Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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03/09/2020 (Nº 72) PROCESSO DIAGNÓSTICO PARA A EFETIVAÇÃO DE PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO ENSINO SUPERIOR COM FOCO NOS RECURSOS HÍDRICOS
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PROCESSO DIAGNÓSTICO PARA A EFETIVAÇÃO DE PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO ENSINO SUPERIOR COM FOCO NOS RECURSOS HÍDRICOS



Leandro Costa Fávaro1, Letícia Rodrigues da Fonseca2, Sérgio Ricardo Silva Magalhães3 Daiane Fernandes Pereira 4

1 Mestre em Sustentabilidade em Recursos Hídricos, Universidade Vale do Rio Verde, E-mail: leandro.favaro@unis.edu.br

2 Docente dos Programas de Mestrado Sustentabilidade em Recursos Hídricos e Gestão, Planejamento e Ensino, Universidade Vale do Rio Verde, E-mail: leticia.rodrigues.vga@gmail.com

3 Pós-doutor em Educação, Universidade de Flores, E-mail: serimagbh@gmail.com

4 Mestra em Sustentabilidade em Recursos Hídricos, Universidade Vale do Rio Verde, E-mail:, E-mail: daianeviannajunior@gmail.com



Resumo:

O presente estudo buscou realizar, por meio de uma pesquisa de abordagem quantitativa que fez uso de um questionário como instrumento de coleta de dados, um diagnóstico para subsidiar práticas educacionais ambientais associadas a concepção Crítica ou Emancipatória. Sabe-se que a Educação Ambiental corresponde a qualquer processo educacional associado a reflexões e ao estudo das relações entre o homem com os recursos ambientais. Porém, para a Educação Ambiental Crítica ou Emancipatória, o respeito ao histórico do indivíduo, considerando a sua localização geográfica, o contexto social e a forma com que interage com o mundo, se apresentam como características fundamentais. Diante deste contexto, esta pesquisa possui, como objetivo geral, realizar um diagnóstico acerca das percepções de estudantes universitários de uma determinada Instituição de Ensino Superior, sobre a interação homem e recursos naturais, especificamente, em relação à água. Já, como objetivos específicos, buscou-se: i) identificar a percepção de estudantes em relação a interação com os recursos hídricos no seu dia-a-dia; ii) entender a percepção que estes estudantes possuem sobre a importância dos recursos hídricos. Ao final, constatou-se que é possível estabelecer um diagnóstico acerca das percepções de estudantes universitários sobre a interação homem e recursos naturais, especificamente, em relação à água, e que possibilitará o desenvolvimento de propostas de ações voltadas para a Educação Ambiental Emancipatória, de acordo com as percepções apresentadas pelos estudantes.

Abstract:

This study carried out a diagnostic assessment to assist environmental education in applying Critical or Emancipatory practices. The research adopted a quantitative approach, and data was collected through a questionnaire. Environmental Education refers to any educational process related to the study and considerations on the relationship between man and environmental resources. However, for a Critical or Emancipatory Environmental Education, the individual's background, such as his geographical location, social context and the way he interacts with the world, becomes an essential characteristic. Therefore, this study aims to diagnose the perceptions of Higher Education students attending a specific University about the interaction between man and natural resources, mainly water. The specific objectives are (i) identify the student's perception regarding water resources in their daily lives; (ii) understand such perception about the relevance of water resources. The results showed that it is possible to diagnose the perceptions of Higher Education students about the interaction between man and natural resources, mainly water, which will also allow the development of practices on Emancipatory Environmental Education, according to the perceptions demonstrated by the students.



Introdução

A educação ambiental pode ser compreendida como um processo de formação humana focado no desenvolvimento e na construção de conhecimentos capazes de proporcionarem uma interação mais harmoniosa entre o homem e os recursos naturais (DORNFELD, 2016). Ferreira e Aoki (2010), afirmam que esse conceito surgiu como resultado de demandas sociais vinculadas aos efeitos ambientais advindos da industrialização, cuja o auge ocorreu próximos das décadas de 60 e 70, com a denominada revolução industrial.

