Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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27/09/2019 (Nº 69) PRESENÇA DA ICTIOFAUNA REGIONAL SUL-RIOGRANDENSE NOS LIVROS DIDÁTICOS UTILIZADOS EM ESCOLAS PÚBLICAS NO MUNICÍPIO DE PELOTAS/RS
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PRESENÇA DA ICTIOFAUNA REGIONAL SUL-RIOGRANDENSE NOS LIVROS DIDÁTICOS UTILIZADOS EM ESCOLAS PÚBLICAS NO MUNICÍPIO DE PELOTAS/RS

Antônio Farias Oliveira1, Vitor Hugo Borba Manzke2

1 Professor, Mestrando em Ensino de Ciências e Tecnologias Educacionais - CaVG-IFSul, parasitobio@yahoo.com.br

2 Doutor em Ciências Biológicas, docente do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Tecnologias Educacionais - CaVG-IFSul, vitormanzke@cavg.ifsul.edu.br

Resumo: Diversos textos científicos produzidos sobre os livros didáticos entregues aos alunos do ensino público brasileiro têm discutido a desconexão entre os temas abordados e o ambiente a que se destinam. Discutimos neste trabalho a presença do conteúdo “Peixes”, nos livros didáticos enviados pelo PNLD às escolas públicas de ensino básico, no município de Pelotas/RS. A região apresenta importante manancial hídrico caracterizada pela pesca extrativista de grande importância socioeconômica e socioambiental. As Diretrizes Nacionais e mais recentemente a BNCC propugnam a contextualização dos conteúdos desenvolvidos em sala de aula, à realidade do aluno. Neste sentido, os livros didáticos deveriam atender a esta premissa, mas foi exatamente este não atendimento explícito que nos provocou a realizar esta investigação e a responder a questão que orientou o trabalho: O Livro Didático utilizado em escolas das redes públicas de ensino no município de Pelotas/RS contribui como o aluno para o conhecimento da icitofauna regional? Na obtenção dados foram ouvidos dez (10) professores através de questionário fechado, 146 alunos que identificaram os peixes regionais através de fotos, em 10 escolas. Os dados obtidos permitiram ratificar a hipótese de que os livros didáticos oferecidos pelo PNLD são generalistas não atendendo as necessidades dos alunos quanto a contextualização dos temas abordados em sala de aula e sua realidade regional.



Palavras Chave: Peixes, livro didático, ensino de ciências



Abstract: Several scientific texts produced about the textbooks delivered to the students of the Brazilian public education have discussed the disconnection between the topics covered and the environment for which they are intended. In this paper we discuss the presence of the content “Pisces” in the textbooks sent by PNLD to public elementary schools in the city of Pelotas / RS. The region has an important water source characterized by extractive fishing of great socioeconomic and socioenvironmental importance. The National Guidelines and more recently the BNCC propose the contextualization of the contents developed in the classroom, to the student's reality. In this sense, the textbooks should meet this premise, but it was precisely this explicit non-attendance that caused us to carry out this investigation and answer the question that guided the work: The Textbook used in public schools in the municipality of Pelotas / RS contributes as the student to the knowledge of regional icitofauna? In obtaining data were heard ten (10) teachers through closed questionnaire, 146 students who identified the regional fish through photos in 10 schools. The data obtained allowed to ratify the hypothesis that the textbooks offered by PNLD are generalists not meeting the needs of students regarding the contextualization of the topics addressed in the classroom and their regional reality.

Keywords: Fish, textbook, science teaching



Introdução

A região sul do Rio Grande do Sul apresenta importantes mananciais hídricos que influenciam atividades socioeconômicas e socioambientais, como o turismo, a pesca esportiva e a pesca extrativista. A comercialização do pescado ocorre praticamente em todos os municípios da região e várias espécies fazem parte da lista de preferência dos compradores. Um dos espaços onde ocorrem estas atividades é a laguna dos Patos que banha diversos municípios e tem influência direta em outros importantes mananciais como a Lagoa Mirim, ambiente binacional – Brasil/Uruguai, além de outros ambientes aquáticos como os rios Jaguarão, Piratini e vários arroios secundários.

