Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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20/03/2020 (Nº 70) COMO A DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO SÃO ABORDADAS NOS LIVROS DIDÁTICOS
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COMO A DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO SÃO ABORDADAS NOS LIVROS DIDÁTICOS

Felipe Rizzo Martins Tessinari¹

Mestrando em Ciência, Tecnologia e Educação, Faculdade Vale do Cricaré. E-mail: felipetessinari@hotmail.com.



RESUMO: O presente artigo se apresenta em meio a um contexto de expansão da cultura de Direitos Humanos no Brasil, que avança graças a uma série de acordos internacionais que se firmou em escala nacional por meio dos Programas Nacionais de Direitos Humanos e o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Foi feito um levantamento de como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão vem sido abordada nos livros didáticos utilizados nas escolas públicas, municipal e estadual, do município de Vitória, Espírito Santo, para obtermos um termômetro da adequação das editoras quanto a legislação de Direitos Humanos.

Palavras-Chave: Educação em Direitos Humanos, Livro Didático de História, PNDH, PNEDH.



ABSTRACT: This article presents a context of expansion of the Human Rights culture in Brasil, which is progressing thanks to a series of international agreements that have been established at national level through the National Human Rights Programs and the National Education Plan of Human rights in Brasil. We seek to make a survey of how the Declaration of the Rights of Man and of the Citizen has been approached in the textbooks used in the public, municipal and state schools of the city of Vitória, Espírito Santo, to obtain a thermometer of the adequacy of the publishers regarding the legislation of Human rights.

KeyWords: Education in Human Rights, History’s Didactic Book, PNDH, PNEDH.



Em 1988 a nova Constituição do Brasil garantia a seus cidadãos o respeito aos direitos e liberdades dignos de todos seres humanos, porém, foi apenas na segunda metade da década de 1990 que o governo brasileiro e a sociedade civil começaram a se organizar para adotar uma série de medidas e ações para difundir os Direitos Humanos na prática. Entre esses documentos, merecem destaque os Programas Nacionais de Direitos Humanos I, II e III (1996, 2002, 2010 respectivamente) e o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH, 2006). Foi nesse contexto que, em 2010, o Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), incentivou e apoiou as Secretarias de Educação dos Estados e do Distrito Federal na elaboração de Planos de Ação de Educação em Direitos Humanos para a Educação Básica. Essa ação teve como objetivo possibilitar à rede pública de ensino a inserção de uma perspectiva de educação centrada no respeito aos direitos humanos de modo a favorecer a formação da cidadania ativa (SILVA; TAVARES, 2003, p.51).

O atual Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH III) diz em sua Diretriz 18, Objetivo estratégico II, tópico “c”: ” Estabelecer critérios e indicadores de avaliação de publicações na temática de Direitos Humanos para o monitoramento da escolha de livros didáticos no sistema de ensino (BRASIL, 2010, p. 189). Por isso se dá a importância em investigar e refletir como o pontapé inicial da institucionalização dos Direitos Humanos modernos se dá nos livros didáticos. Seria muita pretensão abordar todos os livros didáticos aprovados no Brasil numa pesquisa para um simples artigo, porém vale ressaltar que no ponto de vista local onde esta foi realizada, a cidade de Vitória, Espírito Santo, pode-se ter uma visão do nível de discussão e informação é promovido pelos livros didáticos utilizados pelos professores em sala de aula no município.

Mas, porque dentre todas os temas possíveis a escolha da “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”? Esta se deu, pois, o novo “homem” nascido depois desta é intrinsecamente um cidadão, cuja liberdade deve estar também assegurada, entendendo-se a liberdade como “o direito de fazer tudo que não prejudique os outros” e por erigir barreiras que protejam as liberdades individuais de prisões arbitrárias e sem justa acusação. Foram estes 17 artigos, nascidos de uma revolta popular sangrenta que quebrou os grilhões da servidão feudal e da tirania absolutista, e criou a base do que se intende hoje como um cidadão livre e consciente de seus direitos e deveres (ODALIA, 2003, p. 168).