Santos et al. (2002) ressaltam, que o capitalismo desenfreado contribuiu, significativamente, com a poluição do ar, da água e do solo, colocando o planeta em um processo de intensa degradação, podendo tornar-se, em curto prazo, inadequado para a manutenção da vida na Terra. Gryxinski (2006), corrobora com essas ideias destacando fenômenos como o aquecimento global, a redução de espécies nativas de vegetação e animais, o derretimento de geleiras situadas nas regiões polares e a existência de comunidades vivendo em situação de extrema escassez hídrica.

Para Jacobi e Grandisoli (2017), o último século apresenta um contexto planetário complexo em que o repensar da forma de interação entre o homem e os recursos naturais deixou de ter um carácter opcional, tornando-se uma postura necessária, pois o maior problema planetário da contemporaneidade se refere à deterioração e inadequada utilização dos recursos hídricos (OLIVEIRA et al., 2012).

Nesse conjuntura, Gadotti (2005) ressalta a importância da existência de processos cuidadosamente pensados e organizados com a clareza de objetivos para se atingir a conscientização e mobilização da comunidade, desprezando a ideia de que a Terra deve ser conquistada.

Logo, a educação ambiental apresenta-se, neste cenário, como uma possibilidade concreta e real de ressignificação da relação homem e natureza (SORRENTINO, 2007). Santos (2017), atribui a responsabilidade de efetivação da educação ambiental para todos os setores sociais, deixando claro que não se trata de uma causa que pode ser associada a pequenos grupos de discussão e debates, mas que deve ser concebida de forma interdisciplinar e multicultural.

Andrade e Fernandez (2017), evidenciam o papel preponderante das Instituições de Ensino que são responsáveis por participarem, de forma direta, na formação de cidadãos conscientes e críticos. Inclusive, Santos (2000) expõe, a existência de legislações, normatizações e instruções destinadas ao universo acadêmico, visando garantir a efetivação de processos planejados e sistematizados ao longo de todo o período de escolarização. Furtado (2009) complementa, ao destacar a lei Nº 9.795/99 que reforça as Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Ambiental que descreve, no oitavo artigo, a sua efetivação em todos os níveis e modalidades de ensino.

Entretanto, Sorrentino e Biosoli (2014) ressaltam, que as ações destinadas à educação ambiental no Ensino Superior são, na maior parte das vezes, restritas ao cumprimento dos aspectos apresentados em legislações, limitando-se a disponibilização de disciplinas isoladas ao longo da graduação, sendo que estas costumam fundamentar-se em planos de ensinos definidos anteriormente, sem a contemplação dos aspectos socioculturais relacionados aos estudantes. Já, Dornfiend (2018), faz menção a existência de ações significativas e exitosas dentro das Universidades, e destaca como sendo uma das características comuns a esses projetos, o levantamento das demandas dos estudantes, feitas por meio de propostas diagnósticas, permitindo a compreensão das crenças e evidenciando o conhecimento trazido por parte dos estudantes.

Portanto, diante deste contexto, o objetivo deste estudo é realizar um diagnóstico acerca das percepções de estudantes universitários de uma determinada Instituição de Ensino Superior, sobre a interação homem e recursos naturais, especificamente, em relação à água. Já, como objetivos específicos, buscou-se: i) identificar a percepção de estudantes em relação a interação com os recursos hídricos no seu dia-a-dia; ii) entender a percepção que estes estudantes possuem sobre a importância dos recursos hídricos. Buscou-se, ao final, oferecer ao meio científico o relato de uma experiência destinada a obtenção de dados e informações capazes de subsidiar reflexões acerca da construção de propostas destinadas a educação ambiental no Ensino Superior, com foco nos recursos hidrológicos.

Referencial Teórico

Educação Ambiental Crítica

O conceito de Educação Ambiental defende um propósito que, segundo Silva (2012), é possibilitar a adequada interação entre o homem e a natureza. Isso faz com que compreendamos a existência de uma coluna de sustentação que vem se apresentando de forma fixa ao longo deste processo evolutivo. Portanto, pode se afirmar que:

Educação Ambiental é um vocábulo composto por um substantivo e um adjetivo, que envolvem, respectivamente, o campo da Educação e o campo Ambiental. Enquanto o substantivo Educação confere a essência do vocábulo “Educação Ambiental”, definindo os próprios fazeres pedagógicos necessários a esta prática educativa, o adjetivo Ambiental anuncia o contexto desta prática educativa, ou seja, o enquadramento motivador da ação pedagógica (LAYRARGUES, 2004, p. 07)

Um aspecto relevante, presente na definição, refere-se a explicitação da interação entre duas áreas de conhecimento, tornando evidente que a Educação Ambiental perpassa pela concepção multi e transdisciplinar. Para Fazenda (2002), deve-se entender a interdisciplinaridade como o processo de colaboração existente entre áreas distintas ou setores heterogêneos da mesma ciência.