A pesca extrativista já foi responsável por importante impacto de descenso pesqueiro, principalmente nas décadas de oitenta e noventa, por exemplo, em espécies com o Jundiá (Rhamdia sp.). Este peixe é um espécime bastante representativo na comercialização, na pesca esportiva e na ecologia do sistema hídrico regional. Os índices de captura do gênero em rios, lagos e espaço lagunar, chegaram a números negativos expressivos atingindo a ictiologia regional (MANZKE, 2005). Mas para além do Jundiá, citamos também outras espécies de importância socioeconômica. Peixes como a Traíra (Hoplias sp.), o Peixe-Rei (Odontesthes sp.), a Corvina (Micropogonias sp.), a Tainha (Mugil sp.), o Pintado (Pimelodus sp.) entre outras, exploradas neste trabalho junto aos alunos do ensino básico, formam um quadro de grande relevância para a economia regional.

A pesca artesanal extrativista encontrada na região da AZONASUL – Associação dos Municípios da Região Sul do Rio Grande do Sul, onde está inserido o município de Pelotas, é formada por pelo menos oito instituições que reúnem cerca de oito mil pescadores artesanais/profissionais que atendem demanda de mais de um milhão de pessoas. Estes dados permitem ver que regionalmente existe a cultural do consumo de pescado e isto, por si só já indicaria a necessidade de contextualizarmos a ictiofauna regional e incentivar o consumo deste tipo de proteína no dia a dia dos estudantes. Que ambiente poderia ser melhor que o da escola para o incentivo a este hábito alimentar saudável que é o consumo de pescado.

Neste sentido, aproximasse também a visão socioambiental a ser desenvolvida na comunidade escolar e sociedade do entorno desta. Conhecer o meio onde vive e a forma de inserção do indivíduo neste espaço é fundamental e devemos incentivar a escola que o faça. Principalmente as escolas ligadas in/diretamente as associações de pescadores, pois aí estaremos dando significado ao trabalho exercido pelos pescadores. A natureza ictiológica da região passa a ser valorizada para a sua conservação, preservação e sustentabilidade de cada uma das espécies.

Foi com esta preocupação que fomos as escolas analisar o conhecimento dos alunos sobre a ictiofauna regional e como os livros didáticos (LD) oferecidos às escolas públicas pelo PNLD – Plano Nacional dos Livros Didáticos, tratam este tema. É possível interpretar a biologia animal dos peixes citados anteriormente a partir destes livros? Nossa premissa era de que os alunos não apresentavam conhecimento sobre a ictiofauna regional e que os livros didáticos onde estudam, tampouco trazia informação sobre as espécies contidas nesta ictiofauna.



O que diz a legislação sobre a contextualização e a regionalização dos estudos a serem realizados no ensino fundamental



Os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (BRASIL, 1998), indicam que o processo de ensino e da aprendizagem está relacionado com incentivo às atividades de curiosidade, à persistência na busca e à compreensão das informações do ambiente, sua apreciação e respeito à individualidade e à coletividade.

O tema Seres Vivos é um dos quatro eixos temáticos que compõem os PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais. Nestes Parâmetros encontramos a clara indicação de que o professor não deve prender-se a esquemas detalhados da classificação biológica das espécies ou ao agrupamento dentro da escala zoológica (Reinos, Filos etc.), pois a extensa nomenclatura ali existente estaria tornando este assunto desinteressante ao aluno. Diz no texto que ao contrário disso, devemos mobilizar e motivar os estudantes a conhecerem as relações existentes entre os peixes (seres vivos) e os fatores ambientais locais.

Os PCNs ressaltam também a importância da produção de materiais didáticos complementares de qualidade e que esteja acessível aos professores do ensino fundamental e médio utilizado, como exemplo, os ambientes próximos da realidade do aluno. É percebível no meio docente, que os LD no ensino fundamental são desinteressantes aos alunos, possivelmente pela distância apresentada em relação à realidade do aluno.

