Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
Início Cadastre-se! Procurar Área de autores Contato Apresentação(4) Normas de Publicação(1) Dicas e Curiosidades(7) Reflexão(3) Para Sensibilizar(1) Dinâmicas e Recursos Pedagógicos(6) Dúvidas(4) Entrevistas(4) Saber do Fazer(1) Culinária(1) Arte e Ambiente(1) Divulgação de Eventos(4) O que fazer para melhorar o meio ambiente(3) Sugestões bibliográficas(1) Educação(1) Você sabia que...(2) Reportagem(3) Educação e temas emergentes(1) Ações e projetos inspiradores(25) O Eco das Vozes(1) Do Linear ao Complexo(1) A Natureza Inspira(1) Notícias(21)   |  Números  
Relatos de Experiências
03/09/2020 (Nº 72) DO SOLO À BIOCONSTRUÇÃO: UMA AÇÃO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA ALDEIA INDÍGENA ITAPOÃ TUPINAMBÁ DE OLIVENÇA, ILHÉUS, BA
Link permanente: http://revistaea.org/artigo.php?idartigo=4026 
  

DO SOLO À BIOCONSTRUÇÃO: uma ação de Educação Ambiental na aldeia indígena Itapoã Tupinambá de Olivença, Ilhéus, BA

FROM SOIL TO BIOARCHITECTURE: an Environmental Education action in Itapoã Tupinambá indigenous village of Olivença, Ilhéus, BA

Vanessa Rodrigues dos Santos1, Silvia Kimo Costa2

1Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino e Relações Étnico-raciais da Universidade Federal do Sul da Bahia. Licenciada em Geografia. Professora da EJA na aldeia Itapoã Tupinambá de Olivença. bisarte@hotmail.com



2Doutora em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Arquiteta e Urbanista. Docente do Centro de Formação em Políticas Públicas e Tecnologias Sociais e do Programa de Pós-graduação em Biossistemas da Universidade Federal do Sul da Bahia. skcosta@ufsb.edu.br



Resumo: Este trabalho apresenta o relato de experiência da ação de educação ambiental referente ao tema “solo”, realizada no componente curricular Geografia para a turma de Educação de Jovens e Adultos (EJA) da aldeia indígena Itapoã Tupinambá de Olivença em Ilhéus, BA. A ação ocorreu durante o segundo semestre letivo de 2019. A metodologia compreendeu três etapas: a primeira - “o que aprendemos na aldeia”; a segunda - “o que a literatura técnico-científica tem as nos ensinar”, e a terceira - o compartilhamento das atividades com a Comunidade por meio de um Seminário de Biogeografia. Uma das atividades do Seminário foi a oficina de Bioconstrução para aprimorar o processo bioconstrutivo do Pau-a-Pique; tipologia arquitetônica vernacular predominante na aldeia. Cerca de 30 pessoas incluindo lideranças da Comunidade, discentes e crianças participaram do Seminário. A ação foi considerada positiva pelas/os discentes no que tange ao aprendizado do tema e foi sinalizada como estratégia educacional a ser empregada em outros componentes curriculares.

Palavras - chave: Educação Ambiental. Comunidades Tradicionais. Bioconstrução.

Abstract: This paper presents the experience report related to the environmental education action related to the earthenware theme, performed on the curricular component Geography for the Youth and Adult Education (EJA) class of the Itapoã Tupinambá indigenous village of Olivença in Ilhéus, BA. The action took place during the second academic semester of 2019. The methodology comprised three stages: the first - “what we learn in the village”; the second - “what the technical-scientific literature has to teach us”, and the third - the sharing of the activities with the Community through a Biogeography Seminar. One of the activities of the Seminar was the Bioarchitecture workshop to improve the bioconstructive process of Pau-a-Pique; vernacular architecture tipology prevalent in the village. About 30 people including community leaders, students and children participated in the Seminar. The action was considered positive by the students regarding the learning of the theme and was signaled as an educational strategy to be used in other curricular components.

Keywords: Environmental Education. Traditional Communities. Bioarchitecture.

INTRODUÇÃO

Este trabalho apresenta a ação de educação ambiental intitulada: “Do solo à Bioconstrução”. Tal ação, por sua vez, está vinculada à Pesquisa-ação: “Arquitetura Vernacular como expressão ambiental e cultural em habitações no Litoral Sul da Bahia” que vem sendo desenvolvida desde 2016.