Portanto, no cerne da questão que tange o conceito de Educação Ambiental, encontra-se estabelecida a existência de uma relação entre processos educacionais, respeitando as singularidades da área, com todos os debates e discussões relativas às questões ambientais.

De acordo com Loureiro (2003), todas as práticas voltadas para a Educação Ambiental devem manter uma estrutura coerente para que se tenha a efetivação da formação de cidadãos críticos e conscientes, com capacidade de interferir efetivamente no meio em que vivem. Dessa forma, sugere algumas etapas, sendo elas : (1) identificação e definição do conflito existente, (2) compreensão do que é o conflito a partir do entendimento dos envolvidos, (3) construção de processos que resultem em ideias e alternativas, (4) avaliação coletiva das propostas anteriormente discutidas, (5) negociação entre os envolvidos, (6) efetivação das ações planejadas.

1. Identificação e definição do conflito existente – Corresponde a primeira fase destinada ao diagnóstico, levantamento do contexto sociocultural vivenciado pelo indivíduo. É a etapa responsável por elucidar a forma com que as interações indivíduo e meio ambiente ocorrem.

2. Compreensão do que é o conflito a partir do entendimento dos envolvidos – Trata-se da análise dos problemas e conflitos, a partir da busca de entendimento de todas as dimensões envolvidas. Corresponde ao mapeamento da situação elucidando as conexões existentes.

3. Construção de processos que resultem em ideias e alternativas – Refere-se ao processo reflexivo em que se busca pensar sobre possíveis formas de resolução ou de se amenizar os problemas.

4. Avaliação coletiva das propostas anteriormente discutidas – Corresponde ao momento de apresentar as sugestões de intervenções para um grupo maior, oportunizando diversas ponderações e reflexões.

5. Negociação entre os envolvidos – Trata-se do momento inicial da concretização das intervenções, o qual as ações realizadas buscam garantir a possibilidade de efetivação. Normalmente, envolve o estabelecimento de diálogos na busca pela sensibilização e conscientização da importância do processo.

6. Efetivação das ações planejadas – É a etapa final destinada a concretização das ações, visa a eliminação ou a redução do problema anteriormente identificado.

Verona (2009) propõe, a utilização da metodologia ativa denominada Arco de Maguerez no processo de desenvolvimento da Educação Ambiental Emancipatória, devido a percepção de congruência em suas propostas com as etapas necessárias para a efetivação dessa concepção. O autor defende que ao utilizar-se deste procedimento, os educadores se posicionam de forma respeitosa aos estudantes, construindo um espaço de ruptura da simples transmissão de informação para a consolidação da construção do conhecimento.

Gomes (2014) é categórico, ao afirmar que a prática de Educação Ambiental pautada nas etapas apresentadas anteriormente, respeitando a realidade do estudante como sendo a visão inicial, podem amenizar o impacto socioambiental de um desenvolvimento voltado somente para a estrutura econômica.

Crise Hídrica

A exploração dos recursos naturais de forma bastante agressiva e descontrolada, especificamente a água, levou a uma crise socioambiental profunda, denominada por muitos estudiosos e pesquisadores de “Crise Hídrica” (BACCI; PATACA, 2008).

Silva (2010) ressalta, que a discussão a respeito da escassez de água se tornou evidente no cenário global a partir da década de 70, quando a Organização das Nações Unidas tornou o tema pauta de suas discussões, afirmando que para se garantir o acesso a água à sociedade deveria-se entendê-la como de domínio público, além de atribuir valoração econômica.