Segundo Vaniel (2006), estudos realizados em LDs indicados pelo MEC são carentes em textos que se preocupem com o conteúdo “peixes”, principalmente quando se trata da ictiofauna regional relativa aos ambientes Lagoa Mirim e Laguna dos Patos. Autores como Bizzo (2009), Fracalanza (2003) e Sandrin (2001) realizaram diversas pesquisas e revelaram que os LDs na área de ciências apresentam graves problemas como, por exemplo: erros conceituais; ilustrações inadequadas; exercícios e atividades que não ativam a participação dos alunos, além de exigirem apenas cópia e memorização.

No intuito de estabelecer um contraponto em relação ao que foi posto até aqui, e na falta de textos que enalteçam a qualidade do LD brasileiro, estabelecemos uma relação entre estes e os LDs portugueses. Nosso contato com o Instituto de Educação da Universidade do Minho nos permitiu acessar a tese doutoral de Ana Figueiroa que em 2001 dedicou-se a análise dos conteúdos referentes aos seres vivos e, em especial o tema “Peixes” existentes nos livros didáticos portugueses. Diz a autora, que a análise realizada pode ser orientadora no processo de construção dos conteúdos programáticos a ser ensinado e que muitos professores portugueses depositam total confiança nos livros didáticos, admitindo que o conteúdo apresentado tem caráter científico e é pedagogicamente correto, vendo o LD como uma “autoridade” do conhecimento.

Figueiroa (2001) vincula ainda, o apego dos professores aos livros didáticos como sendo um fato que os faz continuarem a ensinar em função de conteúdos e da memorização, e não de competências a partir de um conhecimento pré-existente; a construir e a ampliar o conhecimento, excluindo diferentes formas de pensar e agir. Neste sentido, a autora ratifica a posição de que, para os professores, existe uma ligação inequívoca entre o livro didático e o processo ensino-aprendizagem, que constroem uma relação de simbiótica sendo praticamente inconcebível a existência de um sem o outro, o que significa em certos momentos a impossibilidade de ensinar e aprender sem os livros didáticos.

Após olhar rapidamente a visão portuguesa sobre o LD, voltamos a realidade brasileira. Segundo Silva (2003) apesar da existência de pesquisas, identificando diversos problemas e inconsistências encontradas nos LDs, as editoras têm alterado de forma incipiente os conteúdos desses materiais, que permanecem assim, praticamente intocados na sua programação interna, apesar das modificações na estrutura de apresentação, como incorporação de fotos, esquemas e pequenas inovações tornando o livro aparentemente mais atrativo para o estudante.

Na análise realizada por Santos (2013) em LDs sobre o assunto “peixes” não perfazem mais do que três laudas do conteúdo total dos livros analisados, o que seria menos que 2% quando se considera o conteúdo total dos livros. Esta constatação nos faz perceber que as editoras estão produzindo textos que deixam a desejar, pois não dão ênfases importantes ao conteúdo “peixes”, que entendemos fundamentais para dar significado ao aprendizado do estudante.

Para Bruner (1998) limitar o ensino a uma dieta fixa de recitação da matéria com o apoio de livros didáticos tradicionais e de quantidade duvidosa tornará a disciplina aborrecida para o aluno. O próprio professor é um recurso de ensino ele deve recorrer a meios variados que vai desde esses mesmos livros, a metodologias alternativas produzidas com os alunos em sala de aula. O autor defende ainda que os alunos podem reorganizar e transformar as informações obtidas desenvolvendo a partir daí novos impulsos cognitivos.

Segundo Moreira, para que se processe aprendizagem é necessário que os conteúdos de aprendizagem façam sentido para o aluno e sejam conteúdos significativos. Serão conteúdos significativos aqueles que podem ser aprendidos de modo significativo, e para que isso aconteça, as novas ideias devem relacionar-se/interagir com os conceitos já existentes na estrutura cognitiva do aluno. O autor cita ainda as ideias de Ausubel que vem corroborar com nossas premissas. Ausubel sustenta que o fato isolado mais importante que a informação presta na aprendizagem é aquilo que o aprendiz já conhece. Pensamos exatamente nesta linha, se oportunizarmos ao aluno que exponha aquilo que já sabe, ele tomará isso como a base necessária a suas aprendizagens.



E porque os Peixes?