A ação ocorreu durante o segundo semestre letivo de 2019 e objetivou compartilhar com as/os discentes da turma de Educação de Jovens e Adultos (EJA) - da aldeia indígena Itapoã Tupinambá de Olivença, Ilhéus, BA - o conhecimento técnico-científico referente ao tema “solo”. A ação foi idealizada ao constatar que saberes referentes ao tema têm sido utilizados intuitivamente pelas/os discentes quando participam do processo coletivo de construção das habitações em Pau-a-Pique na aldeia. O Pau-a-Pique é a tipologia arquitetônica vernacular predominante no local.

A metodologia compreendeu a discussão do tema no componente curricular Geografia, a partir do relato das/os discentes no processo de construção em mutirão das habitações; aulas expositivas abordando a literatura técnico-científica sobre o assunto e um Seminário de Biogeografia que possibilitou compartilhar as atividades desenvolvidas com toda Comunidade. Essa etapa também envolveu a realização de uma oficina de Bioconstrução para aprimorar a técnica bioconstrutiva do Pau-a-Pique, com enfoque na melhoria da resistência da argamassa de “barro”.

O artigo encontra-se organizado em três seções: a primeira apresenta os principais conceitos que nortearam a ação; a segunda descreve a metodologia utilizada e a terceira os resultados e discussão.



CONCEITOS NORTEADORES DA AÇÃO

De acordo com Jacobi (2003, p. 198) a Educação Ambiental (EA) pode ser entendida “como um processo de permanente aprendizagem que valoriza as diversas formas de conhecimento e forma cidadãos com consciência local e planetária”.

Segundo Carvalho (2017, p. 45), a EA “é uma proposta educativa no sentido forte, isto é, que dialoga com o campo educacional, com suas tradições, teorias e saberes”; se caracteriza pela não compartimentalização do conhecimento em disciplinas, possibilitando modificar o que se entende por prática pedagógica. Por esse motivo a EA não se restringe ao ambiente da sala de aula e abre-se aos saberes populares.

Nesse contexto a EA busca melhorar as condições ambientais de existência das comunidades e dos grupos, valorizando as práticas culturais locais de manejo do ambiente. Nesse sentido, o ambiente apresenta-se como espaço onde se dá, na prática cotidiana, o encontro com a Natureza e a convivência dos grupos humanos. É nessa teia de relações sociais, culturais e naturais que as sociedades produzem suas próprias formas de viver (CARVALHO, 2017, p. 148).

No contexto das Comunidades Indígenas, a EA possibilita uma relação mais estreita entre o processo educativo e a realidade vivida, estruturando atividades pedagógicas baseadas em problemas reais e imediatos (SILVA, 2013; ARAÚJO et. al., 2013; TOLEDO; PELICIONI, 2009). Segundo Oliveira et. al. (2019) é necessário refletir a EA enquanto diálogos de saberes, pois:

(...) em relação aos ambientes indígenas, podemos considerar que estes são representados por sua riqueza de biodiversidade, onde a sustentabilidade remete a um equilíbrio ecológico articulado com as cosmologias das sociedades indígenas, envolvendo aí as condições de vida para além da dicotomia cultura-natureza, ou seja, nas relações entre humanos e não humanos (OLIVEIRA et. al., 2019, p. 274).

O Pau-a-Pique, por sua vez, pode ser descrito como:

(...) uma técnica mista, que consiste em armar uma estrutura de ripas de madeira ou bambu, preenchidas com barro e fibra. A trama pode ser amarrada com seda em rama, linho, cânhamo, tucum, imbé ou buriti, bem como, outros diversos gêneros próprios para cordas, conhecidas no Brasil pelo nome de embiras. Assim, com a trama armada e amarrada, o barro é posto sob pressão sobre a malha de bambu e ou ripas formando uma parede sólida (BARBOSA et al., 2011, p. 03).

A técnica vem sendo praticada desde o período colonial e incorporou, ao longo dos séculos, características indígenas e africanas (LIMA JUNIOR, 2007). Dessa forma, são as Comunidades Tradicionais que concentram a maior quantidade de edificações construídas com tal técnica bioconstrutiva (COSTA, 2019).