Jacobi et. al (2016) complementam que, de acordo com os dados da Organização Mundial de Saúde de 2014, há mais de 750 milhões de pessoas vivendo pelo mundo sem acesso a fontes adequadas de água para consumo, enquanto 2,5 bilhões não usufruem de serviços destinados a saneamento básico, acarretando, de acordo com Londe et. al (2014), uma média de 4,6 milhões de mortes de crianças, com até cinco anos, provenientes de diarreia em função do uso de água não potável. Ferreira et. al. (2015) apresentam os dados da Organização das Nações Unidas que comprovam a existência de cerca de 300 conflitos severos, distribuídos pelo mundo, associados à questão hídrica.

A UNESCO em 2003, alertou para a existência de 120 mil km3 de água contaminada, sendo que 20% (vinte por cento) da água doce do planeta estão ameaçadas em decorrência da construção de barragens, diminuição do volume de água e danos causados por poluição e contaminação. Além disso, em algumas localidades do mundo, a escassez de água já se apresenta de forma séria em regiões e países à beira do colapso. Pode-se afirmar que o problema mais severo encontra-se no continente Asiático, que possui mais da metade da população do mundo e que usufrui de apenas 36% dos recursos hídricos mundiais.

Tundisi (2006) pontua, porém, que a crise hídrica é um processo muito maior do que a simples escassez de água. O desenvolvimento econômico e a complexidade da organização das sociedades humanas provocaram diferentes alterações, inclusive no ciclo hidrológico e na qualidade da água. A crise está embasada numa multiplicidade de aspectos, envolvendo as questões sociais, econômicos, culturais, tecnológicos e ambientais (BACCI; PATACA, 2008).

Jacobi et al. (2016), alertam para a pouca perspectiva de mudança neste cenário, e acreditam no agravamento em decorrência da expansão da economia e práticas produtivas que impulsionam o desenvolvimento dos países, além da extração de recursos naturais e da persistência pela exploração e expansão da energia fóssil. Fernandes et al. (2008) corroboram com a ideia, ao afirmarem que o consumo de água tende a crescer, mediante a tendência do aumento da população, do contínuo desenvolvimento industrial e de outras atividades humanas. E alertam ainda, para o fato de que cada vez mais se retira água dos mananciais e se produz resíduos líquidos que voltam para seus recursos hídricos, alterando a sua qualidade. O mundo continuará a ter água, porém, será difícil utilizá-la devido a sua qualidade (AYER, 2012).

Acrescenta-se que o uso irracional dos recursos naturais em grande parte do planeta pôs em risco o bem essencial à vida humana que é a água, instaurando uma crise planetária, que vêm se tornando o maior problema do século

Metodologia

A presente pesquisa pode ser caracterizada como sendo de abordagem quantitativa que é adotada em pesquisas descritivas que ocorrem no âmbito social, econômico e mercadológico e que empregam a quantificação tanto na coleta de dados como em seu tratamento, fazendo uso de técnicas estatísticas como frequência, percentual, média, desvio-padrão entre outras mais complexas (OLIVEIRA,1997)

Esta pesquisa ocorreu em parceria com uma Universidade localizada na região Sul de Minas Gerais e contou com uma amostra probabilística de 567 estudantes voluntários, regularmente matriculados nos cursos de graduação, sendo eles Superior em Tecnologia, Bacharelado e Licenciatura. Obteve-se grau de confiabilidade de 99% e margem de erro de 5%.

Utilizou-se como método de coleta de dados um questionário que foi criado na plataforma online Google Forms. Os dados do Censo Demográfico Brasileiro efetivado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE e do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco – CBHSF acerca da elaboração de projetos de conscientização e mobilização social, subsidiaram o desenvolvimento das perguntas deste questionário que é constituído por 40 itens subdivididos em duas categorias: i) avaliação comportamental, visando conhecer a forma de interação dos estudantes com o meio em que encontram-se inseridos; ii) concepções acerca dos recursos hídricos, objetivando explicitar as informações e conhecimentos que os estudantes possuem em relação a interação com os recursos hídricos.

O questionário foi divulgado por meio de cartazes fixados nos murais distribuídos no interior da Universidade, do site institucional e pelo envio de mensagens via e-mail e WhatsApp e permaneceu disponível para preenchimento durante o período de 10 dias letivos. Os dados foram apresentados por meio de gráficos que possibilitam uma análise do percentual das respostas.