Porque apesar de sua importância na evolução dos seres vivos na manutenção dos ecossistemas e, principalmente, sendo uma das principais fontes de nutrição à população mundial é pouco explorado nos LDs como conteúdo significante a ser apresentado aos alunos. Este conteúdo apresenta excelentes possibilidades de investimento em estratégias didáticas pelos professores.

Segundo Odebrecht (1998) deveríamos conhecer como funciona o ecossistema a que pertencemos e reconhecer a importância dos animais nela existentes, em colaboração com a história natural das plantas e animais. A autora diz ainda que observar e conhecer detalhadamente os peixes regionais, pode ajudar principalmente, nas fases iniciais do aprendizado, a conhecer a importância da manutenção dos ecossistemas aquáticos.

Essa reedição na categorização, anteriormente já citada, foi feita com o propósito de se obter um modelo simplificado, e mantida em meus estudos e acrescida a desenhos esquematizados das espécies de peixes e como se reproduzem e utilizam o estuário, disponibilizando um material didático para complementar o conteúdo peixes no ensino fundamental. Mas ainda não satisfeito, editei um livro com baixo custo, que fosse acessível aos professores de ciências do ensino fundamental e o mesmo também fiz nas minhas aulas de ciências e notei a curiosidade dos alunos em identificarem peixes que havia pescado com os pais, sentiram-se formadores de seu próprio conhecimento. O livro teve uma grande vendagem e aceitação das pessoas que gostam de peixes, só no lançamento na feira do livro em menos de uma hora vendi 95 unidades e o restante da tiragem de 500 exemplares esgotou em poucos meses.

Apesar disso, tive uma frustração: esse material não foi absorvido por professores de ensino fundamental como era previsto, e sim por turmas acadêmicas da área de Biologia, Ecologia e outras que fazem pesquisa de Ictiologia, várias unidades foram enviadas às universidades por lista. Não sei se por falta de divulgação em escolas ou pelo rigor técnico, o livro ficou desinteressante para colegas em sala de aula, talvez também pela dependência umbilical que os professores têm aos livros didáticos.



Metodologia



Para entendermos como se processa esta relação alunos, livros didáticos e o conteúdo peixes, foi necessário estabelecermos que tipo de pesquisa seria realizada e que instrumentos seriam utilizadas para a posterior análise dos dados.

Identificamos que a análise que queríamos desenvolver caracterizava-se como qualitativa e o pela população e os dados que iríamos coletar levou-nos ao Estudo de Caso como o tipo de pesquisa a ser realizada. Sobre isso Marconi (2011) diz que a metodologia qualitativa tradicionalmente se identifica como um estudo de caso. Aqui, estudamos um grupo de alunos e identificamos a significância trazida pelo conteúdo peixes, no seu espaço de sala de aula. Neste sentido, aproveitamo-nos do que diz Triviños (2013) para quem este tipo de estudo caracteriza-se como um tipo de pesquisa que tem como objetivo analisar uma unidade a ser conhecida de forma aprofundada. Os esquemas costumeiros de pesquisa onde há uma necessidade prévia de que seja estabelecido um problema de pesquisa, uma hipótese etc. estas poderão aparecer no decorrer da montagem ou transcorrer do estudo que está sendo realizado.

Nesta perspectiva, a escolha recaiu sobre: identificar escolas públicas do ensino básico, no município de Pelotas/RS, que permitisse nosso acesso aos alunos, encontrar um número de alunos que fosse representativo no universo de alunos das escolas eleitas e identificar junto aos professores os livros didáticos de ciências da natureza mais utilizados por eles em sala de aula.

Para a escolha das escolas levamos em consideração a aproximação da comunidade escolar a algum aspecto ligado aos peixes e seguindo estes critérios utilizamos: a possibilidade da pesca, da comercialização de pescado, proximidade a ambientes lacustres etc. Considerados estes aspectos elegemos dez escolas. Em relação aos alunos, identificamos junto ao grupo gestor das escolas que o universo de alunos matriculados no 7º ano do ensino fundamental II, aproximava-se dos duzentos alunos.