No que tange à Arquitetura Vernacular, essa pode ser entendida como um processo construtivo transmitido através das gerações, cuja tipologia é influenciada por condições geográficas, climáticas, por aspectos socioculturais e, por esse motivo, sua manifestação ocorre de maneira diferenciada em diversas partes do mundo (DONOVAN; GKARTZIOS, 2014; OLIVER, 2006; ASQUITH; VELLINGA, 2005).

O Pau-a-Pique é uma das tipologias da Arquitetura Vernacular brasileira (SANTOS; COSTA, 2018) e é uma referência de construção sustentável do ponto de vista sócio-econômico-ambiental e cultural, pois apresenta baixo consumo de energia associado; é constituído por materiais naturais e recicláveis; apresenta conforto térmico decorrente da baixa condutividade térmica; provoca baixo impacto ambiental no Ecossistema local; e é uma prática importante para manutenção do processo cultural de construção em mutirão (COSTA, 2019; CORDEIRO et al.; 2018; GONÇALVES; GOMES, 2012; PINHEIRO, 2010).

Quanto aos termos “barro”, “terra crua”, ambos são comumente empregados em referência ao solo e especificamente quando se trata de edificações construídas predominantemente com terra (PISANI, 2004; SILVA, 2000). Já por “solo” compreende-se: partículas (minerais e orgânicas) depositadas em camadas (horizontes) devido à ação da chuva, do vento, do calor, do frio e de organismos (fungos, bactérias, minhocas, formigas e cupins) que vão desgastando as rochas de forma lenta no relevo do planeta (EMBRAPA online).

A compreensão de tais conceitos norteadores foram imprescindíveis para a ação de educação ambiental no que tange ao diálogo de saberes entre a docente do componente curricular Geografia e as/os discentes que vivenciam o processo construtivo em pau-a-pique na aldeia.

Dessa forma, a ação compreendeu três etapas: 1ª “O que aprendemos na aldeia” que consistiu em ouvir o que as/os discentes (EJA) aprenderam sobre o solo com os responsáveis por transmitir o conhecimento vernacular de construção das casas em Pau-a-Pique na Comunidade. 2ª “O que a literatura técnico-científica tem as nos ensinar”, essa etapa possibilitou o compartilhamento de conceitos e procedimentos para identificação e análise dos diferentes tipos de solo. E a 3ª etapa compreendeu um Seminário de Biogeografia aberto à toda aldeia.



METODOLOGIA

A aldeia indígena Itapoã localiza-se no Distrito de Olivença, município de Ilhéus, precisamente nas coordenadas 15o 00 '06” Sul 39o 00' 04” Oeste. Ilhéus situa-se no Litoral Sul do Estado da Bahia também conhecido como Costa do Cacau. A aldeia pertence ao Território dos Tupinambá e está próxima ao mar (Figura 1).

Figura 1 -- Mapa temático - Território Indígena Tupinambá de Olivença, Ilhéus, BA. Fonte: Adaptado do Relatório Antropológico, FUNAI, Ilhéus, BA (2018).

A ação de Educação Ambiental foi desenvolvida ao longo do segundo semestre letivo do ano de 2019. As atividades da 1ª etapa (O que aprendemos na aldeia) e da 2ª etapa (O que a literatura técnico-científica tem as nos ensinar) ocorreram na sala de aula da turma de Educação de Jovens e Adultos (EJA), durante o Componente Curricular Geografia. Já o compartilhamento dos resultados das atividades com toda Comunidade ocorreu na “Oca” central da aldeia por meio de um Seminário de Biogeografia.

Pontua-se que a ação se pautou no protocolo de aprovação do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) registado sob o no 2.552.460/ 2018.

1ª Etapa: “O que aprendemos na aldeia”

Essa etapa compreendeu a discussão do tema solo e seu uso na construção das habitações da aldeia a partir do relato de cada discente. Foi elaborado e utilizado um roteiro estruturado (Quadro 1):



Quadro 1 -- Roteiro estruturado para discussão da temática solo a partir do vivenciar da/o discente. Elaborado pela equipe da ação.

Aspecto do solo da aldeia

Descrição

Cor

Escuro – indica presença de matéria orgânica

Vermelho – indicam condições de boa drenagem e aeração

Claro – presença de minerais claros

Acinzentado – saturação com água

Amarelado – úmido e com boa drenagem

Manchas amareladas, vermelhas e pretas (Mosqueado)

Textura (sensação ao toque)

Áspero, mas não é pegajoso e nem plástico - arenoso

Sedoso, é plástico, mas não é pegajoso - siltoso

Plástico e pegajoso - argiloso

Porosidade

Espaço existente entre as partículas sólidas e os agregados do solo.