Para a realização desta pesquisa foram utilizados livros didáticos encontrados em escolas públicas da rede municipal e estadual no município de Vitória, Espírito Santo. Estes livros estavam disponíveis nos acervos das bibliotecas das escolas ou em uso pelos professores em sala de aula.

Foram pesquisados vinte e sete livros de História do 8º Ano do Ensino Fundamental e do 2º Ano do Ensino Médio. A escolha destes dois anos específicos foi dada devido a presença do tema “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” ser encontrada normalmente no capitulo relacionado a Revolução Francesa, presente nos livros destas séries escolares. Vale destacar que segundo a Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, o Ensino fundamental aumentou a duração para nove anos, por isso alguns livros trazem este conteúdo na antiga 7ª série, atual 8º Ano.

Os livros escolhidos para a pesquisa foram publicados do ano de 2006 ao ano de 2016, este período de tempo foi escolhido pois foi levado em consideração que o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (2006) e o Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos (2005) orientam para que os sistemas de ensino da educação básica implantem políticas educacionais que incorporem conteúdos e práticas de direitos humanos (SILVA; TAVARES, 2003, p.51).

A análise dos livros foi dada em dois estágios, o primeiro foi a leitura do capítulo referente ao estudo, foi levado em consideração o texto base, as notas de rodapé, textos complementares, atividades propostas, ilustrações e, quando presente, sugestões de abordagens ao tema para o professor. No segundo estágio foram elaboradas três perguntas referentes ao conteúdo analisado no primeiro estágio da pesquisa, sendo elas:



  1. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi citada durante o capítulo?

  2. Há alguma explicação sobre o que é a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão?

  3. Foram lançados questionamentos ou foi incitado alguma discussão sobre a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão?



Estas perguntas foram elaboradas segundo algumas das “Competências Comuns” presentes no Currículo Base da Rede Estadual do Espírito Santo, no capítulo que tange a Área de Ciências Humanas e o ensino de História no Ensino Fundamental. A destacar a Competência número 3: “Levantar, organizar, selecionar e divulgar dados e informações, relacionando-os e atribuindo-lhes sentido”. A Competência número 4: “Elaborar explicações históricas multicausais, considerando distintos pontos de vista acerca daquilo de que se indaga e respeitando os valores humanos e as diversidades étnico, sócio e culturais. ” E a Competência número 2: “Construir, aplicar e compreender conceitos históricos básicos, relacionando-os com os de outras ciências e com a vida cotidiana (ESPÍRITO SANTO, 2009, p.69). ”

A primeira pergunta procura saber se o leitor do livro didático é informado pelos autores da existência da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, ou seja, se o tópico é abordado pelo livro. A segunda pergunta tem como objetivo identificar se caso a Declaração é citada, esta possui alguma explicação durante o capítulo ou se existe algum texto discorrendo sobre o assunto. E, por fim, a terceira pergunta aborda se o livro lança questionamentos sobre a Declaração ou faz com que o leitor pense de maneira crítica o conteúdo tendo em vista a atualidade.

Como visto no gráfico I, apenas um dos livros citados não cita a existência da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, o resultado desta amostra nos diz que a maior parte dos livros didáticos estão seguindo o PNEDH. É relativamente fácil se iniciar os estudos de Direitos Humanos, pois nestes 17 artigos e preâmbulo, pela primeira vez o Direito é colocado de maneira universal, ou seja, todos os homens comuns são contemplados sem a restrição de fronteiras, nascimento ou posses (ODALIA, 2003, p. 166).



Porém a medida em que nos aprofundamos na discussão, a amostragem nos mostra que aproximadamente 70% dos livros didáticos explicam ou discutem o tema proposto em suas páginas (Gráfico IV). Apesar de ser um número expressivo, o gráfico nos mostra que apenas 44,5% dos livros pesquisados citam, explicam e discutem a Declaração em suas páginas (Gráfico IV), nos mostrando que ainda há um longo caminho a ser traçados pelas editoras para que estas se adequem ao PNEDH.