Já para conhecermos os livros didáticos utilizados em sala aula, entrevistamos os dez professores responsáveis pelos alunos através de questionário semiestruturado que continha questões que versavam sobre a identificação do professor, qualificação profissional, os autores preferidos em relação aos LD, entre outras questões que servirão para a produção de novos textos científicos voltados ao tema ambiental.

Para trabalharmos com os alunos na identificação dos peixes encontrados da região de Pelotas/RS, confeccionamos um banner que continha a foto de 14 peixes, distribuídos aleatoriamente, identificados em seus gêneros e nomes vulgares mais utilizados na região geográfica em questão. Estes animais são comumente encontrados nos ambientes aquáticos da região e/ou nos locais de comercialização, todos com importância ambiental e socioeconômica na região Sul do Rio Grande do Sul.

Os alunos receberam um questionário semiestruturado que continha sete perguntas para sua manifestação sobre o tema. A primeira questão constou de uma tabela com sete colunas, onde aparecia em sequência: o número de ordem do item; o nome popular do peixe; seu nome científico; a indicação de "sim", indicava que o aluno conhecia o peixe; a indicação "não" quando não reconhecia o animal; conheço por outro nome e a última coluna onde o aluno ao dizer que não conhecia pelo nome constante na segunda coluna, escrevia o nome pelo qual conhecia o peixe indicado no banner. As demais questões versavam sobre a utilização dos peixes como alimento, como objeto de captura e a sua comercialização.

Após a coleta dos dados obtidos, os mesmos foram analisados de forma a obtermos elementos que pudessem responder as nossas questões de investigação. Os dados quantitativos foram trabalhados com o programa Excel 365 e ajudou-nos a sustentar as análises qualitativas realizadas no âmbito da pesquisa.



Resultados e discussão



Foram entrevistados 146 alunos do universo de 189, e os 10 professores, um por escola, atuantes na disciplina de ciências da natureza, nas 10 escolas que se dispuseram a participar do projeto.

A seguir apresentamos os dados mais representativos e que se constituíram no foco principal deste artigo que foi analisar a relação existente entre: aluno, livro didático e o conteúdo peixes, no 7º ano do ensino fundamental II, ensino básico de escolas públicas no município de Pelotas/RS.

No gráfico 1 apresentamos o resultado da identificação realizada pelos alunos das espécies de peixes de maior interesse ambiental e socioeconômico da região.



Gráfico 1 – Relaciona parte da ictiofauna regional e o conhecimento dos alunos sobre os mesmos.



Podemos observar que dos 14 peixes relacionados no banner apresentado aos alunos, apenas 4 (Tainha, Lambari, Bagre, Jundiá e Traíra) que também são espécies de importante valor econômico aparecem com percentuais acima dos 10%. Mesmo que outros peixes constantes da lista como por exemplo: o Pintado, o Linguado e o Peixe-Rei, sejam animais facilmente encontrados nos ambientes aquáticos da região e em locais de comercialização de pescado, aparecem com percentuais menores. Talvez a presença do lambari, entre os mais citados, seja por sua presença como pesca esportiva deste peixe que já na infância de muitos destes jovens entrevistados.



A seguir, no gráfico 2, encontramos a manifestação dos estudantes sobre a presença dos peixes da ictiofauna regional no seu livro didático. Nossa intenção foi descobrir se havia consciência sobre o tema abordado, em suma, se havia conexão entre os conteúdos ministrados em sala de aula e aquilo que está presente no seu material didático.



Gráfico 2 – Peixes regionais que aparecem no LD.



Como mostramos anteriormente na região onde está localizado o município de Pelotas/RS encontra-se um importante conjunto de mananciais hídricos onde vivem diversas espécies de peixes, várias delas representadas no banner apresentado aos alunos. Os dados obtidos a partir do questionário aplicado, mostram que 91% dos alunos manifestam que os peixes apresentados não fazem parte de seu livro didático. Apenas 4% apresentaram resposta positiva, dizendo que os peixes estão presentes, entretanto, esta resposta, ao nosso ver, sugerem duas prováveis situações: a primeira de que o aluno não tenha interpretado a pergunta e respondeu sobre a presença do conteúdo peixes no LD; na segunda por desinteresse em responder ao questionamento.