Podem ser muito pequenos (menor que 1mm) ou muito grandes (maior que 10mm).

Preparo do solo para “barrear” (construção da parede em Pau-a-Pique)

Processo de extração do solo

Preparo da “argamassa”

Aplicação




2ª etapa: “O que a literatura técnico-científica tem as nos ensinar”

Essa etapa compreendeu aulas expositivas e discussão com base na literatura técnico – científica sobre o tema solo e sobre o processo bioconstrutivo do Pau-a-Pique. O quadro 2 apresenta os assuntos compartilhados.

Após as atividades desenvolvidas em sala de aula, a turma de discentes (EJA) foi dividida em dois grupos e cada grupo confeccionou uma maquete de habitação construída em Pau-a-Pique utilizando os materiais naturais disponíveis no local (Figura 2).

Quadro 2 -- Assuntos compartilhados com as/os discentes sobre o tema solo com base na literatura técnico-científica. Elaborado pela equipe da ação com base em Santos et. al (2018); Costa (2019); Pisani (2004).

Assunto

Descrição do conteúdo

Morfologia do solo (conteúdo básico)

Conceito de morfologia

Horizontes pedogenéticos

Características morfológicas do perfil do solo (conteúdo básico)

1 Características morfológicas internas:

  1. Espessura e transição entre horizontes

  2. Cor

  3. Textura

  4. Porosidade

  5. Consistência

  6. Cerosidade

  7. Slickensides

  8. Nódulos e concreções minerais

2 Características morfológicas externas:

  1. Localização

  2. Situação e declive

  3. Altitude

  4. Litologia

  5. Vegetação

  6. Relevo local e regional

  7. Drenagem

  8. Erosão

  9. Pedregosidade e rochosidade

  10. Uso atual

Descrição morfológica do perfil do solo (conteúdo Básico)

1 Implica em selecionar local para extração de amostra

2 Exame morfológico do perfil

3 Coleta de amostras

4 Descrição do perfil do solo (descrição geral; morfológica; análises físicas e químicas e mineralógicas)

Análise da parede bioconstruída em Pau-a-Pique

1 Patologias que podem aparecer em função do tipo de solo utilizado.

2 Vantagens da construção em Pau-a-Pique: a) baixo consumo de energia associado; b) material reciclável; c) conforto térmico decorrente da baixa condutividade térmica; d) baixo impacto ambiental no Ecossistema local; e) importante para manutenção do processo cultural de construção em mutirão.




Figura 2 -- Maquetes confeccionadas pelas/os discentes da EJA da aldeia indígena Itapoã Tupinambá de Olivença. Crédito das imagens: Marilindi Venturin (2019).



3ª etapa: Seminário de Biogeografia

Por conseguinte, as atividades foram compartilhadas com toda Comunidade através do Seminário de Biogeografia nos dias 18 e 19 de novembro de 2019. No dia 18 foram apresentados os conteúdos discutidos com as/os discentes durante as aulas.

No dia 19 foi realizada uma oficina de Bioconstrução, com a participação de profissionais das áreas de Arquitetura e Engenharia Civil (que trabalham com Bioconstrução), para demonstrar na prática procedimentos que aprimoram a técnica bioconstrutiva do Pau-a-Pique, com enfoque na melhoria da resistência da argamassa de “barro”.



RESULTADOS E DISCUSSÕES

Barro para “barrear”

Na aldeia Itapuã Tupinambá de Olivença, a construção em Pau-a-Pique é realizada conforme as seguintes etapas:

a) Escolha do local onde será construída a edificação;

b) Mutirão (toda Comunidade) para coleta dos materiais que estruturam a edificação. São selecionados troncos naturais na “Matinha” da aldeia, das seguintes espécies: Biriba - Eschweilera ovata Cambess. Mart. Ex Miers; Aderno - Emmotum affine Miers; Inhaíba - Lecythis lurida (Miers) S. A. Mori e Musserengue - Vochisia lucida Klotzsch ex M.R. Schomb;

c) Montagem da estrutura da edificação e da trama (composta por galhos amarrados com cipó ou fixados com pregos) que irá segurar a argamassa de “barro”. Essa etapa é realizada por 3 ou 4 pessoas;

