Não podemos pensar em desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades sociais e em qualidade de vida sem discutirmos meio ambiente. - Carlos Moraes Queiros
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 88 · Setembro-Novembro/2024
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Relatos de Experiências
27/09/2019 (Nº 69) O PLASTICÍDIO DO ANTROPOCENO: UMA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL ATRAVÉS DO PROJETO CANECAS UEMG E FHA SUSTENTÁVEL
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O PLASTICÍDIO DO ANTROPOCENO: UMA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL ATRAVÉS DO PROJETO CANECAS UEMG E FHA SUSTENTÁVEL



Cleidiane de Campos Souza¹; Alexandre Túlio Amaral Nascimento²; Tatiana Maciel Gontijo De Carvalho¹



1 Departamento de Ciências Biológica, Universidade do Estado de Minas Gerais – Unidade Ibirité; cleidiane.ibt@gmail.com

² Departamento de Engenharia Aplicada e Tecnologias Ambientais, Universidade do Estado de Minas gerais – Unidade João Monlevade; alexandre.nascimento@uemg.br

³ Departamento de Ciências Humanas, Universidade do Estado de Minas Gerais – Unidade Ibirité; tatiana.maciel@uemg.br



RESUMO:

Compartilhamos a experiência do Projeto Canecas UEMG e FHA Sustentável como proposta replicável e direcionada à sensibilização para mudanças de hábitos e diminuição do uso do plástico, sob a perspectiva da relação sociedade-natureza no contexto do Antropoceno e da problemática do plasticídio. A relação utilitarista que a sociedade vem desenvolvendo com a natureza tem sido responsável pelo acentuado desequilíbrio ambiental. Alterações no clima e na composição da atmosfera evidenciam tal fenômeno, assim como a presença de tecnofósseis: resíduos de materiais artificiais, que estão se acumulando nos oceanos e depósitos sedimentares, entre eles, alumínio, metal, concreto e principalmente o plástico, sobre o qual foca este trabalho. Denominamos plasticídio ao fenômeno que tem transformado os oceanos em depósitos de microplásticos, comprometendo a biodiversidade e a saúde ambiental e humana. O projeto envolveu os estudantes da disciplina de Educação Ambiental e propôs abolir o uso de copos descartáveis na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) – Unidade Ibirité e Fundação Helena Antipoff (FHA), onde cerca de 1.600 frequentadores consumiam em média 1.250 copos descartáveis diariamente. Além de resíduo não reciclado, os copos plásticos representavam um custo que poderia ser revertido em ciência, pesquisa e educação. A execução do projeto se deu por etapas e sobre a responsabilidade de grupos de trabalho compostos pelos estudantes, sob orientação e supervisão do professor da disciplina. Realizamos um levantamento dos dados e uma análise do potencial poluidor dos copos descartáveis. Produzimos e veiculamos mídias sociais alertando sobre o problema. Documentários e intervenções artísticas prepararam a comunidade para a 1ª e 2ª Virada Sustentável. Estes eventos marcaram a institucionalização do projeto e distribuição de canecas para os docentes, discentes e funcionários, além de integrar ao projeto a associação dos catadores de materiais recicláveis local. Estimamos que cerca de 4 mil pessoas tenham sido atingidas pelo projeto, que gerou impactos ambientais, sociais e econômicos. Vivenciamos os desafios da mudança de comportamento e aprendemos sobre a importância do planejamento, institucionalização e cooperação em projetos de Educação Ambiental.



PALAVRAS-CHAVE: Antropoceno, Educação Ambiental, Sustentabilidade, Plasticídio



ABSTRACT:

We share the experience of the UEMG and FHA Sustainable Mug Project as a replicable proposal aimed at raising awareness of changes in habits and reducing the use of plastic, under the perspective of the relationship between society and nature in the context of the Anthropocene and the plasticide challenge. The utilitarian relationship that society has been developing with nature results at the global environmental crisis. Climate changes as well as changes in the atmosphere composition and technofossils presence reveals these phenomena. We consider plasticide the phenomenon that has turned the oceans into microplastic repository, compromising biodiversity and environmental and human health. The project involved students of Environmental Education and proposed abolishing the use of disposable cups at the University of the State of Minas Gerais (UEMG) - Ibirité Unit and the Helena Antipoff Foundation (FHA), where about 1,600 people consumed an average of 1,250 glasses disposable daily. In addition to non-recycled waste, plastic cups represented a cost that could be reversed in science, research and education. The execution of the project was done in stages and under the responsibility of students work groups, with supervision the Environmental Education professor. We conducted a data survey and analysis of the potential pollutant of the disposable cups. Documentary films and artistic interventions prepared the community for the 1st and 2nd Sustainable Day Marathon. These events highlight the project institutionalization and the distribution of mugs to teachers, students and employees. Those events also integrate the project with the association of local recyclers. We estimate that about 4 thousand people were influenced by the project, which generated environmental, social and economic impacts. We experienced the challenges in changing habits and learned how important is to plan, cooperate and institutionalize Environmental Education projects.



KEY-WORDS: Anthropocene, Environmental Education, Sustainability, Plasticide



O PLASTICÍDIO DO ANTROPOCENO

É possível imaginar a vida moderna sem a presença dos plásticos? Estes versáteis polímeros sintéticos, leves, resistentes e de baixo custo, passaram no último século a integrar grande parte dos objetos do nosso cotidiano, substituindo com diversas vantagens uma série de outros materiais. Todavia, o aumento considerável em sua produção, consumo e descarte desperta inúmeras preocupações.

Sob a forma de sacolas, garrafas pet, embalagens, brinquedos, equipamentos de pesca, escovas de dente, cotonetes, canudos, copos, entre muitas outras, o material se acumula na natureza, poluindo nossos solos, rios e mares. Através da degradação fotoquímica, da ação mecânica dos ventos e ondas, da corrosão e do desgaste, esses elementos se dividem em pedaços cada vez menores, se transformando em micro e nanopartículas que se dispersam na atmosfera, se armazenam no solo, nas águas e nos organismos vivos, afetando os sistemas biológicos em todos os seus níveis de organização, do molecular aos ecossistemas e a própria biosfera (SOBRAL, FRIAS e MARTINS, 2011; MARQUES FILHO, 2016).

A este processo de degradação que tem comprometido a saúde ambiental e humana, chamamos de plasticídio. Quando se acumulam no ambiente, resíduos plásticos e outros materiais sintéticos de difícil decomposição, se reúnem formando o que especialistas chamam de “tecnofósseis”. Esta marca indelével das ações antrópicas é o que caracteriza a Época do Antropoceno (RODRIGUES, 2017; VEIGA, 2019).

Quando o químico holandês Paul Crutzen cunhou o termo Antropoceno (CRUTZEN 2000; 2002) vários debates emergiram na comunidade científica. Opiniões favoráveis e contrárias à ideia de que as ações humanas seriam capazes de inaugurar um novo tempo geológico foram levantadas por especialistas de diversas áreas. Com o passar do tempo o termo foi sendo cada vez mais empregado pela academia e pela ciência. A expectativa era que a nova época geológica fosse reconhecida oficialmente em 2016, no 35° Congresso Internacional de Geologia, na África do Sul. Porém, a União Internacional de Ciências Geológicas (IUGS) achou pertinente criar primeiro um grupo de trabalho encarregado de avaliar se, de fato, a intervenção humana teria sido capaz de deixar sua marca estratigráfica na história geológica da Terra.

A validação da existência do Antropoceno pela Geologia segue, portanto, em curso. Com os avanços dos estudos do grupo de trabalho criado em 2016 (WATERS et al. 2016; ZALASIEWICZ et al. 2017), espera-se que a nova época geológica seja oficializada na próxima reunião da IUGS, em 2020 (IEA-USP, 2018; VEIGA, 2019).