Resultados

O meio ambiente pode ser percebido de diferentes formas pelos indivíduos. Essa heterogeneidade de percepção é resultado do modo como interagimos com ele (KRZYSCZAK, 2016).

Sato (2002), salienta que nesse contexto “não existe o certo ou errado”, trata-se de concepções sobre o mundo, as quais podem manter diálogos ou buscar interfaces, e uma pessoa pode utilizar uma técnica ou outra, por meio da ação e da reflexão. Entretanto, Reigota (1991) esclarece, que é necessário conhecer as concepções das pessoas envolvidas sobre meio ambiente, pois só assim torna-se possível realizar de forma adequada a educação ambiental.

Os resultados obtidos nesta pesquisa, por meio das questões pertencentes a categoria comportamental, possibilitaram a análise de algumas posturas pertencentes ao cotidiano dos estudantes em relação a atividades rotineiras, que de certa forma, explicitam a preocupação e o cuidado relacionado à interação com os recursos hídricos.

Evidenciou-se, a existência de uma consciência predominantemente atenta aos cuidados com a utilização dos recursos hídricos em algumas atividades domésticas, como por exemplo, quanto a utilização de água para a limpeza de louças e a escovação de dentes. Em contrapartida, algumas situações requerem maior conscientização e mobilização a fim de provocar mudanças significativas de hábitos, como é o caso dos momentos destinados ao banho e à limpeza do carro e de áreas externas. É interessante perceber que, mesmo tratando-se de situações comumente apresentadas e debatidas em programas e projetos de conscientização ambiental, ainda existe a demanda latente por acentuar os debates e a reflexões.

Ainda quanto a avaliação comportamental, foi possível identificar a percepção que os estudantes possuíam a respeito da utilização dos recursos hídricos pela comunidade na qual estão inseridos, especificamente, como ocorria a interação entre as pessoas de seu convívio com os recursos hídricos. Indiretamente, estes dados remetem às crenças pessoais em relação a maneira como a água vem sendo utilizada e compreendida pela sociedade de forma geral.

Por meio dos dados coletados foi possível identificar que há grande desperdício de água, seja pela população civil, pelo governo municipal, pelas indústrias, pelos agricultores ou pecuaristas, segundo a percepção dos estudantes. Assim como, em relação a contaminação de água, acredita-se que boa parte dos setores apresentados contribuem para a inadequação de sua qualidade.

Ainda, nestes achados, constatou-se que a contaminação da água nas residências ocorre de forma bem inferior aos outros setores. Acredita-se que esta percepção esteja embasada na falta de conhecimento acadêmico e científico a respeito do real significado de contaminação e como ela ocorre a partir das atividades rotineiras domiciliares. Outro achado relevante, foi o número significativo de estudantes que se absteve de opinar, demonstrando passividade ou falta de conhecimento em relação aos itens propostos.

Ao analisar os dados relativos às concepções acerca dos recursos hídricos, identificou-se que quase a totalidade da amostra, 500 (88,18%) estudantes, consideram a água como sendo o recurso natural mais importante para o ser humano. De certa forma, esse indicador coloca a água e as questões relacionadas à ela em uma categoria de extremo destaque. Porém, de forma contraditória, nota-se que 359 estudantes (63,31%), apontam que a falta da água está associada, diretamente, a pouca importância que a comunidade atribui a esse recurso. É significativo, também, que apenas 315 estudantes (55,55%), concordam que a água potável refere-se a um recurso natural passível de término e 69 estudantes (12,16%), não acreditam na possibilidade da água potável findar-se.

Os mesmos 69 estudantes (12,16%), citados anteriormente, defendem que a abundância da água no planeta proporciona condições de uso sem o risco de vir a acabar um dia. Entretanto, segundo Santini (2006), inúmeras são as previsões relativas à escassez de água, mesmo existindo estudiosos que entendem o ciclo natural da água como um mecanismo que promove a sua recuperação, pois, na prática, não é o que se observa, tendo em vista os inúmeros fatores que interferem no ciclo hidrológico, podendo destacar a poluição, envenenamento das águas e desmatamentos.