d) Cobertura da estrutura com telhas de fibrocimento. Também realizada por 3 ou 4 pessoas;

e) Mutirão (toda Comunidade) para taipagem. Essa etapa compreende a coleta da argila in loco; o preparo da argamassa composta por argila, água e cascas de árvores ou palha (fibra natural); o “pisoteio” (mistura); o transporte da argamassa (em baldes e/ou carrinhos de mão) e o “barrear”. O barrear é o processo de cobertura da trama com a argamassa de “barro” que foi preparada. A argamassa é lançada com as mãos nos dois lados da trama e pressionada.

As etapas ocorrem em épocas diferentes, pois dependem das condições climáticas, por esse motivo a construção de uma edificação leva cerca de 45 a 60 dias para ser concluída.

Segundo Costa (2019) há um sentido de coletividade na aldeia indígena Itapoã Tupinambá de Olivença que fortalece o compromisso com a preservação do Meio Ambiente e da cultura local desde o planejamento à construção da habitação. É nesse contexto que os saberes sobre o solo são transmitidos pelos indígenas mais velhos aos mais jovens.

As/os discentes relataram que o solo na aldeia tem coloração vermelho - amarelada (Figura 3) e, quando molhado, torna-se pegajoso. A depender da sensação ao tocar o solo, é necessário acrescentar mais ou menos água, mais ou menos areia, no preparo da argamassa de barro para o barrear.

Figura 3 -- Argila utilizada para construção das habitações em Pau-a-Pique na aldeia indígena Itapoã Tupinambá de Olivença. Crédito da imagem: Marilindi Venturin (2019).



Após compartilhar o conteúdo técnico – científico com as/ os discentes. A turma descreveu a morfologia preliminar do perfil do solo, ou seja, uma descrição geral do perfil, e concluiu-se que o solo da aldeia pode ser classificado como argiloso. Ou seja, caracteriza-se pela predominância de grãos microscópicos, cores vivas e alta impermeabilidade.

A argila é plástica, aglutinada e ideal para ser usada como argamassa de assentamento. Entretanto, é comum observar paredes de pau-a-pique com enormes fissuras. Segundo Neves e Farias (2011, p. 36):

(...) areia é responsável pela estruturação (resistência), (...) já a argila responde pela aglutinação ou coesão das partículas de terra. Entretanto, a argila é também responsável pelo efeito de retração da terra durante a secagem e a ocorrência de fissuras. Por isso, às vezes é necessário adequar a terra disponível.

Constatou-se que todas as edificações construídas em pau-a-pique na aldeia apresentam paredes com grandes fissuras (Figura 4).

Figura 4 -- Parede de Pau-a-Pique de uma das edificações com grandes fissuras - aldeia indígena Itapoã Tupinambá de Olivença. Crédito da imagem: Marilindi Venturin (2019).



Além da sala de aula

Durante o Seminário de Biogeografia, no dia 18 de novembro de 2019, as atividades desenvolvidas em sala de aula foram compartilhadas com a Comunidade (Figura 5).

Figura 5 -- Atividades que foram desenvolvidas em sala de aula compartilhadas com a Comunidade. Crédito da imagem: Marilindi Venturin (2019).

No dia 19 ocorreu a oficina de Bioconstrução, cuja proposta foi a correção das grandes fissuras das paredes em Pau-a-Pique por meio do revestimento com argamassa de “barro” de melhor consistência e maleabilidade. Como objeto de intervenção foi escolhida a edificação que abriga a escolinha da aldeia.

A argamassa foi composta por: argila extraída in loco, areia, água, piaçava (fibra natural) e foi acrescentada a “baba de palma” para dar liga e elasticidade. A Palma (Opuntia ficus-indica) é uma espécie de cacto, comum em regiões de clima semiárido. Na aldeia Itapoã Tupinambá de Olivença a planta cresce entre as habitações.

O traço (proporção da quantidade de materiais) foi definido para uma área de cobertura inicial de 6m² (2m de largura x 3m de comprimento). A água foi acrescentada aos poucos enquanto ocorria o processo de mistura por meio do pisoteio. A figura 6 mostra, respectivamente, a retirada da argila in loco, as folhas da palma e o preparo da piaçava.