Ora, mas por que a entrada no Antropoceno e as mudanças engendradas por ele são diferentes das ocorridas nas eras anteriores? A priori, o planeta segue desde os primórdios em uma contínua coevolução das forças geológicas e biológicas. A novidade é, que a humanidade agregou ao processo natural novos propulsores evolucionários capazes de influenciar componentes críticos que atuam no funcionamento básico do sistema terrestre, como o clima e a composição da atmosfera. Em suma, as ações antrópicas assumiram a dimensão de uma força física dominante no planeta, mais ameaçadora que qualquer desastre natural (VIVEIROS DE CASTRO, 2015; ARTAXO, 2014; HARARI 2015, 2016; VEIGA 2019).

A lógica utilitarista dos recursos naturais que nos conduziu ao Antropoceno tornou-se um grande desafio global. Enfrentá-lo exige que o Homo sapiens reveja sua forma de existir, principalmente em termos econômicos e socioculturais; priorize a vida, antes do lucro e da conveniência, e repense os hábitos de consumo. Caso a interferência antrópica sobre o sistema terrestre se mantiver no ritmo do ultrapassado capitalismo de descarte em detrimento do circular, o colapso socioambiental será iminente e terá evidenciado nossa capacidade de auto engano, incompetência e inércia em frear um processo que coloca em risco nossa espécie humana e tantas milhares de outras com as quais coevoluímos e coexistimos (ROCKSTROM, 2009; MARQUES FILHO, 2016; IPBES, 2019).

O Plasticídio do Antropoceno é um dos desafios globais e sistêmicos que nos cobra urgência em assimilarmos sustentabilidade e interdependência como valores socioculturais. A Educação Ambiental (EA) comprometida com a mudança de comportamentos e atitudes é das ferramentas mais úteis neste desafio de sensibilizar para a adoção de práticas que contribuam para o bem-estar coletivo.



OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL APLICADA À ECOLOGIA CÍVICA

O preocupante cenário de colapso ambiental convoca-nos à reflexão sobre o papel da educação na formação do indivíduo que vive esse momento crucial do Antropoceno. A construção de uma nova sociedade exige que todos os participantes do processo de ensino/aprendizagem sejam considerados em sua subjetividade, e possam refletir sobre as próprias experiências para a edificação de novas posturas. Nesse sentido, à esteira de Paulo Freire (2001, 1996), acreditamos em uma EA fundamentada em experiências concretas e na indissociabilidade entre reflexão/ação.

Segundo Freire, o aspecto político é inerente ao educacional, pois "a raiz mais profunda da politicidade da educação se acha na educabilidade mesma do ser humano, que se funda na sua natureza inacabada e da qual se tornou consciente” (1996, p. 42). Na EA é fundamental uma ação dialógica que possibilite uma nova visão de mundo através do aprendizado significativo, que avalie tanto as origens dos problemas socioambientais quanto sensibilize para a adoção de novos hábitos, independente das concepções ou abordagens envolvidas.

Pensando nessas questões, adotamos uma abordagem que chamamos de Ecologia Cívica. Por meio dela, nos apropriamos das considerações freirianas e das contribuições de diversas concepções de EA que propõem reflexões políticas, sociais e ambientais de forma crítica e propositiva a práticas mais sustentáveis. Conforme argumenta Rocha (2002, p.121): “as propostas de Educação Ambiental se inserem como importantes instrumentos transformadores da realidade, uma vez que seus princípios, seus objetivos e suas práticas são permeados por uma ética capaz de produzir alterações significativas de comportamento nos indivíduos, levando a novos hábitos e atitudes, pautados em valores que estreitam as relações entre os homens e os colocam como parte integrante do meio”.

Conscientizar sobre o uso de plásticos e abolir o uso de copinhos descartáveis é exemplo de projeto em que a Ecologia Cívica repercute. Muito além de uma questão pontual, é possível aliar tanto o estímulo à hábitos individuais sustentáveis, quanto a observação e cobrança de política públicas em defesa do meio ambiente e da saúde. A abolição do uso de copinhos e outros materiais descartáveis já se tornou lei em vários países, como Uruguai, Costa Rica e Itália. Na União Europeia dez itens plásticos terão fabricação e venda proibidas em todos os países que compõem o bloco a partir de 2021, incluindo cotonetes, pratos, canudos, copos e recipientes para alimentos e bebidas (GIRALDI, 2019).