Nossa premissa sobre as duas situações apresentadas no parágrafo anterior, está no fato de que não encontramos nenhum peixe listado no banner, ou mesmo os não listados e que ocorrem na região, aparecem nos LDs indicados pelos professores entrevistados. Duas espécies que aparecem nos livros pesquisados não são encontradas nos mananciais da região em questão. O Robalo (Centropomidae spp.), por exemplo, é um peixe marinho que tem registrado sua presença entre o Atlântico Norte e o Atlântico Sul, mas limitando-se praticamente a costa de Santa Catarina. Já o Tucunaré (Cichla spp.) também citado quase na totalidade dos livros didáticos tem sua distribuição geográfica originalmente na bacia amazônica.



Por fim, no gráfico 3 apresentamos os dados referente aos Livros Didáticos (LDs) indicados pelos professores entrevistados como os preferidos para serem utilizados no 7º ano do ensino fundamental básico, fornecidos pelo PNLD e que são de uso obrigatório. Foram analisados três livros identificados por L1; L2 e L3, no intuito de salvaguardar os autores que não se constituíam em objeto de análise.



Gráfico 3 – Os LDs de Ciências da Natureza mais utilizados pelos professores do 7º ano do ensino básico, no munícipio de Pelotas/RS.



Os professores indicaram três livros sendo cada um deles apresentou o autor de sua preferência. Nos três casos o conteúdo peixes aparece em no máximo 5 laudas, incluindo-se aí as figuras e os exercícios. Este fato torna o assunto enfadonho e desinteressante ao aluno, pois está desconectado da sua realidade. Todavia, em nenhum dos casos é citado qualquer peixe encontrado na região de Pelotas/RS. Isto contraria tanto a Base Nacional Comum Curricular – BNCC, quanto a os Referenciais Curriculares a serem implantado pelos Estados, que orientam para a busca incessante da contextualização dos conteúdos, o desenvolvimento de atividades práticas, preocupação com o impacto ambiental, entre tantos outros objetivos.

O conteúdo peixes em L1 - Unidade “Os Seres Vivos”, apresenta os tubarões, o cavalo-marinho, o jaú e a arraia, animais que não ocorrem na região em questão. Soma-se a isto os livros – L2 e L3, que seguem a mesma linha de L1, citando peixes distantes do contexto regional como: moreia, baiacu, peixe-voador, arraia etc. Portanto, além de não apresentarem a ictiofauna regional afastam o aluno dos conteúdos. Partindo dessa premissa, caberá ao professor buscar estratégias didáticas que superem o livro didático no que tange a contextualização do conteúdo peixes.



Considerações Finais



Este trabalho foi organizado com o intuito de conhecermos a realidade da sala de aula em relação a contextualização das questões socioambientais envolvidas no ensino público de nível básico. A todo o momento os meios de comunicação, especialistas e os governantes, falam da importância de tratarmos diariamente as questões referentes ao ambiente. Campanhas de coleta de “lixo” são levantadas por órgãos governamentais dos municípios brasileiros. Entretanto, desenvolver ações de conscientização no ambiente escolar sobre os impactos produzidos pela sociedade no meio ambiente parece estar aquém do necessário.

Construímos a partir desta ação no ambiente escolar, verificar que as atividades de sala de aula estão muito mais voltadas ao cumprimento dos conteúdos constantes no livro didático do que propriamente construir uma consciência ambiental voltada, por exemplo, á valorização da ictiofauna regional.

O desconhecimento que os alunos demonstram quanto aos peixes da região, mesmo que este tema seja conteúdo constante do seu livro didático, ao nosso ver deixa clara a incapacidade demonstrada pelo material didático de atender a proposta dos PCNs, BNCC e dos Referenciais a serem implantados por Estados e Municípios em suas Redes de Ensino.

Neste sentido, após a análise dos dados e o contato com os alunos e professores atuantes no ambiente da pesquisa, podemos afirmar que a ictiofauna existente na região sul do Rio Grande do Sul não está presente nos livros didáticos fornecidos pelo Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, para as escolas públicas no município de Pelotas/RS. Entendemos que isto contraria a legislação brasileira e impacta negativamente o processo ensino-aprendizagem.



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Ilustrações: Silvana Santos