Figura 6 -- Retirada da argila silte-arenosa in loco, as folhas da palma e o preparo da piaçava. Crédito da imagem: Marilindi Venturin (2019).



A figura 7 mostra o processo de pisoteio que contou com a participação de algumas crianças da aldeia. Posteriormente, a argamassa de “barro” foi aplicada nas paredes internas da escolinha (Figura 8).

Figura 7 -- Processo de pisoteio da argamassa de barro. Crédito da imagem: Marilindi Venturin (2019).



Figura 8 -- Sala de aula da escolinha da aldeia indígena Itapoã Tupinambá de Olivença e parte do revestimento de argamassa de barro. Crédito da imagem: Marilindi Venturin (2019).

Cerca de 30 pessoas, incluindo a professora, lideranças, além das/os discentes e crianças participaram do Seminário de Biogeografia. Durante os dois dias a professora, as/os discentes e profissionais convidados das áreas de Arquitetura e Engenharia Civil trocaram conhecimento/ aprendizado com a Comunidade.

A ação de educação ambiental (todas as etapas) foi considerada positiva pelas/os discentes no que tange ao aprendizado do tema e foi sinalizada como estratégia educacional a ser empregada em outros componentes curriculares.



CONSIDERAÇÕES FINAIS

Segundo Carvalho (2017) a Educação Ambiental não se restringe ao ambiente escolar, envolve práticas socioeducativas não formais praticadas pela comunidade local. Uma teia de relações sociais, culturais e naturais concernentes à EA Popular.

Essa teia é perceptível na aldeia Itapoã Tupinambá de Olivença. Há uma estreita relação entre a Comunidade e seu espaço territorial; um senso de preservação da mata local, de seu entorno imediato e da coletividade inerente ao processo vernacular de construção das habitações.

Os mais velhos ensinam sobre o solo, suas cores, textura, fertilidade; ensinam sobre os espécimes da mata local que podem ser extraídos, em que quantidade e quando podem ser extraídos, sem comprometer o Ecossistema. A ação de educação ambiental realizada apenas reforçou esse processo, funcionando como um link entre a educação formal e não formal ali praticada.



BIBLIOGRAFIA

ASQUITH, Lindsay.; VELLINGA, Marcel. Vernacular Architecture in the Twenty-first century. London and New York: Taylor & Francis Group, CRC Press, 2005.

ARAÚJO, Fábio Xavier; SANTOS, Erick Silva dos; ESTEVES, Luciana Uchôa; SILVA, Taline de Lima. Educação ambiental nas sociedades indígenas brasileiras: uma breve análise. HOLOS, v. 5, p. 282-292, 2013. DOI: https://doi.org/10.15628/holos.2013.1710

BARBOSA, Juliana C.; MORALES, Elen A. M.; SOUZA, Alexandre J. D. de.; CAMPOS, Cristiane. I. de.; ARAÚJO, Victor. A. de. Estudo de tipologias construtivas vernaculares em madeira pós-enchente em São Luiz do Paraitinga, Brasil. In: CIMAD 11 – 1º Congresso Ibero-Latino Americano da Madeira na Construção, 2011. Anais do CIMAD 11, Coimbra, Portugal, 2011, p. 1-7.

CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Educação ambiental e a formação do sujeito ecológico. São Paulo: Cortez, 2017.

CORDEIRO, Carol Cardoso Moura; BRANDÃO, Douglas Queiroz; DURANTE, Luciane Cleonice; CALLEJAS, Ivan Júlio Apolônio. Construções vernáculas em terra: perspectiva histórica, técnica e contemporânea da taipa de mão. PARC Pesquisa em Arquitetura e Construção, v. 10, p. 1-19, 2018. http://dx.doi.org/10.20396/parc.v10i0.8651212

COSTA, Silvia Kimo. Sustentabilidade do processo construtivo habitacional vernacular na aldeia Indígena Itapoã Tupinambá de Olivença/BA/Brasil. Revista Iberoamericana de Ciências Ambientais, v. 10, n. 1, p. 65-76, 2019. DOI: 10.6008/CBPC2179-6858.2019.001.0006

DONOVAN, Kevin; GKARTZIOS, Menelaos. Architecture and rural planning: Claiming the Vernacular. Land Use Policy, v. 41, p. 334-343, 2014. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.landusepol.2014.06.013.

EMBRAPA. Contando Ciência na Web - Solos. Disponível: https://www.embrapa.br/contando-ciencia/solos. Acesso em dez. 2019.