No Brasil, encontra-se em tramitação um projeto de lei federal de origem popular que pretende proibir a distribuição de canudos e sacolas plásticas em estabelecimentos comerciais, bem como a produção de produtos de higiene pessoal e cosméticos que usam microplásticos como componentes (PL 263/2018). Diversas cidades como Rio de Janeiro, Rio Grande, São Paulo, Aparecida do Norte, Santos, Fortaleza, Salvador, Montes Claros, dentre muitas outras, já têm leis municipais que proíbem os canudos.

Há ainda um longo caminho a ser trilhado. Segundo os dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos (ABRELPE, 2018), 720 milhões de copos são descartados por dia no país (ROMAGNOLI, 2018). Acompanhar e influenciar as políticas públicas e eleger candidatos comprometidos com o bem-estar socioambiental é imprescindível, mas não nos exime da responsabilidade individual e cidadã de adotar hábitos menos poluentes. Pensando nisso, desenvolvemos o Projeto Canecas UEMG e FHA Sustentável, que descreveremos adiante.



TERRITÓRIO E CONTEXTO DE ATUAÇÃO

O Projeto Canecas UEMG e FHA Sustentável foi desenvolvido em um complexo educacional localizado no município de Ibirité, grande Belo Horizonte. Local onde a Fundação Helena Antipoff (FHA) compartilha seu espaço com uma unidade da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), dedicada à formação de professores. A FHA carrega, além do nome de sua fundadora, um legado dedicado à pesquisa, ensino e promoção do bem-estar social. Helena Antipoff, conduziu pesquisas inovadoras no Brasil, nas áreas de psicologia e formação docente. A educadora foi responsável pela introdução da educação especial no ensino e criação da sociedade Pestalozzi

Além da UEMG e da FHA, o complexo educacional é constituído por uma escola de ensino fundamental e uma de ensino médio, horto e horta, Universidade Aberta Integrada (UAITEC), consultório de psicologia, laboratório de robótica e inovação, biblioteca pública, Instituto Técnico Federal e diversos projetos nas áreas de educação e saúde (FHA 2019). Apesar de ser um ambiente bastante rico e fértil à prática educativa inovadora, o uso compartilhado de alguns dos espaços pelas instituições resulta, por vezes, em conflitos de gestão.

Foi nesse ambiente que desenvolvemos o Projeto Canecas UEMG e FHA Sustentável. O projeto fez parte das disciplinas de EA e despertou interesse e engajamento para além da sala de aula. Este artigo compartilha nossas experiências e aprendizados. Esperamos inspirar e contribuir com outros projetos e iniciativas que igualmente busquem a promoção de práticas e hábitos mais sustentáveis.



O PROJETO CANECAS UEMG E FHA SUSTENTÁVEL

O Projeto Canecas UEMG e FHA Sustentável teve início no segundo semestre de 2017 nas disciplinas de EA oferecidas pela UEMG Ibirité aos estudantes dos primeiros períodos do curso de Pedagogia e ao sexto período de Ciências Biológicas, com a proposta de unir teoria e prática. Após aulas introdutórias sobre os desafios socioambientais do Antropoceno, pensamos em um projeto que estimulasse mudanças de comportamento e servisse de inspiração para que a comunidade universitária replicasse a iniciativa em seus lares, trabalhos e círculos de convivência.

Observando a prática do professor da disciplina, que tinha por hábito carregar consigo uma caneca reutilizável, pensamos em uma proposta de intervenção que desafiasse a adoção do mesmo costume no campus. Assim surgiu o Projeto Canecas UEMG e FHA Sustentável, com o objetivo geral de motivar e inspirar a sustentabilidade através da abolição do uso de copos descartáveis e a adoção de canecas reutilizáveis.

Com este propósito estabelecido, realizamos conversas em sala de aula e elaboramos um plano de trabalho coletivo. Definimos também as ameaças que nos afastavam do nosso objetivo e as atividades e oportunidades que poderiam reduzir essas ameaças e nos aproximar de uma realidade acadêmica livre de descartáveis (Figura 1).