No Gráfico II podemos ver que 8 dos 27 livros não explicaram o que foi a Declaração dos Direitos dos homens e dos cidadãos, estes apenas citaram ligeiramente esta seja no corpo do texto ou em quadros ilustrativos. No ano de 2015 o Instituto Pró-Livro, entidade mantida pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), Câmara Brasileira do Livro (CBL) e Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares (Abrelivros) através do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) realizou uma pesquisa que chegou a conclusão que 44% da população brasileira não lê e 30% nunca comprou um livro, ou seja, muitas vezes o livro didático é o único acesso de mais da metade da população brasileira a informação, logo mesmo ainda sendo diminuto o número de livros que não explicam qual a importância da Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão, ainda é preocupante a possibilidade dos alunos que estudam nestes livros não serem conscientes de seus próprios direitos.

Gráfico III nos mostra que a média é mantida no que tange a discussão do tema proposto. Apesar da maior parte dos livros apresentarem algum tipo de discussão sobre o tema ou ter lançado questionamentos sobre a importância destes na realidade do aluno ainda é importante que os educadores e a escola tenham em mente que nem sempre os livros virão armados com alguma proposta de desenvolvimento do assunto além do conteúdo por si só.



















CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação em direitos humanos não se limita à contextualização e à explicação das variáveis sociais, econômicas, políticas e culturais que interferem e orientam os processos educativos. Ela vai além da contextualização, embora esta seja imprescindível para a compreensão da sua construção. Faz parte dessa educação apreender os conteúdos que dão corpo a essa área, ou seja: a história, os processos de evolução das conquistas e das violações dos direitos, as legislações, pactos e acordos que dão sustentabilidade e garantia aos direitos são conteúdos a serem trabalhados no currículo básico. [...] os conteúdos devem ser associados ao desenvolvimento de valores, comportamentos éticos na perspectiva de que o ser humano é sempre incompleto em termos da sua formação. Por ter essa incompletude enquanto ser social, datado, localizado, o ser humano tem necessidade permanentemente de conhecer, construir e reconstruir regras de convivência em sociedade (SILVA; TAVARES, 2009, p.49).

Quando falamos, pensamos ou escrevemos sobre a cidadania e os Direitos Humanos temos que ter em mente que esta está ainda se construindo lentamente, desde antes da Revolução Francesa e que continuará ainda se desenvolvendo muito depois que passarmos desta época em que vivemos. Apesar dos avanços que o Brasil vem apresentando na área, ainda há um longo caminho a ser percorrido, pois, enquanto ouvirmos os ecos do autoritarismo que permeia nossa história, podemos saber que ainda há muitas batalhas a serem lutadas.



BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Programa Nacional de Direitos Humanos. Brasília: Liberdade de Expressão, 2010.

_____. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996.

ESPIRÍTO SANTO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO. CURRÍCULO BÁSICO ESCOLA ESTADUAL: Ensino fundamental: anos finais: área de Ciências Humanas. Vitória, 2009.

INSTITUTO PRÓ-LIVRO. Retratos da leitura no Brasil. São Paulo, 2016.

 ODALIA, Nilo. Revolução Francesa: A liberdade como meta coletiva. In: PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2003, p. 159 – 170

SILVA, Aida Maria Monteiro; TAVARES, Celma. Educação em direitos humanos no Brasil: contexto, processo de desenvolvimento, conquistas e limites. Educação, Porto Alegre, v. 36, n. 1, p.50-58, jan. 2003.

______. Direitos humanos na educação básica: qual o significado? In: SILVA, Aida Maria Monteiro; TAVARES, Celma. Política e fundamentos da educação em direitos humanos. São Paulo: Cortez, 2010. p. 41-63.



Ilustrações: Silvana Santos