GONÇALVES, Teresa Diaz; GOMES, Maria Idália. Construção de terra crua: potencialidades e questões em aberto. In: Jornadas LNEC. Anais do LNEC, 2012, p. 1-7. Disponível:https://www.researchgate.net/profile/Teresa_Diaz_Goncalves/publication/268352912_CONSTRUCAO_DE_TERRA_CRUA_POTENCIALIDADES_E_QUESTOES_EM_ABERTO/links/5481ffe80cf2e5f7ceac1f6a/CONSTRUCAO-DE-TERRA-CRUA-POTENCIALIDADES-E-QUESTOES-EM-ABERTO.pdf. Acesso em nov. 2019.

JACOBI, Pedro. Educação ambiental, cidadania e sustentabilidade. Cadernos de Pesquisa, n. 118, p. 189-205, mar/2003. DOI: https://doi.org/10.1590/S0100-15742003000100008

LIMA JUNIOR, Genival Costa. Arquitetura Vernacular Praieira. Recife: Animarte Consultoria, 2007.

NEVES, Célia; FARIAS, Obede Borges. Tecnologias de construção com terra. Bauru: FEB-UNESP/ PROTERRA, 2011.

OLIVEIRA, Daciene; ADOMILLI, Gianpaolo; TEMPASS, Mártin Cesar. Notas sobre turismo indígena e educação ambiental a partir de uma experiência etnográfica em andamento junto aos mbya-guarani em Domingos Petroline – RS. Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental, n. 2, p. 273-286, 2019. DOI: https://doi.org/10.14295/remea.v0i2.8914

OLIVER, Paul. Built to meet needs: cultural issues in Vernacular Architecture. Oxford: Elsevier LTDA, 2006.

PINHEIRO, Felipe Augusto. Bioconstruções em Comunidades Tradicionais. In: TERRA BRASIL, III Congresso de Arquitetura e Construção com Terra no Brasil. Anais do TERRA BRASIL, Campo Grande, MS, 2010, p. 445 - 454.

PISANI, Maria Augusta Justi. Taipas: A Arquitetura de Terra. Sinergia, v. 5, n. 1, p. 09-15, 2004. Disponível: https://www.researchgate.net/profile/Maria_Augusta_Pisani/publication/271829655_TAIPAS_A_ARQUITETURA_DE_TERRA/links/54d27cd10cf2b0c61469bf06.pdf. Acesso em jan. 2020.

SANTOS, Sorais Costa dos; COSTA, Silvia Kimo. Arquitetura Vernacular ou popular brasileira: conceitos, aspectos construtivos e identidade cultural local. Cadernos de Arquitetura e Urbanismo, v. 24, n. 35, p. 218-258, 2018. DOI: 10.5752/P.2316-1752.2017v24n35p218

SANTOS, Humberto Gonçalves dos; JACOMINE, Paulo Klinger Tito; ANJOS, Lúcia Helena Cunha dos; OLIVEIRA, Virlei Álvaro de; LUMBRERAS, José Francisco; COELHO, Maurício Rizzato; ALMEIDA, Jaime Antonio de; ARAÚJO FILHO, José Coelho de; OLIVEIRA, João Bertoldo de; CUNHA, Tony Jarbas Ferreira. Sistema Brasileiro de classificação dos solos. Brasília: EMBRAPA SOLOS, 2018.

SILVA, Claúdia Gonçalves Thaumaturgo. Conceitos e Preconceitos relativos às Construções em Terra Crua. 155fl. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Escola Nacional de Saúde Pública/ Fundação Oswaldo Cruz Subárea Saneamento e Saúde Ambiental, Rio de Janeiro, 2000.

SILVA, Sidnei Felipe da. Educação ambiental em Terras indígenas Potiguara: concepções e possibilidades na educação de jovens e adultos nas escolas estaduais indígenas no município de Rio-Tinto, PB. 141fl. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.

TOLEDO, Renata Ferraz de.; PELICIONI, Maria Cecília Focesi. A educação ambiental e a construção de mapas-falantes em processo de pesquisa-ação em comunidade indígena na Amazônia. INTERACÇÕES, n. 11, p. 193-213, 2009. Disponível: http://www.eses.pt/interaccoes. Acesso em jan. 2020.

Ilustrações: Silvana Santos