O passo inicial do projeto foi a adesão da direção da UEMG e FHA. A execução se deu por etapas, sob a responsabilidade de grupos de trabalho compostos pelos alunos de EA e orientação e supervisão do professor da disciplina.

Figura 1 – Mapa mental criado para o Projeto Canecas UEMG e FHA Sustentável, segundo semestre de 2017.



A primeira meta foi diagnosticar o investimento, consumo e destino dos copos plásticos utilizados no complexo educacional. Dados levantados por um dos grupos de trabalho revelou que as instituições UEMG e FHA compravam cerca de 10 caixas de copos descartáveis por mês a um custo de R$ 67,00 cada, o que representava um montante anual de cerca de R$ 7.000,00.

Esse levantamento nos permitiu propor a oferta de uma caneca no ato da matrícula, para que o estudante substituísse o uso dos copos descartáveis, que seriam extintos na universidade. Semestralmente ingressam na UEMG Ibirité 280 calouros. O investimento para aquisição das canecas seria de cerca de R$ 1.000,00 ao ano, representando uma economia estimada de R$ 6.000,00. Assim, o projeto foi um bom exemplo de sustentabilidade para a comunidade acadêmica, uma vez que além de mais saudável à saúde humana e ambiental, canecas reutilizáveis representariam economia de recursos à universidade.

Como estratégia de sensibilização, dois dos grupos de trabalho produziram materiais visuais didáticos, do tipo flyers, que tratavam questões pertinentes ao problema do uso indiscriminado de plástico na universidade sobre duas abordagens centrais: “você sabia?” (Figura 2) e “por que você deveria se importar?” (Figura 3). Os flyers foram produzidos quinzenalmente e compartilhados e viralizados em redes sociais digitais da UEMG e FHA. Produzimos também um flyer de apresentação e convite à participação no projeto (Figura 4) e outros dois para estimular o envolvimento da comunidade acadêmica à 1ª Virada Sustentável (Figura 5). Acreditamos que essa estratégia e abordagem eletrônica tenha sido mais coerente, econômica e efetiva que a impressão de folders e cartazes, além de não gerar resíduos.

Figura 2Flyer convite ao projeto e série de flyers “você sabia?”, compartilhados nas redes sociais digitais da UEMG e FHA.

Figura 3 Flyers “por que você deveria se importar?”



Figura 4Flyer de apresentação e convite para adesão ao projeto.

Figura 5 – Flyers convite e motivação à 1ª Virada Sustentável



Esta estratégia durou cerca de dois meses, até a 1ª Virada Sustentável, que aconteceu no final daquele segundo semestre letivo de 2017. A Virada sustentável foi estratégica por destacar e divulgar uma data para a mudança coletiva de comportamento e atitude perante o uso de copinhos descartáveis na UEMG e FHA. Um dos grupos de trabalho ficou responsável pela confecção e alimentação de um cartaz e um mural com a contagem regressiva para o dia da 1ª Virada Sustentável (Figura 6). Esse mural teve local de destaque, na entrada da cantina e refeitório. Outro grupo ficou encarregado de planejar atividades de educação e sensibilização ambiental para serem desenvolvidas no dia da virada sustentável.



Figura 6 – Cartaz educativo e mural com a contagem regressiva para a 1ª Virada Sustentável da UEMG e FHA.



Figura 7 – (a) Canecas (metálicas) produzidas pelos alunos do projeto e vendidas a preço de custo durante e 1ª Virada Sustentável; (b) Canecas (azuis) produzidas pela FHA e doadas a seus funcionários e servidores; (c) Canecas (brancas) produzidas pela UEMG e doadas aos alunos durante a 2ª Virada Sustentável.



Figura 8 – Adesão da Fundação Helena Antipoff (FHA) ao Projeto Canecas UEMG e FHA Sustentável, via Programa Ambientação, do estado de Minas Gerais.