Quanto aos problemas envolvendo a água, identificou-se a falta de consenso entre os estudantes em relação a associá-los a quantidade ou qualidade do recurso natural disponível. Constatou-se que 191 estudantes (33,68%), não conseguiram apresentar a percepção que possuem sobre as condições da água que consome e demonstraram desconhecimento a respeito do significado de contaminação e poluição. Igualmente, nota-se divergência quando se questiona sobre a existência de problemas de escassez pois 128 estudantes (22,57%), defenderam que a grande questão refere-se a má distribuição da água e não, devido a possibilidade de esgotamento. Essa informação é corroborada por 148 estudantes, (26,10%) que acreditam que existe muita água disponível no mundo mas que encontra-se desigualmente distribuída. Em contrapartida, 336 estudantes (59,25%), entendem que se a poluição continuar em ritmo crescente o planeta enfrentará sérios problemas de escassez hídrica.

Em relação a forma de lidar com os problemas da água, identificou-se que, na visão de 362 estudantes (63,84%), é possível reverter a situação se os homens cuidarem melhor dos recursos hídricos. Segundo essa mesma perspectiva, 347 estudantes (61,19%), acham que a ação de governantes podem influenciar, significativamente, no contexto da água no planeta mas, também, posicionaram-se quanto a necessidade de maior controle e fiscalização dos órgãos públicos, evitando assim a efetivação de um cenário de escassez hídrica.

Entretanto, apenas 296 estudantes (52,20%) atribuíram aos conhecimentos científicos a competência para solucionar o problema da escassez de água, e a grande maioria 451 (79,54%), associaram soluções às tomadas de decisões simples como a utilização da quantidade de água necessária para viver ou uma maior cobrança pela utilização dos recursos hídricos, 447 estudantes, (78,83%).

Conclusões

Observa-se que, por meio da aplicação do questionário apresentado neste estudo, os 567 estudantes envolvidos no experimento foram submetidos a um processo de reflexão e autoavaliação, ao utilizar dados advindos da observação do contexto sociocultural a que pertencem como principal fonte de referência. Desta forma, evidenciou-se que este momento introduziu, indiretamente, os estudos da educação ambiental voltados para os recursos hídricos em sus vidas, oportunizando aos participantes a explicitação de problemas por eles vivenciados, mas ainda não confrontados. Cabe frisar, que não houve a intenção de apresentação e explanação de conteúdos formais. Conforme Loureiro (2003), a prática de educação ambiental emancipatória inicia-se pelo diagnóstico, e deve oportunizar ao indivíduo o empoderamento necessário para solucionar problemas de sua realidade, pois, somente dessa forma, se conseguirá mobilizá-lo em prol da obtenção de condições para a efetivação de mudanças sociais.

As informações advindas do questionário, como por exemplo, o fato de relatarem o inadequado uso da água para limpeza de área externa ou a crença no acentuado desperdício da água em todos os setores sociais, subsidiaram a construção de um plano de ensino para a efetivação de um curso de extensão em Gestão de Recursos Hídricos, que posteriormente, foi oferecido para o mesmo público de estudantes investigados.

Neste sentido, os seguintes questionamentos demonstraram ser muito pertinentes: a água vai acabar? como não desperdiçar água durante as atividades cotidianas? como ajudar na fiscalização do uso da água em diferentes setores sociais?

Portanto, a seleção dos conteúdos formais prezou pela escolha de temáticas que pudessem oferecer aos estudantes, bases teóricas importantes para a resolução ou diminuição do impacto relacionado aos problemas inicialmente apresentados.

Logo, constatou-se a importância da efetivação de um processo diagnóstico planejado e sistematizado capaz de proporcionar informações significativas para a sustentação de projetos e ações educacionais voltadas para a formação ambiental. Torna-se evidente que a partir do levantamento e da análise das informações, as instituições de ensino passam a ter parâmetros para estruturação e organização de seus planos de ensino, bem como, são capazes de propor ações de pesquisa e extensão que reflitam adequadamente as demandas sociais, promovendo, por consequência, uma real mudança no meio social.

Sugere-se a continuidade do estudo e a aplicação deste questionário em outras instituições, inclusive, com uma amostra diferente, como forma de validar o instrumento utilizado, validar os dados obtidos ou encontrar novos achados.

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Ilustrações: Silvana Santos