, constituindo também
um caminho de autoconhecimento e reeducação
socioemocional. Evidenciando que a Psicologia Transpessoal pode
fornecer arcabouço teórico e metodológico
efetivo para se trabalhar com as questões socioambientais.
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