A cozinha, cantina e refeitório compartilhados entre UEMG e FHA é local estratégico para o projeto, uma vez que é lá que os copos descartáveis são, na maioria das vezes, utilizados. Assim, oficinas de EA e rodas de conversa foram trabalhadas por um grupo de alunas junto aos funcionários da cozinha. Estas atividades buscaram informar e sensibilizar perante os riscos do plástico à saúde humana e ambiental. O fato dos copinhos e outros descartáveis de plástico serem utilizados por apenas alguns poucos minutos, às vezes até segundos, contrapostos às centenas de anos necessários para sua decomposição, nortearam essas atividades.

Ao falar sobre ferramentas educativas, Oliveira argumenta que “a experiência com filmes possibilita que o aluno se compreenda como agente de modificação e transformação da sua realidade por meio de suas próprias ações” (2015, p.28). Nesse contexto, em sessões de Cine Debate, exibimos os documentários "Oceanos de Plástico" e "Lixo um problema global" (Figura 9). Apresentamos sete sessões, que contaram com média de dez alunos cada e renderam boas discussões e reflexões. Cada sessão foi coordenada por um estudante da disciplina de EA. Certificado de duas horas de atividades complementares, as quais são exigidas em todos os cursos da UEMG Ibirité, foi oferecido como estratégia para incentivar os estudantes a participarem das sessões.



Figura 9 Divulgação dos documentários exibidos e das sessões de Cine Debate



A primeira 1ª Virada Sustentável aconteceu dia 29 de novembro de 2017 e foi marcada pela mesa redonda com a temática: “Vilão invisível – Muito além do plástico” (Figura 10) O evento que foi aberto ao público, contou com a participação de autoridades municipais, representantes do estado (Programa Ambientação), da comunidade da UEMG e FHA.



Figura 10 – Convites para a 1ª Virada Sustentável e para a mesa redonda “Vilão Invisível: Muito Além do Plástico”.



A UEMG buscou recursos junto à Fundação de Apoio e Desenvolvimento da Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (FADECIT) para que os calouros de 2018 e os alunos matriculados, bem como docentes e funcionários, pudessem receber sua caneca sustentável e abolir o uso de copos descartáveis. As canecas (Figura 7c) foram entregues durante a 2ª Virada Sustentável, que ocorreu no dia 29 de agosto de 2018. Este evento contou com maior envolvimento e participação da Associação de Trabalhadores com Papel Papelão Materiais Recicláveis de Ibirité (ASTRAPI). A aproximação e visitas a esta associação no decorrer do projeto ofereceu aos estudantes oportunidades de conhecer o processo de separação dos resíduos e de troca de saberes, além de valorizar o importante serviço ambiental prestado pelos catadores e profissionais da reciclagem.

A 2ª Virada Sustentável (Figura 11) e a aprovação pela FADECIT marcaram a institucionalização do projeto na UEMG e seu encerramento. Nesta ocasião a direção da FHA, da UEMG e de seu Diretório Acadêmico reafirmaram seu compromisso com a continuidade de ações pela sustentabilidade e combate ao plastídio.



Figura 11 – Convite para a 2ª Virada Sustentável



REFLEXÕES E LIÇÕES APRENDIDAS

O desenvolvimento de um projeto aplicado como norteador da disciplina de EA revelou-se uma estratégia eficiente de aprendizado e prática aos licenciandos em Pedagogia e Ciências Biológicas. A vinculação de todas as avaliações da disciplina ao desenvolvimento do projeto contribuiu para a adesão e envolvimento dos alunos. A vivência de todas as etapas do projeto – delineamento, implementação e avaliação – enriqueceu a formação profissional dos acadêmicos.

Envolver a direção e gestão das agências e instituições em que os projetos de EA são desenvolvidos é estratégico e deve acontecer em todas as etapas, inclusive a de concepção e delineamento. A adesão dessas esferas de governança superior ao projeto pode limitar sua viabilidade e até mesmo seu desenvolvimento.

A participação da comunidade acadêmica aconteceu de forma lenta e parcial, o que se tornou um dificultador. Enquanto alguns aplaudiram a iniciativa e reconheceram a relevância da mudança proposta, outros se incomodaram com a interrupção na distribuição dos copos descartáveis e passaram a reclamar.

A abertura e diálogo com o público alvo foi fundamental para o desenvolvimento do projeto. Por meio dele, percebemos ameaças que não havíamos previsto e buscamos soluções, como no caso da disponibilização de locais de higienização das canecas, demanda exposta pela comunidade universitária.

A aproximação com os associados da ASTRAPI permitiu aos estudantes entender melhor os processos e a importância da reciclagem. Exposições, palestras e intercâmbios com a ASTRAPI fizeram parte do programa de outras disciplinas correlatas a EA. O cadastro dos associados feito pelos estudantes no aplicativo Cataki1 permitiu a expansão do trabalho da ASTRAPI no município. Uma exposição fotográfica foi realizada contando a história e luta das mulheres que fazem parte da associação. Observamos que a troca de saberes com a universidade favoreceu a autoestima dos catadores o senso de cidadania desses indivíduos, tantas vezes marginalizado e excluídos, reafirmando papel da extensão universitária integrado ao ensino.

A presença de um líder é fundamental para o sucesso de um projeto. Por mais coletivo que seja o trabalho, uma liderança ativa e experiente contribui para o seu desenvolvimento, através da gestão de pessoas e dos processos. Este aprendizado foi evidenciado quando o professor orientador deixou de lecionar na unidade em meados de 2018.

A vinculação de projetos de educação socioambiental à documentos e estratégias formais de gestão dos espaços e territórios podem contribuir com sua efetivação e continuidade. O projeto Canecas UEMG e FHA Sustentável foi sinérgico à elaboração do Plano de Gestão de Resíduos Sólidos (PGRS) da UEMG Ibirité, desenvolvido em 2017 para suprir exigência legal, dado que a universidade gera resíduos classificados como perigosos em seus laboratórios.

Apesar dos esforços, copos descartáveis ainda são ofertados na UEMG e FHA. Em setembro de 2018 houve uma breve interrupção na distribuição de copos plásticos, tanto na cantina quanto nos setores administrativos e sala de professores – reflexo da distribuição das canecas na 2ª Virada Sustentável. Todavia, esse processo não foi permanente e devido as reclamações de frequentadores do complexo educacional copos descartáveis voltaram a ser oferecidos. A venda continuada de canecas, especialmente na cantina e refeitório, seria uma alternativa à oferta dos copos descartáveis.

Além da EA, a cultura do não uso do descartável está relacionada à distribuição gratuita das canecas. Recursos são necessários para que a universidade possa cumprir com essa estratégia. Alternativamente, organizações e lideranças locais, como o diretório acadêmico na universidade, pode assumir a responsabilidade das vendas e distribuição a preço acessível.

As ações realizadas no decorrer do projeto contribuíram para a sensibilização e a adoção de novos hábitos, conforme observamos empiricamente durante o trabalho. Todavia, as mudanças foram pontuais e incapazes de gerar impactos significativos. Acreditamos que mudanças definitivas de comportamento só ocorrerão quando, de fato, as instituições deixarem de oferecer descartáveis em suas dependências. Esta abordagem é especialmente coerente em instituições públicas, como universidades. Afinal, não faz sentido utilizar recurso público para disponibilizar copos e materiais que serão utilizados por segundos ou poucos minutos e vão, literalmente, para o lixo.

Segundo Roysen (2018), entre a consciência da necessidade de mudanças em prol do meio ambiente e a adoção de novos hábitos, incide uma lacuna denominada como “lacuna valor-ação” (value-action gap), que explica como a preocupação ambiental não resulta, em muitos casos, em escolhas sustentáveis. As práticas diárias, conforme afirma a autora, não partem unicamente de ações individuais deliberadas, mas estão intimamente relacionadas ao meio, que inclui estruturas e recursos disponíveis, valores culturais e sociais e outros aspectos que incidem sobre a vida em sociedade.

Aprendemos que a EA deve ser colaborativa e contínua, em ambientes que estimulem hábitos mais sustentáveis, a fim de que as mudanças sejam autênticas e se incorporem nos hábitos e na rotina diária dos educandos.



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Ilustrações: Silvana Santos